Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 174/2019-T
Data da decisão: 2020-01-21  IVA  
Valor do pedido: € 517.778,09
Tema: IVA – Exceção de Incompetência Material Parcial – Coimas; prestações de Serviços de Nutrição; Isenção; Art. 9.º, 1) do CIVA; Caráter não acessório das operações – Sujeitos passivos distintos; pacote fitness e nutrição - ginásios/ Health Clubs; Desnecessidade de Reenvio Prejudicial. Recurso de Revisão de Decisão Arbitral; Instância Internacional de Recurso; Arts. 293.º CPPT e 696.º, al. f) CPC – Decisão arbitral (anexa à decisão).
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados acordam no seguinte:

 

1.            A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) veio requerer a reconstituição do Tribunal Arbitral Coletivo no presente processo, no âmbito da interposição de um recurso de revisão, por alegada inconciliabilidade da decisão arbitral com a ulterior pronúncia do Tribunal de Justiça no processo C-581/19, Frenetikexito.

 

2.            Embora o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, não contemple expressamente o recurso de revisão das decisões arbitrais (v. artigo 25.º do RJAT), o mesmo deve ser admitido, caso se verifiquem os respetivos pressupostos, por aplicação subsidiária do disposto no artigo 293.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.

 

3.            Dispõe a referida norma nos seguintes termos:

“Artigo 293.º

Revisão da sentença

1 - A decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão, com qualquer dos fundamentos previstos no Código de Processo Civil, no prazo de quatro anos, correndo o respetivo processo por apenso ao processo em que a decisão foi proferida.

2 - (Revogado.)

3 - O requerimento da revisão é apresentado no tribunal que proferiu a decisão a rever, no prazo de 30 dias a contar dos factos referidos no número anterior, juntamente com a documentação necessária.

4 - Se a revisão for requerida pelo Ministério Público, o prazo de apresentação do requerimento referido no número anterior é de três meses.

5 - Salvo no que vem previsto no presente artigo, a revisão segue os termos do processo em que foi proferida a decisão revidenda.”

 

4.            A suscetibilidade de recurso de revisão das sentenças arbitrais tributárias é defendida, em geral, pela doutrina, referindo-se a título ilustrativo, JORGE LOPES DE SOUSA, que, sem prejuízo da irrecorribilidade (das decisões arbitrais) em relação aos erros ou vícios «normais» das decisões arbitrais, considera que essa solução não é defensável “em relação àqueles [erros e vícios] especialmente graves, que são fundamento de recurso de revisão de decisões judiciais proferidas em processos de impugnação de atos tributários” -  v. “Recurso de revisão de decisões arbitrais tributárias”, Newsletter CAAD – Arbitragem Fiscal, n.º 2, 2013, Lisboa. Posição que é secundada por CARLA TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Anotado, Almedina, 2016, pp. 503 e segs. e por SAMUEL FERNANDES DE ALMEIDA/JOANA LOBATO HEITOR, “Recurso de Revisão das decisões proferidas nos Tribunais (Arbitrais) Tributários – Comentário ao Acórdão n.º 0360/13 do STA”, Newsletter CAAD – Arbitragem Fiscal, 2014, Lisboa.

 

5.            Note-se ainda que o recurso de revisão tem consagração nos artigos 154.º e 155.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), pelo que se trata de uma solução transversal ao contencioso administrativo e tributário.

 

6.            No tocante aos fundamentos do recurso de revisão, o citado artigo 293.º do CPPT remete para o disposto no regime processual civil que, no artigo 696.º [CPC], contém a correspondente enumeração, com caráter taxativo, prevendo na alínea f) que uma decisão transitada em julgado seja objeto de revisão quando “inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português”.

 

7.            No caso, a Recorrente (AT) invoca, como fundamento de revisão, o acórdão do Tribunal de Justiça, de 4 de março de 2021, proferido no processo C-581/19, Frenetikexito, junto aos autos, resultante de um pedido de reenvio prejudicial, e enquadra-o no artigo 696.º, n.º 1, alínea f) do CPC, em reação contra a decisão arbitral proferida em 14 de junho de 2019 por este Tribunal Arbitral, transitada, que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela ora Recorrida. Entende a Recorrente que tal decisão aplicou erradamente o Direito da União Europeia e é inconciliável com a pronúncia, sobre a mesma matéria, proferida pelo Tribunal de Justiça, ao qual está vinculado o Estado Português.

 

8.            Relativamente à interposição e processamento do recurso, este tem uma tramitação própria, devendo ser apresentado no tribunal que proferiu a decisão a rever, no prazo de 30 dias a contar da decisão (definitiva) do Tribunal de Justiça (v. artigo 293.º, n.º 3 do CPPT), desde que não tenham decorrido mais de 4 anos sobre a decisão revidenda, requisitos que estão preenchidos in casu. No mais, deve seguir-se o disposto no CPC, por remissão sucessiva do artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT e do artigo 293.º do CPPT, com a consequente necessidade de apreciação liminar da admissibilidade do recurso, de acordo com o disposto no artigo 699.º, n.º 1 do CPC.

 

9.            Na situação vertente, verifica-se a legitimidade da Recorrente (por ser a Parte que decaiu) e a tempestividade do recurso de revisão. Falta, todavia, aferir o seu fundamento substantivo, passo necessário para se concluir sobre a fase rescindente e a passagem, ou não, à fase subsequente (rescisória), sendo nesta última reapreciado o mérito da causa.

 

10.          A este respeito, convém recordar que a revisão consiste num recurso extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento. Constitui uma válvula de segurança do sistema, por forma a possibilitar a reparação de um erro ou injustiça grave cometidos, numa reponderação do decidido (v. RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA, A Revisão de Sentenças Judiciais no Ordenamento Jurídico Português, Revista Julgar Online, Julho de 2016, http://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/07/recurso-revisao-admin.pdf).

 

11.          A possibilidade de revisão de sentença por incompatibilidade de uma decisão nacional transitada em julgado com a decisão de uma instância internacional de recurso, vinculativa para o Estado português, constituiu uma inovação do Decreto-lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, e derivou da necessidade endereçar o problema da falta de meios internos de execução das decisões do Tribunal Europeu de Direitos do Homem (TEDH), conforme resulta do próprio preâmbulo do diploma, dirigindo-se aos casos em que uma decisão nacional transitada em julgado viole a Convenção Europeia dos Direitos do Homem – v. MARIA JOSÉ RANGEL DE MESQUITA, Introdução ao Contencioso da União Europeia, Almedina, 2015, p. 219,

 

12.          Porém, como refere RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA a sua previsão legal suscitou desde logo dúvidas interpretativas, nomeadamente quanto à questão de saber o que deve entender-se por “instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português” e, com relevância para a situação em análise, se estão abrangidas as pronúncias do Tribunal de Justiça. 

 

13.          Sobre esta última questão, o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 2 de julho de 2014, no processo n.º 0360/13, exprimiu-se no sentido de que “o legislador pretendeu estender o recurso de revisão não só aos casos em que decisão interna seja inconciliável com uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como também aos casos em que se verifique inconciabilidade com qualquer decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português”, concluindo que “[u]m acórdão proferido pelo TJUE no âmbito de processo por incumprimento movido contra Portugal assume carácter vinculativo para o Estado Português e pode ser invocado como fundamento de recurso revisão ao abrigo da nova al.f) do artº 771º do Código de Processo Civil [atual 696.º]”, verificados que sejam os demais pressupostos, nomeadamente incompatibilidade com decisão interna transitada em julgado.

 

14.          No presente recurso não está, todavia, em causa a decisão de uma ação por incumprimento (artigo 258.º do TFUE), mas um processo de reenvio prejudicial (artigo 267.º do TFUE), pelo que interessa concluir sobre se idêntica inferência [a propósito da ação por incumprimento de Estado] é transponível para as pronúncias do Tribunal de Justiça na tipologia dos processos de reenvio.

 

15.          Entendemos que não. Como salienta a decisão arbitral de 9 de abril de 2021, proferida no processo n.º 169/2019-T (bem como nos processos n.ºs 164/2019-T e 159/2019-T), que conheceu de idêntica questão, o Tribunal de Justiça nos processos de reenvio prejudicial não é uma instância de recurso. Desde logo, porque a sua decisão é anterior à decisão final do processo iniciado no órgão jurisdicional nacional e nenhuma das partes tem a possibilidade de apelar para o Tribunal de Justiça.

 

16.          Neste sentido aponta, de igual modo, LUÍSA LOURENÇO: 

 

“De acordo com o número 3 do artigo 4.º do mesmo Tratado, cabe aos Estados-Membros assegurar a execução das obrigações decorrentes dos Tratados e facilitar o cumprimento da missão da União Europeia. Desta dicotomia resulta uma necessidade de diálogo entre os órgãos jurisdicionais nacionais e europeus, razão pela qual se viria a prever o instituto jurídico do reenvio prejudicial, não como uma via de recurso, mas sim como um processo especial de cooperação direta, capaz de garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito da UE através de todo o seu território.” – v. O Reenvio Prejudicial para o TJUE e os Pareceres Consultivos do Tribunal EFTA; Revista Julgar n.º 35, 2018. (negrito nosso)

 

17.          Estamos, assim, perante um mecanismo colaborativo distinto da figura do recurso jurisdicional, conceção a que, para além da doutrina (v. LUCINDA DIAS DA SILVA, O (Designado) Recurso Extraordinário de Revisão - 95 Bol. Fac. Direito U. Coimbra 1283, 2019), adere a própria jurisprudência do Tribunal de Justiça que, de forma reiterada, tem afirmado não constituir o reenvio prejudicial uma “via de recurso”:

 

“28      Para responder à questão submetida, importa sublinhar que o sistema instituído pelo artigo 267.° TFUE a fim de assegurar a uniformidade da interpretação do direito da União nos Estados‑Membros institui a cooperação directa entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais através de um processo alheio a qualquer iniciativa das partes (v. acórdãos de 10 de Julho de 1997, Palmisani, C‑261/95, Colect., p. I‑4025, n.° 31; de 12 de Fevereiro de 2008, Kempter, C‑2/06, Colect., p. I‑411, n.° 41; e de 16 de Dezembro de 2008, Cartesio, C‑210/06, Colect., p. I‑9641, n.° 90).

 

29      Com efeito, o reenvio prejudicial assenta num diálogo de juiz a juiz, cujo início depende inteiramente da apreciação que o órgão jurisdicional nacional faça da pertinência e da necessidade do referido reenvio (v. acórdãos, já referidos, Kempter, n.° 42, e Cartesio, n.° 91).” – v. acórdão do Tribunal de Justiça, de 9 de novembro de 2010, VB Pénzügyi Lízing Zrt., C-137/08.

 

18.          Entendimento que é sufragado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de julho de 2019, processo n.º 18321/16.9T8LSB.L2 6ª Secção, nos seguintes moldes:

 

“1 - Um pedido de reenvio prejudicial não serve para impugnar uma decisão judicial;

2 - A decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito de tal pedido não tem por finalidade revogar decisões judiciais proferidas por Tribunais nacionais;

3 - Tal pretensão não tem como função afrontar qualquer interpretação alegadamente errónea de normas internas ou aferir da violação de normas constitucionais dos diversos Estados-Membros,

4 - Uma questão prejudicial corresponde a uma pergunta/pedido de solução orientada para a obtenção de uma resposta que um órgão jurisdicional nacional de um Estado da União repute necessária para estear a solução de um litígio que lhe cumpra dirimir;

5 - O seu objecto exclusivo é o Direito da União e o esforço de avaliação solicitado ao Tribunal de Justiça da União Europeia corresponde à interpretação ou formulação de juízo de validade incidente sobre esse Direito;

6 - No seio de um pedido de reenvio, o órgão jurisdicional nacional pede ao Tribunal de Justiça da União Europeia que formule a adequada leitura de uma norma jurídica do Direito dessa União cuja interpretação seja relevante para a solução do litígio que lhe cumpra concretizar; […].”

