Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 140/2019-T
Data da decisão: 2020-01-17  IRS  
Valor do pedido: € 136.007,87
Tema: IRS – Pagamento de Imposto na transição de residente para não residente
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Fernanda Maças (Presidente) Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora e Dr. Jorge Carita, como vogais, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 14 de maio de 2019, como tribunal arbitral coletivo, proferem a seguinte decisão arbitral:

         

I. RELATÓRIO:

 

A..., contribuinte n.º..., residente na ..., ..., ...-... Cascais ("Requerente"), tendo sido notificado, através do Ofício n.º..., de 20.02.2013, da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, do despacho de deferimento parcial da Reclamação Graciosa n.º ...-2012/..., apresentada contra a liquidação de IRS n. 2011..., no valor de € 267.220,48, respeitante ao ano de 2007, proferido em 15.02.2013 pelo Exmo. Senhor TAT Assessor Principal por delegação de competências do Diretor de Finanças Adjunto em regime de substituição e tendo apresentado, em 11.03.2013, impugnação judicial contra aquele ato de deferimento parcial e contra a

mencionada liquidação de IRS, impugnação judicial essa que ainda pendia no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º .../13...BELRS, veio, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, requerer a constituição de tribunal arbitral coletivo tendo em vista a anulação da decisão constante do Ofício n.º..., de 20.02.2013 referido, na parte em que lhe foi desfavorável e, bem assim, da liquidação de IRS n.º 2011..., relativa ao ano de 2007, por ele mantida, por entender que sendo não residente no ano de 2007 e tendo passado nesse ano a residir em Espanha, só aí deviam ser-lhe liquidados os impostos de rendimento a esse ano referentes, que o ora Requerente pagou, pedindo, em consequência indemnização pela garantia que teve de prestar para que a execução da liquidação ora impugnada pudesse ser suspensa.

 

Como não indicou árbitro, foram indicados os árbitros pelo Conselho Deontológico do CAAD.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 07-03-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou comos árbitros integrando o tribunal arbitral coletivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 22-04-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 14-05-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente, pois que o Requerente não reúne os requisitos para ser considerado não residente em Portugal, pois aqui residiu na primeira metade do ano de 2007 e aqui recebeu as remunerações que lhe eram devidas, as quais não foram declaradas e consequentemente não foram objecto de tributação em Espanha, razão pela qual se procedeu à liquidação de IRS relativo ao ano de 2007 em Portugal.

Tendo o Requerente, quando instado para o efeito, indicado os pontos de facto que careciam de prova testemunhal, foi designada data para a inquirição das testemunhas, que veio a realizar-se e após esta diligência, possibilitou-se às partes que, querendo, apresentassem alegações escritas, em prazos de 15 dias sucessivos, começando pelo Requerente, faculdade de que ambas as partes usaram.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

II. DESPACHO SANEADOR:

O Tribunal Arbitral é o competente em razão da matéria, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artº. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas, não havendo excepções ou nulidades de conhecimento oficioso que cumpra conhecer.

 

III. FACTOS PROVADOS:

Atentos os documentos juntos pelo Requerente e os documentos constantes do processo administrativo, bem como o acordo das partes expresso ou por falta de impugnação e a prova testemunhal produzida, consideram-se provados os seguintes factos:

a)            O Requerente trabalhou para a empresa B... - Sucursal em Lisboa, também designada "C... Portugal", desde 1996. (acordo das partes)

 

b)           A partir de 25.01.2005, passou a ser membro do Conselho de Administração da B... Inc., tendo sido designado representante ("gerente") da sua sucursal, a C... Portugal (cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial).

 

c)            No início de 2007, o Requerente foi designado responsável do Grupo B... pelo ... ("...") da Península Ibérica. (acordo das partes).

 

d)           Por força destas funções - que, de resto, ainda exerce – o Requerente passou a permanecer por períodos de tempo em Espanha, no exercício das suas funções, logo desde o início de 2007. (acordo das partes)

 

e)           A partir de 01.07.2007, o Requerente passou a trabalhar para a C..., S.L., uma sociedade do Grupo com sede em Espanha, também designada por "C... Espanha”, tendo, nessa data, assinado contrato de trabalho por tempo indeterminado com esta sociedade. (contrato de trabalho junto como documento nº. 3)

 

f)            Por esse contrato de trabalho, o Requerente obriga-se a prestar atividade como consultor para a “C... Espanha” (contrato de trabalho junto como documento nº. 3).

 

g)            Para cumprir o referido contrato de trabalho, o Requerente passou a residir em Madrid. (acordo das partes)

 

h)           Em 27 de Junho de 2007, o Requerente celebrou um contrato de arrendamento, que fixava a sua vigência a partir de 01.07.2007 (o contrato de arrendamento junto como documento nº. 4).

