Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 163/2019-T
Data da decisão: 2020-01-10  IVA  
Valor do pedido: € 156.277,68
Tema: IVA – Ginásios – Serviços de nutrição – “Pacote” de serviços. Recurso de revisão de decisão arbitral; Instância internacional de recurso – Decisão Arbitral (anexa à decisão)
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DECISÃO ARBITRAL

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de revisão da decisão arbitral proferida no presente processo, ao abrigo do artigo 696.º, alínea f) do CPC, para que remete o artigo 293.º, n.º 1, do CPPT, que estabelece que a decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando «seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português».

                Neste caso, a decisão que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca como fundamento do recurso de revisão é uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferida em processo de reenvio prejudicial, no processo n.º C-581/19, junta aos autos.

                Não estando prevista no CPPT a tramitação dos recursos de revisão, na fase anterior à sua admissão, será aplicável subsidiariamente o regime do processo civil, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

                Por isso, nos termos do artigo 699.º n.º 1, do CPC, há que proferir uma decisão liminar sobre a admissibilidade do recurso: «o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão».

                No caso em apreço, «não há motivo para a revisão», pois é manifesto que o acórdão do TJUE invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira não é proferido por «uma instância internacional de recurso».

                Na verdade, desde logo, não há qualquer recurso que possa ser interposto para o TJUE de decisões judiciais portuguesas, pelo que não pode ser considerada uma instância internacional de recurso para efeito da legislação processual portuguesa, que é que está em causa aplicar.

                Por outro lado, mesmo que se entenda que possam ser fundamento de recurso de revisão decisões proferidas pelo TJUE em acções de incumprimento instauradas pela Comissão Europeia contra Portugal ao abrigo do art. 258.º do TFUE (como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 02-07-2014, processo n.º 0360/13), no caso de acórdãos do TJUE proferidos em reenvio não se está perante uma acção desse tipo, pelo que não há razão para aplicar essa jurisprudência.

                O TJUE nos processos de reenvio prejudicial não é uma instância de recurso, pois a sua decisão é anterior à decisão final do processo nacional e nenhuma das partes no processo tem a possibilidade de apelar para o TJUE.

                Aliás, para além de ser evidente, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que as intervenções do TJUE em processo de reenvio não são assumidas na veste de instância de recurso, mas sim de colaboração entre juízes, como tem afirmado, inclusivamente, o próprio TJUE:

– 28     Note se, a este respeito, que o artigo 234.° CE  não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente num tribunal nacional e que não basta, portanto, que uma das partes alegue que o litígio suscita uma questão de validade do direito comunitário para que o tribunal em questão seja obrigado a considerar que se suscita uma questão nos termos do artigo 234.° CE 

–  9      Com efeito, o reenvio prejudicial assenta num diálogo de juiz a juiz, cujo início depende inteiramente da apreciação que o órgão jurisdicional nacional faça da pertinência e da necessidade do referido reenvio (acórdãos do TJUE Kempter, de 12-02-2008, processo C‑2/06, , n.° 41; Cartesio, C‑210/06, n.° 90; e VB Pénzügyi Lízing Zrt., de 09-11-2010, processo C-137/08);

 – “The relationship between national courts and the CJEU is reference-based. It is not an appeal system. No individual has a right of appeal to the CJEU. It is for the national court to make the decision to refer. The CJEU will rule on the issues referred to it, and the case will then be sent back to the national courts, which will apply the Union law to the case at hand” (   );

                – «De acordo com o número 3 do artigo 4.º do mesmo Tratado, cabe aos Estados-Membros assegurar a execução das obrigações decorrentes dos Tratados e facilitar o cumprimento da missão da União Europeia. Desta dicotomia resulta uma necessidade de diálogo entre os órgãos jurisdicionais nacionais e europeus, razão pela qual se viria a prever o instituto jurídico do reenvio prejudicial, não como uma via de recurso, mas sim como um processo especial de cooperação direta, capaz de garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito da UE através de todo o seu território» (   );

– «1 - Um pedido de reenvio prejudicial não serve para impugnar uma decisão judicial;

2 - A decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito de tal pedido não tem por finalidade revogar decisões judiciais proferidas por Tribunais nacionais;

3 - Tal pretensão não tem como função afrontar qualquer interpretação alegadamente errónea de normas internas ou aferir da violação de normas constitucionais dos diversos Estados-Membros;