 

19.          Neste ponto, interessa relembrar que o recurso de revisão configura um recurso extraordinário, de natureza excecional, cuja acessibilidade depende do preenchimento dos pressupostos enunciados de forma taxativa no artigo 696.º do CPC, pelo que se impõe uma particular contenção do seu campo de aplicação.

 

20.          Retomando a decisão proferida no processo arbitral n.º 169/2019-T, a Recorrente não só não explicou por que razão o Tribunal de Justiça deve ser considerado uma instância de recurso, como não se alcança o suporte dessa qualificação que implicaria uma considerável “extensão” do sentido literal da alínea f) do artigo 696.º do CPC. Neste sentido: “[t]ratando-se de normas excecionais que permitem eliminar a força do caso julgado e a obrigatoriedade geral que dela decorre (artigo 205.º, n.º 2 da CRP), elas não podem ser aplicáveis analogicamente a situações nelas não previstas (artigo 11.º do Código Civil), designadamente, a decisões de instâncias internacionais que não sejam, à face da legislação nacional, «instâncias de recurso»”. 

 

21.          Nestes termos, em linha com as decisões proferidas relativamente aos recursos de revisão dos processos n.ºs 169/2019-T, 164/2019-T e 159/2019-T, o acórdão do Tribunal de Justiça proferido no processo C-581/19, Frenetikexito, não consubstancia um fundamento válido de recurso de revisão, uma vez que não é proferido por uma “instância internacional de recurso”.

 

22.          À face do exposto, conclui-se pelo indeferimento do recurso de revisão interposto pela AT, ficando prejudicado o conhecimento dos demais requisitos legais previstos na alínea f) do artigo 696.º do CPC, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2 do CPC).

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou cuja apreciação seria inútil.

 

 

Notifique-se e publique-se.

 

Lisboa, 21 de abril de 2021

 

Os Árbitros,

 

 

 

Alexandra Coelho Martins

 

 

 

Sérgio Vasques

 

 

Emanuel Augusto Vidal Lima

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral, Dra. Alexandra Coelho Martins, árbitro presidente, Prof. Doutor Sérgio Vasques, designado pela Requerente, e Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima, designado pela Requerida, acordam no seguinte:

 

 

I.             RELATÓRIO

 

A... UNIPESSOAL, LDA. (doravante “Requerente”), pessoa coletiva número ..., com sede na ..., n.º..., ...-... ..., ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

A Requerente invoca o artigo 99.º, alíneas a), c) e d) do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) e peticiona a anulação das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e de juros compensatórios e de mora emitidas em relação aos anos 2014 e 2015, no valor total de € 517.778,09. Requer ainda a anulação dos processos de contra-ordenação, juros e coimas associados, bem como a condenação da AT:

a)            À restituição das quantias pagas a título de seguro-caução acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos, até efetiva e integral restituição:

b)           Ao pagamento das despesas assumidas com a prestação da referida garantia; e

c)            Às custas de parte.

 

Em 12 de março de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT, em 19 de março de 2019.

 

A Requerente designou como Árbitro o Prof. Doutor Sérgio Vasques, no uso da prerrogativa prevista no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.

 

Nos termos do disposto do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1, a dirigente máxima do serviço da AT designou como Árbitro o Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima.

 

Os Árbitros designados pelas partes comunicaram ao CAAD a designação da Dra. Alexandra Coelho Martins como Árbitro Presidente, conforme previsto no artigo 11.º, n.º 6 do RJAT.

 

Todos os árbitros comunicaram a aceitação do encargo, tendo o Presidente do CAAD informado as partes dessa designação em 10 de maio de 2019, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT.

 

Em 29 de maio de 2019, não tendo as partes manifestado oposição, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído.

 

POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

Como causa de pedir a Requerente alega que tem um único objeto social e presta apenas serviços de nutrição e/ou dietética. Tais serviços são, na sua perspetiva, enquadráveis na isenção de IVA prevista no artigo 9.º, alínea 1) do respetivo Código.

 

Para a Requerente, a prestação dos serviços de nutrição em “health clubs” apresenta uma relação de complementaridade com os serviços de atividade física/”fitness” prestados pela sociedade que explora os clubes, a B..., LDA., integrada no grupo de societário de que também faz parte a Requerente, mas não se confundem com estes nem são acessórios aos mesmos. Os serviços de “fitness” e os serviços de nutrição são prestados por entidades distintas e objeto de discriminação nas faturas emitidas aos clientes.

 

De acordo com a posição da Requerente, a AT retirou ilações infundamentadas e não provadas de um questionário realizado a uma amostra não representativa de 10 clientes e contrapõe um inquérito de satisfação realizado em 2018 e 2019 em que cerca de 90% dos sócios dos clubes “C...” afirmam ter tido a informação básica sobre o serviço de nutrição disponibilizado pelos clubes. Reforça, de igual modo, que os serviços de nutrição foram usufruídos pelos clientes e efetivamente prestados, bastando, para o efeito que tenham sido disponibilizados, por se tratar de prestação de meios e não de resultados.

 

Por outro lado, a Requerente reforça que, sem prejuízo de a maioria expressiva de clientes adquirir o pacote conjunto de “fitness” e de nutrição, dadas as vantagens financeiras associadas, aqueles podem optar por aderir a mensalidades só de “fitness” ou só de nutrição, o que se verifica em alguns casos. As consultas de nutrição não incluídas no pacote são faturadas à parte.

 

Segundo a Requerente, o entendimento de que a atividade de nutrição é uma atividade paramédica e isenta de IVA foi adotado pela AT em diversas informações vinculativas, não podendo esta proceder em sentido diverso do das informações prestadas, ao abrigo do disposto no artigo 68.º, n.º 14 da Lei Geral Tributária (“LGT”).

Invoca ainda a Requerente vício de forma, por considerar que a fundamentação dos atos tributários contida no relatório de inspeção foi parcial, incompleta, desprovida de prova, documental ou outra, e obscura, em violação do artigo 268.º, n.º 3 da Constituição e dos artigos 77.º, n.º 1 da LGT e 153.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”). Adicionalmente, para a Requerente, resulta violado o princípio da legalidade fiscal, de acordo com o artigo 103.º, n.º 2 da Constituição, em virtude de a interpretação da AT extravasar a letra da lei. Por fim, julga que a sua atuação se situou sempre dentro da margem de liberdade de atuação comercial, não sendo abusiva ou fiscalmente censurável.

 

                A Requerente juntou documentos, arrolou 12 testemunhas e requereu declarações de parte.

 

POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

                Em 3 de julho de 2019, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação e suscita duas questões prejudiciais.

 

                Na defesa por impugnação, a Requerida sustenta que o vício de falta de fundamentação não deve proceder, considerando que a argumentação que levou à emissão dos atos de liquidação é “clara, suficiente e congruente” e foi devidamente percecionada pela Requerente, que revela no seu pedido de pronúncia arbitral ter compreendido o respetivo sentido e alcance. Sem conceder, refere ainda que, a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação, a Requerente podia ter lançado mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT, o que não fez.  

 

                No tocante ao teor das informações vinculativas, salienta a Requerida que, ao contrário dos Ofícios Circulados, aquelas não vinculam a AT perante outros contribuintes que não as tenham solicitado, não tendo a Requerente pedido, nem lhe foi prestada qualquer informação vinculativa.

 

                No que se refere ao erro nos pressupostos, a Requerida pugna pela sua não verificação, por entender que os serviços prestados pela Requerente não são isentos de IVA ao abrigo do artigo 9.º, alínea 1) do Código deste imposto, pois não visam diagnosticar ou tratar uma doença ou uma anomalia de saúde, para o que invoca diversa jurisprudência do Tribunal de Justiça. Assim, pese embora a nutrição contribua para uma vida saudável, se não tiver como fim tratar uma doença em concreto não beneficia da isenção de IVA.

 

                Por outro lado, na sua maioria, os serviços de nutrição não foram realizados nem usufruídos pelos clientes. No entanto, mesmo nos casos em que o foram, revestem caráter acessório ao acesso ao ginásio e à atividade física, que configura uma só prestação indissociável no plano económico e não deve ser artificialmente decomposta, compulsando, de novo, a jurisprudência do Tribunal de Justiça em suporte da sua tese. Os serviços de nutrição prestados em conjunto e na dependência do contrato de adesão para usufruto do ginásio não constituem um fim em si mesmo, mas apenas um meio de beneficiar de melhorias nas condições do serviço principal do prestador B..., LDA.. Como tal, segundo a Requerida, as prestações de serviços realizadas pela Requerente deviam ter sido sujeitas à taxa de 23%, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do Código do IVA.

 

                Acrescenta, a este respeito, que a faturação partilhada entre a B..., LDA. e a Requerente permitiu uma vantagem patrimonial em sede de IVA, através da isenção indevida de faturação relacionada com a frequência de ginásio e não com a prestação de serviços de saúde, tendo a Requerente sido criada precisamente na sequência de uma alteração fiscal relevante para a atividade exercida [ginásio], que passou a ser tributada a partir de 2012 à taxa normal, sendo-o anteriormente à taxa reduzida.

 

                 A Requerida considera também contrária à Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, publicada no JO L347, de 11 de dezembro de 2006, que estabelece a disciplina do “sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado” na União Europeia, adiante referida por “Diretiva IVA”, a forma de faturar da Requerente, em que a contratação do serviço isento [nutrição] determina um desconto ao cliente, de igual montante ao dos serviços faturados como isentos, na parte dos serviços tributados em IVA, que são faturados conjuntamente com aqueles, por criar distorções na concorrência.

                Afirma a Requerida que tal procedimento acaba por se traduzir num serviço gratuito para o cliente, que apenas reduz o montante de IVA a liquidar.

 

                Em relação à alegação de inconstitucionalidade, a Requerida limita-se a repudiá-la, por a Requerente não ter sequer concretizado em que medida é que a atuação da AT contrariou a Constituição, e reitera a legalidade da sua atuação.

 

                Relativamente às questões prejudiciais suscitadas, a primeira refere-se à pendência no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de uma ação administrativa intentada pela Requerente, na qual é peticionada a “revogação” do ato de alteração oficiosa realizado pela AT, relativo ao enquadramento daquela [Requerente] para o regime normal mensal, com o CAE principal 93130 – Atividades de ginásio (mantendo-se o CAE 86906 – Outras atividades de saúde humana, n.e., mas a título secundário). Segundo a Requerida, a decisão do presente pleito depende da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sobre a questão aí colocada pela Requerente, acerca da anulação do mencionado ato administrativo de enquadramento em IVA, pelo que preconiza que os presentes autos sejam suspensos até à decisão desse processo.

 

A segunda questão prejudicial suscitada, prende-se com o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, no caso de o Tribunal ter dúvidas sobre o caráter acessório dos serviços de dietista face à prestação principal que consiste na utilização do ginásio, ao abrigo do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), dada a supremacia do direito da união sobre o direito nacional, prevista no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição.

 

Por fim, a Requerida pronuncia-se no sentido da inutilidade da inquirição das testemunhas e pela suspensão da instância até à decisão do processo que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sobre o ato oficioso de enquadramento em IVA da atividade da Requerente, e conclui pela improcedência da ação, com a consequente absolvição da Requerida de todos os pedidos.

 

TRAMITAÇÃO SUBSEQUENTE

 

Por despacho de 7 de julho de 2019, foi suscitada pelo Tribunal Arbitral a exceção de incompetência material parcial em relação ao pedido de anulação de processos de contra-ordenação e coimas associadas e solicitada à Requerente a junção da petição inicial da ação que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, para aferição da questão prejudicial suscitada pela Requerida.

 

Em 15 de julho de 2019, a Requerente deu satisfação ao requerido, manifestando-se no sentido de não existir fundamento para a suspensão da instância em relação à ação administrativa pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

 

Em 26 de julho de 2019, a Requerente solicitou a junção aos autos da decisão arbitral n.º 373/2018-T e pronunciou-se sobre a desnecessidade do reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça requerido pela AT, por não existirem dúvidas sobre a interpretação das normas de direito europeu aplicáveis, que foram clarificadas por anteriores pronúncias do Tribunal de Justiça, para o que cita diversa jurisprudência comunitária.

