Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Maria Alexandra Mesquita e Cristina Aragão Seia, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
1. No dia 04 de Março de 2019, A..., LIMITADA., NIPC..., com sede na ..., ...–..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2017... e n.º 2017..., relativos aos anos de 2013 e 2014, no valor de €161.434,37 e €54.661,18, respetivamente, assim como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve os referidos actos de liquidação como objecto.
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:
i. a nulidade do relatório com a consequente nulidade das liquidações adicionais e do indeferimento da reclamação graciosa;
ii. vício de falta de fundamentação e violação do direito de audição;
iii. erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
3. No dia 06-03-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. Na sequência da apresentação do pedido arbitral, com base nos documentos juntos pela Requerente, a AT revogou parcialmente o acto de liquidação referente ao ano de 2013, tendo reduzido o imposto a pagar para o montante de € 62.311,42.
5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
6. Em 26-04-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
7. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 16-05-2019.
8. No dia 11-07-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
9. No dia 25-10-2019, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.
10. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
11. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, entretanto prorrogado nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
12. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, constituída em 12-06-1973, com o CAE n.º 42990 – Construção de Outras Obras de Engenharia Civil, NE, exercendo a título secundário a actividade de compra e venda de bens imobiliários a que corresponde o CAE 068100.
2- A Requerente encontra-se, desde 01-01-2009, enquadrada no regime geral de tributação.
3- A Requerente, ao longo dos anos, foi financiada pelos seus sócios, através da realização de suprimentos, os quais são prestados sempre que surge tal necessidade, nomeadamente, durante a realização de obras ou para a aquisição de terrenos.
4- Em 21-12-2004, foi realizado um aumento de capital, de € 498.797,90 para € 3.000.000, por incorporação de reservas (€ 315.841,68) e por suprimentos (€ 685.360,42), na proporção das quotas dos sócios, e em dinheiro (€ 1.500.000,00).
5- No âmbito do referido aumento de capital, os montantes contabilizados como suprimentos que os sócios tinham efectuado na Requerente foram transformados em capital social, tendo as contas de suprimentos ficado saldadas.
6- A conta “sócios” apresentava nos anos de 2006 a 2013, os seguintes valores:
7- Em 09-08-2006, a Requerente recebeu uma transferência de € 20.000,00 proveniente da conta de depósitos à ordem detida pelo sócio B... no Banco C... .
8- O montante de € 20.000,00 foi transferido da conta de B..., e contabilizado pela Requerente como quatro suprimentos de € 5.000,00 de cada um dos sócios.
9- Em 25-08-2006, a Requerente recebeu uma transferência de € 20.000,00, proveniente da conta de depósitos à ordem detida pelo sócio B... no Banco C..., contabilizada pela Requerente como quatro suprimentos de € 5.000,00 de cada um dos sócios.
10- Em 18-09-2006, a Requerente recebeu uma transferência de € 20.000,00 proveniente da conta de depósitos à ordem detida pelo sócio B... no Banco C..., contabilizada pela Requerente como quatro suprimentos de € 5.000,00 de cada um dos sócios.
11- Em 28-09-2006, a Requerente recebeu uma transferência de € 30.000,00 proveniente da conta de depósitos à ordem detida pelo sócio B... no Banco C..., contabilizada pela Requerente como quatro suprimentos de € 7.500,00 de cada um dos sócios.
12- Em 23-10-2006, a Requerente recebeu uma transferência de € 15.000,00 proveniente da conta de depósitos à ordem detida pelo sócio B... no banco C..., relativa a quatro suprimentos de € 3.750,00 de cada um dos sócios.
13- No ano de 2007 a Requerente contabilizou nas contas de suprimentos de sócios, um total de €76.500,00.
14- Em 19-11-2007, foi depositada na conta bancária da Requerente, a quantia de € 25.000,00 em numerário.
15- Em 20-11-2007, foi depositada na conta bancária da Requerente, a quantia de € 7.500,00 em numerário.
16- Nesse mesmo dia, foi depositado um cheque de € 25.000,00 na conta da Requerente, tendo sido debitado da conta de depósitos à ordem detida pelo sócio B... no banco C...
17- Em 30-11-2007, foi depositada na conta bancária da Requerente, a quantia de € 10.000,00 em numerário.
18- Em 30-11-2007 foi depositado um cheque de € 10.000,00 na conta da Requerente, tendo sido debitado da conta de depósitos à ordem detida pelo sócio B... no Banco C... um cheque no mesmo valor.
19- Em 11-06-2007, o sócio D... recebeu a quantia de € 1.000,00 a título de devolução de suprimentos, tendo sido contabilizada pela Requerente, a débito, na correspondente conta de “suprimentos”.
