I. I. RELATÓRIO
1. A..., S.A., sociedade com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., com sede na Rua …, em Sintra, que se encontra na competência geográfica do serviço de finanças de Sintra – 1, tendo sido notificada através do ofício n.º ..., de 21.10.2013, da decisão de indeferimento, proferida por despacho de 21.10.2013, do Exmo. Senhor Chefe de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças de Porto – 1, a qual recaiu sobre a reclamação graciosa n.º ..., apresentada nos termos dos artigos 68.º e seguintes do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), com referência ao ato tributário consubstanciado na liquidação de Imposto do Selo (IS) sobre a propriedade do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o n.º ..., sito na freguesia de ..., concelho do Porto, com referência ao ano de 2012, datada de 21.03.2013, no montante total de € 83.467,19, vem, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e do artigo 102.º, n.º 2, do CPPT requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL COLETIVO com vista à declaração de ilegalidade daquele ato tributário.
Pede a requerente a anulação dos atos tributários e a restituição dos valores pagos com juros indemnizatórios.
Fundamenta sinteticamente o pedido, alegando no essencial:
- que é uma sociedade comercial que, no âmbito da sua atividade, se dedica à promoção imobiliária, nomeadamente à realização e desenvolvimento de negócios e projetos imobiliários.
- que era proprietária, à data a que os factos se reportam, i.e., no ano de 2012, do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo n.º ..., sito na freguesia de ..., concelho do Porto, com o valor patrimonial tributário de € 8.346.718,63, o qual era composto por um talhão de terreno para construção, conforme cópia da caderneta predial que se junta como documento n.º 1.
- De acordo com o Plano de Pormenor das ... em vigor à data dos factos, cuja cópia se junta como documento n.º 2, 17.400m2 da área total do respetivo terreno destinavam-se a habitação e 2.465m2 destinavam-se a comércio e serviços.
- À data dos factos, o identificado terreno não tinha qualquer construção, nem tão-pouco se encontrava pendente qualquer pedido de obtenção de licença para construção.
- No seguimento da entrada em vigor da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, que introduziu alterações ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (Código do IRS), ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (Código do IRC), ao Código do Imposto do Selo (Código do IS) e à Lei Geral Tributária (LGT), a Requerente foi notificada da liquidação de IS n.º 2012 ..., de 07.11.2012, a qual apurou IS a pagar sobre a propriedade do identificado prédio urbano, no montante de € 40.225,15, em resultado da aplicação da taxa transitória de 0,5% – “Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI” – (cf. artigo 6.º, n.º 1, alínea f), subalínea i), da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro), conforme cópia daquela liquidação que se junta como documento n.º 3.
- No prazo estabelecido para o pagamento voluntário – 20.12.2012 – a Requerente procedeu ao pagamento do montante de IS apurado na identificada liquidação (cf. doc. n.º 3).
- Posteriormente, foi a Requerente notificada da liquidação de IS melhor identificada no introito, ascendendo a coleta ao montante total de € 83.467,19, em resultado da aplicação da taxa de 1% prevista na verba 28.1 – “Por prédio com afetação habitacional” – da TGIS, na redação conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, materializada na liquidação para pagamento da primeira prestação, cuja cópia se junta como documento n.º 4.
- A ora Requerente foi igualmente notificada da liquidação para pagamento da segunda prestação, cuja cópia se protesta juntar como documento n.º 5, e da liquidação para pagamento da terceira prestação cuja cópia se protesta juntar como documento n.º 6, sendo que a legalidade das mesmas se encontra necessariamente dependente da liquidação para pagamento da primeira prestação (cf. doc. n.º 4).
- Nos prazos estabelecidos para o pagamento voluntário – abril, julho e novembro de 2013, respetivamente – a Requerente procedeu ao pagamento do montante apurado naquelas liquidações (cf. docs. n.os 4 a 6).
- Por se encontrar convicta da ilegalidade da liquidação de IS melhor identificada no introito, a Requerente deduziu contra o mesmo ato tributário reclamação graciosa a 28.08.2013.
- Como fundamentos da reclamação graciosa invocou a ora Requerente, em síntese, que o prédio urbano em apreço se encontra qualificado como terreno para construção, pelo que não se enquadra na categoria de prédio urbano com afetação real e, consequentemente, não está sujeito a IS; que a liquidação de IS incorre em vício de duplicação de coleta, na medida em que se procede à liquidação de um imposto já pago na sequência da liquidação de IS n.º 2012 ..., de 07.11.2012; e, por fim, que a liquidação de IS é manifestamente violadora dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, tal como do princípio da progressividade, pelo que é materialmente inconstitucional a norma em apreço prevista na Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro.
- Em 30.09.2013, foi a Requerente notificada para exercer o direito de audição prévia do projeto de despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, conforme cópia que se junta como documento n.º 7.
- Com efeito, refere a administração tributária no projeto de indeferimento que “É entendimento da autoridade tributária (AT) que os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída afetação habitacional no âmbito das respetivas avaliações, constando tal afetação das respetivas matrizes, estão sujeito a imposto do selo (…).” (cf. página 3 do doc. n.º 7).
- Para a administração tributária “O facto de se ter positivado, na norma de incidência (verba 28.1 da TGIS), o prédio com afetação habitacional, faz apelo ao coeficiente de afetação (art.º 41 do CIMI), que se aplica, indistintamente, a todos os prédios urbanos.” (cf. página 3 do doc. n.º 7).