 

Em 2 de agosto de 2019, o Tribunal Arbitral determinou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a notificação da Requerente para se pronunciar sobre a sobreposição do pedido deduzido na ação administrativa que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto com o da presente ação arbitral.

 

Na sequência do solicitado, a Requerente veio clarificar, em 9 de agosto de 2019, que o pedido de anulação das liquidações de IVA deduzido na ação administrativa respeita às notificações de liquidações por aplicação de métodos indiretos desde a publicação do Boletim de Alterações Oficioso, isto é, às liquidações relativas aos anos 2018, 2019 e seguintes, não existindo, desta forma, qualquer duplicação, pois as liquidações em causa nesta ação arbitral reportam-se aos anos 2014 e 2015.

 

                Em 4 de outubro de 2019, realizou-se no CAAD a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, na qual foram ouvidos os depoimentos de 5 testemunhas indicadas pela Requerente.

 

                O Tribunal Arbitral indeferiu, nessa reunião, o pedido de suspensão da instância por considerar inexistir relação de dependência ou prejudicialidade relativamente à ação administrativa proposta no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto acima mencionada, nos termos do disposto no artigo 272.º do Código de Processo Civil (“CPC”). Foi ainda relegado o conhecimento das exceções suscitadas pelo Tribunal Arbitral e do pedido de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, por banda da Requerida, para a decisão final. 

 

                As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas sucessivas e fixada a data para prolação da decisão arbitral.

               

                A Requerente apresentou alegações finais em 22 de outubro de 2019, nas quais mantém a sua posição, considerando-a sufragada pela prova testemunhal produzida.

 

                Em 31 de outubro de 2019, a Requerida procedeu à junção do processo administrativo (“PA”), tendo apresentado as suas alegações em 4 de novembro de 2019, nas quais reitera os fundamentos e conclusões constantes da resposta e do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), que considera confirmados pelos depoimentos prestados.

 

Por despacho de 22 de novembro de 2019, foi prorrogado por dois meses o prazo de prolação da Decisão Arbitral, atenta a complexidade das questões suscitadas.

 

                Em 3 de dezembro de 2019, a Requerente solicitou a junção aos autos da Decisão Arbitral proferida no processo n.º 181/2019-T, no qual foram discutidas e apreciadas questões conexas com o presente processo, que foi admitida pelo Tribunal, por se tratar de documento superveniente.

 

 

II.            SANEAMENTO

 

                DA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA MATERIAL PARCIAL – COIMAS

 

A norma de delimitação de competência constante do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, decalcada do meio processual de impugnação judicial, de que a ação arbitral constitui meio processual alternativo, de acordo com a Autorização Legislativa constante do artigo 124.º, n.º 2 da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, atribui aos Tribunais Arbitrais a competência para a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de “atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e, em determinadas circunstâncias, de atos de determinação da matéria coletável e de fixação de valores patrimoniais – em moldes semelhantes aos previstos no artigo 97.º, n.º 1, alíneas a) a f) do CPPT para o processo de impugnação –, ficando excluídas as demais, nas quais se insere a peticionada “anulação de processos de contra-ordenação e coimas associadas”.

 

Deste modo, não se reconduzindo a apreciação de processos de contra-ordenação e a reação contenciosa contra a decisão de aplicação de coimas à apreciação da legalidade de um ato de liquidação ou de fixação da matéria tributável, a respetiva anulação não cabe nas competências da jurisdição arbitral, nos termos e para os efeitos do artigo 2.º, n.º 1 do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (Portaria de Vinculação).

 

O que não significa que essas situações fiquem desprovidas de tutela jurisdicional, porém, o meio próprio para apreciar pedidos dessa natureza não é ação arbitral, mas o recurso das decisões de aplicação das coimas previsto no artigo 80.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (“RGIT”), cuja competência recai sobre os Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, em conformidade com o disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea l) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (“ETAF”).

 

Nestes termos, verifica-se a exceção dilatória, oficiosamente suscitada, de incompetência absoluta parcial em razão da matéria, que obsta ao conhecimento, por este Tribunal, do pedido de anulação dos “processos de contra-ordenação e coimas associadas”, com a consequente absolvição da instância da AT nesta parte (cf. artigos 278.º, n.º 1, alínea a) e 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo do RJAT).

 

                DA NÃO SOBREPOSIÇÃO DO PEDIDO DA AÇÃO ADMINISTRATIVA

 

                Foi ainda suscitada por este Tribunal a questão da eventual sobreposição do pedido de anulação de liquidações adicionais de IVA deduzido na ação administrativa que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto com o pedido arbitral e consequente exceção de litispendência (artigos 278.º, n.º 1, alínea e) e 577.º, alínea i) do CPC, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) RJAT). Constata-se, no entanto, que apesar de em ambos os casos os pedidos anulatórios incidirem sobre atos de liquidação de IVA, os períodos a que se referem são diferentes, tratando-se de atos distintos.

 

                Com efeito, no pedido arbitral estão em causa atos de liquidação de IVA incidentes sobre operações de 2014 e 2015, ou seja, pretéritas à ação inspetiva. Já a ação administrativa refere-se ao ato de alteração de enquadramento do regime de IVA da Requerente, através do correspondente Boletim de Alterações Oficioso elaborado na sequência da ação de fiscalização tributária em 2018, e às liquidações de IVA reportadas a operações dos anos 2018 e seguintes, realizadas após essa modificação. Não ocorre assim a identidade do pedido/objeto que constitui requisito de verificação da exceção de litispendência, concluindo este Tribunal pela sua não verificação (artigo 581.º do CPC).

 

* * *

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos atos de liquidação de IVA e inerentes juros compensatórios e moratórios controvertidos, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado do termo do prazo de pagamento voluntário das liquidações, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT.

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

1.            MATÉRIA DE FACTO PROVADA

 

                Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

A.           A A... UNIPESSOAL, LDA., aqui Requerente, é uma sociedade comercial que iniciou a sua atividade em 1 de fevereiro de 2013 e se dedica à prestação de serviços de nutrição e dietética, sob o CAE 86906 – Outras Atividades de Saúde Humana, N.E., com o seguinte objeto social: “prestação de serviços utilizando técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doença ou de reabilitação e aconselhamento, aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem estar, quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares.” – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) constante do PA.

 

B.            A Requerente encontra-se integrada num grupo de sociedades, sendo detida, até maio de 2015, pela sociedade dominante D..., S.A., adiante D... . A sua atividade foi lançada em parceria com outra sociedade do mesmo grupo, a B..., LDA., doravante B..., também detida pela D...– cf. RIT.

 

C.            O lançamento da atividade da Requerente teve por objetivo ampliar a oferta de serviços do grupo, enquadrados num conceito de vida saudável, complementando o exercício físico (serviço prestado pela B...) com a nutrição (serviço a prestar pela Requerente, que foi especificamente criada para esse efeito), para atingir o bem-estar dos seus sócios/clientes – cf. RIT e Relatórios de Gestão de 2014 e 2015 constantes do PA.

 

D.           A ampliação do leque de serviços prestados aos sócios/clientes visou a requalificação dos ginásios C... como clubes de saúde e bem-estar, por forma a aumentar os níveis de satisfação e a fidelização dos clientes e acompanhar as tendências do mercado e da concorrência – cf. Relatórios de Gestão de 2014 e 2015 constantes do PA e depoimento das testemunhas E..., F... e G... .

 

E.            Inicialmente a atividade de nutrição começou a ser desenvolvida na esfera da B... . No entanto, tendo em vista clarificar que se tratava de um serviço separado do relativo ao exercício físico, incluindo para fins fiscais, foi decidido criar uma nova sociedade, a aqui Requerente, exclusivamente destinada a esse objetivo – cf. G... .

 

F.            Neste contexto, a Requerente iniciou a sua atividade nos clubes já explorados pela B..., para complementar as atividades de “fitness” desta. À data dos factos [em 2014 e 2015], a Requerente prestava os seus serviços em 3 ginásios ou clubes que eram explorados pela B..., com a designação H..., sitos no ..., ... e ...– cf. RIT e Relatórios de Gestão de 2014 e 2015 constantes do PA.

 

G.           Os serviços de nutrição eram prestados no âmbito de um pacote ou plano conjunto de “fitness” e nutrição adquirido pelo cliente, ou fora desse pacote, podendo consistir no seguinte:

 

(a)          Consulta inicial com o nutricionista, de cerca de meia hora, denominada “diagnóstico de orientação nutricional” (“DONUT”), no qual era indicado um plano alimentar;

(b)          Acompanhamento nutricional materializado em interações individuais entre o nutricionista e o cliente, com base no programa adquirido pelo cliente, em que eram feitas periodicamente reavaliações nutricionais, sob a denominação de “interação nutricional objetiva (“INO”), com duração inferior à consulta DONUT;

(c)          Consultas de nutrição pré-agendadas “ad hoc”, faturadas à parte;

(d)          Pesagem na balança “Tanita”, que utiliza o sistema de medição por bioimpedância (“BIA”), com a emissão de um relatório do estado físico do cliente, como massa gorda e outros índices corporais; e

(e)          Esclarecimento de dúvidas telefonicamente ou via correio eletrónico

 – cf. RIT e depoimento das testemunhas E..., F..., I..., J... e G... .

 

H.           Eram também organizados periodicamente eventos coletivos, designadamente “workshops” e degustações em espaço aberto da sala de exercícios e publicadas “newsletters” – cf. RIT e depoimento das testemunhas E..., F..., I..., J... e G... .

 

I.             A Requerente prestou ainda serviços de nutrição a um jardim de infância, consistindo em assistência na elaboração de ementas e workshops sobre alimentação – cf. RIT.

 

J.             A Requerente registou-se na Entidade Reguladora da Saúde (“ERS”), como prestadora de cuidados de saúde, desde 10 de abril de 2013, registo que se manteve nos anos 2014 e 2015 – cf. certidões de registo na ERS constantes do PA.

K.            No decurso dos anos 2014 e 2015, a Requerente disponibilizou e prestou, através de colaboradores profissionais inscritos na Ordem dos Nutricionistas, devidamente habilitados e certificados para o efeito, serviços de nutrição/dietética, nas instalações dos H... acima identificados – cf. RIT e depoimento das testemunhas E..., F..., I..., J... e G... .

 

L.            A oferta principal do grupo de sociedades onde a Requerente se insere era o pacote conjunto de “fitness” e nutrição, mas a Requerente continuava a manter os planos só de “fitness” ou só de nutrição, podendo os clientes optar por aderir a mensalidades só de “fitness” ou de nutrição, o que sucedeu em algumas situações, embora pouco expressivas, pois financeiramente não ofereciam vantagem, dado o valor da mensalidade de “fitness” ser o mesmo, quer incluísse, ou não, o serviço de nutrição – cf. depoimento das testemunhas F..., I..., e G... e RIT em relação ao valor da mensalidade. 

 

M.          O serviço de nutrição, na modalidade de pacote conjunto “fitness” e nutrição, era cobrado ao cliente, independentemente da realização ou do número de consultas e reavaliações efetuadas, pois a não frequência ou não solicitação/utilização dos serviços não isentava os clientes dos pagamentos mensais na modalidade contratada – cf. RIT. 

 

N.           Nas faturas emitidas relativamente à mensalidade do pacote conjunto de “fitness” e nutrição eram discriminados os valores referentes ao serviço de “fitness” e ao serviço de diagnóstico e acompanhamento nutricional, cada um faturado através de sistemas de faturação autónomos pelo respetivo prestador, respetivamente, a B... e a Requerente – cf. RIT e depoimento das testemunhas F... e J... . 

 

O.           Quanto às consultas de nutrição “ad hoc”, não incluídas no pacote de fitness e nutrição, as mesmas eram debitadas à parte pela Requerente, existindo por isso faturas referentes somente à nutrição, tendo a AT aceite, quanto a estas, o regime de isenção de IVA que foi aplicado. Estas consultas podiam ser acedidas por clientes que não eram sócios e que não adquiriam os serviços de “fitness” dos H...– cf. RIT e depoimento das testemunhas E..., F... e I... . 