20- Em 31-01-2008, foi depositado um cheque no valor de € 30.000,00 na conta da Requerente, assinado pelo sócio D..., contabilizado pela Requerente como quatro suprimentos de €7.500,00 de cada um dos sócios.
21- Em 27-02-2008, a Requerente depositou um cheque de € 10.000,00, sendo que, nesse mesmo dia, foi debitado o cheque da conta de depósitos à ordem detida pelo sócio B... no Banco C..., tendo a Requerente contabilizado o referido montante como suprimentos no valor de € 2.500,00, de cada um dos quatro sócios.
22- Em 24-07-2008, a Requerente depositou na sua conta bancária um cheque de € 50.000,00 sendo que, nesse mesmo dia, foi debitado o cheque da conta de depósitos à ordem detida pelo sócio B... no banco C... de € 50.000,00, quantia que foi contabilizada pela Requerente como quatro suprimentos de €12.500,00 de cada um dos sócios.
23- Com data de 31/08/2008, foram contabilizados pela Requerente a favor do sócio B..., suprimentos no valor de € 4.963,89, que foram justificados pelo facto de terceiros cuja identidade não foi concretamente apurada, terem pago diversas facturas emitidas em nome da Requerente, no referido valor.
24- Em 20-11-2008, a Requerente comprou a fracção autónoma designada pelas letras AS, que corresponde ao rés-do-chão B e a dois lugares de estacionamento do prédio em regime de propriedade horizontal sito na zona de intervenção da ...– ..., Rua do ..., ..., freguesia de ..., concelho de Loures, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º ..., pelo valor de € 205.000,00 tendo os sócios B... e E... que pago o valor em causa, em numerário, cada um emprestando € 102.500,00.
25- Em 17-11-2008, os sócios da Requerente receberam a quantia total de € 2.349,00, contabilizada como devolução de suprimentos, sendo que cada um recebeu o valor de € 587,00.
26- Em 19-11-2008, os sócios da Requerente receberam a quantia total de € 900,00, contabilizada como devolução de suprimentos, sendo que cada um recebeu o valor de € 225,00.
27- Em 31-11-2008, os sócios da Requerente receberam a quantia total de €13.489, contabilizada como devolução de suprimentos, sendo que cada um recebeu o valor de € 3.372,25, através de cheques.
28- Em 11-05-2009, a Requerente recebeu uma transferência de € 11.000,00, sendo que, nesse mesmo dia, foi realizada uma transferência da conta de depósitos à ordem detida pelo sócio B... no banco C... de € 11.000,00 para a conta da Requerente.
29- A referida transferência foi contabilizada pela Requerente como quatro suprimentos de € 2.750,00 de cada um dos sócios.
30- Em 12-11-2009, a Requerente recebeu uma transferência de € 6.000,00, proveniente da sociedade F..., que contabilizou como quatro suprimentos de € 1.500,00 de cada um dos sócios
31- Em 16-12-2009, a sócia G... recebeu a quantia de € 992,80, contabilizada pela Requerente como devolução de suprimentos.
32- Em 31-12-2009, o sócio D... recebeu as quantias de € 577,49, € 7.577,70 e € 227,80 contabilizadas pela Requerente como devolução de suprimentos.
33- Em 05-08-2010, foi feito o pagamento de € 21.320,00 da dívida de IMT relativa ao IMT da escritura de compra e venda para revenda, lavrada em 23-11-2006, respeitante à fração A, do artigo matricial urbano ..., da freguesia de ..., uma vez que não procedeu à revenda do imóvel, tendo sido contabilizado pela Requerente, para cada um dos sócios, um crédito de suprimentos no valor de € 5.330,00.
34- Em 06-08-2010, foi feito o pagamento de € 779,00 da dívida de Imposto de Selo, responsabilidade da Requerente, relativa à aquisição de propriedade sobre bens imóveis, tendo sido contabilizado pela Requerente, para cada um dos sócios, um crédito de suprimentos no valor de € 194,89.
35- Em 02-09-2010, a Requerente recebeu uma transferência de € 577.000,00 efectuada da conta de depósitos à ordem detida pelo sócio B... no Banco C..., que contabilizou como quatro suprimentos de € 142.500,00 de cada um dos sócios.
36- Em 24-06-2010, os sócios G... e D... receberam a quantia de € 3.000,00 cada um, contabilizada pela Requerente como devolução de suprimentos.
37- Em 30-06-2010, o sócio D... recebeu a quantia de € 50.000,00; a sócia E... recebeu a quantia de €50.000,00; e o sócio B... recebeu a quantia de € 100.000,00; quantias estas contabilizadas pela Requerente como devolução de suprimentos.
38- Em 30-06-2011, os sócios D... e G... receberam a quantia de € 5.000,00 cada um.
39- Em 01-08-2011, o sócio D... recebeu a quantia de €1.749,60.