- No que respeita à invocada duplicação de coleta sustenta a administração tributária que também não assiste razão à ora Impugnante, uma vez que “(…) o pagamento do tributo apurado na liquidação (…) respeita a um facto tributário que teve, transitoriamente, por base da matéria tributável o valor patrimonial tributário resultante das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis por referência ao ano de 2011 e não ao ano de 2012” (cf. página 3 do doc. n.º 7).
- Face à ausência de resposta por parte da ora Requerente, aquele projeto veio a converter-se em definitivo por despacho de indeferimento datado de 21.10.2013, o qual foi notificado através do Ofício n.º ..., conforme cópia que se junta como documento n.º 8, no âmbito do qual a administração tributária mantém a liquidação do imposto do selo, nos termos projetados.
- Todavia e como se depreende da liquidação em crise, a administração tributária qualificou o identificado prédio urbano, composto por um talhão de terreno para construção, como “Prédio com afetação habitacional” e, em consequência, sujeitou a propriedade daquele a IS, ao abrigo do disposto na verba n.º 28.1 da TGIS.
- os atos tributários sindicados padecem de ilegalidade, duplicação de coleta e violam os princípios constitucionais de igualdade, capacidade contributiva e progressividade.
- O conceito de prédio urbano com “afetação habitacional” não encontra definição expressa no Código do IS, na Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, nem tão-pouco no Código do IMI, normativo legal para o qual o Código do IS remete a regulação dos demais aspetos relacionados com a incidência, liquidação e cobrança deste novo imposto sobre a propriedade.
- Foi utilizado nas subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, um conceito que, na plenitude da sua expressão escrita, não é utilizado em qualquer outra norma de natureza tributária nesses precisos termos, qual seja, a de “prédio com afetação habitacional”.
- A qualificação de um prédio urbano em habitacional, comercial, industrial para serviços ou terrenos para construção depende, regra geral, de um requisito de natureza formal, qual seja, o licenciamento.
- Neste sentido, referem J. SILVÉRIO MATEUS e L. CORVELO DE FREITAS que “(…) a lei fiscal não fornece o conceito de cada um dos tipos de prédios urbanos enunciados no número 1 deste artigo [artigo 6.º do Código IMI]. Como já se observou, o n.º 2 limita-se a remeter, em primeira linha, para a utilização atribuída pelo licenciamento e, na falta de licença, para o critério da afetação normal”.[1]
- A jurisprudência arbitral tributária define, por sua vez, os prédios habitacionais como aqueles que “são classificados em função da respetiva licença autárquica ou, não existindo esta, em decorrência do uso normal” ou “destino normal do prédio” por oposição aos terrenos para construção, que “são definidos em função da sua potencialidade legal” (vide, para o efeito, sentença proferida no âmbito do processo n.º 49/2013-T do Centro de Arbitragem Administrativo) (sublinhado nosso).
- Atento no disposto no artigo 6.º, n.º 2 do Código do IMI, apenas são qualificados como prédios habitacionais os edifícios ou construções que tenham fim habitacional,
- Já por sua vez são qualificados como terrenos para construção e atento o disposto no artigo 6º nº 3, do Código do IMI, aqueles em que o proprietário tenha adquirido o direito de construir ou de proceder a operações de loteamento, bem como os que tenham sido adquiridos expressamente para esse efeito.
- A “expressão ‘com afetação habitacional’ inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente. Da norma em causa não é possível extrair-se, por interpretação que (…) a opção do legislador por aquela expressão tenha em vista integrar ‘outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a) do CIMI’. Tal interpretação não tem apoio legal”.[2]
- “A entender-se que a expressão «prédio com afetação habitacional» coincide com a de «prédios habitacionais», é manifesto que as liquidações enfermarão de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois todos os prédios relativamente aos quais foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 são terrenos para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais»”.[3]
- O prédio urbano em apreço, e sobre o qual foi liquidado IS ao abrigo da verba n.º 28.1 da TGIS, é qualificado como terreno para construção, não estando, à data a que os factos se reportam, nele edificada qualquer construção (cf. ponto 4.º acima e docs. n.º 1 e n.º 2).
- De onde se retira que a liquidação em crise é ilegal, impondo-se, em consequência, a sua anulação.
B) Da duplicação de coleta
- Não procedendo o exposto – o que somente por cautela de patrocínio se concebe, sem, todavia, proceder –, a liquidação de IS em crise sempre seria ilegal por duplicação de coleta.
- Isto porque, a liquidação em crise repete a tributação, referente ao ano de 2012, da propriedade do prédio urbano supra identificado (cf. ponto 2.º e doc. n.º 1), já efetuada pela liquidação de IS n.º 2012 ..., de 07.11.2012 (cf. doc. n.º 3).
- Como acima se referiu, a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, nas suas disposições transitórias, previu que, quanto ao imposto referente ao ano de 2012, o facto tributário ocorreria em 31 de outubro de 2012 (cf. artigo 6.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro).
- Nesta sequência, foi a Requerente notificada da liquidação de IS n.º 2012 ..., de 07.11.2012, na qual se apurou o montante de imposto a pagar de € 40.225,15 (cf. doc. n.º 3).
- Da análise da referida liquidação, constata-se que, no campo referente ao “Ano de imposto”, consta a referência à “Lei 55A/2012” (cf. doc. n.º 3).
- Foi com perplexidade que a Requerente, notificada da liquidação de IS em discussão, constatou que lhe era novamente exigido o pagamento do imposto referente ao ano de 2012 (cf. doc. n.º 4).