 

P.            Os pagamentos dos clientes relativos às componentes dos dois serviços compreendidos na mensalidade do pacote “fitness” e nutrição, um devido ao prestador B... e outro à Requerente, respetivamente, foram centralizados numa entidade do grupo que celebrou um acordo de gestão de recebimentos e tesouraria. Esta entidade distribuía posteriormente os recebimentos pelas duas sociedades operacionais – cf. RIT e depoimento de G... . 

 

Q.           As pesagens na Balança Tanita que fossem solicitadas pelos clientes à margem (para além ou fora) do pacote conjunto ou das consultas de nutrição eram objeto de faturação, sendo realizadas, quer por nutricionistas, quer por instrutores e professores de ginástica – cf. RIT. 

 

R.            As consultas iniciais e as reavaliações realizadas no âmbito do pacote conjunto de “fitness” e nutrição tinham lugar num espaço específico da sala de exercícios, em plano aberto, embora resguardado/separado através de máquinas de “vending”, onde estava colocada uma secretária. Os workshops e degustações também eram realizados em espaço não exclusivo. Só as consultas de nutrição marcadas fora do pacote e pagas à parte tinham lugar num gabinete autónomo – cf. RIT e depoimento das testemunhas E..., F..., I... e G.... 

 

S.            Em maio de 2015, a B... adquiriu as quotas da Requerente (100%) à sociedade mãe D...– cf. RIT.

 

T.            Em 6 de março de 2018, a AT iniciou um procedimento de inspeção tributária de natureza externa à Requerente, de âmbito parcial em IRC e IVA, abrangendo os anos 2014 e 2015, ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2018... e OI2018..., com o objetivo de confirmar o cumprimento das suas obrigações contabilísticas e tributárias – cf. RIT.

 

U.           O Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), emitido após exercício do direito de audição por parte da Requerente, concluiu serem devidas correções em IRC e IVA, nos dois anos em questão, dando origem aos atos de liquidação de IVA e juros compensatórios e moratórios que constituem o objeto dos presentes autos arbitrais, infra melhor identificados, com base nos fundamentos que parcialmente se transcrevem:

 

“III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.1 – EM SEDE DE IVA

III.1.1- Introdução

Os ginásios e outras práticas desportivas estão sujeitos à taxa normal de IVA desde 2012.

A Lei 64-B/2011 (Orçamento de Estado para 2012) revogou a verba 2.15 da Lista I, anexa ao IVA, ou seja, desde 1 de janeiro de 2012 que os serviços de prática desportiva são tributados à taxa normal de 23%.

[…]

O Código do IVA determina na alínea 1) do art.º 9º que estão isentas do imposto:

«Artigo 9.º - Isenções nas operações internas»

1)As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas».

Esta norma do Código do IVA tem por base a alínea c) do n.º 1 do art.º 132.º da diretiva 2006/112/CE do conselho, de 28 de novembro de 2006 (Diretiva de IVA), ou seja:

«Artigo 132.º»

«1. Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

c) As prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa;»

A respeito do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 132.º da diretiva do IVA, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) afirmou em vários arestos entre outros, no Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no processo C-141/00 (caso Kugler), que a mesma tem um caráter objetivo, definindo as operações isentas em função da natureza dos serviços prestados, sem atender à forma jurídica do prestador, bastando que sejam preenchidas duas condições:

i)             tratar-se de serviços médicos ou paramédicos e ;

ii)            que estes sejam fornecidos por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.

De acordo com esta interpretação, a isenção consignada na al. 1) do art.º 9.º do CIVA opera independentemente da natureza jurídica do prestador de serviços, nomeadamente do facto de se tratar de uma pessoa singular ou de uma pessoa coletiva.

Quanto às atividades paramédicas e dado que não existe no código do IVA (CIVA) um conceito que as defina, há que recorrer ao Dec.Lei n.º 261/93, de 24 de julho e ao Dec.Lei n.º 320/99, de 11 de agosto, uma vez que são estes dois diplomas que contêm em si os requisitos a observar para o exercício das respetivas atividades.

O Dec.Lei n.º 261/93, no n.º 1 e 3 do art.º 1.º referem:

«1- o presente diploma regula o exercício das actividades profissionais de saúde, adiante designadas por actividades paramédicas, que compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação.»

«3- As actividades paramédicas a que se refere o n.º 1 são as constantes da lista anexa ao presente diploma, do qual faz parte integrante.»

E o n.º 1 do art.º 2.º do mesmo diploma, estabelece as condições exigidas para o exercício profissional de actividades paramédicas.

Quanto ao Dec.Lei 320/99, de 11 de agosto, o mesmo define os princípios gerais em matéria do exercício das profissões de diagnóstico e terapêutica e procede à sua regulamentação. No seu art.º 2.º refere-se à profissão de dietista entre outras e no n.º 1 do artigo 3.º refere-se à caraterização e perfil profissional que terá de necessariamente compreender a realização das atividades constantes do anexo ao Dec-lei n.º 261/93, tendo como matriz a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e de tratamento da doença, ou reabilitação.

Na lista anexa ao Dec.Lei n.º 261/93, prevê no seu Item 5, a atividade de Dietética. De acordo com a descrição aí prevista esta atividade compreende a:

«Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares»

Contudo para a determinação do tipo de cuidados abrangidos pela alínea c) do n.º 1 do art.º 132.º da Diretiva do IVA, a que corresponde na ordem jurídica interna a alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, importa fazer referência à jurisprudência comunitária, nomeadamente, acórdão de 14 de setembro de 2000, processo C-384/98 e ao acórdão de 21 de março de 2013, processo C- 91/12 que considera, no que respeita ao conceito de prestação de serviços médicos, as que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer anomalia de saúde.

Neste sentido, os serviços relacionados com os cuidados de saúde devem ser entendidos como uma terapêutica necessária e com um propósito de prevenção e tratamento e, se possível, de cura de doenças ou outros distúrbios de saúde.

Em suma é determinante para a aplicação da isenção prevista na al.1) do artigo 9.º do código do IVA que esteja em causa serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde e pressupondo que os mesmos sejam efetivamente realizados.

[…]

III.1.11- Conclusões

Os argumentos apresentados no presente relatório, e que resumiremos sucintamente, permitem-nos concluir que nem todos os serviços prestados pela A... estão isentos ao abrigo da al. 1) do art.º 9.º do CIVA:

•             A A... conforme se retira do relatório de gestão de 2014 e 2015(ANEXO1) iniciou a sua atividade com oferta de serviços nos Health Clubs explorados pela B... (no ... e no ... e também em ... no final de 2015), «completando os serviços de Fitness prestados pela B...»;

•             A B... E oferece os serviços de fitness e a A..., pretende demonstrar que oferece apenas os serviços na área da nutrição;

•             Ambas as sociedades (B... E A...) pertencem ao mesmo grupo, sendo a empresa- mãe a D... . Em 20 de Maio de 2015 a B... adquiriu as quotas da A... à D... a qual detém a 100% o capital da B...;

•             Os gerentes de direito e os gerentes de facto eram os mesmos na B... e na A...;

•             Os sócios/clientes da A..., são na sua generalidade, sócios/clientes da B..., facto que levou a que fossem faturados serviços pela A... a sócios/clientes que só tinham contrato com a B..., demonstrando a ligação desta duas sociedades. Esta ligação ficou comprovada quando primeiramente foi solicitado ao sujeito passivo o envio de alguns contratos de sócios/clientes(ANEXO 12) e vieram informar(ANEXO 13) que não tinham os contratos porque eram sócios/clientes mais antigos e não tinham a documentação de suporte.

•             Das pesquisas efetuadas constata- se que os sócios/clientes aos quais são faturados serviços mensais pela A... também lhe são sempre faturados serviços mensais, na mesma data, pela B...;

•             As faturas emitidas pela A... aos sócios/clientes, nomeadamente nos produtos designados por Aconselhamentos ou Paks/PROG, correspondem na mesma data, a uma fatura emitida pela B... aos mesmos, sendo que as faturas emitidas pelas duas sociedades são coincidentes nas datas e até nas horas em que são emitidas, senão vejamos, a titulo exemplificativo, as faturas que foram emitidas à sócia/cliente, K..., que tem a fatura n.º 2015/1 emitida pela A... no dia 02/01/2015 pelas 11H37m e tem a fatura emitida pela B..., fatura 2015P/1 emitida em 02/01/2015 pelas 11H36m, conforme cópias constantes no ANEXO 23;

•             As consultas de nutrição efetuadas foram faturadas em fatura separada, não incluída na mensalidade dos contratos;

•             Os Aconselhamentos Nutricionais designados de «Aconselhamento Nutricional A», «Aconselhamento Nutricional B» …. e «Aconselhamento H» respeitam a contratos em que o sócio/cliente assume uma prestação para a B... e outra para a A..., sendo que a da B... tem sempre um valor inferior, nalguns tipos de contratos chegando a ter menos de metade do valor da quota da A...;

•             Apurou-se da análise aos sócios/clientes, na amostra selecionada, e dos quais foi obtida resposta que embora lhes tenha sido faturados serviços de Aconselhamento Nutricional os mesmos nunca beneficiaram de tal serviço, sendo- lhe no entanto faturado um valor mensal e os que referiram ter beneficiado de algum serviço prestado pelo nutricionista, não se enquadram tais serviços no âmbito de serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde, logo não poderiam ter beneficiado da isenção prevista no art.º 9.º, al. a) do CIVA;

•             Verificou-se ainda que aos sócios/clientes inscritos na B... antes da criação da A... foi-lhes dividida o valor da mensalidade entre a B... e a A..., após a criação desta, mesmo sem terem contrato de adesão com esta última;

•             Os sócios/clientes na sua maioria faziam os pagamentos das mensalidades por débito direto por um único valor total(considerando o valor da mensalidade da B... e da  A... em conjunto), pagamento esse efetuado à empresa-mãe D...;

•             • Os sócios/clientes que adquiriram/assinaram Packs Especiais(contratos de aquisição de programas especiais), referentes a acompanhamentos personalizados com «Personal Trainer», e conforme os contratos que nos foram fornecidos por alguns sócios, os mesmos foram estabelecidos apenas entre o sócio e a B..., tal como consta do verso de tais contratos, no entanto a faturação mensal dos Packs aparece também ela dividida entre a B... e a A...;

•             A sociedade também tem faturas emitidas aos clientes que efetu[a]ram pesagens na «Balança Tanita», declarando estas como isentas para efeitos de IVA, ao abrigo da al. 1) do art.º 9.º. Esta pesagem, no entanto, é ef[et]uada pelos professores de ginástica em complemento da atividade física, bem como pelos nutricionistas, conforme resulta dos questionários dos sócios e como o nutricionista Júlio Soares referiu nas suas declarações prestadas(ANEXO 5). Não se considerando esta pesagem como um serviço que se insira no conceito de prestação de serviços médicos e para tal beneficiando da isenção prevista no art.º 9.º, al. 1) do CIVA.

•             Ficou demonstrado que os produtos faturados pela A..., referentes aos vários tipos de Aconselhamentos, bem com o valor faturado nos Packs/Programas e outros serviços, na sua maioria não foram realizados, no entanto foram mensalmente faturados e quando porventura os mesmos foram realizados revestem um caráter acessório em relação à atividade física e como tal deveriam ter sido sujeitos a IVA à taxa de 23%(veja- se os acórdãos: Acórdão de 22 de outubro de 1998 «T.P.Madgett, R.M. Baldwin e The Howden Court Hotel», Processos apensos C-308/96 e C-94/97, Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, «Card Protection Plan Ltd», Processo C-349/96, Acórdão de 27 de setembro de 2012, «Field Fisher Waterhouse LLP», processo C-392/11 e Acórdão de 17 de Janeiro de 2013, «BGZ Leasing Sp.z o.o.», Processo C-224/11);

•             Considera-se pois que apenas as consultas de nutrição, que o sujeito passivo registou na contabilidade, na conta 7221 - Mercado nacional, cumprem os requisitos para beneficiarem da isenção prevista na al. 1) do art.º 9.º do CIVA, ou seja, fazendo referência à jurisprudência comunitária, nomeadamente ao Acórdão de 14 de Setembro de 2000, proferido no Processo C-384/98 e ao Acórdão de 21 de março de 2013, proferido no Processo C-91/12, que consideram, no que respeita ao conceito de prestações de serviços médicos, as que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer anomalia de saúde.