4 - Uma questão prejudicial corresponde a uma pergunta/pedido de solução orientada para a obtenção de uma resposta que um órgão jurisdicional nacional de um Estado da União repute necessária para estear a solução de um litígio que lhe cumpra dirimir;

5 - O seu objecto exclusivo é o Direito da União e o esforço de avaliação solicitado ao Tribunal de Justiça da União Europeia corresponde à interpretação ou formulação de juízo de validade incidente sobre esse Direito;

6 - No seio de um pedido de reenvio, o órgão jurisdicional nacional pede ao Tribunal de Justiça da União Europeia que formule a adequada leitura de uma norma jurídica do Direito dessa União cuja interpretação seja relevante para a solução do litígio que lhe cumpra concretizar» (   )

                De resto, a Autoridade Tributária e Aduaneira no requerimento que apresentou nem sequer explica qual a razão ou fundamento legal para que o TJUE possa ser considerado uma instância de recurso.

                Os fundamentos de revisão de sentença previstos no artigo 696.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 293.º, n.º 1, do CPPT e 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT são taxativos, como resulta do teor expresso do corpo daquele artigo 696.º: «a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando ...».

                Tratando-se de normas excepcionais que permitem eliminar a força do caso julgado e a obrigatoriedade geral que dela decorre (artigo 205.º, n.º 2, da CRP), elas não podem ser aplicáveis analogicamente a situações nelas não previstas (artigo 11.º do Código Civil), designadamente, a decisões de instâncias internacionais que não sejam, à face da legislação nacional, «instâncias de recurso».

                Pelo exposto, indefere-se o requerimento de recurso de revisão apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, por ser manifesto não haver fundamento para a revisão, designadamente o fundamento invocado, por a decisão do TJUE invocada não ter sido proferida por uma instância internacional de recurso.

                Sendo de indeferir o recurso com este fundamento fica prejudicada, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º2, do CPC ), a apreciação de outros requisitos do recurso de revisão ao abrigo da alínea f) do artigo 696.º do CPC, designadamente as questões de saber se a decisão do TJUE proferida no processo no processo n.º C-581/19 é inconciliável com a decisão arbitral preferida no presente processo e se deve considerar-se vinculativa para o Estado Português para efeitos daquela norma.

 

                Lisboa, 13-07-2021

 

Os Árbitros

 

(José Pedro Carvalho)

(Cristina Coisinha)

(Álvaro Caneira)

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros José Pedro Carvalho (árbitro-presidente), Cristina Coisinha e Álvaro Caneira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:

 

I. Relatório

 

1. A..., SA, pessoa coletiva nº..., com sede na Rua ..., ..., ..., ..., ..., ...-... ..., na sequência de indeferimento expresso de reclamação graciosa, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º10/2011, de 20/01 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)), visando a declaração de ilegalidade e anulação de atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e de juros compensatórios, relativos a diversos períodos mensais dos anos de 2013 e 2014, no valor global € 156 277,68, com todas as consequências legais, designadamente a extinção dos respetivos processos de execução fiscal e processos de contraordenação.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. Como fundamento do pedido, apresentado em 08-03-2019, a Requerente alega vícios de ordem formal e de ordem material. No plano formal, alega a Requerente que a AT não logrou fundamentar suficientemente o relatório de inspeção, de modo a justificar a sua posição, o que conduz à ilegalidade dos atos de liquidação, com fundamento no artigo 268.º, n.º 3, da CRP e artigo 77.º, n.º 1, da LGT. No plano material, a AT terá incorrido em erro nos pressupostos - errada interpretação e aplicação da lei – entendendo que apenas as consultas avulsas de nutrição faturadas pela Requerente estão isentas de IVA enquanto as consultas anuais, faturadas mensalmente, não estão, no entendimento da AT, isentas de IVA, por se configurarem como prestações acessórias de prestação principal que, segundo aquele entendimento, é a prestação de serviços de ginásio, esta sujeita a imposto à taxa normal.

Sustenta, pois, a Requerente que, ao promover as liquidações impugnadas, a AT violou os princípios da justiça, da proporcionalidade fiscal e da prevalência da substância sobre a forma.

A título subsidiário, a Requerente considera que na hipótese de os serviços de nutrição não serem abrangidos pela isenção de IVA, o cálculo do imposto deveria ser feito “por dentro”, nos termos do artigo 49.º do Código do IVA, considerando-se o imposto incluído no preço final da prestação efetuada aos clientes, consumidores finais.