- Não obstante o disposto no artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, determinar que, relativamente ao ano de 2012, o facto tributário ocorreria a 31 de outubro de 2012, ao invés de, como habitualmente, ocorrer a 31 de dezembro de 2012 (cf. artigo 8.º, n.º 1 do Código do IMI ex vi artigo 2.º, n.º 4 do Código do IS), e que o imposto seria liquidado em novembro e pago até 20 de dezembro de 2012, a administração tributária optou por proceder novamente à liquidação de IS sobre a propriedade do mesmo prédio urbano e por referência ao mesmo ano – 2012 –, fazendo, nesse sentido, tábua rasa quanto ao facto de tal realidade haver sido já tributada.
- Efetivamente, nos termos do disposto no artigo 205.º, n.º 1 do CPPT “Haverá duplicação de coleta (…) quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo”.
- Em anotação ao referido preceito legal, identifica JORGE LOPES DE SOUSA os seguintes requisitos cumulativos da duplicação de coleta: “a) unicidade dos factos tributários; b) identidade da natureza entre o tributo pago e o que de novo se exige; c) coincidência temporal do tributo pago e o que de novo se pretende cobrar.”.[4] [5]
- A duplicação de coleta configura um vício gerador de ilegalidade do ato tributário, como aliás decorre do artigo 78.º, n.º 6 da LGT e, por esse motivo, pode também ser invocada através de qualquer meio gracioso, judicial ou arbitral.
C) Da violação dos princípios da igualdade e capacidade contributiva
- a tributação nos termos visados com a liquidação sub judice configura uma violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 1 e n.º 3, todos da CRP.
D) Da violação do princípio da progressividade
- Para além da violação acima invocada, o IS sobre a propriedade, conforme aprovado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, incorre ainda em violação do princípio da progressividade, consagrado nos artigos 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 1 e n.º 3, ambos da CRP.
E) Juros indemnizatórios
- A Requerente procedeu ao pagamento voluntário do imposto apurado na liquidação sub judice (cf. docs. n.º 4, n.º 5 e n.º 6).
- Em consequência dos referidos pagamentos, a procedência do presente requerimento deverá determinar, nos termos da lei, o reembolso à Requerente dos montantes ora liquidados e indevidamente pagos, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios a que se referem os artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
Resposta da AT
A Autoridade Tributária veio defender na resposta a manutenção dos ato tributários sindicados, pedindo a absolvição do pedido com reafirmação, no essencial, dos argumentos que fundamentaram a decisão de manutenção desses atos. Em síntese mantém a Requerida os seguintes argumentos:
- Respondeu a AT no sentido de que "o prédio inscrito sob o artigo ... na matriz predial urbana da freguesia da ..., concelho do Porto, tem natureza jurídica de prédios com afetação habitacional, pelo que o ato de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido por consubstanciar correta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12."
- Após referir, nas suas linhas essenciais, as alterações introduzidas ao Código e Tabela Geral do Imposto do Selo pela referida Lei, diz a requerida que "Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção afetação habitacional sem sede de IS há que recorrer ao CIMI na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS de acordo com o previsto no artigo 67.º do n.º 2 do CIS, na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10."
- De acordo com esta norma, as matérias não reguladas no CIS respeitantes à Verba 28 da TGIS aplica-se subsidiariamente o disposto no CIMI.
- Sustenta a requerida que "A noção de afetação de prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação."
- Entende, pois, a requerida que, "Conforme resulta da expressão "... valor das edificações autorizadas" constante do art. 45.º, n.º 2, do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação de terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no artigo 41.º do CIMI."
- Ao contrário do entendimento da requerente, " a AT entende que o conceito de "prédios com afetação habitacional" para efeitos do disposto na Verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma. "
- Por um lado, defende a requerida, o legislador (da Verba 28 da TGIS) " não refere "prédios destinados a habitação", tendo optado pela noção "afetação habitacional". Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI."; por outro lado, "a lei fiscal considera como elemento integrante para efeitos de avaliação dos terrenos para construção o valor da área de implantação, a qual varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas com base no projeto de urbanização e construção".
- Sendo que, segundo o RJUE, o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas deverá conter, entre outros elementos, o número de lotes e a indicação da área de localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos de número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos lotes destinados a habitação social.
- Quanto à alegada inconstitucionalidade considera a AT que a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio da constitucionalidade por se tratar de uma norma geral e abstrata que se aplica de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito, não desenvolvendo esta sua posição.
- Finalmente considera a AT que não há qualquer duplicação de coleta uma vez que o artigo 6º da lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, contém disposições transitórias em que se prevê que no primeiro ano de vigência do novo imposto (2012), o facto tributário ocorra a 31 de Outubro, devendo o imposto ser liquidado no ano do facto tributário.
- Assim, a liquidação a efetuar até ao final do mês de Novembro é efetuada com base no valor patrimonial tributário de 2011 e não de 2012, para além de dever ser aplicada uma taxa inferior à prevista na verba 28 da TGIS (0,5% ou 0,8%) em vez de 1%.
- Por esta razão, o regime transitório descrito visaria atenuar os efeitos da antecipação do facto tributário e cobrança do novo imposto em 2012.
- Acrescentando que, nos termos das alterações introduzidas no Código do Imposto de Selo pela Lei nº 55-A/2012, nas situações objeto de incidência da verba 28 da TGIS, o facto tributário ocorrerá a 31 de Dezembro, conforme disposto no artigo 8º do CIMI aplicável ex vi nº 4 do art. 2º do Código do Imposto de Selo.
2. SANEAMENTO
Este Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído em 28-03-2014, tendo sido os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respetivas formalidades legais e regulamentares (cfr artigos 11º-1/a) e b), do RJAT e 6º e 7º, do Código Deontológico do CAAD), e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.