Neste sentido, os serviços relacionados com os cuidados de saúde devem ser entendidos como uma terapêutica necessária e com um propósito de prevenção, tratamento e, se possível, de cura das doenças ou outros distúrbios de saúde.

O facto da prestação de serviços de Aconselhamento Nutricional incluído, como fazendo parte do valor de uma mensalidade previamente contratualizada independentemente de os mesmos serem prestados, ou não, e bem assim todos os factos expostos neste relatório permitem assegurar que não se está perante serviços prestados no âmbito da assistência médica, mas, no limite proporcionar melhores condições do serviço principal. O mesmo se verifica no casos dos Packs adquiridos para obtenção de um Personal Trainer em que faz referência às valência obtidas com a aquisição de tais serviços, ou seja indica como valências : as toalhas e as consultas de nutrição.

Pelo que, apenas podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do art.º 9.º do CIVA, os serviços que, sendo assegurados por profissionais habilitados nos termos da legislação aplicável, estejam incluídos no objetivo terapêutico a que se referem os Acórdãos do TJUE atrás referidos. A este respeito também, se refere a informação vinculativa no processo n.º 3251, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor – Geral, em 2012-06-28.

•             Do exposto necessariamente se conclui que a faturação partilhada entre a B... e a A... permitiu uma vantagem patrimonial em sede de IVA, através da isenção indevida de faturação que conforme se comprovou está relacionada com a frequência de ginásio e não com a prestação de serviços de saúde. Importará ainda referir que o comportamento do grupo de empresas em análise(D..., B... e A...) não pode ser analisado separadamente nem descontextualizado no tempo. De facto a criação da A... surge posteriormente a uma alteração fiscal relevante para a atividade exercida que sendo tributada à taxa reduzida passou a ser tributada a partir de 2012 à taxa normal.

III.1.12- Correções em sede de IVA

Os factos constatados no presente relatório, permitem-nos concluir que os serviços prestados pela A... e registados na contabilidade na conta «7211– Mercado Nacional» e na conta «7231– Mercado Nacional», após os descontos e abatimentos que incidiram sobre os mesmos nomeadamente na conta «72811- Aconselhamento -desc.abatimentos-merc. Nacional» e conta 72813 Outros. Serviços-desc.abatimentos -mercado nacional», estão sujeitos à taxa normal de IVA, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA.

Assim sendo, a A..., usufruiu de forma indevida da isenção de IVA prevista no art.º 9, al. a) do CIVA, que originou falta de liquidação, à taxa de 23% nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 18º do CIVA.

Uma vez que o sujeito passivo está enquadrado como isento ao abrigo do art.º 9, al. 1) do CIVA, vai ser o mesmo enquadrado também para atividades sujeitas a IVA, através de um Boletim de Alterações Oficioso( BAO), ficando enquadrado no regime normal mensal, de acordo com o disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 41.º do CIVA. Assim vai ser o mesmo enquadrado com o CAE PRINCIPAL,93130 - ACTIVIDADES DE GINÁSIO(FITNESS) e continuando com o CAE 086906 OUTRAS ACTIVIDADES DE SAÚDE HUMANA, N.E.

Conforme descrito anteriormente, vai ser apurado nos quadros seguintes, os valores a considerar nas bases tributáveis a que se aplica a taxa normal de IVA(23%),nos termos do art.º 18.º do CIVA, apurando o imposto em falta para cada periodo.”

[…]

IX – DIREITO DE AUDIÇÃO

Face ao supra exposto e na medida em que se detetaram as incorreções em sede IVA e de IRC, mencionadas no ponto III do presente relatório, deverá o sujeito passivo ser notificado para o exercício do direito de audição vertido no artigo 60.º do RCPITA e no artigo 60.º da LGT.

Assim, nos termos dos artigos mencionados, o sujeito passivo foi notificado através do ofício n.º ... de 06/08/2018 enviado sob o registo de correio, RH ... PT, para a morada da sede.

[…]

 IX.2 – Análise da petição do contribuinte

[…]

Em relação ao suponto 37 refira-se que a estratégia coordenada do grupo onde se insere o sujeito passivo e que ficou demonstrada, foi o desvio de parte significativa da mensalidade da B..., sujeita a IVA à taxa de 23% para a A..., com isenção de IVA ao abrigo da al. 1) do art.º 9.º do CIVA. E este comportamento foi possível porque são empresas do mesmo grupo, sendo que com a sua atuação em conjunto reduziram o montante de imposto, IVA, a entregar ao Estado, já que para os sócios/clientes financeiramente continuaram a pagar o mesmo após a criação da A... . E também de ter em consideração que o pagamento da mensalidade, na grande maioria dos casos era efetuada através de débito direto, para a D..., por um único valor total, incluindo a mensalidade da A... e da B... .

[…]

•             No ponto E em relação aos prestadores dos serviços de nutrição, refere o sujeito passivo que os mesmos eram efetuados por profissionais habilitados para o efeito, contudo das conclusões retiradas concluiu-se que nem todos os serviços faturados pela A..., mesmo que fossem prestados por profissionais habilitados, os nutricionistas, nomeadamente workshops, degustações, demonstrações se inserem no conceito de serviços médicos que permitam beneficiar da isenção em causa. De qualquer forma nunca foi posto em causa no relatório tratar-se de profissionais habilitados.

[…]

•             […] Sendo certo que, dos sócios/clientes, que se contataram resultou evidência suficiente e clara que por um lado havia as consultas de nutrição e por outro lado havia os aconselhamentos/acompanhamentos nutricionais, sendo que estes últimos não se consideram que sejam serviços que se encontrem abrangidos pela isenção prevista na al. 1) do art.º 9 do CIVA […].

•             No ponto H e sobre as pesagens na Balança Tanita, no subponto 157 vem referir que as pesagens que foram efetuadas por professores de ginástica ou instrutores, nunca foram cobradas e/ou faturadas pelo sujeito passivo, no entanto não junta prova.

Sendo certo que houve sócios a quem foram faturadas as pesagens e esses mesmos sócios referiram que tinham sido feitas por professores, veja-se a título de exemplo o sócio L... (ANEXO 25) que refere que fez pesagens na balança Tanita e que foi feita pela nutricionista e também pelo professor.

Veja-se o exemplo, também da sócia/cliente, M..., que como se pode verificar no questionário constante no ANEXO 19 , refere mesmo o nome do Professor N... . Esta sócia/cliente adquiriu Packs para ter Personal Trainer com o professor de fitness.

Ainda relacionado com esta questão que quanto a nós já estava devidamente fundamentada, mas ainda assim juntamos o questionário da sócia/cliente, O..., como ANEXO 41 e que refere que a pesagem na balança tanita foi feita pelo professor de atividade física. Estas pesagens foram-lhe faturadas , ora veja-se a título de exemplo no ano de 2014 […].

Na mesma linha., também o sócio P..., do qual se junta o questionário, como ANEXO 42, referiu que a pesagem na balança Tanita foi feita pelo Professor:

Pelo que se concluiu que a referida balança era um meio disponível nos ginásios H... e era um meio disponível que tanto poderia servir para os professores da atividade física como para os nutricionistas.

•             No ponto I o sujeito passivo faz referência ao conceito de prestação de serviços médicos ou paramédicos, referindo-se à página 66 do projeto de relatório.

Não se considerou que os Workshops sobre alimentação e ajuda na elaboração de ementas, no colégio  de crianças «Q..., LDA» se enquadrassem no conceito de serviços médicos, e como tal pudessem beneficiar da isenção de IVA ao abrigo da al.1) do art.º 9.º do CIVA.

[…]

•             No ponto K o sujeito passivo faz referência a informações vinculativas já prestadas anteriormente pela AT, no entanto as informações vinculativas vinculam a AT para o objeto/pedido em concreto, veja-se o disposto no art.º 68.º da LGT, n.ºs, 1, 14  e 15 da LGT em conjugação com o n.º 1 do art.º 68.º - A, da LGT. A informação vinculativa n.º 3366 da AT de 17-07-2012, que o sujeito passivo faz referência, refere que «…podem as prestações de serviços prestadas por esses  profissionais ser abrangidas pela isenção do n.º 1 do art.º 9.º do Código do IVA…» o que não se verifica no caso em análise, dado que não ficou comprovado que os «aconselhamentos/acompanhamentos de nutrição», que o sujeito passivo faturou mensalmente fossem serviços prestados de nutrição, pelo que os mesmos não se encontram abrangidos pela isenção do art.º 9, al.1) do CIVA.  

[…]”

 

V.           Na sequência da ação inspetiva acima assinalada, a Requerente foi notificada das liquidações de IVA e de juros [compensatórios e moratórios] enumeradas no quadro seguinte – cf. cópias das demonstrações de liquidação de IVA e das demonstrações de liquidação de juros:

 

DESCRIÇÃO        LIQUIDAÇÃO     VALOR (€)

IVA – janeiro 2014           2018..., de 06.11.2018    14.051,25

IVA – fevereiro 2014       2018..., de 06.11.2018    13.473,12

IVA – março 2014             2018..., de 06.11.2018    14.093,40

IVA – abril 2014 2018..., de 06.11.2018    14.693,00

IVA – maio2014 2018..., de 06.11.2018    15.272,01

IVA – junho 2014              2018..., de 06.11.2018    15.192,01

IVA – julho 2014               2018..., de 06.11.2018    18.484,58

IVA – agosto 2014            2018..., de 06.11.2018    17.597,72

IVA – setembro 2014      2018..., de 06.11.2018    19.881,96

IVA – outubro 2014         2018..., de 06.11.2018    19.584,08

IVA - novembro 2014     2018..., de 06.11.2018    17.888,56

IVA – dezembro 2014     2018..., de 06.11.2018    20.364,42

IVA – 2014 Subtotal

Data-limite de pagamento 17.12.2018    200.576,11

DESCRIÇÃO (cont.)          LIQUIDAÇÃO     VALOR (€)

JUROS* 2018..., de 06.11.2018    2.654,50

JUROS  2018..., de 06.11.2018    2.499,21

JUROS  2018..., de 06.11.2018   2.564,53

JUROS  2018..., de 06.11.2018   2.625,02

JUROS  2018..., de 06.11.2018    2.679,62

JUROS  2018..., de 06.11.2018   2.611,98

JUROS  2018..., de 06.11.2018   3.116,91

JUROS  2018..., de 06.11.2018    2.909,14

JUROS  2018..., de 06.11.2018    3.218,78

JUROS  2018..., de 06.11.2018   3.105,76

JUROS  2018..., de 06.11.2018    2.771,77

JUROS  2018..., de 06.11.2018    3.090,26

JUROS – 2014 Subtotal

Data-limite de pagamento 17.12.2018    33.847,48

IVA – janeiro 2015           2018..., de 17.11.2018    20.245,67

IVA – fevereiro 2015       2018..., de 17.11.2018    19.406,42

IVA – março 2015             2018..., de 17.11.2018    21.240,44

IVA – abril 2015 2018..., de 17.11.2018    21.096,33

IVA – maio2015 2018..., de 17.11.2018    20.871,39

IVA – junho 2015              2018..., de 17.11.2018    20.599,79

IVA – julho 2015               2018..., de 17.11.2018    19.840,03

IVA – agosto 2015            2018..., de 17.11.2018    19.042,88

IVA – setembro 2015      2018..., de 17.11.2018    19.390,83

IVA – outubro 2015         2018..., de 17.11.2018    20.953,52

IVA - novembro 2015     2018..., de 17.11.2018    24.142,19

IVA – dezembro 2015     2018..., de 17.11.2018    23.579,04

IVA – 2015 Subtotal

Data-limite de pagamento 31.11.2018    250.408,53

JUROS* 2018..., de 17.11.2018    3.049,69

JUROS  2018..., de 17.11.2018    2.856,81

JUROS  2018..., de 17.11.2018    3.054,04

JUROS  2018..., de 17.11.2018    2.961,08

JUROS  2018..., de 17.11.2018    2.862,63

JUROS  2018..., de 17.11.2018    2.754,84

JUROS  2018..., de 17.11.2018    2.585,28

JUROS  2018..., de 17.11.2018    2.414,09

JUROS  2018..., de 17.11.2018   2.396,06

JUROS  2018..., de 17.11.2018   2.519,72

JUROS  2018..., de 17.11.2018    2.817,82

JUROS  2018..., de 17.11.2018    2.673,93

JUROS – 2015 Subtotal

Data-limite de pagamento 31.12.2018    32.945,99

TOTAL DAS LIQUIDAÇÕES            517.778,09

* Abrange juros compensatórios e moratórios

 

W.          Em discordância com a alteração de enquadramento efetuada pela AT, através do Boletim de Alterações Oficioso, tendo aquela passado a considerar que o CAE principal da Requerente era de atividades de ginásio e que esta estava sujeita ao regime normal mensal de IVA, a Requerente apresentou ação administrativa no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na qual peticiona a revogação desse ato de alteração oficioso de enquadramento e a anulação das liquidações de IVA dele derivadas, referentes aos anos de 2018 e seguintes – cf. cópia dos articulados da ação administrativa juntos pela Requerente.