 

3. Em resposta ao solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, considerando dever manter-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados e, em conformidade, decidindo-se pela absolvição da Requerida.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

6. Devidamente notificadas dessa designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 22-05-2019.

 

8. Regularmente constituído, o Tribunal Arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

9. As Partes, devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

10. Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas questões prévias ou exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito, encontrando-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

 

11. Por requerimento apresentado a 03-10-2019, a Requerente pediu o aproveitamento, nos presentes autos, dos depoimentos prestados no processo arbitral n.º 161/2019T do CAAD. Notificada para se pronunciar a esse propósito, a Requerida declarou nada opor ao requerido, mantendo, todavia, o interesse na inquirição das testemunhas B..., C..., D... e E..., ao teor dos artigos 18º, 20º, 24º, 27.º, 31.º, 35º, 73º, 79 e 130º do requerimento inicial.

 

12. Pelo que, por despacho de 14-10-2019, foi,  ao abrigo do disposto no artigo 421.º do Código de Processo Civil, aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT, deferido o requerido aproveitamento dos depoimentos prestado no processo n.º 161/2019T  do CAAD, sendo designado o dia 05-11-2019, pelas 14.00 horas, para a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e inquirição das testemunhas referidas à matéria indicada.

 

13. A pedido da Requerente, e havendo acordo da Requerida, foi reagendada a referida reunião para o dia 28 do mesmo mês.

 

14. Na referida reunião, com a presença dos todos os elementos que integram o Tribunal, designadamente os representantes de ambas as Partes, foi, pela representante da Requerente, ditado para a ata o seguinte requerimento:” Tendo em conta as decisões proferidas nos vários processos em que os sujeitos passivos do Grupo F... sobre a mesma matéria nos autos, requer-se o aproveitamento da prova do Processo n.º 373/2018-T, já transitado em julgado, bem como o aproveitamento da prova no Processo n.º 159/2019-T, sendo que relativamente ao processo em análise apenas se ouvirão as testemunhas D... e E..., relativamente ao clube de ... e à matéria constante dos artigos 18.º, 20.º, 27.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º e 36.º da petição inicial.” A representante da Requerida declarou nada ter a opor ao requerido.

 

15. Ouvidas as Partes, o Tribunal determinou o aproveitamento da prova testemunhal produzida nos processos n.ºs 373/2018-T e 159/2019-T, bem como o envio das gravações áudio às Partes e ao Tribunal e a junção aos autos do respetivo envio da gravação dos referidos depoimentos.

 

16. Procedeu-se, assim, à inquirição das testemunhas, que responderam às questões colocadas pelas representantes da Requerente e da Requerida.

 

17. Em cumprimento do disposto no artigo 18.º, n.º2, do RJAT, o Tribunal deliberou que a decisão final será proferida até ao fim do prazo fixado no artigo 21.º, n.º 2, do mesmo diploma, sendo lavrada a competente ata.

 

II. Matéria de facto

 

18. Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, destacam-se os seguintes elementos factuais, que, com base na prova documental junta aos autos, e depoimentos das testemunhas, se consideram provados:

 

18.1. A sociedade A..., S:A., foi constituída sob a forma jurídica de sociedade anónima em 30 de Novembro de 2006, encontrando-se, atualmente, inscrita pela exercício das atividades de “OUTRAS ACTIVIDADES DESPORTIVAS, N.E.”, a que corresponde o CAE 93192, como atividade principal e “ACTIVIDADES DE BEM ESTAR FISICO”, a que corresponde o CAE 98040, “OUTRAS ACTIVIDADES DE SAUDE HUMANA, N.E.” a que corresponde o CAE 86906 e de “FORMAÇÃO PROFISSIONAL”, a que corresponde o CAE 85591, como atividades secundárias.

 

18.2. De acordo com a certidão permanente – código de acesso ...– o seu objeto social consiste na “Criação, promoção e exploração de health clubs, gestão, formação e consultoria em desporto, manutenção física e bem- estar, serviço de nutrição e outras atividades de saúde pública, incluindo tratamentos de fisioterapia, cedência de espaços em imóveis próprios ou alheios e serviços conexos; arrendamento, compra e venda de propriedades, incluindo prédios e revenda dos adquiridos para esse fim, bem como a gestão, exploração e manutenção de imóveis e ainda o comércio a retalho de produtos médicos e ortopédicos, em estabelecimentos especializados. Atividades de medição de seguros (Ramo voda e ramo não vida).”