Por decisão do Tribunal de 28-5-2014, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18º, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não foram identificadas nulidades no processo
II FUNDAMENTAÇÃO
3. Discute-se na presente ação a liquidação de imposto de selo, atos tributários consubstanciados na liquidação de Imposto do Selo (IS) sobre a propriedade do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o n.º ..., sito na freguesia de ..., concelho do Porto, com referência ao ano de 2012, datada de 21.03.2013, no montante total de € 83.467,19 – (cf. artigo 6.º, n.º 1, alínea f), subalínea i), da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro), conforme cópias daquelas liquidações (Docs nºs 3 e 4, juntos com a petição inicial), sendo imputados ao respetivo ato tributário os vícios de ilegalidade, duplicação de coleta e violação dos princípios constitucionais de igualdade, capacidade contributiva e progressividade.
3.1. Matéria de facto
Para apreciação destas questões importa ter em conta os seguintes factos provados e que são basicamente os alegados pela requerente, considerando não terem sido eles postos em causa pela AT:
3.1.1 A Requerente é uma sociedade comercial que, no âmbito da sua atividade, se dedica à promoção imobiliária, nomeadamente à realização e desenvolvimento de negócios e projetos imobiliários.
3.1.2 A Requerente era proprietária, à data a que os factos se reportam, i.e., no ano de 2012, do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo n.º ..., sito na freguesia de ..., concelho do Porto, com o valor patrimonial tributário de € 8.346.718,63, o qual era composto por um talhão de terreno para construção, conforme cópia da caderneta predial junta com a petição inicial [documento n.º 1[6]].
3.1.3 De acordo com o Plano de Pormenor das ... (Porto) em vigor à data dos factos [documento n.º 2], 17.400m2 da área total do respetivo terreno destinavam-se a habitação e 2.465m2 destinavam-se a comércio e serviços.
3.1.4 À data dos factos, o identificado terreno não tinha qualquer construção, nem tão-pouco se encontrava pendente qualquer pedido de obtenção de licença para construção.
3.1.5 No seguimento da entrada em vigor da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro [que introduziu alterações ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (Código do IRS), ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (Código do IRC), ao Código do Imposto do Selo (Código do IS) e à Lei Geral Tributária (LGT)], a Requerente foi notificada da liquidação de IS n.º 2012 ..., de 07.11.2012, a qual apurou IS a pagar sobre a propriedade do identificado prédio urbano, no montante de € 40.225,15, em resultado da aplicação da taxa transitória de 0,5% – “Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI” – (cf. artigo 6.º, n.º 1, alínea f), subalínea i), da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro) [cfr cópia daquela liquidação - documento n.º 3].
3.1.6 No prazo estabelecido para o pagamento voluntário – 20.12.2012 – a Requerente procedeu ao pagamento do montante de IS apurado na identificada liquidação (cf. doc. n.º 3).
3.1.7 Posteriormente, foi a Requerente notificada da liquidação de IS, ascendendo a coleta ao montante total de € 83.467,19, em resultado da aplicação da taxa de 1% prevista na verba 28.1 – “Por prédio com afetação habitacional” – da TGIS, na redação conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, materializada na liquidação para pagamento da primeira prestação [documento n.º 4].
3.1.8 A ora Requerente foi igualmente notificada da liquidação para pagamento da segunda prestação [documento n.º 5], e da liquidação para pagamento da terceira prestação [doc nº 6], sendo que a legalidade das mesmas se encontra necessariamente dependente da liquidação para pagamento da primeira prestação (cf. doc. n.º 4).
3.1.9 Nos prazos estabelecidos para o pagamento voluntário – abril, julho e novembro de 2013, respetivamente – a Requerente procedeu ao pagamento do montante apurado naquelas liquidações (cf. docs. n.os 4 a 6).
3.1.10 A Requerente deduziu contra o mesmo ato tributário reclamação graciosa a 28.08.2013.
3.1.11 Como fundamentos da reclamação graciosa invocou a ora Requerente, em síntese, que o prédio urbano em apreço se encontra qualificado como terreno para construção, pelo que não se enquadra na categoria de prédio urbano com afetação real e, consequentemente, não está sujeito a IS; que a liquidação de IS incorre em vício de duplicação de coleta, na medida em que se procede à liquidação de um imposto já pago na sequência da liquidação de IS n.º 2012 ..., de 07.11.2012; e, por fim, que a liquidação de IS é manifestamente violadora dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, tal como do princípio da progressividade, pelo que é materialmente inconstitucional a norma em apreço prevista na Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro.
3.1.12 Em 30.09.2013, foi a Requerente notificada para exercer o direito de audição prévia do projeto de despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada [doc nº 7].
3.1.13 Refere a administração tributária no projeto de indeferimento que “É entendimento da autoridade tributária (AT) que os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída afetação habitacional no âmbito das respetivas avaliações, constando tal afetação das respetivas matrizes, estão sujeito a imposto do selo (…).” (cf. página 3 do doc. n.º 7).
3.1.14 Para a administração tributária “O facto de se ter positivado, na norma de incidência (verba 28.1 da TGIS), o prédio com afetação habitacional, faz apelo ao coeficiente de afetação (art.º 41 do CIMI), que se aplica, indistintamente, a todos os prédios urbanos.” (cf. página 3 do doc. n.º 7).
3.1.15No que respeita à invocada duplicação de coleta sustenta a administração tributária que também não assiste razão à ora Impugnante, uma vez que “(…) o pagamento do tributo apurado na liquidação (…) respeita a um facto tributário que teve, transitoriamente, por base da matéria tributável o valor patrimonial tributário resultante das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis por referência ao ano de 2011 e não ao ano de 2012” (cf. página 3 do doc. n.º 7).