 

i)             Para cumprimento da legislação espanhola sobre residência de estrangeiros em Espanha, o Requerente procedeu, em 19.07.2007, à sua inscrição junto do Registro Central de Extranjeros, como cidadão da União Europeia (cfr. documentos nº.s 4 e 5 juntos com a petição inicial).

 

j)             A favor do ora Requerente foi emitido pelo Registro Central de Extranjeiros, um “Certificado de Registro de Ciudadano de La Union” com reconhecimento notarial de 24 de Julho de 2007.- Documento n.º 5 junto com a petição inicial.

 

k)            Por certificado emitida pela Agência Tributária de Espanha em 5-2-2008, foi reconhecida ao Requerente residência fiscal em Espanha.- Documento n.º 6 junto com a petição inicial.

 

l)             No período entre 1 de janeiro e 30 de junho de 2007, o Requerente deslocou-se por diversas vezes ao estrangeiro, ao serviço da sua entidade patronal, no âmbito das suas funções como gerente do Grupo B..., totalizando, pelo menos, 50 dias fora do país.- cfr. docs. n.º 7 e n. º 8 juntos com a petição inicial

 

m)          Após 30 de Junho de 2007, o Requerente passou a residir no local arrendado em Madrid e referido na alínea e). (acordo das partes)

 

n)           No ano de 2007 o ora Requerente auferiu de rendimentos do trabalho dependente, pagos pela C... Portugal, entre Janeiro e Junho de 2007, no valor de € 292.857,12.- doc. n.º 9 junto com a petição inicial.

 

o)           No ano de 2007 o ora Requerente auferiu de rendimentos do trabalho dependente, pagos pela C... Espanha, entre julho e dezembro de 2007, no valor de € 839.576,32. - doc. n.º 9 junto com a petição inicial.

 

p)           Em Espanha, o ora Requerente, no ano de 2008 e relativamente aos rendimentos de 2007, declarou, como sendo residente fiscal nesse Pais, com enquadramento no regime especial para trabalhadores deslocados, previsto no artigo 93 da Ley del Impuesto sobre la Renta de Personas Físicas (Ley IRPF) correspondente a legislação aplicável ao IRS em Espanha, apenas os rendimentos recebidos em Espanha no ano de 2007 e referidos na al. k). - Relatório da Inspeção Tributária.

 

q)           Tendo pago imposto naquele país no valor de € 131.212,61. - documento n.º 10 junto com a petição inicial.

 

r)            Ainda no decurso de 2007, em 19.12.2007, o ora Requerente declarou expressamente a sua alteração de residência fiscal para Espanha, junto do Cadastro da DGCI, tendo simultaneamente nomeado o seu cônjuge como seu representante fiscal em Portugal (Relatório de Inspeção Tributária).

 

s)            O cônjuge do ora Requerente não o acompanhou imediatamente na sua mudança para Madrid, tendo permanecido em Portugal durante o ano de 2007, até porque se encontra grávida, em gravidez de risco. – depoimento da testemunha E... .

 

t)            O cônjuge do Requerente procedeu à entrega da declaração anual de IRS referente a 2007, na qualidade de residente fiscal e separada de facto, declarando a totalidade dos seus rendimentos pessoais – Relatório da Inspeção Tributária.

 

u)           Por Ofício da Direção de Finanças de Lisboa n.º ... datado de 16.11.2011, foi o Requerente notificado do Relatório de Inspeção, no âmbito do qual a AT apurou rendimentos tributáveis em sede de IRS relativos a 2007 no valor total de € 834.565,95.- documento n.º 11 junto com a petição inicial.

 

v)            O Requerente passou duas semanas de férias em Portugal na segunda metade do ano de 2007- depoimento da testemunha E... .

 

w)          O requerente veio alguns fins de semana a Portugal – em número não concretamente apurado – atendendo ao estado em que se encontrava a sua mulher e referido na alínea o). – depoimento da testemunha E... .

 

x)            O Requerente passou em Portugal a quadra natalícia.- depoimento da testemunha E... .

 

y)            O ora Requerente foi notificado do ato tributário de liquidação de IRS relativo ao ano 2007 com n.º 2011..., datado de 30.11.2011, que apurou um valor de imposto a pagar de € 267.220,48 .- documento n.º 12 junto com a petição inicial.

 

z)            O Requerente apresentou, em 13.04.2012, reclamação graciosa contra o mencionado ato de liquidação - documento n.º 13 junto com a petição inicial.

 

aa)         A reclamação graciosa foi decidida, tendo sido apenas parcialmente deferida, por despacho proferido em 15.02.2013 e notificado ao Requerente através do Ofício n.º..., de 20.02.2013, da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa. - documento n.º 1 junto com a petição inicial.

 

bb)         A referida reclamação graciosa foi deferida na parte em que a liquidação inicial não incluía o crédito de imposto, no valor de € 131.212,61, relativo ao imposto de rendimento pago pelo Requerente em Espanha, como havia sido expressamente reconhecido em sede do Relatório de Inspeção. - ainda doc. n.º 1 junto com a petição inicial.