 

18.3. A Requerente, no exercício da sua atividade, explora um health club em ..., sob a insígnia G..., na ..., ..., n.º..., encontrando-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal.

 

18.4. O espaço destinado ao exercício da sua atividade ocupa uma área de 5.560 m², e conta com Ginásio, zona de treino funcional, 5 estúdios, uma piscina, saunas e banho turco, Zona de restauração, 2 Gabinetes dedicado a Fisioterapia e 2 Gabinetes de Nutrição. Nesse espaço, a Requerente proporciona aos seus sócios a prática de ginásio assim como outros serviços, designadamente, treino personalizado, serviços de estética, massagem, fisioterapia e nutrição.

 

18.5. Os referidos serviços inserem-se em mais ampla política do Grupo F... espelhada na máxima “Life well” assente em três pilares “move well, eat well e feel well” (Exercício, Nutrição, Repouso). Integrante deste grupo, a Requerente passou, a partir ano de 2013, a proporcionar aos seus sócios serviços de nutrição, mediante a subscrição de um contrato que decidiu denominar “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos”.

 

18.6. Estes serviços são prestados em locais individualizados para o efeito por técnicos devidamente habilitados – nutricionistas.

 

18.7. O Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos/Nutrição supra referido, à data a que se reportam as liquidações impugnadas, era composto por duas consultas de nutrição presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais nos quais se fazia apenas um follow up das consultas.

 

18.8. Todavia, sempre que os sócios pretendessem mais do que duas consultas de nutrição por ano podiam sempre adquirir consultas que eram vendidas quer isoladamente, quer em packs, sendo estas consultas prestadas pelos mesmos profissionais que prestam as consultas iniciais do “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos”, com a mesma duração e os mesmos serviços.

 

18.9. Aos sócios que subscreveram aquele contrato foi oferecido desconto promocional na mensalidade dos serviços de ginásio de valor equivalente ao dos serviços de nutrição.

 

18.10. No entanto, os clientes da Requerente podiam usufruir apenas da componente de ginásio, sem as consultas de nutrição bem como destas sem a componente ginásio.

 

18.11. A Requerente, na faturação emitida aos clientes, aplicou a isenção de IVA prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA tanto aos serviços de nutrição a que se refere o “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos” como aos mesmos serviços quando prestados isoladamente.

 

18.12. Ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI 2017... e OI2017..., de 08-08-2017, foi desenvolvida pelos serviços de inspeção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, com início em 27-10-2017, uma ação inspetiva para efeitos de controlo declarativo.

 

18.13. Na sequência desta ação inspetiva foi a Requerente notificada do respetivo projeto de relatório, no qual a AT conclui que as prestações de serviços dietéticos realizadas pela Requerente no âmbito daquele contrato devem ser consideradas acessórias em relação à prestação de serviços principal, sendo esta constituída pela utilização das instalações desportivas (ginásio) daí concluindo que aqueles serviços não beneficiam de isenção de IVA.

 

18.14. Não tendo a Requerente exercido o direito de audição, foi emitido relatório definitivo, que manteve o entendimento expresso no projeto de relatório e consequentes propostas de liquidações adicionais.

 

18.15. Assim, segundo o relatório de inspeção, cujas conclusões foram homologadas por despacho de 09-04-2018, da chefe de divisão da Direcção de Finanças de Lisboa, proferido no uso de subdelegação de competência, “as prestações de serviços dietéticos disponibilizados em complemento da atividade física (frequência de ginásio), sendo que as mesmas não se enquadram no conceito de prestações de serviços médicos, não sendo aplicável a isenção prevista na alínea 1) do art.9.º do CIVA, não podendo ser separado na fatura a prestação de serviços de ginásio da prestação de serviços dietéticos, uma vez que estes últimos constituem um serviço acessório, fazendo parte da prestação de serviços do ginásio, devendo-lhe ser aplicada a liquidação de imposto à taxa normal.”