3.1.16 Já no que concerne às invocadas inconstitucionalidades refere a administração tributária naquele projeto que “(…) não é em sede de procedimento de reclamação graciosa que poderá ser apreciada, por não ser o meio processual próprio para aferir da (in)constitucionalidade da norma;.” (cf. página 2 do doc. n.º 7).
3.1.17 Face à ausência de resposta por parte da ora Requerente, aquele projeto veio a converter-se em definitivo por despacho de indeferimento datado de 21.10.2013, o qual foi notificado através do Ofício n.º ... [documento n.º 8], no âmbito do qual a administração tributária mantém a liquidação do imposto do selo, nos termos projetados.
3.2. Factos não provados
Não se constataram factos essenciais, com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.
3.3 Motivação
O Tribunal fundou a sua convicção no processo administrativo anexo aos autos e nos elementos documentais juntos ao processo pela requerente, designadamente os supra indicados, em conjugação com a inexistência de controvérsia das partes quanto aos factos essenciais considerados provados.
3.4 Fundamentação (cont)
O Direito
O ato tributário impugnado é a liquidação de imposto de selo no ano de 2012 e relativa ao prédio destinado a construção, propriedade da requerente, efetuada pela AT nos termos da verba 28.1, da TGIS e do artigo 6º, da Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro.
Entende o requerente que tal liquidação foi efetuada com violação da lei na medida em que, segundo alega, para além de padecer de vício nos pressupostos [os terrenos para construção não são passíveis de liquidação de IS nos termos do artigo 28º, da TGIS], interpretação dada pela AT ao citado artigo 28º, viola os princípios constitucionais da igualdade, progressividade e capacidade contributiva.
Aliás, não sendo sindicável pela Administração Fiscal, como melhor se verá adiante, a ilegalidade do ato tributário exclusivamente fundada em alegadas inconstitucionalidades, a decisão não podia nunca ser outra que não fosse o indeferimento.
Vejamos então cada uma das questões suscitadas.
Por facilidade expositiva, transcrevem-se as disposições legais essenciais para, seguidamente, se apreciar os atos tributários à luz dos vícios invocados pelo requerente
- Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro [altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, o Código do Imposto do Selo e a Lei Geral Tributária]:
Artigo 3.º
Alteração ao Código do Imposto do Selo
Os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 7.º, 22.º, 23.º, 44.º, 46.º, 49.º e 67.º do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, passam a ter a seguinte redação:
(…)
Artigo 2.º
[...]
1 - ...
2 - ...
3 - ...
4 - Nas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, são sujeitos passivos do imposto os referidos no artigo 8.º do CIMI.
Artigo 23.º
[...]
1 - ...
2 - ...
3 - ...
4 - ...
5 - ...
6 - ...
7 - Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.
Artigo 67.º
[...]
1 - (Anterior corpo do artigo.)
2 - Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.»
Artigo 4.º
Aditamento à Tabela Geral do Imposto do Selo
É aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, a verba n.º 28, com a seguinte redação:
«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;
28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável.
Artigo 6.º
Disposições transitórias
1 - Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela
Geral:
a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de outubro de 2012;
b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;
d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;
e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012;
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI:0,5 %;
ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;
iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.
2 - Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a
efetuar nesse ano.
3 - A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infração tributária, punida nos termos da lei.
Artigo 7.º
Entrada em vigor e produção de efeitos
1 - A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
2 - As alterações ao artigo 72.º do Código do IRS e ao artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária produzem efeitos desde 1 de janeiro de 2012.
Sobre a aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo aos terrenos para construção, já se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do CAAD proferidos nos processos número 53/2013-T, 49/2013-T, 42/2013-T, 180/2013-T, 75/2013-T, 215/2013-T, 240/2013-T, 310/2013-T e 284/2013-T.
Da mesma forma, o Supremo Tribunal Administrativo tomou posição sobre a questão, designadamente nos acórdãos dos processos n.º 0467/14 de 02-07-2014 em, n.º 0676/14 de 09-07-2014, n.º 0395/14 de 28-05-2014, n.º 01871/13 de 14-05-2014 e n.º 055/14 de 14-05-2014, n.º 0425/14 de 28-05-2014, n.º 0396/14 de 28-05-2014, n.º 0274/14 de 14-05-2014 e n.º 046/14 de 14-05-2014.
A – Os conceitos de “prédio com afetação habitacional” e de “prédio habitacional”
A palavra «afetação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «ação de destinar alguma coisa a determinado uso».
«Quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. É que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e direto das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita. Ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exato) de que o legislador soube exprimir com correção o seu pensamento».
A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre atos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global.
A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global percetível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional.
Na verdade, embora na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª ( 3 ), em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012, se faça referência à louvável preocupação do Governo de «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» e ao seu empenho «em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho», é manifesto, por um lado, que essas razões de equidade, decerto existentes, não começaram a valer em meados de 2012, já existindo no início do ano, quando entrou em vigor o Orçamento Geral do Estado e, por outro lado, que o alcance da verba n.º 28.1, ao tributar acrescidamente os prédios com afetação habitacional e não também os prédios que a não têm, deixa entrever que as preocupações de equidade social e a proclamada intenção de repartição dos sacrifícios por todos, atinge muito mais alguns do que propriamente todos.
Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detetar coerência legislativa na solução adotada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adotada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
À face daqueles significados das palavras «afetação» e «afetar», que são «dar destino» ou «aplicar», a fórmula utilizada naquela verba n.º 28.1 da TGIS, abrange, manifestamente, os prédios que já estão aplicados a fins habitacionais, pelo que importa indagar se abrangerá também os prédios que, apesar de não estarem ainda aplicados a fins habitacionais, estão a estes destinados e aqueles cujo destino é desconhecido.
À face do teor literal da verba n.º 28.1, é de afastar do âmbito de incidência do Imposto do Selo aí previsto os terrenos para construção de algumas requerentes que ainda não têm definido qualquer tipo utilização, pois ainda não estão aplicados nem destinados a fins habitacionais. Isto é, os terrenos para construção que não têm utilização definida não podem ser considerados prédios com afetação habitacional, pois não têm ainda nenhuma afetação nem outro destino que não seja a construção de tipo desconhecido. Uma interpretação no sentido de que a verba n.º 28.1 se reporta a prédios cuja afetação é desconhecida não tem o mínimo de correspondência verbal na letra daquela norma, pelo que um hipotético pensamento legislativo desse tipo não pode ser considerado pelo intérprete da lei, em face da proibição que consta do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.
Mas, isto não basta para esclarecer a situação daqueles terrenos para construção que, não estando ainda aplicados a fins habitacionais, já têm um destino determinado.
Por isso, haverá que esclarecer quando é que se pode entender que um prédio está afetado a fim habitacional, designadamente se é quando lhe é fixado esse destino num ato de licenciamento ou semelhante, ou apenas quando a efetiva atribuição desse destino é concretizada.
Desde logo, o confronto da verba n.º 28.1 da TGIS com n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, que define o conceito de prédios habitacionais, aponta manifestamente, no sentido de ser necessária uma afetação efetiva.
Na verdade, um edifício ou construção licenciado para habitação ou, mesmo sem licença, mas que tenha como destino normal a habitação, é, à face do n.º 2 daquele artigo 6.º um prédio habitacional.
Por isso, no pressuposto de que o legislador da Lei n.º 55-A/2012 soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil que se presuma), se pretendesse reportar-se a esses prédios já licenciados para habitação ou que tenham a habitação como destino normal, decerto teria utilizado o conceito de «prédios habitacionais», que expressaria perfeita e claramente o seu pensamento, à face da definição dada por aquele n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.
Consequentemente, deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, «prédio com afetação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efetiva afetação a esse fim. (Neste sentido veja-se também o acórdão do CAAD n.º 53/2013-T, em que são relatores o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, a Sra. Dra. Conceição Pinto Rosa e o Sr. Dr. Alberto Amorim Pereira).
Que é este o sentido da expressão «afetação», no mesmo contexto de classificação de prédios que faz o CIMI, confirma-se pelo artigo 3.º em que, relativamente aos prédios rústicos, se faz referência aos que «estejam afetos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas», que evidencia que a afetação é concreta, efetiva. Na verdade, como se vê pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afeto a ela, o que evidencia que a afetação é, a nível da ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante. ( 4 )
Por outro lado, no acórdão do STA de 09-07-2014, proferido no processo n.º 0676/14, em que é relatora a Conselheira Dulce Neto, refere-se que “a afetação habitacional surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo suscetíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6º do CIMI).“
De resto, o texto da lei ao adotar a fórmula «prédio com afetação habitacional», em vez de «prédios urbanos de afetação habitacional», que aparece na referida «Exposição de Motivos», aponta fortemente no sentido de que se exige que a afetação habitacional já esteja concretizada, pois só assim o prédio estará com essa afetação.
No que concerne ao artigo 45.º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os fatores a ponderar na avaliação de terrenos para construção. O que se pondera aí, ao fazer referência ao «edifício a construir» é a ponderação do destino do terreno, que, como se viu, é algo que, no contexto do CIMI, não implica afetação e ocorre antes desta.
A correção desta interpretação no sentido de que só prédios que estejam efetivamente afetos à habitação, se inserem no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS é também confirmada pela ratio legis percetível da restrição do campo de aplicação da norma aos prédios com afetação habitacional, no contexto das «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», que o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil também erige em elementos interpretativos. ( 5 ).
Desde logo, a limitação da tributação em Imposto do Selo aos «prédios com afetação habitacional» deixa perceber que não se pretendeu abranger no âmbito de incidência do imposto os prédios com afetação a serviços, indústria ou comércio, isto é, os prédios afetos à atividade económica, o que se compreende num contexto em que, como é notório, a economia se encontra em espiral recessiva, publicamente proclamada ao mais alto nível, com as taxas de desemprego a atingir níveis máximos históricos, com avalanche de encerramento de empresas derivado de insustentabilidade económica.
Tendo em mente esta situação e sendo consabido e público que a reanimação da atividade económica e o aumento das exportações são as portas de saída para a crise, compreende-se que não se tomassem legislativamente medidas que dificultassem a atividade económica, designadamente o agravamento da carga fiscal que a dificulta e afeta a competitividade em termos internacionais.
Por isso, é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações – como a dos autos - de prédios que ainda não estão afetos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas. ( 6 )
Veja-se também a esse propósito o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14-05-2014, processo n.º 046/14, em que é Relator Ascenção Lopes, onde se lê que “não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI – subsidiariamente aplicável ao Imposto de Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral – uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto de Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afetação habitacional.”
Preliminarmente dir-se-á que a AT não poderia nunca validamente deferir ou validar pedidos de declaração de inconstitucionalidade de normas na medida em que compete apenas aos Tribunais essa declaração.
Na verdade, a AT e a Administração Pública em geral, estão sujeitas ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT) e “(…) não podem deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP), o que não é o caso (…)” [Cfr Ac. do STA, de 12-10-2011, publicado em http://www.dgsi.pt/jsta.