40- Em 05-08-2011, o sócio D... recebeu a quantia de € 1.749,60.
41- Em 28-09-2011, o sócio D... recebeu a quantia de € 2.000,00.
42- Em 30-09-2011, a sócia G... recebeu a quantia de € 2.000,00.
43- Em 08-11-2011, os sócios B... e E... receberam a quantia de € 25.000,00 cada um.
44- Em 30-11-2011, o sócio D... recebeu a quantia de € 5.000,00.
45- Em 18-07-2012, o sócio B... procedeu ao pagamento, por cheque pós-datado para 20-07-2012, de € 2.050,41 da dívida da Requerente à fornecedora H..., proveniente da fatura n.º 1984, de 18/07/2012, de € 2.050,41, tendo sido contabilizado pela Requerente, a favor do referido sócio, um crédito de suprimentos de €2.050,00.
46- Em 24-07-2012, foi feito, por pessoa não concretamente apurada, o pagamento, em numerário, de € 12.300,00 da dívida da Requerente à fornecedora I..., Lda., tendo sido contabilizado pela Requerente o valor correspondente como crédito de suprimentos a favor do sócio B... .
47- Em 09-05-2012, os sócios B... e E... receberam a quantia de € 25.000,00 cada um, contabilizada pela Requerente como devolução de suprimentos, sendo a transferência do valor total de € 50.000,00.
48- Em 28-06-2012, o sócio D... recebeu a quantia de €3.500,00, contabilizada pela Requerente como devolução de suprimentos.
49- Em 09-08-2012, o sócio D... recebeu a quantia de €1.500,00 e a sócia G... recebeu a quantia de €2.500,00, contabilizadas pela Requerente como devolução de suprimentos.
50- Em 10-08-2012, a sócia G... recebeu a quantia de € 2.500,00, contabilizada pela Requerente como devolução de suprimentos.
51- Em 01-10-2012, os sócios G... e D... receberam a quantia de € 1.500,00 cada um, contabilizada pela Requerente como devolução de suprimentos.
52- Em 07-11-2012, a sócia E... recebeu a quantia de € 50.000,00, por cheque, contabilizada pela Requerente como devolução de suprimentos.
53- Em 30-11-2012, os sócios G... e D... receberam a quantia de € 4.765,20 cada um, contabilizada pela Requerente como devolução de suprimentos.
54- No exercício de 2013, a Requerente apresentava na conta 2532 – Financiamentos obtidos – outros participantes de capital, como saldo inicial o montante de € 68.009,02, distribuídos pelos quatro sócios gerentes da seguinte forma:
55- No exercício de 2013, os sócios B... e E... outorgaram com a Requerente um contrato de suprimentos, contabilizado por aquela como tal, datado de 25 de Março de 2013 e, no montante global de € 75.040,00, e um outro, datado de 2 de Abril de 2013, contabilizado pela Requerente como tal, no montante global de € 14.960,00, perfazendo o montante total de €90.000,00.
56- Datado de 30-11-2013, o sócio D... outorgou com a Requerente um contrato de suprimentos, contabilizado por aquela como tal, no valor de € 4.000,00.
57- Ao longo do exercício de 2013, a Requerente entregou aos sócios o montante global de € 593.448,78, que contabilizou como devolução de suprimentos.
58- A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva credenciada pelas Ordens de Serviço n.º 012016... e n.º 012016..., aos anos de 2013 e 2014.
59- Do relatório de inspeção tributária, consta o seguinte:
60- Da referida inspecção resultaram corecções em sede de IRS – Retenções na Fonte, relativamente aos anos de 2013 e 2014, no total respectivamente de € 140.111,55 e € 48.827,74, uma vez que a AT considerou que se tratavam de adiantamento por conta de lucros, aplicando-lhe a taxa de 28% prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 71.º do CIRS.
61- Na sequência da referida inspeção, a Requerente foi notificada das liquidações de retenções na fonte de IRS n.º 2017... e n.º 2017... e das respetivas liquidações de juros compensatórios.
62- Em 05-04-2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa tendo por objecto as referidas liquidações.
63- Por ofício datado de 29-11-2018, a Requerente foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa.
64- Não conformada, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.
65- Na sequência da referida apresentação, com base nos documentos juntos pela Requerente em sede de pedido arbitral, a AT revogou parcialmente o acto de liquidação referente ao ano de 2013, tendo resultado imposto a pagar no montante de € 62.311,42.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Em concreto os factos dados como provados sob os pontos 14, 15, 17, 23, 24, 33, 34 e 46, não foi provada a identidade concreta dos autores dos depósitos e pagamentos em numerário a que se referem os pontos em questão, dada a inexistência ou insuficiência de prova documental conclusiva sobre a matéria.