 

cc)          Em 11.03.2013, o Requerente apresentou petição de impugnação judicial contra o despacho de deferimento parcial da Reclamação Graciosa referida nas alíneas anteriores, tendo esse processo corrido termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º .../13...BELRS e nele tendo sido apresentada contestação pela Fazenda Pública em 24.09.2013. - doc. n.º 14 e certidão juntos com a petição inicial.

 

dd)         Ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, o ora Requerente requereu a possibilidade de ser o litígio submetido à arbitragem tributária, por requerimento de 04.12.2018, o qual foi deferido por despacho de 07.02.2019, que transitou em julgado, tendo sido emitida a respectiva certidão em 28.02.19. – certidão junta com a petição inicial.

 

ee)         Foi instaurado contra o ora Requerente o processo de execução fiscal n.º ...2012..., relativo à dívida de IRS ora impugnada, tendo sido apresentado como valor indicativo para efeitos de garantia a quantia de € 340.352,63. (acordo das partes).

 

ff)           Visando a suspensão do mencionado processo de execução fiscal, o ora Requerente prestou, em 31.07.2012, garantia destinada a suster a execução fiscal nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 169.º e do n.º 2 do artigo 199.º do CPPT e ainda do artigo 52.º da LGT, sob a forma de hipoteca voluntária sobre o imóvel constituído por fração autónoma sito na Rua ..., n.º..., R/C, ...-..., freguesia do ..., Cascais, com o artigo matricial n.º..., registado na ... Conservatória do Registo Predial de Cascais, cujo valor patrimonial tributário se cifra em € 575.140,61. (acordo das partes)

 

gg)         Com a constituição da hipoteca voluntária referida na alínea anterior o Requerente suportou custos de montante não concretamente apurados (acordo das partes)

Com interesse para a decisão dos presentes autos, nenhum outro facto se provou.

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria de facto provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110., nº 7 do CPPT, a prova documental e testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta ainda que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/131, “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”, sendo certo que algumas foram expressamente aceites pelo Requerente.

 

IV.    QUESTÕES A DECIDIR

 

Em face das posições assumidas e dos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, a questão de fundo em apreciação no âmbito do presente processo arbitral prende-se com o facto de saber se o Requerente deverá ou não ser considerado residente para efeitos fiscais em Portugal no ano de 2007, nos termos e para os efeitos do artigo 16.º do Código do IRS.

 

A.           SENTIDO E ALCANCE DA ALÍNEA B) DO N.º 1, DO ARTIGO 16.º DO CÓDIGO DO IRS

 

1.            Para a apreciação da questão que nos ocupa, seguiremos de perto a exposição feita, a título doutrinal e jurisprudencial, no acórdão arbitral proferido no processo n.º 280/2019-T, de que, com a devida vénia, transcrevemos a parte do Direito, fazendo, consequentemente, a adaptação da mesma ao caso em concreto.

 

2.            Assim sendo, e tal como naquele acórdão arbitral iniciaremos a nossa análise por salientar a importância que o conceito de residência assume no Direito Fiscal e, em particular, na tributação do rendimento.

 

3.            Cingindo-nos ao Código do IRS, verificamos que a residência é o critério utilizado para determinar o âmbito de aplicação do imposto (cf. artigo 15.º), sendo os residentes sujeitos a um princípio de tributação de base mundial por contraposição com os não residentes, que apenas são sujeitos a tributação relativamente aos rendimentos obtidos em Portugal.

 

4.            Com efeito, a residência, pressupondo uma ligação forte e estável a um território específico, é o critério mais frequente para determinação da tributação universal dos rendimentos.

 

5.            O n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos (2007), e com relevância para o caso em apreço, utilizava mais do que um critério de residência, determinando que:

“São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual;

(…)”

 

6.            Verifica-se, assim, que o critério previsto na alínea a) se cinge à presença física (corpus), em Portugal, considerando residentes, de forma automática, os indivíduos que permaneçam 183 dias no território nacional.

 

7.            A al. b), por outro lado, exigindo uma ligação física menos qualificada, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território. Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.

 

8.            Repare-se que a existência de critérios de residência puramente artificiais, sem que tenham por base uma conexão efetiva com o território, encontram restrições à sua aplicação ou por via do Direito Internacional Público (Cf. Rui Duarte Morais, Imputação de Lucros de Sociedades Não Residentes Sujeitas a um Regime Fiscal Privilegiado, Porto: Publicações Universidade Católica, 2005, p. 35), ou num momento posterior por via de aplicação dos ADTs (Cf. Klaus Vogel, On Double Taxation Conventions, Third Edition, Deventer: Kluwer Law International, 1997, pp. 232-233).