 

X.            Em 11 de março de 2019, por não se conformar com as referidas liquidações de IVA e juros compensatórios e de mora, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – conforme registo no sistema de gestão processual do CAAD.

 

2.            FACTOS NÃO PROVADOS

 

                Não se provou que a Requerente tenha prestado garantia na modalidade de seguro caução para suster os processos de execução fiscal de IVA e juros inerentes liquidados em relação a 2014 e 2015, em discussão nestes autos, e que tenha incorrido em despesas associadas à mesma.

 

Com relevo para a decisão não existem outros factos que devam considerar-se não provados.

 

3.            MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos por ambas as Partes, nas posições por estas assumidas em relação aos factos e nos depoimentos das testemunhas indicadas pela Requerente, ouvidas em audiência contraditória, conforme referenciado em relação a cada facto julgado assente.

 

Prestaram depoimento três colaboradores da Requerente nos anos de referência [2014 e 2015], nomeadamente uma nutricionista, E..., o diretor do clube do ..., F..., e uma funcionária administrativa de contabilidade, J... . Foram também inquiridos G..., um dos gerentes à data dos factos (mas que no momento do depoimento já não o é), e I..., cliente do clube do ... . Todos revelaram conhecimento direto e pessoal dos factos relatados e foram unânimes na afirmação da prestação efetiva de serviços por parte de nutricionistas nos clubes da B..., LDA., embora tivesse resultado, de igual modo, evidente que o acompanhamento nutricional realizado dentro do pacote era limitado e realizado em condições não ideais, num espaço comum de passagem situado na sala de exercícios, com máquinas de vending, sendo inclusivamente as medições realizadas por cima da roupa, por forma a não existir o risco de exposição do cliente. 

 

No que se refere ao preço dos serviços, apesar de o diretor do clube do ... ter afirmado que o preço do plano de exercício físico (sem outros adicionais) era ligeiramente inferior ao do preço do pacote conjunto de “fitness” e nutrição (gravação do depoimento a 47 minutos e 50 segundos), constatou-se não ser assim da análise da prova documental, em particular do RIT e documentos de suporte e, bem assim, da própria posição expressa pela Requerente (artigo 185.º do pedido de pronúncia arbitral), ficando demonstrado que a mensalidade do pacote conjunto [“fitness” e nutrição] era exatamente igual à mensalidade do exercício físico contratada de forma isolada, i.e., sem nutrição, pelo que a fidedignidade daquele depoimento resultou fragilizada.

 

De salientar que o facto de a Requerida impugnar genericamente no seu articulado (artigo 5.º) os factos alegados no pedido arbitral que se mostrem em oposição com a defesa, considerada no seu conjunto (artigo 574.º, n.º 2 do CPC) não contraria a força probatória dos documentos carreados ao processo, ou a prova testemunhal produzida, sendo a falta de contestação especificada dos factos livremente apreciada pelo julgador, de harmonia com o disposto no artigo 110.º, n.º 7 do CPPT.

 

 

IV.          DO DIREITO

 

1.            QUESTÕES DECIDENDAS

 

                Foi submetida ao Tribunal Arbitral a apreciação dos seguintes vícios, formais e substantivos, alegados pela Requerente, em relação às liquidações de IVA e juros que constituem o objeto desta ação arbitral:

 

a)            Vício de fundamentação – artigos 77.º, n.º 1 da LGT, 153.º, n.º 1 do CPA e 268.º, n.º 3 da Constituição;

b)           Erro nos pressupostos de facto e de direito, no que se refere ao regime aplicado aos serviços de nutrição prestados, que, ao contrário do sustentado pela AT, para a Requerente são isentos de IVA ao abrigo do artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA. Neste âmbito, importa:

i)             Determinar se os serviços de nutrição prestados pela Requerente configuram prestações de serviços efetuadas no exercício de profissões paramédicas, na interpretação que deve ser conferida a tal norma à luz do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA, que se refere especificamente a “prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas”, ainda que tenham caráter meramente preventivo e não terapêutico;

ii)            Aferir se a isenção de IVA em apreço, pressupõe a realização de consultas de nutrição e de interações efetivas com os nutricionistas ou se é suficiente a disponibilização do serviço de nutrição aos clientes, independentemente de estes os virem a utilizar;

iii)           Determinar se os serviços de nutrição devem ser considerados acessórios aos serviços de “fitness” formando uma prestação única, na aceção do IVA, ou se consubstanciam prestações independentes e autónomas entre si;

c)            Erro de direito por violação do princípio da legalidade – cf. artigo 103.º, n.º 2 da Constituição; e

d)           Erro nos pressupostos de direito, por violação do teor de informações vinculativas – artigo 68.º, n.º 14 da LGT.

 

Cabe, por fim, ao Tribunal Arbitral decidir sobre a necessidade de proceder ao reenvio prejudicial para interpretação do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA, nos termos do artigo 267.º do TFUE, e sobre o pedido de restituição das quantias alegadamente pagas a título de seguro caução, acrescidas de juros de mora e das despesas com a prestação de garantia.

 

2.            VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO

 

                A Requerente invoca a incompletude e obscuridade da argumentação contida no Relatório de Inspeção Tributária e a falta de prova dos seus pressupostos, considerando que as conclusões alcançadas pela AT são descontextualizadas e que a fundamentação de direito extravasa a letra e o espírito da lei, inquinando as correções propostas e, bem assim, as liquidações que se seguiram, por vício de (falta de) fundamentação. 

 

                Interessa a este respeito salientar que o dever de fundamentação dos atos da Administração Pública que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes deriva de imperativo constitucional (artigo 268.º, n.º 3 da Constituição), abrangendo os atos lesivos e impositivos. Este dever de fundamentação, que em matéria tributária está regulado no artigo 77.º da LGT , desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão administrativa, permitindo o controlo da sua validade, através da análise dos respetivos pressupostos, e o acesso à garantia contenciosa, dando a conhecer ao sujeito passivo o itinerário cognoscitivo e valorativo para a AT ter decidido no sentido em que decidiu.

 

                Constata-se, no entanto, que a Requerente, apesar de alegar a falta de fundamentação das correções vertentes e de concretizar as normas que alicerçam o correlativo dever de fundamentação, compreendeu e refutou de forma circunstanciada os motivos que conduziram a AT aos atos tributários e que se prendem com a não aplicação do regime de isenção de IVA aos serviços de nutrição, quer por não preencherem os requisitos da norma de isenção aplicável, quer por, mesmo que assim não se entendesse, serem acessórios dos serviços de nutrição, conforme exposto com clareza e suficiente grau de detalhe do Relatório de Inspeção Tributária, parcialmente reproduzido no probatório.

 

                Assim, o que a Requerente põe verdadeiramente em crise, não é que a AT não tenha dado a conhecer as razões da sua atuação ou a falta de perceção dos fundamentos por esta aduzidos, mas a validade substancial desses fundamentos, quer por os factos não corresponderem à realidade, quer por terem sido extraídas conclusões erradas.

 

                Como tem vindo a salientar neste âmbito a jurisprudência constante do STA, a Requerente “não questionou a dimensão formal da fundamentação, mas antes a sua dimensão material ou substancial”, pois “uma coisa é saber se a AT deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, questão que se situa no âmbito da validade formal do ato; outra, bem distinta e situada já no âmbito da validade substancial do ato, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa (Cf. VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa de Atos Administrativos, Almedina, 2003, pág. 231.)” – cf. Acórdão do STA, de 21 de novembro de 2019, no processo 0404/13.9BEVIS.

 

                Salienta-se ainda neste aresto que “as características exigidas quanto à fundamentação formal do ato tributário são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a atuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico).”

 

                Assim, resultando do pedido de pronúncia arbitral que a causa de pedir invocada sob a expressão “falta de fundamentação” se refere à fundamentação substancial, ou seja, que a Requerente discorda da fundamentação por não considerar verificados os pressupostos de tributação nela retratados, que “tem já a ver com o mérito da decisão e com a legalidade «stricto sensu» do próprio ato” (cf. Acórdão do STA, processo n.º 1690/13, de 23 de abril de 2014), não se trata, neste caso, de aferir o vício formal de falta de fundamentação, mas a validade substantiva do ato tributário, por erro nos pressupostos, que de seguida de aprecia, pelo que improcede, o vício de falta de fundamentação suscitado pela Requerente.

 

3.            ENQUADRAMENTO DAS PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE NUTRIÇÃO NA ISENÇÃO DO ARTIGO 9.º, ALÍNEA 1) DO CÓDIGO DO IVA 

 

As liquidações de IVA e juros em discussão nos presentes autos derivam, em primeira linha, do entendimento sufragado pela Requerida, segundo o qual os serviços de nutrição prestados pela Requerente nos H... não visam diagnosticar ou tratar uma doença ou uma anomalia de saúde e, em consequência, não são enquadráveis como prestações de serviços isentas, nos termos do artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA, que transpõe para o direito nacional o artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA.

 

Dispõe o citado artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA que estão isentas do imposto “as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”. A norma correspondente da Diretiva IVA, o artigo 132.º, n.º 1, alínea c) apresenta uma redação similar, referindo-se às “prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa”.

 

A primeira nota a assinalar neste domínio é a da remissão da Diretiva IVA para o direito interno relativamente à definição de profissões paramédicas, matéria que fica fora da modelação do direito europeu. 

 

Por outro lado, o Código do IVA não contém uma definição de profissões paramédicas, cuja regulamentação consta de legislação avulsa, especificamente dos Decretos-Lei n.ºs 261/93, de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto, aos quais terá de apelar-se para efeitos de preenchimento dos pressupostos tipificados da norma de isenção de IVA em análise, de acordo com o critério de boa hermenêutica acolhido pelo artigo 11.º, n.º 2 da LGT.

 

O primeiro diploma acima referido estabelece a lista de atividades paramédicas, “que compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação”, e regula o respetivo exercício (artigo 1.º e lista anexa ao Decreto-Lei n.º 261/93). Nestas atividades inclui-se a “Dietética”, caraterizada como “[a]plicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares.” (n.º 5 da lista anexa ao Decreto-Lei n.º 261/93).

 

O Decreto-Lei n.º 320/99 que define os princípios gerais do “exercício das profissões de diagnóstico e terapêutica”, em concretização da base I da Lei n.º 48/90, de 20 de agosto (“Lei de Bases da Saúde”), inclui também de forma expressa a profissão de Dietista e estabelece que tais profissões compreendem as atividades constantes do Decreto-Lei n.º 261/93, reiterando novamente como matriz “a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação” (artigos 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 1).