A prova testemunhal produzida não foi conclusiva, para além do quanto foi dado como provado, na medida em que demonstrou apenas um conhecimento indirecto ou derivado dos factos objecto dos depoimentos, sendo que nenhuma das testemunhas arroladas pela Requerente tinha qualquer relação contemporânea com os factos em questão.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem factos contraditórios ou incompatíveis com os factos dados como provados, tal como o foram.
B. DO DIREITO
Conforme se referiu já, na sequência da apresentação do pedido de constituição do Tribunal arbitral, com base nos documentos juntos pela Requerente em sede de pedido arbitral, a AT revogou parcialmente o acto de liquidação referente ao ano de 2013, tendo resultado imposto a pagar no montante de € 62.311,42.
Tendo em conta os fundamentos materiais do acto de revogação, verifica-se que no presente processo arbitral fica por definir a legalidade das correcções subjacentes às seguintes correcções:
- Quanto ao ano de 2007, a correcção relativa a entradas em suprimentos contabilizadas pela Requerente, no montante de € 52.500,00, que a Requerente justifica com:
i. Depósito, em 19-11-2007, da quantia de € 25.000,00 em numerário;
ii. Depósito em 20-11-2007, da quantia de € 7.500,00 na conta da Requerente;
iii. Depósito, em 30-11-2007, da quantia de € 10.000,00 em numerário e de um cheque de € 10.000,00, na conta da Requerente.
- Quanto ao ano de 2008, a correcção relativa a entradas em suprimentos contabilizadas pela Requerente, no montante de € 209.963,89, que a Requerente justifica com:
i. Pagamento pelos sócios de diversas facturas emitidas em nome da Requerente, suprimentos no valor de € 4.963,89, contabilizado a 31/08/2008 pela Requerente como suprimentos;
ii Pagamento, em numerário, pelos sócios, do valor de €205.000,00, na aquisição, em 20-11-2008, pela Requerente da fracção autónoma designada pelas letras AS, que corresponde ao rés-do-chão B e a dois lugares de estacionamento do prédio em regime de propriedade horizontal sito na zona de intervenção da ...–..., Rua ..., ..., freguesia de..., concelho de Loures, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º..., contabilizado pela Requerente como suprimentos dos sócios B... e E..., no valor de €102.500,00 cada um;
- Quanto ao ano de 2009, a correcção relativa ao montante de € 6.000,00, que a Requerente justifica com uma transferência que recebeu em 12-11-2009, proveniente da sociedade F..., e que contabilizou como quatro suprimentos de € 1.500,00 de cada um dos sócios;
- Quanto ao ano de 2010, a correcção relativa a entradas em suprimentos contabilizadas pela Requerente, no montante de € 209.963,89, que a Requerente justifica com:
i. Pagamento, em 05-08-2010, de € 21.320,00 de dívida relativa ao IMT da escritura de compra e venda para revenda, lavrada em 23-11-2006, respeitante à fração A, do artigo matricial urbano ..., da freguesia de ..., uma vez que não ocorreu a revenda do imóvel, tendo o referido pagamento sido contabilizado pela Requerente, para cada um dos sócios, como suprimentos no valor de € 5.330,00;
ii. Pagamento, em 06-08-2010, de € 779,00 de dívida de Imposto de Selo, da responsabilidade da Requerente, relativa à aquisição de propriedade sobre bens imóveis, que foi contabilizado pela Requerente, como um crédito de suprimentos no valor de € 194,89, para cada um dos sócios;
- Quanto ao ano de 2012, a correcção relativa ao montante de € 12.300,00, que a Requerente justifica com o pagamento, em numerário, a 24-07-2012, de € 12.300,00 da dívida da Requerente à fornecedora I..., Lda., e que foi contabilizado por aquela como crédito de suprimentos de €12.300,00 a favor do sócio B... .
*
Posto isto, relativamente ao objecto processual acima delimitado, as questões que se apresentam a decidir, tal como formuladas pela Requerente, são as seguintes:
i. a nulidade do relatório com a consequente nulidade das liquidações adicionais e do indeferimento da reclamação graciosa;
ii. vício de falta de fundamentação e violação do direito de audição;
iii. erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
Dispõe o art.º 124.º do CPPT que:
“1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”
Deste modo, e não tendo sido expressamente estabelecida pela Requerente qualquer relação de subsidiariedade entre os vícios arguidos, passar-se-á à apreciação do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por ser aquele cuja procedência determina a mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.
***
De um ponto de vista do fundo da causa está em causa a apreciação da legalidade da aplicação da presunção do artigo 6.º, n.º 4 do CIRS que determina que os lançamentos em conta corrente do sócio, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, se presumem feitos a título de lucros ou adiantamentos de lucros.
Com interesse para a decisão a proferir, dispõe o artigo 6.º do CIRS aplicável que:
“4 - Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
5 - As presunções estabelecidas no presente artigo podem ser ilididas com base em decisão judicial, ato administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direção-Geral dos Impostos.”.