É que, como diz VIEIRA DE ANDRADE, “(…)este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a proteção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos […]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição (…)” (Direito Constitucional, Almedina, 1977, pág. 270.).
E, no mesmo sentido, JOÃO CAUPERS afirma que “(…)a Administração não tem, em princípio, competência para decidir a não aplicação de normas cuja constitucionalidade lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional, demonstram-no as diferenças entre os artigos 207º [hoje, 204.º] e 266º, nº 2, da Constituição. Enquanto o primeiro impede os tribunais de aplicar normas inconstitucionais, o segundo estipula a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei. Afigura-se claro que a diferença essencial entre os dois preceitos decorre exatamente da circunstância de se não ter pretendido cometer à Administração a tarefa da fiscalização da constitucionalidade das leis. O desempenho de tal função, por parte daquela tem de ser visto como excecional (…)” (Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Almedina, 1985, pág. 157.).
Concluímos assim, com a citada Doutrina e Jurisprudência, que no Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional, substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade, a menos que esteja em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados.
E por isso é que, apresentada a reclamação com fundamento na violação de princípios constitucionais que não põem em causa direitos, liberdades e garantias, elencados nos artigos 24º e segs., da Constituição, o desfecho nunca poderia ser o deferimento.
C – Da violação do princípio da igualdade
Este princípio, basilar num Estado de direito, traduz a proibição de quaisquer discriminações no tratamento de situações iguais (dimensão igualizadora) e admissão da desigualdade de tratamento de situações desiguais [dimensão diferenciadora).
Em matéria de fiscalidade, o princípio da igualdade[7] traduz-se na “[(…)ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério — o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical) (…)]” (Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5.ª edição, Coimbra, 2009, pp. 151 -152).
Tal como referido no acórdão do CAAD n.º 218/2013-T de 24-02-2014, em que é relator o Juiz José Poças Falcão (também presidente deste Tribunal coletivo), “o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: i) na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; ii) na uniformidade da lei fiscal, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; iii) por último, mas não menos relevante para o caso em apreço, o princípio da igualdade concretiza-se na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional.”
Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva “(…)afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto (…)” (Casalta Nabais, Obra Citada, pág. 154).
Ou seja e por outras palavras: está vedado constitucionalmente ao legislador ordinário determinar as suas normas de um modo “caprichoso”, antes devendo submete-las a sérios e rigorosos ditames de igualação e de discriminação positiva, conforme os casos.
O princípio da igualdade tem a sua consagração expressa na nossa Lei Fundamental [cfr artigo 13º, da Constituição].
Daqui resulta que este princípio também se pode expressar na obrigação de imposição de medidas diferenciadoras de modo a obter uma igualdade de oportunidades necessária à igualdade (tendencial real) entre cidadãos.
Ou seja: o princípio da igualdade só deverá considerar-se violado se for arbitrário o tratamento considerado como desigual ou, em termos menos incisivos, se o tratamento desigual não for justificado nem razoável.
Por outro lado, “(…)o princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de ‘uniformidade’ – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos – dos ‘impostos fiscais’ mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou ‘capacidade de gastar’ (-) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício)” [Cfr Ac do Tribunal Constitucional nº 142/04[8]]
É neste contexto que se justificará a diferenciação de tratamento fiscal do património, designadamente, imobiliário, de molde a tributar, de forma agravada e proporcional, os titulares de prédios de maior valor ou criando mesmo uma tributação autónoma para aqueles prédios de valor excecionalmente elevado com base na presunção – que sabemos que nem sempre se concretiza -, de que quem tem património de valor elevado tem a correspondente capacidade contributiva.
Em matéria de igualdade fiscal, a capacidade contributiva é elemento essencial a ponderar porquanto só haverá verdadeira igualdade de tratamento fiscal dos contribuintes se houver tributação idêntica para capacidades contributivas igualmente idênticas. Como é bom de ver.
A tributação especial, em sede de imposto de selo, incidente sobre os prédios com afetação habitacional de valor superior a € 1.000.000, foi, como se viu, introduzida no nosso sistema fiscal pela Lei nº 55-A/2012, de 29-10, com aditamento à Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) da verba 28.1 [cfr artigo 4º, da citada Lei].
Relativamente ao ano de 2012, foi estabelecido pela citada Lei um regime transitório [cfr artigo 6º].
Vejamos então se a opção legislativa, traduzida na introdução deste novo regime de sujeição a imposto de selo viola, pela forma como foi formulado, o princípio constitucional da igualdade tributária, com o inerente corolário traduzido no princípio da capacidade contributiva.
Tem sido entendimento reiterado do Tribunal Constitucional o de que “(…)só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem” (Cfr Acórdão do Trib Constitucional nº 47/2010[9]).
É entendimento que voltou mais recentemente a ser reiterado no mediático acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional relativo à apreciação sucessiva de normas do Orçamento de Estado para 2013 - Acórdão nº 187/2013, de 5 de abril de 2013.
Na base da aprovação da citada Lei nº 55-A/2012, esteve a “(…) prossecução do interesse público, em face da situação económica e financeira do País (…)” e a exigência de “(…) um esforço de consolidação que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental (…)” medidas “(…) fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento (…) e em conformidade com este desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa (…)” – Cfr termos da “Exposição de Motivos” na proposta de Lei nº 96/XII/2ª apresentada pelo Governo à Assembleia da República e que esteve na base da aprovação da mencionada Lei (Cfr Diário da Assembleia da República – Série A, de 21-9-2012, pp. 44-52).