 

Deste regime extrai-se uma segunda nota com relevo para a questão decidenda, que respeita ao facto de as atividades paramédicas não visarem apenas, ou sequer de forma prioritária, o diagnóstico e tratamento de uma doença, abrangendo igualmente a sua prevenção.

 

A expressão dietista é considerada, neste âmbito, equivalente a nutricionista. Efetivamente, o exercício da profissão de nutricionista ou dietista está dependente de título profissional atribuído pela Ordem dos Nutricionistas, criada pela Lei n.º 51/2010, de 14 de dezembro , e requer como títulos académicos habilitantes uma licenciatura em Ciências da Nutrição, ou em Dietética, ou ainda em Dietética e Nutrição . A profissão de nutricionista ou dietista pode ser exercida de forma liberal, a título individual ou em sociedade, ou por conta de outrem, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 3.º, n.º 1 da Lei n.º 51/2010.

 

De acordo com a definição constante da página eletrónica da Ordem dos Nutricionistas, o “nutricionista é um profissional de saúde que dirige a sua ação para a salvaguarda da saúde humana através da promoção da saúde, prevenção e tratamento da doença pela avaliação, diagnóstico, prescrição e intervenção alimentar e nutricional a pessoas, grupos, organizações e comunidades, bem como o planeamento, implementação e gestão da comunicação, segurança e sustentabilidade alimentar, através de uma prática profissional cientificamente comprovada e em constante aperfeiçoamento. Incorpora ainda as atividades técnico-científicas de ensino, formação, educação e organização para a promoção da saúde e prevenção da doença através da alimentação.” – cf. http://www.ordemdosnutricionistas.pt/ver.php?cod=0A0D.

 

Os serviços de nutrição inserem-se, desta forma, na prestação de cuidados de saúde, sendo a sua área de atuação a alimentação humana, com o objetivo de prevenir e tratar as doenças associadas a uma incorreta alimentação, em linha com as políticas de saúde promovidas pelo Governo e pela Organização Mundial de Saúde.

 

                De acordo com a factualidade assente, os serviços de nutrição prestados pela Requerente, cujo enquadramento foi posto em crise pela AT, foram-no através de profissionais credenciados para o efeito, nutricionistas inscritos na respetiva Ordem, correspondendo essencialmente a consultas de diagnóstico inicial (DONUT) e ao acompanhamento dos clientes (monitorização da execução e dos resultados do plano nutricional), através de reavaliações periódicas, consistentes em interações no ginásio (INO), onde estava reservado um espaço para esse efeito . Pontualmente eram esclarecidas dúvidas por via telefónica ou correio eletrónico, pelos mesmos profissionais. 

               

                Afigura-se que essas consultas e reavaliações, ou a prestação de esclarecimentos por via telefónica ou por meios eletrónicos têm pleno cabimento na definição da atividade paramédica, in casu de nutricionista (ou dietista), adotada pelo legislador nacional nos citados Decretos-Lei n.ºs 261/93 e 320/99, que, como se salientou, não está limitada ao diagnóstico e terapêutica, compreendendo, nos moldes estabelecidos pela lei, as vertentes de promoção da saúde e de prevenção da doença.

 

Assim, atenta a redação da norma de isenção constante do Código do IVA, que abrange as prestações de serviços efetuadas no exercício de profissões paramédicas, e tendo os serviços de aconselhamento nutricional sido prestados por profissionais legalmente habilitados para o efeito (o que não vem questionado pela AT), ao abrigo da referida legislação, tendo em vista a promoção da saúde e prevenção dos clientes através da “aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética”, encontram-se preenchidos os pressupostos da previsão do artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA, pelo que tais operações são isentas de IVA.

 

A única exceção identificada diz respeito à situação residual de pesagens na balança Tanita efetuadas pelos professores de ginástica e não pelos nutricionistas e que são debitadas . Neste caso, não tendo a Requerente logrado fazer prova do pressuposto da isenção, ou seja de que tais serviços debitados autonomamente foram realizados (e em que medida) por profissionais paramédicos [nutricionistas], os mesmos não se encontram isentos, devendo ser objeto de tributação em IVA.

 

                Quanto às atividades complementares como “workshops” e degustações afigura-se que as mesmas revestem caráter promocional. Trata-se de sessões realizadas no espaço aberto do ginásio, acessíveis por todos os clientes, independentemente de estarem ou não abrangidos pelo pacote, e não são realizadas como contraprestação do pagamento da mensalidade, por falta de correlação sinalagmática exigível para efeitos de sujeição a IVA, como decorre da jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça (não constituem uma obrigação exigível à Requerente, nem são correlativamente configuradas como um direito na esfera dos clientes). Vejam-se a título ilustrativo os Acórdãos de 3 de março de 1994, Tolsma, C-16/93; de 6 de outubro de 2009, SPO Kärnten, C-267/08 e de 3 de setembro de 2015, Asparuhovo Lake, C-463/14, e demais jurisprudência aí citada. Desta forma, não se coloca a questão da tributação dos “workshops” em IVA por falta de preenchimento dos pressupostos de incidência. 

 

                No tocante ao serviço prestado a um jardim de infância, relativo ao aconselhamento na elaboração de ementas, continua a verificar-se que o mesmo tem em vista a promoção da saúde e de prevenção da doença, desde logo a preocupantemente crescente obesidade infantil, através da “aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética”, pelo que se afigura de igual modo enquadrável no conceito de atividade paramédica.

 

                Efetivamente, nos termos veiculados pela Ordem dos Nutricionistas, “[o] nutricionista é um profissional de saúde que dirige a sua ação para a salvaguarda da saúde humana através da promoção da saúde, prevenção e tratamento da doença pela avaliação, diagnóstico, prescrição e intervenção alimentar e nutricional a pessoas, grupos, organizações e comunidades, bem como o planeamento, implementação e gestão da comunicação, segurança e sustentabilidade alimentar, através de uma prática profissional cientificamente comprovada e em constante aperfeiçoamento.”

 

                Atenta esta caracterização, julga-se que também o serviço efetuado ao jardim de infância se enquadra como tendo sido efetuado no exercício da profissão de nutricionista e das atividades que a mesma encerra, pelo que beneficia da isenção de IVA consagrada no artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA.

 

                A Requerida rejeita o enquadramento dos serviços de nutrição prestados pela Requerente na norma de isenção prevista no Código do IVA [artigo 9.º, alínea 1)], com base jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à interpretação do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA, do qual o preceito nacional constitui transposição. Preconiza uma leitura em que apenas serviços prestados no âmbito da assistência médica consubstanciados na “administração direta dos cuidados de saúde”, “diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer anomalia de saúde“ podem beneficiar da não tributação.

 

                Afigura-se que o entendimento restritivo da Requerida sobre a isenção vertente não é, contudo, de acompanhar, por duas razões.

 

                Em primeiro lugar, porque, contrariamente ao que a Requerente defende, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, como a seguir se pode constatar, tem considerado o respetivo âmbito com considerável latitude, que se perfila com a conceção atual de cuidados de saúde numa perspetiva que acomoda diversos saberes e metodologias distintas da medicina convencional e progressivamente mais centrada numa abordagem preventiva, em particular no caso das doenças crónicas, e em meios de comunicação não tradicionais, como o atendimento telefónico (veja-se o bem sucedido caso português de triagem e atendimento telefónico através do Centro de Contacto “SNS 24”), por via eletrónica ou outros meios telemáticos.

 

                Em segundo lugar porque é a própria Diretiva que reenvia a definição das profissões paramédicas para a legislação dos Estados-Membros, pelo que, nessa medida, o direito europeu não é convocável para determinar o sentido do exercício da profissão de nutricionista, tarefa que cabe ao legislador nacional.

 

Antes de mais, interessa notar que o Acórdão de 14 de setembro de 2000, D.W., processo C-384/98, invocado pela Requerida, apreciou a prestação de serviços de um perito em Tribunal, no âmbito de uma ação de investigação de paternidade, tendo concluído que a prestação de um perito judicial, mesmo sendo médico, não configura uma prestação de serviços médicos. É neste contexto específico que o Tribunal refere que as prestações médicas consistem em prestar assistência a pessoas “diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer outra anomalia de saúde”. 

 

Daqui não resulta que fiquem excluídas prestações de serviços médicos e, no presente caso, paramédicos, que tenham caráter preventivo, ou seja, antes do surgimento da doença, como cuidados de saúde profiláticos. É exatamente isso que nos diz um Acórdão subsequente do Tribunal de Justiça, de 21 de março de 2013, PFC Clinic, processo C-91/12, também invocado pela Requerida, embora pareça não possa suportar a sua posição desta, mas antes a da Requerente. Com efeito, a propósito de operações e tratamentos estéticos, este aresto pronuncia-se no sentido de que estão também abrangidas pela isenção as prestações de assistência que tenham como finalidade “proteger, manter ou restabelecer a saúde das pessoas”. 

 

                Entendimento que é sufragado no Parecer da Prof.ª Doutora CLOTILDE CELORICO PALMA junto aos presentes autos e que teve aceitação na jurisprudência arbitral do CAAD, designadamente nas decisões dos processos n.ºs 454/2017-T, de 2 de abril de 2018; 373/2018-T, de 14 de junho de 2019 e 181/2019-T, de 27 de novembro de 2019.

 

Como fundamentado na Decisão Arbitral no processo n.º 373/2018-T:

 

 “Esta isenção provém da anterior Sexta Diretiva [(artigo 13.º, A), n.º 1, alínea c)] que harmonizou as legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios e que a consagrava nos seus exatos termos, com a diferença das «profissões médicas e paramédicas» serem então referidas por «atividades médicas e paramédicas», e insere-se nas isenções em benefício das atividades de interesse geral, que visam reduzir o custo dos cuidados de saúde, tornando-os mais acessíveis aos particulares, como reiteradamente afirmado pelo Tribunal de Justiça – cf., a título de exemplo, os casos Dornier, C-45/01, de 6 de novembro de 2003, e Kügler, C-141/00, de 10 de setembro de 2002.

 

As isenções de IVA são delimitadas por conceitos autónomos do direito europeu que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro. No que respeita à isenção em análise, aplicável aos serviços efetuados no exercício de profissões paramédicas, importa considerar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça estes têm de se configurar como serviços de assistência com uma finalidade terapêutica, i.e. de «diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde» –Acórdãos Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005; Dornier, C-45/01; Kugler, C-141/00; e D. e W., C-384/98, de 14 de setembro de 2000.

 

O Tribunal de Justiça esclarece ainda que a finalidade terapêutica não tem de ser compreendida numa aceção particularmente restrita, considerando que as prestações efetuadas para fins de prevenção, que visem proteger a saúde humana, também são abrangidas.

 

Com efeito, mesmo nos casos em que as pessoas sejam objeto de exames ou de outras intervenções médicas e paramédicas de carácter preventivo e não sofram de qualquer doença ou anomalia de saúde, a inclusão das referidas prestações nos conceitos de assistência é conforme ao objetivo de redução do custo dos cuidados de saúde subjacente à isenção do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA. «Portanto, as prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas beneficiam da isenção» – Acórdãos L.u.P., C-106/05, de 8 de agosto de 2006; Unterpertinger, C-212/01, de 20 de novembro de 2003; D’Ambrumenil, C-307/01, de 20 de novembro de 2003; e Comissão/França, C-76/99, de 11 de janeiro de 2001.

 

Relativamente à forma jurídica do sujeito passivo que fornece as prestações médicas ou paramédicas previstas na isenção de IVA, que no caso em apreciação é uma sociedade comercial, o Tribunal de Justiça também clarificou que a isenção não se limita às pessoas singulares, pois tal restrição não resulta do elemento gramatical e contraria o objetivo da isenção que é justificado pela necessidade de reduzir as despesas médicas e de favorecer o acesso à proteção da saúde, para além de que não se coordena ao princípio da neutralidade fiscal que postula idêntico tratamento para as pessoas singulares e para as pessoas coletivas. Segundo o Tribunal de Justiça, «basta que sejam preenchidas duas condições, a saber, que se trate de prestações médicas e que estas sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.» – Acórdão Kugler, C-141/00.