Com relevo, também, para a situação sub iudice, dispõe o artigo 5.º do mesmo Código:
“1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
2 - Os frutos e vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente: (...)
h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respetivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º;”.
Releva, igualmente, o artigo 7.º do mesmo Código, ao dispor:
“1 - Os rendimentos referidos no artigo 5.º ficam sujeitos a tributação desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respetivo quantitativo, conforme os casos.(...)
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, atende-se: (...)
2) A colocação à disposição, para os rendimentos referidos nas alíneas h), i), j), l) e r), assim como dos certificados de consignação;”.
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Sobre a matéria ora em causa, foi já proferida abundante jurisprudência dos tribunais superiores da jurisdição tributária, da qual são exemplos:
- Acórdão do TCA-Sul de 25-11-2008, proferido no processo 02544/08, e de 13-10-2009, proferido no processo 03221/09;
- Acórdão do TCA-Sul de 11-01-2011, proferido no processo 04357/10;
- Acórdão do TCA-Sul de 22-02-2011, proferido no processo 04487/11 (citado pela Requerida);
- Acórdão do TCA-Sul de 18-02-2016, proferido no processo 08760/15;
- Acórdão do TCA-Sul de 05-02-2015, proferido no processo 08216/14;
- Acórdão do TCA-Sul de 04-06-2015, proferido no processo 07453/14;
- Acórdão do TCA-Sul de 15-12-2016, proferido no processo 09929/16;
Com especial interesse para a concreta questão a dirimir nos autos, destacam-se ainda os seguintes arestos:
- Acórdão do STA de 15-12-2004, proferido no processo 01187/04, onde se pode ler:
“A decisão judicial, proferida em sede de impugnação judicial, segundo a qual o contribuinte não recebeu juros em contrato de mútuo em que foi mutuante constitui base suficiente à ilisão da presunção constante do artº 7º nº 5 do C.I.R.S.”
E, mais adiante:
“Dispõe o artº 7º nº 2 do CIRS que se presume que os mútuos são remunerados.
Por sua vez o nº 5 desta disposição legal estabelece que esta presunção pode ser ilidida com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento da Direcção Geral de Impostos.
Este preceito legal encontra paralelismo no anterior art.º 14º do C. do Imposto de Capitais que, para além de estabelecer idêntica presunção, prescrevia que a mesma só podia ser ilidida “por decisão judicial proferida em acção intentada pelo contribuinte contra o Estado, em que se declare ter ficado provado que não foram recebidos juros antecipadamente, nem eram ou são devidos ou, sendo-o, têm taxa diferente, ou por declaração passada pelo Banco de Portugal em que se confirme a taxa de juro efectivamente praticada ou a sua inexistência”.
Do confronto destas disposições legais resulta, desde logo, não ser agora necessária, como era, decisão judicial proferida em acção cível intentada pelo contribuinte contra o Estado, com vista à ilisão de tal presunção.
Assim sendo nada impede que a decisão judicial a que agora alude o art.º 7º nº 5 do CIRS seja proferida, como no caso foi, em processo de impugnação judicial.
Por outro lado, de tal confronto resulta também que, não se prevendo, no regime anterior, qualquer limitação quanto aos meios de prova de que o interessado pudesse lançar mão para o efeito, não se vê, face ao actual quadro legal, que o processo de formação da dita decisão judicial não se possa apoiar, ao contrário do que afirma a F.P., em prova testemunhal e/ou documental.
De resto, como afirma André Salgado de Matos (CIRS, anot., 1999, fls. 148/149) esta presunção é ilidível, sob pena de inconstitucionalidade, podendo a prova de que não corresponde à realidade ser feita pelo sujeito passivo através de qualquer meio legalmente admissível, nos termos gerais de Direito, nomeadamente os que a F.P., no recurso, entende não serem admissíveis.
Em suma, volvendo ao caso dos autos, não suscita reparos a decisão recorrida, no ponto ora em análise, sendo base adequada à ilisão da dita presunção, pois que é, obviamente, uma decisão judicial, tendo sido proferida em impugnação judicial que é meio adequado para o efeito, com base em meios de prova admitidos nos termos gerais do Direito.”;
- Acórdão do TCA-Sul de 13-04-2010, proferido no processo 03461/09, onde se pode ler:
“1. Constituem rendimentos da categoria E do IRS os rendimentos lançados em quaisquer contas correntes dos sócios, escriturados nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, que, em princípio, se presumem feitos a título de lucros ou de adiantamento dos lucros;
2. Para tal presunção de incidência do imposto se verificar, é necessário que se mostre provada a base da presunção judicial, sob pena de a mesma não poder operar e a causa ter de ser decidida contra parte onerada com esse ónus da prova;
3. Não tendo a AT provado a base dessa presunção (os lançamentos em conta corrente do sócio escrituradas nessa sociedade) não pode a mesma fundar a liquidação na presunção que dela resultava, que assim é ilegal, por inexistência de facto tributário.”.