 

9.            Assim, a al. b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS serve duas funções essenciais: em primeiro lugar, considerar residente em Portugal um indivíduo que apenas deslocalize a sua residência para o território nacional, no segundo semestre do ano, de forma a que já não seja possível cumprir com o critério dos 183 dias; e, em segundo lugar, considerar residentes os indivíduos que, apesar da sua ligação ao território, verificada através de um local onde residem habitualmente, possam intencionalmente contornar a regra da permanência (Cf. André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) Anotado, Lisboa: Instituto Superior de Gestão, 1999, pp. 206-207).

 

10.          Centrando-nos agora na al. b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, com maior relevância para o caso concreto – face à alínea l) da matéria de facto dada como assente, nos termos da qual é manifesta a presença do Requerente, em Portugal, por um período menor a 183 dias – refere-se usualmente que a referida norma impõe três requisitos, de cuja verificação cumulativa depende a qualificação como residente:

(i)           a permanência em Portugal;

(ii)          a disposição de uma habitação; e

(iii)         a verificação de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual.

 

11.          Naturalmente, tendo por base o corpo do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS, a verificação dos referidos requisitos deve ter por referência o “ano a que respeitam os rendimentos”, sendo este o espectro temporal durante o qual deve ser verificada a residência.

 

12.          No que respeita à permanência em Portugal, não será necessário discorrer sobre a verificação desde requisito, uma vez que, conforme consta da matéria de facto dada como provada nos presentes autos, o Requerente, a partir de 01.07.2007 passou a trabalhar para a D..., S.L, uma sociedade do Grupo com sede em Espanha, passando, a partir dessa data, por forma a cumprir o referido contrato de trabalho, a residir em Madrid, Espanha (vide alíneas e), g) e h) da matéria de facto dada como provada).

 

13.          Mais, tendo-se considerado como assente que o Requerente, no período entre 1 de janeiro e 30 de junho de 2007, se deslocou por diversas vezes ao estrangeiro, ao serviço da sua entidade patronal, no âmbito das suas funções como gerente do Grupo B..., totalizando, pelo menos, 50 dias fora do país – vide alínea l) da matéria de facto provada -, é manifesto que permaneceu em Portugal durante uma parte do ano de 2007, mas menos de 183 dias.

 

14.          E cabia à AT a prova da permanência do cidadão em Portugal pelo menos por 183 dias no ano de 2007, por ser facto constitutivo do direito de tributar o Requerente pela totalidade dos rendimentos auferidos nesse como residente, atento o ónus da prova definido pelo artº. 74º., nº. 1 da Lei Geral Tributária.

 

15.          Assim, ponderaremos, então, se a alínea b) do n.º 1 do referido artigo 16.º do CIRS se encontra preenchida, ou seja, se o Requerente, dispunha, em 31 de dezembro de 2007, de habitação em condições que façam supor a intenção de manter e ocupar como residência habitual.

 

16.          Como afirma MANUEL FAUSTINO, “(…) não é exigível um título de propriedade da casa, mas tão só um título que legitime a sua utilização, como o arrendamento, o usufruto, o uso e habitação ou o comodato.” (Cf. Manuel Faustino, “Os residentes no Imposto sobre o Rendimento Pessoal (IRS) Português”, Ciência e Técnica Fiscal n.º 424, 99, pp. 124-125).

 

17.          Ora, a verdade é que, conforme resulta dos autos, a Requerida AT invocou que o Requerente dispunha na Rua ..., n.º ..., R/C, ...-..., freguesia do ..., Cascais, com o artigo matricial n.º..., registado na ... Conservatória do Registo Predial de Cascais, de habitação em condições que fazem supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual, pelo que, estaria verificado o elemento de conexão previsto no artigo 16.º, n.º 1, alínea b) do CIRS. 

 

18.          Suposição essa que se intensifica com o facto de ter sido constituída a 31.07.2012, sobre tal habitação, hipoteca voluntária a favor da AT, para suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2012..., relativo à dívida de IRS ora impugnada, tendo sido apresentado como valor indicativo para efeitos de garantia a quantia de € 340.352,63, instaurado contra o Requerente. (vide alíneas ee) e ff) da matéria dada como provada).

 

19.          Contudo, há que ter, igualmente, em conta que, nessa habitação permaneceu a cônjuge do ora Requerente que não o acompanhou imediatamente na sua mudança para Madrid, durante o ano de 2007, até porque se encontra grávida, em gravidez de risco – vide alínea s) da matéria dada como provada - .

 

20.          Na verdade, e a este respeito, constatamos que o legislador não densifica como deve ser aferida a intenção do indivíduo, não fornecendo, igualmente, critérios a partir dos quais o aplicador do direito deva formar a sua convicção quanto ao que se entende por residência habitual.

 

21.          Porém, esta não pode confundir-se com a residência habitual que o indivíduo quer ter após o seu regresso a Portugal no final da vida ativa, ou se cessar a relação de trabalho profissional que assumiu para ir viver para fora do país.