 

18.16. Em 17-04-2018 foram efetuadas, com base nos elementos constantes do referido relatório, as seguintes liquidações adicionai de IVA e de juros compensatórios:

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/01;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/02;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/03;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/04;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/05;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/06;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/07;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/08;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/09;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/10;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/11;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/12;

Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/01;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/02;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/03;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/04;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/05;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/06;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/07;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/08;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/09;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/10;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/11;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/12;

Num total de:

Ano       Imposto               Juros     Total

2013      € 40 203,90         € 7 141,93           € 47 345,83

2014      € 95 233,95         € 13 697,90         € 108 931,85

                                               € 156 277,68

 

18.17. Notificada das liquidações acima referidas, a Requerente, tempestivamente, deduziu reclamação graciosa alegando, no essencial, que os serviços de nutrição em causa, preenchem os requisitos da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA.

 

18.18. Depois de ser facultado à reclamante o exercício do direito de audição, a referida reclamação – procedimento n.º ...2018... – foi objeto de indeferimento expresso da chefe de divisão da Direcção de Finanças de Lisboa, de 17-12-2018, proferido no uso de subdelegação de competência, com base na fundamentação constante de informação, de que se transcreve:

“ 44. Os serviços inspectivos apuraram que as consultas de nutrição que constam do referido Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos são contratadas por quem já é sócio do health club ou principalmente pelos novos sócios, a quem a companha se dirigiu como forma de captar novas adesões, tendo ficado demonstrado na faturação que os serviços de ginásio prestados a coberto do contrato de adesão mediante o pagamento de uma mensalidade que cada sócio tem de pagar, são faturados sendo o valor dos serviços de nutrição referentes ao “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos” imediatamente descontado no valor da mensalidade. Mas o Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos assegura o direito a duas consultas as quais o sócio usufrui ou não, pois a celebração deste contrato implica, em primeiro lugar, desconto na mensalidade do ginásio. Está assim em causa, por não provada, a materialidade das operações.

44. Sendo o IVA um imposto que tributa o consumo/transmissão de bens ou serviços com o pagamento da mensalidade do ginásio (do qual é subtraído o valor do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos), o cliente não está a usufruir de um serviço de aconselhamento nutricional, apenas está a pagar uma mensalidade do ginásio, mais reduzida, redução nesta no valor das duas consultas de nutrição. Faltará a prova de que o serviço foi prestado.

47. Uma vez que não se pode individualizar as operações realizadas no âmbito do contrato de prestação de serviços que o sócio celebrou com a reclamante, deve proceder-se, por todos os serviços prestados, à liquidação do imposto à taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA (23%).

48. A este propósito decorre do espírito da redacção do artigo 2,º, n.º 1, alínea c) da Diretiva 2006/112/ce do Conselho que deve ser entendido no sentido de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente e de que a prestação constituída por um único serviço no plano económico não deve ser artificialmente decomposta, para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA.

49. Em suma, não se prova a efectividade das duas consultas referentes ao Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, apenas existe um desconto imediato da mensalidade dos outros serviços qe corresponde ao valor das consultas de nutrição deste Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, sendo este contrato acessório e dependente do contrato de adesão que torna o contraente destes contratos cosumidor/sócio/ das prestações de serviço que contrata com o health club.

50. Consideram-se, pois, que as consultas de nutrição “avulso”, faturadas diretamente ao utente, deverão ser consideradas isentas de IVA, nos termos da alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, enquanto os serviços dietéticos disponibilizados aos utentes faturados enquanto uma rubrica da fatura referente à mensalidade do ginásio, não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, por se tratar de uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio, sendo de lhes aplicar o tratamento fiscal da prestação principal.“

 

18.19. Em 18-12-2018 foi a reclamante notificada da decisão de indeferimento acima referida.

 

19. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

III. Cumulação de pedidos

 

20. O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a diversas liquidações de IVA, e decisão de indeferimento expresso de reclamação graciosa. Todavia, atendendo à identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o tribunal considera que nada obsta, face ao disposto nos artigos 3.º do RJAT e 104.º do CPPT, à cumulação de pedidos.

 

Solicita ainda a Requerente que, na hipótese de decisão favorável à pretensão que formula no sentido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações impugnadas se extraiam as inerentes consequências, designadamente “a extinção dos respetivos processos de execução fiscal e respetivos processos de contraordenação.” Na hipótese considerada pela Requerente, a decisão de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações tem como consequência necessária a extinção da execução onde a dívida se encontra a ser cobrada, conforme decorre do artigo 176.º, n.º 1, alínea b), e 270.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). No tocante ao requerido arquivamento dos processos de contraordenação, prevalece o disposto nos artigos 42.º, n.º 2, e 48.º do Regime Geral das Infrações Tributária (RGIT), aplicáveis a estes ilícitos por remissão do artigo 64.º do mesmo diploma. A competência para declaração de extinção da execução e arquivamento do procedimento contraordenacional é atribuída ao órgão da execução e à entidade competente para aplicação da coima, respetivamente.