E, mais adiante:
“No caso, entendeu a AT tributar o ora recorrente com base no facto desconhecido – que tal importância depositada pela sociedade a seu favor resultava de lucros ou adiantamentos dos lucros dessa mesma sociedade – que fez subsumir à norma do n.º4 do art.º 7.º do CIRS, mas sem curar de demonstrar e nem de provar a base da presunção, ou seja que tal importância tenha sido escriturada como lançamento na sua conta corrente como sócio e que não resultava de mútuo, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, antes tendo mesmo apurado que este montante não se encontrava relevado na conta deste sócio (cfr. relatório a fls 11 do PAT apenso), pelo que, desta forma não se encontra preenchida a base da presunção, não podendo a mesma concluir pela atribuição dessa importância a tal título, como o resultado daquela, que como se viu, não existia, pelo que a liquidação, perante esta factualidade, não poderia ter sido efectuada ao abrigo desta norma de incidência, que assim se revela indevida por inexistência deste facto tributário.
Nos termos do disposto nos art.ºs 74.º, n.º1 da LGT e 342.º, n.º1 do CC, a base da presunção judicial deve imperativamente ser provada com os correspondentes factos dela integradores sob pena de a causa ser decidida em sentido desfavorável à parte onerada com esse ónus, ou seja à AT, e, perante tal falta, o resultado que com a presunção judicial se visava obter não se pode dar por alcançado”
- Acórdão do TCA-Norte de 07-07-2016, proferido no processo 00446/11.9BEBRG, onde se pode ler:
“I - O artigo 6.º, n.º 4 do CIRS consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
III - Só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prove que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.
IV - A Administração Tributária não lançou mão da presunção constante deste normativo, porque a quantia em apreço não estava escriturada numa conta de sócios da sociedade.
V - Competia à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (cfr. artigo 74.º, n.º 1, da LGT), sendo que, no caso concreto tal não se verificou, dado que não se encontram reunidos os factos índice que permitem à Administração Tributária fazer o enquadramento de valores contabilísticos como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos sócios, nos termos previstos no artigo 5.º, nºs.1 e 2, alínea h) do CIRS, assim padecendo a liquidação impugnada de vício de violação de lei.”
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Posto isto, cabe, à luz dos entendimentos acima sedimentados, apreciar o fundo da causa.
A matéria sub iudice suscita, desde logo, uma questão decorrente do entendimento pacífico, e reiterado na jurisprudência acima citada, de que compete “à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir”.
Estando em causa a norma do art.º 6.º, n.º 4 do CIRS, compete, in casu, à AT fazer prova dos respectivos pressupostos.
Sucede que a redacção de tal norma é equívoca nos termos da respectiva formulação, não resultando claro da mesma se, para se prevalecer da presunção ali consagrada, à AT cumpre apenas demonstrar a existência de lançamentos em contas correntes dos sócios, ou se, para além disso, lhe incumbe ainda o ónus de demonstrar que tais lançamentos não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais (prova negativa).
Não tendo sido tal questão objecto de tratamento directo na jurisprudência analisada, é possível detectar entendimentos divergentes a tal respeito.
Assim, se o citado Acórdão do TCA-Sul de 11-01-2011, proferido no processo 04357/10, se aparenta bastar com a prova da existência de movimentos nas contas de sócios, já o também citado Acórdão do TCA-Sul de 13-04-2010, proferido no processo 03461/09, parece considerar que a base da presunção abrange a demonstração de “que tal importância tenha sido escriturada como lançamento na sua conta corrente como sócio e que não resultava de mútuo, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais”.
Tendo em conta o teor literal da norma em questão, propende-se para este último entendimento, ou seja, o de que a AT deverá demonstrar que as importâncias que pretende presumir como atribuídas a título de lucros ou adiantamentos por conta dos lucros:
a) tenham sido escrituradas em quaisquer contas correntes dos sócios; e
b) não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.
Efectivamente, ao constarem tais circunstâncias, na norma do art.º 6.º, n.º 4 do CIRS, previamente à estatuição da presunção, indicia-se ter sido intuito legislativo de que apenas verificadas todas elas, possa operar a presunção consagrada, devendo o facto de as importâncias escrituradas não resultarem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais ser entendido como um facto base da presunção, e não o facto contrário como um facto impeditivo da mesma.
Não obstante ser questionável a opção tomada, tendo em conta a dificuldade acrescida típica da prova de factos negativos, crê-se ter sido essa a consagrada no texto legislativo em causa.