 

22.          Na falta de uma definição legal será necessário efetuar uma análise casuística, devendo o elemento volitivo (a intenção de manter e ocupar um determinado local como residência habitual) ser aferido através de manifestações externas de vontade. A intenção de manter e ocupar uma dada habitação enquanto residência habitual deve, desta feita, ser reconstituída a partir de elementos objetivos que façam supor, com clareza, a vontade do indivíduo.

 

23.          Nas palavras de ALBERTO XAVIER “[a] intenção de manter e ocupar a habitação como residência habitual, não é objecto de prova directa, antes resulta de condições objectivas que a façam supor.” (Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2.ª Edição Actualizada, Coimbra: Almedina, 2007, p. 286).

 

24.          Uma vez que a intenção a demonstrar se refere à manutenção e ocupação de uma residência habitual, importa determinar, como ponto prévio, o que se entende por residência habitual, para que seja claro que deve resultar da intenção do indivíduo. Ora, o conceito de residência habitual deve ser interpretado no contexto em que se insere, ou seja, o artigo 16.º deve ser lido como um todo. Tal como referido, tanto a al. a) como a al. b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS impõem uma conexão efetiva com o território Português. Se a qualidade de residente, nos termos da al. a) resulta, automaticamente, de um critério fáctico, meramente numérico, a presença em Portugal, a al. b) exige, pela falta de maior presença no território, um elemento adicional de intenção. O referido artigo impõe, assim, a vontade de estar regularmente presente no território nacional, utilizando, para o efeito, uma determinada habitação.

 

25.          A residência habitual é, assim, igualmente um critério fáctico determinado pela permanência regular (habitual) numa determinada habitação e, onde, como tal se presume ter organizada a sua vida.

 

26.          Como já sustentou o Supremo Tribunal Administrativo, “[é] evidente que, sendo a residência habitual o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida, não medeiam grandes diferenças entre o «domicílio fiscal» e a «habitação permanente»: há entre as duas figuras uma relação íntima, que se traduz em ambas pressuporem um lugar com o qual certa pessoa está em ligação, o local onde tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida.” (Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11/23/2011, proferido no processo 0590/11),

 

27.          … bem como o Tribunal Central Administrativo Sul, referindo que “[o] conceito de residência habitual (o qual coincide com o conceito de domicílio voluntário), deve buscar-se no direito interno, consubstanciando-se como o local onde uma pessoa singular normalmente vive e de onde se ausenta, em regra, por períodos mais ou menos curtos (cfr.artº.82, do C.Civil).” (Cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12/11/2012, proferido no processo 05810/12).

 

28.          Como sustenta MANUEL FAUSTINO, o referido critério legal “(…) ao integrar-se na previsão a manutenção e ocupação dessa casa como residência habitual desde logo se excluem da condição de residentes os que dispõem em Portugal de uma simples habitação secundária (desde que nela não permaneçam mais de 183 dias por ano) ou de férias, bem como aqueles que, nomeadamente os emigrantes, dispondo aqui de uma habitação que poderão vir a ocupar como sua residência habitual quando, em definitivo, regressarem a Portugal, apenas a ocupam por ocasião das suas férias ou em deslocações pontuais e fortuitas.” (Cf. Manuel Faustino, “Os residentes…” op. cit., pp. 124-125 e, no /mesmo sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/24/2011, proferido no processo 876/10).

 

29.          Para que exista uma residência habitual deverá resultar claro que a habitação mantida em Portugal, pelas suas características, se destina a uma permanência duradoura e não a uma mera passagem de curta duração (Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário…op. cit. 286).

 

30.          Em todo o caso, uma vez que a lei exige, não a existência de uma residência habitual, mas a verificação de condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar uma dada habitação enquanto tal, cumpre aferir da existência de elementos que possam fazer presumir que o Requerente tinha intenção de utilizar a habitação que tinha à sua disposição em Portugal, como residência habitual, com a ressalva atrás referida e que é patente na jurisprudência e na doutrina citada nos números anteriores de o indivíduo querer ter em Portugal uma residência habitual, mas apenas, após o seu regresso a Portugal no final da via activa  ou se cessar a relação de trabalho profissional que assumiu para ir viver para fora do país.

 

31.          Nesta aceção, constata-se, da matéria de facto dada como assente - da qual temos que nos socorrer para ponderar o preenchimento dos requisitos do artigo 16.º do CIRS e consequentemente, aferir se o Requerente deve ser considerado residente em território português – por um lado, que a cônjuge do ora Requerente não o acompanhou imediatamente na sua mudança para Madrid, tendo permanecido em Portugal durante o ano de 2007, até porque se encontrava grávida.