Tratando-se, pois, de matéria da competência da autoridade administrativa que, por extravasar a competência material do Tribunal Arbitral, fixada nos artigos 2.º e 4.º do RJAT e a Portaria 112-A/2011, de 22/03, este Tribunal abstém-se de dela conhecer.

 

IV. Matéria de direito

 

i.             Do pedido de reenvio prejudicial

 

21. A Requerida, na sua resposta, solicita que seja ordenado o reenvio do processo ao TJUE, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE, para efeitos de apreciação da presente situação.

 

22. Para o efeito alega a mesma que “os serviços de dietista/nutricionista serem facturados em 15€ mensais (isentos de IVA), independentemente da utilização dos mesmos por parte dos destinatários dos serviços, atribuindo, em virtude de tal contratação, um desconto na mensalidade que está sujeita e não isenta de IVA de igual montante, acabando por se traduzir num serviço gratuito para o cliente, que apenas reduz o montante de IVA a liquidar pelo prestador, relativo aos montantes que aufere pela prestação global dos serviços, é também contrário à Diretiva 2006/112/CE, mais não seja por poder criar distorções na concorrência.”.

 

23. Como se refere no ponto 7. das recomendações aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01), do TJUE :

“o papel do Tribunal no âmbito de um processo prejudicial consiste em interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não em aplicar este direito à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”.

 

24. Mais se recorda, no ponto 12. daquelas mesmas recomendações que o reenvio prejudicial para o referido Tribunal, não se deverá dar quando:

i.             já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou

ii.            quando o modo correcto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco.

 

25. Consequentemente, continua-se no ponto 13., “um órgão jurisdicional nacional pode, designadamente quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece”.

 

26. Por fim, conforme consta do ponto 18. das mesmas recomendações, “O órgão jurisdicional nacional pode apresentar ao Tribunal um pedido de decisão prejudicial, a partir do momento em que considere que uma decisão sobre a interpretação ou a validade é necessária para proferir a sua decisão.”.

 

27. No caso, não se considera que uma decisão sobre a interpretação das normas comunitárias seja necessária para proferir a sua decisão, nem a Requerida o demonstra, não tendo, sequer, apresentado qualquer questão concreta que o demonstre. Pelo contrário, a própria Requerida reconhece que a jurisprudência comunitária na matéria é clara, estando apenas em causa a sua correta aplicação ao caso concreto.

 

28. Por outro lado, e como se verá infra, entende-se que a Jurisprudência disponível do TJUE, devidamente citada, esclarece suficientemente, em termos de, no caso concreto, se poder decidir da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que se apurou.

 

29. Deste modo, e pelo exposto, indefere-se o requerido pedido de reenvio prejudicial.

 

 

ii.            Do fundo da causa

 

30. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente submete à apreciação deste tribunal a legalidade dos atos de liquidação de IVA, relativos aos períodos mensais de 2013 e 2014, identificados na petição e documentos anexos, invocando, no essencial, o facto de as operações em causa, tratando de serviços de nutrição, se enquadram no âmbito da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA,

 

31. Por seu lado, a Requerida (AT), na resposta ao presente pedido de pronúncia arbitral, mantém a posição já assumida na decisão proferida sobre o relatório final de inspeção tributária, que constitui fundamentos dos atos tributários ora impugnados, e reafirmada na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, no sentido de que aqueles serviços, quando prestados no âmbito de contrato que envolve igualmente a prestação de serviços de ginásio, se configuram como serviços acessórios destes, considerados como prestação principal, e, consequentemente, seguem a regra a esta aplicável, ou seja, no caso, a tributação em IVA à taxa normal.

 

32. Constitui, pois, entendimento pacífico que os serviços de nutrição prestados por profissionais devidamente habilitados (nutricionistas) se enquadram no âmbito da isenção de que beneficiam os serviços de saúde, prevista no artigo 9.º, alínea 1, do Código do IVA, norma que transpõe para o direito interno artigo 132.º, n.º 1, al. c) da Diretiva 2006/112/CE (Diretiva IVA).