Ora, e desde logo, tendo em conta os factos apurados no RIT, e a respectiva fundamentação, não se poderá considerar realizada, para lá da dúvida razoável, a prova referida, ou seja, a prova de que as importâncias em questão nos autos, não tenham resultado de mútuos.
Com efeito, a AT, na fundamentação ora sindicada, apenas se limita a infirmar a prova apresentada pela Requerente, designadamente a inscrição contabilística como suprimentos a sócios, não fazendo ela própria qualquer esforço probatório na matéria relativa à (in)existência de quaisquer suprimentos, aparte a indicação de que não se verifica a “comprovação da entrada dos fluxos financeiros contabilizados na conta 253”, operando, na prática uma inversão (não legalmente sustentada) do ónus da prova, relativamente à circunstância controvertida da (in)existência de qualquer mútuo.
Daí que, face a tal défice probatório, haverá que concluir, com o supra-referido Acórdão do TCA-Sul de 13-04-2010, proferido no processo 03461/09, que “Não tendo a AT provado a base dessa presunção (...) não pode a mesma fundar a liquidação na presunção que dela resultava, que assim é ilegal, por inexistência de facto tributário.”.
Em todo o caso, e mesmo que se entendesse, como parece decorrer de alguma outra jurisprudência citada, que à AT apenas cumpre demonstrar a existência de lançamentos em contas correntes dos sócios, competindo, assim, ao contribuinte a demonstração de que aqueles resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, sempre se haveria de concluir da mesma forma.
Efectivamente, e como já indicado, encontra-se provado que as importâncias em questão foram objecto de inscrição contabilística como suprimentos, ou seja empréstimos de sócios (o que é reconhecido pela própria AT), sendo ainda certo que, conforme dispõe o art.º 75.º/1 da LGT, “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.
Compulsados os fundamentos de facto das correcções cuja legalidade cumpre sindicar, bem como o argumentado pela Requerida em sede arbitral, verifica-se que todas elas, com a excepção da referente ao ano de 2009, assentam na circunstância de se referirem a depósitos na conta da Requerente ou pagamentos de dívidas da mesma, cuja identidade do autor não foi possível demonstrar.
A correcção relativa ao ano de 2009, refere-se a uma transferência que a Requerente recebeu em 12-11-2009, proveniente da sociedade F..., e que contabilizou como quatro suprimentos de € 1.500,00 de cada um dos sócios.
Dúvidas não se colocaram nos autos, nem se colocam, de que as quantias monetárias que entraram na conta bancária da Requerente foram provenientes de terceiros, e não de fundos próprios da Requerente, e de que as dívidas pagas e contabilizadas pela Requerente como suprimentos foram efectivamente pagas por terceiros e não por meios próprios da Requerente.
A única dúvida que a AT coloca, e que é particularmente evidenciada pela posição assumida quanto à correcção subsistente relativa ao ano de 2009, é a de terem sido os sócios, ou terceiros, a fonte dos movimentos financeiros a favor da Requerente, cuja realidade não contesta.
Ora, esta dúvida, para a questão de saber se está ou não feita prova suficiente da realidade do recebimento dos suprimentos contabilizados pela Requerente, deverá ter-se por irrelevante, como, de resto, acaba por ser evidenciado pela fundamentação da própria AT, relativa aos movimentos contabilizados pela Requerente que aceitou como tal.
Efectivamente, quer em sede inspectiva, quer na sua intervenção parcialmente revogatória efectuada ao abrigo do disposto no art.º 13.º do RJAT, a AT aceitou a contabilização de quantias ou montantes provenientes apenas de um sócio, mas contabilizadas pela Requerente como suprimentos desse e de outros. Ou seja: reconheceu, no fundo, a irrelevância da fonte dos fundos recebidos, como fundamento para a incorrecção da sua inscrição contabilística.
Dito de outro modo: tal como é irrelevante, por exemplo, para a aceitação pela AT a contabilização pela Requerente como quatro suprimentos de € 5.000,00 de cada um dos sócios como suprimento, de uma transferência de € 20.000,00, proveniente da conta de depósitos à ordem detida pelo sócio B... no Banco C..., recebida pela Requerente a 25-08-2006, nenhuma razão se vislumbra para não aceitar as restantes disposições patrimoniais ocorridas a favor da Requerente, e que a efectividade a AT não questiona, como suprimentos nos termos contabilizados pela Requerente.
Assim, a AT aceitou as referidas contabilizações, quando reconheceu um fluxo financeiro proveniente de um dos sócios, ainda que contabilizado parcialmente como suprimentos de outros, porque reconheceu – julga-se – e bem, que a ter ocorrido alguma situação com relevância fiscal, a mesma se deu numa esfera alheia à Requerente.