 

32.          Por outro, que, neste período, o Requerente passou duas semanas de férias em Portugal na segunda metade do ano de 2007, tal como, veio alguns fins de semana a Portugal – em número não concretamente apurado – atendendo ao estado (gravidez de risco) em que se encontrava a sua mulher e, por último, passou em Portugal a quadra natalícia. (alíneas o), r), s) e t) dos factos dados como provados).

 

33.          Factos estes que levam a concluir que a residência foi mantida, não com a intenção de o Requerente nela ter a sua habitação habitual, - até porque, desde 30.06.2007, Requerente já estava a trabalhar e a residir em Espanha – vide alíneas  m), n) e o) da matéria de factos dada como provada - mas a  intenção de, durante o ano de 2007, ser ocupada e mantida pela cônjuge do Requerente, porque se encontrava grávida – gravidez de alto risco - .

 

34.          Residência esta que foi utilizada, na segunda metade do ano de 2007, pelo Requerente apenas para passar as férias de Natal desse ano e alguns fins de semana, conforme se retira, da matéria de facto dada como provada.

 

35.          Com efeito, o facto de esta residência ter sido mantida, até pelo menos 2012, altura em que foi constituída sobre a mesma uma hipoteca para garantir o processo de execução fiscal referido na alínea ff) da matéria de facto dada como provada, não significa que tivesse sido mantida para efeitos de residência habitual do Requerente e do seu agregado familiar durante o ano de 2007.

 

36.          Ademais, o facto de ser proprietário desse prédio 5 anos depois e mesmo residindo no estrangeiro, nada releva para considerar que é sua intenção constituir residência habitual em Portugal no ano de 2007, se mantém a propriedade desse prédio eventualmente tendo em vista o seu regresso a Portugal no final da via activa ou se cessar a relação de trabalho profissional que assumiu para ir viver para fora do país, como já atrás referimos.

 

37.          Ora os factos provados levam-nos à conclusão de que, nesse ano de 2007, mesmo na hipótese de o Requerente manter, pelo menos por razões familiares, o corpus, não fica demonstrado que tenha o animus de manter a sua residência em Portugal.

 

38.          Desde logo, a declaração do sujeito passivo (ou de alguém em sua representação) perante a Autoridade Tributária e Aduaneira (uma entidade oficial), de que pretende ser considerado não residente em Portugal e até nomear um representante nesse mesmo ano de 2007, demonstra que a sua intenção era ter a sua residência habitual em Espanha, para onde fora trabalhar.

 

39.          Repare-se que a declaração de que a residência de uma dada pessoa se situa em Portugal ou em qualquer outro local, no caso em Espanha, não poderá ser efetuada de ânimo leve, já que deste elemento decorre a aplicação de um acervo importante de direitos e obrigações, não apenas de natureza fiscal.

 

40.          Por outro lado, não se trata aqui de um entendimento formalista que pretende fazer resultar da existência de um documento todo um resultado de substância.

 

41.          Além disso, consta dos factos dados como provados, por um lado, que «[p]ara cumprimento da legislação espanhola sobre residência de estrangeiros em Espanha, o Requerente procedeu, em 19.07.2007, à sua inscrição junto do Registro Central de Extranjeros, como cidadão da União Europeia; a favor do ora Requerente foi emitido pelo Registro Central de Extranjeiros, um “Certificado de Registro de Ciudadano de La Union” com reconhecimento notarial de 24 de Julho de 2007; e por certificado emitida pela Agência Tributária de Espanha em 5-2-2008, foi reconhecida ao Requerente residência fiscal em Espanha. (alíneas i) a k) da matéria dada como provada) e,

 

42.          … por outro, que o Requerente, no ano de 2008 e relativamente aos rendimentos de 2007, declarou, como sendo residente fiscal em Espanha, com enquadramento no regime especial para trabalhadores deslocados, previsto no artigo 93 da Ley del Impuesto sobre la Renta de Personas Físicas (Ley IRPF) correspondente a legislação aplicável ao IRS em Espanha, apenas os rendimentos recebidos em Espanha no ano de 2007 (alínea p) da matéria de facto dada como provada), e por último, em 19.12.2007, o ora Requerente declarou expressamente a sua alteração de residência fiscal para Espanha, junto do Cadastro da DGCI, tendo simultaneamente nomeado o seu cônjuge como seu representante fiscal em Portugal (alínea n) da matéria de facto dada como provada).

 

43.          Deste modo, o requerente tinha já em 2007 a intenção firme de constituir o centro dos seus interesses em Espanha, de se sujeitar plenamente às regras do regime fiscal espanhol, o que aliado ao facto de  passar a trabalhar de forma efectiva e continuada, tendo aí residência estável no andar arrendado desde Julho de 2007, são uma demonstração inequívoca da sua intenção de mudar a sua residência habitual para Espanha.