 

33. No caso em análise, a AT não questiona esse enquadramento reconhecendo que, na situação concreta, se mostram preenchidos os necessários requisitos legais da invocada isenção. Todavia, segundo entende a AT, os serviços em causa, nas condições contratuais em que são prestados, configuram-se como “serviços acessórios” de uma prestação principal (a atividade desportiva) e, como tal, acompanham a sorte desta prestação única no que diz respeito à incidência tributária e taxa aplicável.

 

34. É, pois, a natureza acessória desses serviços, nas precisas condições contratuais em que são prestadas, que constitui o objeto principal do pedido de pronúncia arbitral.

 

35. Importa, desde logo, ter-se presente que as prestações de serviços, efetuadas, a titulo oneroso, por operadores económicos – sujeitos passivos de IVA -  se encontram abrangidas pela incidência do deste tributo, conforme decorre do artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, norma que transpõe para o direito interno o artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE.

 

36. Tendo vindo a colocar-se, com alguma frequência, a questão de saber-se se um conjunto complexo de serviços, formalmente distintos, que possam ser fornecidos em separado, devem ser considerados, para efeitos de tributação ou de isenção, como prestação única ou como prestações independentes.

 

37. Sobre a interpretação do artigo 2.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva 2006/112/CE, o Tribunal de Justiça tem vindo a declarar, reiteradamente, que “por um lado, decorre do artigo 1.°, n.°2, segundo parágrafo, da Diretiva IVA que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta, para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA. Há que considerar que existe uma prestação única quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria caráter artificial (Neste sentido, despacho de 14-04-2016, Gabarel, C 555/15, n.°44 e acórdãos de 04-10-2017, Federal Express Europe, C 273/16, n.o37 e 38, e de 19-12-2018, C-17/18, Virgil Mailat, entre outros).

 

38. Considerando que é da competência dos tribunais nacionais determinar, em cada caso concreto, se da factualidade relevante resulta estar-se, para efeitos de IVA, perante uma prestação única ou várias prestações distintas, tendo em consideração o objetivo económico dessa operação e o interesse dos destinatários das prestações (entre outros, acórdão de 08-12-2016, proc. C-208/15 Stock)

 

39. Sobre o conceito de “operação acessória”, acentua aquele Tribunal que “ uma prestação deve ser considerada acessória de uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas o meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador (Acórdãos de 06-11-2003, proc. C-45/01, Dornier, de 01-12-2005, proc. C-394/04, Ygeia, de 14-06-2007, proc. C-434/05, Horizon College e de 18-01-2018, Stadion Amsterdam, proc. C 463/16, entre outros)

 

40. Na situação em análise pode, facilmente, constatar-se a existência de uma relevante complementaridade nos serviços adquiridos pelos clientes da Requerente, mas não já que seja possível, à luz da orientação definida pelo TJUE, estabelecer uma relação de acessoriedade entre os serviços de ginásio e os serviços de dietética prestados, que constituem só por si “um fim em si mesmo” para os respetivos clientes.

 

41. Salienta-se, ainda, que situações idênticas foram já objeto de apreciação e decisão em sede de arbitragem tributária, tendo, em ambos os casos conhecidos, sido considerado que os serviços de nutrição prestados aos clientes de health clubs em condições contratuais idênticas às que se colocam no presente caso constituem prestações distintas para efeitos de IVA.

 

42. Neste sentido, se pronunciou o Tribunal Arbitral, em acórdão de 02-04-2018, proferido no processo n.º 454/2018-T, em que se pode ler que “A principal questão em causa na presente ação arbitral consiste em decidir se os serviços de nutrição prestados pela Requerente deverão ser considerados uma prestação acessória em relação à prestação principal (ginásio), formando com esta uma "operação complexa única", e por esse motivo, tributados como uma prestação única à taxa normal de IVA de 23%, como sustenta a AT, ou se se tratam de prestações cindíveis, individualmente tributáveis, conforme entende a Requerente.

Com efeito, como se refere nas alegações da Requerida, cumpre "esclarecer, se como entende a Requerida, o que está em causa nos autos são prestações de serviços complexas, cuja decomposição revestiria um carácter artificial, ou se pelo contrário, tal como alega a Requerente, tais prestações são perfeitamente autonomizáveis para efeitos de enquadramento em sede de IVA.".

Ora, antecipando já a conclusão a que se chegará adiante, considera-se que a resposta a dar à questão formulada, deverá ir no segundo dos sentidos indicados, ou seja que a prestação de serviços de nutrição pela Requerente é, no caso, autonomizável das prestações que integram a sua atividade principal.”