Concretamente, e se, no exemplo dado, o sócio B... entrega € 20.000,00, a título precário (com obrigação de devolução), mas condicionado a que a devolução seja feita em partes iguais a ele, e aos restantes três sócios, o que se verifica, é uma disposição patrimonial gratuita do sócio B..., a favor dos restantes três sócios, cuja relevância fiscal – a existir, será na esfera dos restantes sócios beneficiários, e não na esfera da Requerente, que recebeu a quantia referida com a obrigação de restituir nos termos contabilizados.
Ora, o mesmo raciocínio será de aplicar às restantes situações análogas verificadas, mas em que não se apura a identidade do autor do fluxo financeiro a favor da Requerente.
Nessas situações, das duas uma:
- ou a transferência ou pagamento cuja identidade do autor não foi apurada, foi efectuada por um, ou mais do que um dos sócios, e o tratamento deverá ser o mesmo que foi dado nas situações aceites pela AT; ou
- tal transferência ou pagamento foi efectuada por um terceiro, e, no que para o caso releva, a situação será exactamente a mesma; o terceiro fez uma disposição patrimonial a favor da Requerente com a obrigação de restituir o valor facultado, aos seus sócios, nos termos contabilizados por aquela; e, também neste caso, nada de errado haverá com a contabilização efectuada pela Requerente, não sendo qualquer facto fiscalmente relevante, a disposição patrimonial eventualmente gratuita, efectuada por esse hipotético terceiro, a favor dos sócios da Requerente, cuja relevância se restringe à esfera dos sócios desta, e à qual a mesma será alheia.
Daí que, como se referiu antes, a dúvida em que assentam as correcções operadas pela AT, e que cumpre sindicar, não se deverá ter como susceptível de as fundamentar.
O que se vem dizendo, é especialmente reforçado quanto ao cheque de € 10.000,00 que foi depositado em 30-11-2007 na conta da Requerente, verificando-se que foi debitado na mesma data, da conta de depósitos à ordem detida pelo sócio B... no Banco C... um cheque no mesmo valor.
De igual modo, a correcção relativa ao ano de 2009, referente a uma transferência que a Requerente recebeu em 12-11-2009, proveniente da sociedade F..., e que contabilizou como quatro suprimentos de € 1.500,00 de cada um dos sócios, apenas assumirá potencial relevância fiscal na esfera daqueles, que eventualmente tenham beneficiado de alguma disposição patrimonial gratuita, mas não na esfera da Requerente.
Deste modo, e por todo o exposto, deverá proceder o pedido arbitral, anulando-se os actos tributário objecto da presente acção arbitral.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Anular os actos de liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2017... e n.º 2017..., relativos aos anos de 2013 e 2014, no valor de €161.434,37 e €54.661,18, respectivamente, assim como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve os referidos actos de liquidação como objecto, na medida em que não estejam já revogados pela revogação parcial operada pela AT, ao abrigo do art.º 13.º do RJAT;
b) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.
D. Valor do processo
A Requerida peticiona inicialmente uma redução do valor da causa, fundando-se na revogação parcial dos actos tributários, nos termos do art.º 13.º do RJAT.
Como se escreveu no Acórdão proferido no processo arbitral n.º 656/2014T, do CAAD , em termos a que se adere:
“A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o valor do processo não deve ser o indicado pela Requerente (€ 158.917,60), por ter havido revogação parcial dos actos impugnados, pelo que o correspondente à soma das correcções contestadas e mantidas, isto é, € 70.262,18, para o exercício de 2012.
Nos termos do artigo 299.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT e no artigo 6.º, alínea a), do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, «na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal».
Por isso, o valor da causa é, o de € 158.917,60, de harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC de 2013, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária”.
E, como escreve Carla Castelo Trindade, no seu “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado” :
“Ora, nos termos do artigo 299.º, n. 1, do CPC, “[n]a determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta (...)”. Deste modo, ainda que de uma eventual redução do objecto do processo pudesse resultar, em teoria, uma incompetência a posteriori do tribunal arbitral colectivo, sendo então competente um tribunal singular, na medida em que o momento atendível para determinação do valor da causa é o momento em que o pedido de constituição do tribunal arbitral é entregue, a alteração para menos do valor da utilidade económica do pedido é irrelevante. À mesma conclusão se chegaria por aplicação da máxima a maiori, ad minus. Tudo porque, em bom rigor, a exigência do tribunal colectivo nos processos em que o valor da causa ultrapasse os € 60.000,00 legalmente impostos, prende-se com razões de segurança jurídica e de atribuir mais confiança às decisões em que o valor é mais elevado e, por conseguinte, está inerente um maior risco.” .
Face ao exposto, fixa-se o valor do processo em € 216.095,55, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.284,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 15 de Janeiro de 2020
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Maria Alexandra Mesquita)
O Árbitro Vogal
(Cristina Aragão Seia)