 

44.          Acresce que, nos termos da al. b) do nº. 1 do artº. 16º. do CIRS, na redacção vigente ao tempo, o simples facto de continuar a ser proprietário de um prédio em Portugal em 31 de Dezembro de 2007, onde residia habitualmente e onde poderia continuar a residir só por si não revela essa intenção de continuar a ter a sua residência habitual em Portugal, atentos todos os factos referidos nos pontos 33 e 35 da análise de direito e que correspondem às alíneas i) a k) e r) da matéria de facto dada como provada.

 

45.          E se a prova desses factos não for entendida como demonstrativa da ausência do animus de não ter residência habitual em Portugal, então terá de intervir a regra de julgamento fixada em sede de ónus da prova, segundo a qual o juiz deve julgar o pleito contra a parte a quem incumbia o ónus da prova desse animus .

 

46.          Ora, cabia à AT a prova de que o Requerente tinha “intenção de a manter e ocupar como residência habitual” a casa onde teve anteriormente a sua residência habitual, quando foi residente em Portugal, mesmo depois de ter passado a trabalhar em Espanha e de também aí ter adquirido residência, atento o ónus da prova definido pelo artigo 74º., nº. 1 da Lei Geral Tributária

 

47.          Repare-se que a intenção que se pretende aferir, na al. b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, não é uma intenção de, no futuro, ocupar, ou não, a habitação como residência atual, mas sim, como refere MANUEL FAUSTINO uma intenção atual (Cf. Manuel Faustino, “Os residentes…op. cit.”p. 125), que deve ser aferida mediante manifestações externas dessa vontade.

 

48.          Para efeitos da lei interna Portuguesa, em especial do Código do IRS, entende-se, assim, que o Requerente não deve ser considerado residente em Portugal, no ano de 2007, uma vez que não se provaram os requisitos previstos na al. b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, pois, apesar de dispor, no Estoril, Lisboa, de habitação em condições de a poder manter e ocupar como residência habitual, o certo é que nela não permaneceu passando a residir em Espanha.

 

49.          Refira-se a propósito que o mencionado artigo 16º. do CIRS, vigente ao tempo, determinava ainda que:

«3 - A condição de residente resultante da aplicação do disposto no número anterior pode ser afastada pelo cônjuge que não preencha o critério previsto na alínea a) do n.º 1, desde que efectue prova da inexistência de uma ligação entre a maior parte das suas actividades económicas e o território português, caso em que é sujeito a tributação como não residente relativamente aos rendimentos de que seja titular e que se considerem obtidos em território português nos termos do artigo 18.º

 

4 - Sendo feita a prova referida no número anterior, o cônjuge residente em território português apresenta uma única declaração dos seus próprios rendimentos, da sua parte nos rendimentos comuns e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo segundo o regime aplicável às pessoas na situação de separados de facto nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 59.º.»

 

50.          Esta redação fora dada ao artigo 16º. pela Lei n. 60-A/2015, de 31 de dezembro, que aditara o n.º 4.

 

51.          E a demonstração de que o ora Requerente pretendia ser considerado não residente, resulta também do facto de o respectivo cônjuge ter apresentado uma declaração de rendimentos própria, conforme consta do facto considerado provado na al. t), que relatado no Relatório de Inspecção Tributária não foi por esta posto em causa.

 

52.          Nestes termos, o Requerente deve ser considerado como não residente em Portugal, mesmo levando em conta que apenas com a reforma do Código do IRS, operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, se passou a aceitar expressamente a residência parcial.

 

53.          Deste modo, sendo o Requerente um indivíduo de nacionalidade Portuguesa mas com residência em Espanha, não pode ser tributado em Portugal pelos rendimentos auferidos no ano de 2007, devendo prevalecer a residência em Espanha.

 

54.          Em face do exposto, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, no que respeita à liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2007, pelo que se revoga a decisão da reclamação graciosa impugnada e apresentada a 13.04.2012, contra o referido ato tributário, na parte do indeferimento parcial da mesma, anulando-se consequentemente a liquidação adicional de IRS nº. 2011..., no valor de € 267.220,48, respeitante ao ano de 2007.

 

B.            DA INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO INDEVIDA DE GARANTIA

 

55.          O Requerente formula pedido de indemnização por garantia indevida, referindo que:  «visando suspender o mencionado processo de execução fiscal, o ora Requerente prestou, em 31.07.2012, garantia destinada a suster a execução fiscal nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 169.º e do n.º 2 do artigo 199.º do CPPT e ainda do artigo 52.º da LGT, sob a forma de hipoteca voluntária sobre o imóvel constituído por fração autónoma sito na Rua ..., n.º..., R/C, ...-..., freguesia do..., Cascais, com o artigo matricial n.º ..., registado na ... Conservatória do Registo Predial de Cascais, cujo valor patrimonial tributário se cifra em € 575.140,61» 

 

56.          O n.º 1 do artigo 171.º do CPPT, aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, estabelece que «[a] indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda».