Contraditoriamente, não parecem tais desideratos transparecer da ou estar totalmente evidenciados na Lei nº 55-A/2012.
Desde logo porque não se compreende ou explica a razão da tributação apenas de imóveis afetos a fins habitacionais, com exclusão, por conseguinte, daqueles que, embora de valor superior a € 1.000.000, não estão afetos a essa finalidade.
Por outro lado, a tributação pelo verba 28.1, da TGIS, conduz a manifesta iniquidade na medida em que deixa fora dessa tributação, inexplicada e inexplicavelmente, bens imóveis do mesmo sujeito passivo que, embora todos afetos a fins habitacionais, têm, cada um, VPT inferior a 1.000.000 mas que no seu conjunto perfazem um VPT superior (e, por vezes, até bastante superior) a €1.000.000.
Ou seja: o princípio da capacidade contributiva traduzido no pagamento do imposto em função do índice dessa capacidade [o valor do património imobiliário do sujeito passivo], está posto em causa na medida em que o regime de tributação em sede de imposto de selo [e que, no caso, se traduz em tributação do património] não assegura – bem pelo contrário – uma efetiva igualdade de tributação em função da capacidade contributiva dos cidadãos sujeitos a essa incidência.
Por isso é que não pode deixar de ser dada razão ao requerente quando alega que “(…)a circunstância de o IS apenas incidir sobre a propriedade, usufruto e direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, excluindo de tributação outras realidades, igualmente suscetíveis de configurarem manifestações de riqueza, como sejam, por exemplo, a propriedade de prédios rústicos ou a propriedade de prédios urbanos destinados a comércio e serviços ou outros, consubstancia um tratamento não uniforme e, por conseguinte, inequivocamente discriminatório (…)” sendo que “(…)tal tratamento não poderá, nesses termos, deixar de ser reconduzido a uma violação do princípio da capacidade contributiva, corolário e expressão do princípio da igualdade (…)”.
Procederá assim, com fundamento na violação dos princípio da igualdade e da capacidade contributiva, o pedido de anulação do ato tributário de liquidação de imposto de selo.
4. O pedido de juros indemnizatórios
Determinada a ilegalidade da liquidação e a sua consequente anulação, encontrando-se paga a dívida tributária indevida, o direito a juros indemnizatórios subsiste, sempre que tal decorra de erro imputável aos serviços da AT, conforme prevê o n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).
As normas legais determinantes na análise desta questão são o artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do CPPT, sendo que o artigo 43.º, da LGT define as situações que originam o pagamento de juros indemnizatórios e o artigo 61.º, do CPPT define os prazos de pagamento e os termos inicial e final da contagem dos juros indemnizatórios. Estas duas normas têm de ser entendidas em consonância.
Quando por erro imputável aos serviços da administração fiscal o contribuinte paga indevidamente um tributo e o ato de liquidação foi impugnado através de reclamação graciosa ou de impugnação judicial [ou pedido de pronúncia arbitral] no respetivo prazo legal (artigo 43.º n.ºs 1 e 2 da LGT), os juros indemnizatórios são contados desde a data do pagamento do imposto indevido até que seja emitida a respectiva nota de crédito (artigo 61.º n.º 5 do CPPT)
À luz da Jurisprudência uniforme do STA, “em geral, pode afirmar-se que o erro imputável aos serviços, que operaram a liquidação, entendidos estes num sentido global, fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou impugnação dessa mesma liquidação” (cfr., v. g., Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31 de Outubro de 2001, Processo n.º 26167).
Naturalmente que não é subtraído a este regime o caso de anulação da liquidação com fundamento em ilegalidade e/ou inconstitucionalidade da lei ordinária em que aquelas (liquidações) se basearam.
Assim sendo e com base nas disposições dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT e artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), são devidos juros indemnizatórios sobre a importância indevidamente liquidada e paga, contados a partir do dia seguinte ao dos pagamentos indevidos e até à data da emissão da respetiva nota de crédito, à taxa legal.
III DECISÃO
5. De harmonia com o exposto, este Tribunal decide:
a) Declarar a ilegalidade das liquidações objeto destes autos, por carência de base legal e violação dos artigos 4º e 6º, da Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro e dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, e, em consequência, julgando procedente o pedido com esse fundamento, decide anular os atos de liquidação fundados nessa mesma norma ora julgada inconstitucional;
b) Julgar procedente o pedido de indemnização formulado e, em consequência,
c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso do valor do imposto pago, com juros indemnizatórios calculados à taxa legal e nos demais termos previstos nos artigos 43º, da LGT e 61º, do CPPT.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 83.467,19.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2.754 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, totalmente a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 9-9-2014
(José Poças Falcão)
(Ana Teixeira de Sousa)
(Suzana Fernandes da Costa)
[1] Os Impostos sobre o Património Imobiliário, Editora Rei dos Livros, 2005, página 116
[2] Cf., para o efeito, decisão do Centro de Arbitragem Administrativa, disponível em 02.10.2013, proferida no âmbito do processo n.º 53/2013-T.
[3] Cf. decisão cit. supra.
[4] Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, página 526.
[5] No mesmo sentido, vide, entre outros, acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11.09.2012, proferido no processo n.º 03145/09.
[6] A referência a documentos sem menção do articulado, referem-se a documentos juntos com o requerimento inicial.
[7] Ao contrário de outras Constituições [v. g., italiana e alemã], não se encontra na Constituição qualquer disposição explícita que mencione o princípio da igualdade em matéria fiscal. Este princípio pode apenas ser expressamente surpreendido na Lei Geral Tributária (artigo 5º).