 

43. No mesmo sentido, se orienta o acórdão de 14-06-2019, proferido no processo 373/2018-T, de que extrai: “ Retomando a análise concreta, a Requerente presta nas suas instalações múltiplos serviços, todos relacionados com a manutenção de um estilo de vida saudável e bem-estar, como a atividade física, a estética, a nutrição ou o SPA. Apesar de todos estes serviços se orientarem a um denominador comum, numa abordagem multidisciplinar, a conjugação dos diversos serviços apresenta-se complementar e não acessória.

Com efeito, as prestações de serviços das diversas áreas são perfeitamente autonomizáveis e existem independentemente umas das outras. Os clientes mantêm a faculdade de escolha dos prestadores e das modalidades de utilização dos serviços em causa. O facto de a Requerente, por razões comerciais, ter estabelecido condições vantajosas que fomentam e promovem a adesão aos novos serviços de nutrição, tendo em vista o arranque dessa nova área de atividade e assegurar uma oferta mais vasta de serviços, com o intuito de fidelização dos clientes, não conduz à consideração destes como meramente acessórios à utilização do ginásio. A prática de exercício físico é independente da adoção ou não determinado regime alimentar, pelo que devem ser consideradas prestações de serviços distintas.

Não se verifica, pois, a indissociabilidade das consultas de nutrição relativamente à prática de exercício físico e de utilização das instalações desportivas da Requerente, nem aquelas consultas são condição indispensável para atingir o objetivo visado pela utilização do ginásio, pelo que não devem ser consideradas estreitamente conexas, sem prejuízo de poderem, em ambos os casos, potenciar uma melhor condição física.

As referidas consultas valem por si, têm objetivos próprios e o seu sentido não advém estritamente da melhoria dos serviços de ginásio. Aliás, existem sócios que não aderiram aos referidos serviços de nutrição e, por outro lado, a Requerente presta serviços de nutrição a não sócios, que não utilizam o ginásio. Refira-se que a esta conclusão chega, de igual modo, a Decisão Arbitral, de 2 de abril de 2018, proferida no processo do CAAD n.º 454/2017-T, que versa sobre situação análoga.

No que se refere à forma de faturação, a concessão de um desconto equivalente ao preço dos serviços de nutrição na mensalidade do ginásio é uma opção comercial que não pode ser sindicada pela AT, por se inserir na liberdade de gestão da Requerente, que pode determinar o preço dos seus serviços.”

 

44. No relatório da inspeção tributária bem como na contestada decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra os atos tributários ora impugnados é, ainda, questionado o enquadramento no âmbito da invocada isenção dos serviços faturados aos clientes e por estes não utilizados.

Salienta-se, apenas, que sobre esta matéria, também se pronunciou já o Tribunal de Justiça da União Europeia, clarificando que com a assinatura do contrato de prestação de serviços o cliente adquire o direito de beneficiar do "cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito" (TJUE, acórdãos de 23-12-2015, proc. C-259/14, Air Frace-KLM e de 22-11-2018, proc. C.205/17, MEO).

 

45. Pelas razões acima expostas, afigura-se ser de acompanhar as decisões arbitrais referidas, tanto no que respeita ao sentido da decisão, como no tocante à respetiva fundamentação, declarando-se a ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e das liquidações impugnadas, determinando-se, consequentemente, a sua revogado e anulação, com as legais consequências, e ficando prejudicado o conhecimento da questão colocada pela Requerente relativa ao cálculo do IVA “por dentro”.

 

46. Da aplicação do direito comunitário efetuada, e do decidido quanto ao reenvio prejudicial, não decorre qualquer violação da supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional, prevista no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, antes correspondendo ao seu correto cumprimento.

 

V. Decisão

 

Nos termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

a)            Não conhecer do pedido de arquivamento dos processos de execução fiscal e de contraordenação, relacionados com as liquidações objeto da presente ação arbitral;

b)           Indeferir o pedido de reenvio prejudicial, requerido pela Autoridade Tributária;

c)            Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral principal e, em consequência, determinar a anulação das liquidações oficiosas de IVA relativas aos anos de 2013 e 2014, que constituem o objeto do presente processo.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 156 277,68, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n,º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 3 672,00, a cargo da Requerida (AT).

 

Lisboa, 10 de Janeiro de 2020,

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal,

(Cristina Coisinha)

 

O Árbitro Vogal,

(Álvaro Caneira)