 

57.          Na verdade, há que atender a que o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário a discussão da «legalidade da dívida» que poderá estar já em cobrança coerciva, i.e, exequenda, pelo que, atendendo ao disposto no supra transcrito n.º 1 do artigo 171.º do CPPT, será no processo arbitral que adequadamente se deverá apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

 

58.          Assim, estabelece o artigo 53.º da Lei Geral Tributária sob a epígrafe “Garantia em caso de prestação indevida” que:

«1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida. 

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo. 

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente. 

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

59.          Desta norma resulta que o direito à indemnização por garantia indevida depende da verificação dos seguintes pressupostos de facto:

a) a prestação da garantia bancária ou equivalente - com vista à suspensão da execução fiscal que tenha por objeto a cobrança de dívida emergente da liquidação impugnada, ainda que a execução fiscal seja questionada através de oposição – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 0208/11, de 02.11.2011 - ;

b) a existência de prejuízos emergentes da prestação dessa garantia;

c) o vencimento na reclamação graciosa, impugnação judicial, ou oposição onde seja verificado o erro imputável aos serviços (no caso no pedido de constituição do tribunal arbitral).

 

60.          Ensina JORGE LOPES DE SOUSA, in Código do Procedimento e do Processo Tributário, anotado e comentado, Volume III, 6ª edição 2011, a pág. 242, quanto ao conceito de “garantia equivalente a garantia bancária” o seguinte:

«Equivalente à garantia bancária, para efeitos deste artigo, serão todas as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida.

Dos meios de garantia expressamente previstos no art. 199.º do CPPT será o caso do seguro-caução, cujo regime está previsto nos arts. 6.º e 7.º do DL n.º 183/88, de 24 de Maio.»

 

61.          Esclarece o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 0469/14.6BELRS 033/18, de 10.10.2018 que:

«(…) tendo a garantia sido prestada através de hipoteca não se verifica o primeiro requisito a que se refere o preceito por nós citado o qual se refere apenas a “garantia bancária ou equivalente”, tendo vindo a entender-se que cabe nesta equivalência o seguro caução (este é também uma forma de garantia que implica para o interessado o suporte de uma despesa que vai aumento constantemente em função do período de tempo durante o qual é prestado/mantido).

Assim sendo não se inclui na previsão legal de indemnização por prestação de garantia indevida o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo de garantia (ver, por exemplo, a constituição de penhor ou hipoteca legal), o que resulta segundo os doutrinadores da ocorrência “de uma maior dificuldade em se configurar então a existência de um prejuízo efetivo sofrido pelo executado nesse tipo de circunstâncias, o que não significa que tal não possa ocorrer devendo, então, o ressarcimento do lesado fazer-se pelos meios indemnizatórios gerais” (Lei Geral Tributária, anotada, página 254, Lima Guerreiro. Em idêntico sentido, Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 2015, página 555, José Maria Fernandes Pires e Outros e Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição, 2011, III volume, página 241, Jorge Lopes de Sousa). »

 

62.          … pelo que sumariou o entendimento que acompanhamos, no sentido de que:

«I - No caso concreto dos autos, em que a garantia prestada para suspender a execução, foi uma hipoteca, esta garantia real não pode ser entendida como uma garantia equivalente à garantia bancária para efeitos dos artºs 53º nº 1 da LGT e 171º do CPPT.

II - Com efeito, esta hipoteca voluntária, em princípio só terá custos emolumentares, de constituição e registo. Assim, não pode dizer-se que estejamos perante uma garantia equivalente à garantia bancária.»

 

63.          Assim sendo, tendo em consideração que, no caso em apreço, foi constituída uma hipoteca voluntária - alínea K) facto dado como provado – no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2017..., em que a Requerente é executada, e não é a mesma considerada garantia equiparada ou equivalente à garantia bancária para os efeitos do disposto nos artigos 53.º, n.º 1 da LGT e artigo 171.º do CPPT, pelo que, não tem o Requerente, apesar de o presente pedido de constituição arbitral proceder, direito a indemnização por prestação de garantia indevida nos termos pedidos.

 

VI - DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide-se:

 - julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, no que respeita à liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2007, pelo que se revoga a decisão da reclamação graciosa impugnada e apresentada a 13.04.2012, contra o referido ato tributário, na parte do indeferimento parcial da mesma, anulando-se consequentemente a liquidação adicional de IRS nº. 2011..., no valor de € 267.220,48, respeitante ao ano de 2007.

 - julgar improcedente o pedido de indemnização por garantia indevida formulado pela Requerente.

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 136 007,87 (cento e trinta e seis mil, sete euros e oitenta e sete cêntimos) nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

CUSTAS

Fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 17 de janeiro de 2020

 

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Os Árbitros

 

 Fernanda Maçãs (Presidente)

José Joaquim Sampaio e Nora

Jorge Carita