 

No caso concreto, as consultas de nutricionismo prestadas pela Requerente consubstanciam prática clínica e foram realizadas por profissionais de saúde, nutricionistas, por aquela contratados e inscritos na respetiva ordem profissional, com observância das regras definidas pelo legislador nacional. É inequívoco que tais serviços visam a proteção da saúde dos clientes, numa conceção holística do conceito de saúde que reclama a promoção de estilos de vida saudáveis e uma abordagem multissetorial que conjuga, entre outros fatores, um regime alimentar adequado com atividade física.”

 

Quanto ao caráter estrito da interpretação das isenções de IVA o Tribunal de Justiça, no Acórdão de 6 de novembro de 2003, Dornier, processo C-45/01, relativo a tratamentos psicoterápicos, considera que “tendo em conta o objetivo de redução dos custos de cuidados de saúde [subjacente à norma de isenção em análise], o conceito de «assistência médica» que figura no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea b), não reclama uma interpretação particularmente restritiva” que “deve estar em conformidade com os objetivos prosseguidos pelas referidas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum de IVA.” Assim, a “assistência médica” deve ser interpretada no sentido de que “abrange a totalidade das prestações de serviços de assistência […] efetuadas por pessoas que, não tendo a qualidade de médico, realizam prestações paramédicas”.

 

Posição que foi reiterada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 8 de junho de 2006, L.u.P., processo C-106/05, conferindo particular ênfase à circunstância de a isenção em causa ter por objetivo a redução do custo dos cuidados de saúde. Afirma-se neste aresto que “se bem que a «assistência médica» e as «prestações de serviços de assistência» pessoal devam ter uma finalidade terapêutica, daí não resulta necessariamente que a finalidade terapêutica de uma prestação deva ser compreendida numa aceção particularmente restrita. Tal como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, as prestações médicas efetuadas para fins de prevenção podem beneficiar de uma isenção a título do disposto no artigo 13.º, A, n.º 1, alínea c), da Sexta Diretiva. Com efeito, mesmo nos casos em que se afigure que as pessoas que são objeto de exames ou de outras intervenções médicas de carácter preventivo não sofrem de qualquer doença ou anomalia de saúde, a inclusão das referidas prestações nos conceitos de «assistência médica» e de «prestações de serviços de assistência» pessoal é conforme ao objetivo de redução do custo dos cuidados de saúde, que é comum tanto à isenção prevista no artigo 13.º, A, n.º 1, alínea b), da Sexta Diretiva como à prevista no mesmo número, alínea c). Portanto, as prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas beneficiam da isenção prevista no artigo 13.º, A, n.º 1, alíneas b) e c), da referida diretiva (v., neste sentido, acórdãos de 20 de Novembro de 2003, Unterpertinger, C-212/01, Colect., p. I-13859, n.ºs 40 e 41, bem como D’Ambrumenil e Dispute Resolution Services, já referido, n.ºs 58 e 59).”

 

E, como sublinhado no Acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de novembro de 2003, Unterpertinger, processo C-212/01, é a finalidade de uma prestação médica (ou paramédica) que determina se esta deve estar isenta do IVA. Assim, se for efetuada num contexto que permita concluir que o seu objetivo principal é a proteção, incluindo a manutenção ou o restabelecimento, da saúde, não pode deixar de considerar-se subsumível à hipótese da norma de isenção (em idêntico sentido veja-se o Acórdão da mesma data, D’Ambrumenil, processo C-307/01).

 

                Nestes termos, a interpretação que aqui se preconiza do artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA, no sentido de abranger a prestação, por parte da Requerente, de serviços de nutrição, por profissionais habilitados, aos seus clientes, tendo em vista a saúde e bem-estar destes últimos, que são, por conseguinte, isentos deste imposto, está em sintonia com a interpretação que o Tribunal de Justiça faz do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA, sendo a definição da profissão de nutricionista como profissão paramédica da competência dos Estados-Membros, como já referido. Conclui-se, assim, que a argumentação da Requerente é, neste ponto, procedente. 

 

4.            SERVIÇOS NÃO UTILIZADOS

 

Segundo a Requerida constitui requisito da isenção de IVA aplicável à prestação de serviços paramédicos que os serviços de nutrição, concretizados em consultas e sessões de acompanhamento, sejam prestados, pelo que, perante a constatação de que tal não sucedeu em múltiplos casos, entende que não se verifica o pressuposto exigível – a efetiva realização dos serviços de nutrição – devendo os serviços cobrados ser tributados. Preconiza a Requerida que o reduzido número de consultas de nutrição, por comparação com os serviços de nutrição cobrados nas mensalidades não logra demonstrar a existência de uma efetiva prestação de serviços de natureza paramédica.

 

De novo, não se pode concordar com a posição da Requerida. Decorre da jurisprudência europeia que a prestação de serviços se considera efetuada a partir do momento em que o prestador coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma [prestação]. A contrapartida do preço pago [mensalidade] quando da aquisição dos serviços é constituída pelo direito que o adquirente retira de beneficiar da execução das obrigações que derivam do contrato celebrado e não depende do exercício desse direito, que constitui uma prerrogativa do adquirente – Acórdãos do Tribunal de Justiça, de 23 de dezembro de 2015, Air France – KLM, processo C-250/14, e de 22 de novembro de 2018, MEO, C-295/2017.

 

Acresce que na conceção em que o serviço só fosse prestado quando efetivamente utilizado (que, pelas razões expostas, não pode ser adotada), a consequência que resultaria da sua não utilização por opção do cliente, não seria a de recaracterização da prestação de serviços de molde a assumir outra natureza (que não a de uma operação paramédica isenta), mas a da pura e simples não realização do serviço.

 

Argumenta a este propósito a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 373/2018-T:

 

“Relativamente ao facto de nem sempre esses serviços serem efetivamente utilizados pelos clientes subscritores, tal não significa a descaracterização dos mesmos e a consequente perda do regime de isenção. Conforme assinalado por CLOTILDE CELORICO PALMA no parecer supra citado «[a] partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de atividades físicas).»

 

Aliás, a questão que se poderia colocar a este propósito não seria a de tais serviços passarem a ser tributados em IVA, por não terem sido utilizados, mas, ao invés, a de não serem sequer sujeitos a imposto, porque precisamente não foram prestados (com a eventual restituição da remuneração paga pelos clientes). Em qualquer caso, esta última hipótese não procede, porque o serviço em causa consiste na disponibilização das consultas e acompanhamento periódico, pelo que se considera prestado com essa disponibilização, tal como sucede, entre outros, com os serviços de ginásio, telecomunicações ou de transporte aéreo.

 

Neste sentido, se pronunciou o Tribunal de Justiça, designadamente nos casos Air France-KLM, C-250/14, de 23 de dezembro de 2015, e MEO, C-295/17, de 22 de novembro de 2018. Segundo o tribunal europeu, com a assinatura do contrato de prestação de serviços o cliente adquire o direito de beneficiar do «cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito».

 

Conclui-se, desta forma, que o facto de os clientes por vezes não usufruírem dos serviços contratados não implica que se considere que a prestação de serviços não foi realizada pelo prestador e/ou que a qualificação desses serviços e respetivo regime de IVA sofram modificações.”

 

Esta posição, reiterada na Decisão Arbitral do processo n.º 159/2019-T, deve ser acolhida pelo seu mérito e, em consequência, procede também neste ponto, a argumentação da Requerente.

 

5.            SOBRE A ACESSORIEDADE

 

                Um segundo fundamento para as correções de IVA sob apreciação é o da acessoriedade dos serviços de nutrição, encarados pela AT não como “um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador”, ou, dito de outro modo, da mera instrumentalidade dos serviços de nutrição em relação ao exercício físico. A Requerente, sem deixar de reconhecer as sinergias entre nutrição e exercício físico, opõe-se à subalternidade da nutrição e fala em complementaridade, defendendo que estamos perante serviços independentes, sujeitos a regimes de IVA distintos.

 

                A título preliminar, convém, desde logo, sublinhar que os serviços de nutrição e o acesso ao ginásio e à prática de exercício físico são, na situação discutida nos autos, prestados por entidades diferenciadas, por sujeitos passivos distintos.

 

                A questão de saber se uma operação é acessória de uma outra e consumida pelo regime de IVA desta última apenas se coloca quando ambas as prestações são realizadas pelo mesmo sujeito passivo, sendo esse o quadro fáctico que subjaz ao enquadramento de acessoriedade preconizado pela Requerida e pela jurisprudência europeia que sobre esta matéria se pronuncia e que também é invocada, nomeadamente os Acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de fevereiro de 1999, CPP, processo C-349/96; de 22 de outubro de 1998, Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97; de 27 de outubro de 2005, Levob Verzekeringen, processo C-41/04; de 29 de março de 2007, Aktiebolaget, processo C-111/05; de 21 de fevereiro de 2008, Part Service, processo C-425/06, de 11 de junho de 2009, Tellmer Property, processo C-572/07; de 27 de setembro de 2012, Field Fisher, processo C-392/11; de 17 de janeiro de 2013, BGŻ Leasing, processo C-224/11; de 8 de dezembro de 2016, Stock ’94, processo C-208/15; e de 18 de janeiro de 2018, Stadion Amsterdam, processo C-463/16.

 

                Ora, tal circunstância pressuposta de se tratar de um único prestador inexiste in casu. Perfigurando-se dois prestadores, dois sujeitos passivos distintos, não poderá configurar-se uma só operação, dada a alteridade subjetiva.

 

                Na verdade, existindo dois sujeitos passivos, mesmo que uma das prestações seja indispensável para atingir o objetivo visado pela “prestação principal”, aquela não é, na aceção do IVA, considerada acessória desta, não podendo formar uma só prestação ou operação tributável, com um regime de IVA unitário.

 

                Nestes termos, não pode aceitar-se a validade deste argumento para fundar as liquidações de IVA e juros vertentes que, em face de tudo o que antecede, padecem de invalidade substantiva, por erro nos pressupostos de direito. 

 

6.            SOBRE A DESNECESSIDADE DE REENVIO PREJUDICIAL

 

                Compete ao Tribunal de Justiça, de acordo com o disposto no artigo 267.º do TFUE decidir sobra a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições e órgãos da União Europeia, pelo que sempre que se suscite uma questão de interpretação e aplicação do direito europeu (da União), os Tribunais nacionais devem suspender a instância e colocar a questão ao Tribunal de Justiça, procedendo ao reenvio prejudicial.

 

                Remonta ao Acórdão de 1 de dezembro de 1965, Schwarze, processo 16/65, a afirmação do reenvio prejudicial como “um instrumento de cooperação judiciária [...] pelo qual um juiz nacional e o juiz comunitário são chamados, no âmbito das competências próprias, a contribuir para uma decisão que assegure a aplicação uniforme do Direito Comunitário no conjunto dos estados membros”. A obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode, todavia, ser dispensada quando, conforme conclui o Acórdão de 6 de outubro de 1982, Cilfit, processo 283/81: 

 

a)            A questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal;

b)           O Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma;

c)            O juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.  

 

                Como salienta a Decisão Arbitral de 5 de novembro de 2019, no processo n.º 159/2019-T, “[a] obrigatoriedade ou não de efetuar o reenvio prejudicial não resulta da vontade das Partes nem pode ser decidida de forma genérica, dependendo apenas do juízo que o Tribunal nacional que tem de proferir a decisão fizer sobre a sua necessidade para decidir os litígios, como tem sido repetidamente afirmado pelo TJUE: «Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça» (Acórdão de 10 de julho de 2018, Jehovan Todistajat, C-25/17, EU:C:2018:551, n.º 31 e jurisprudência referida; Acórdão de 6 de março de 2018, SEGRO e Horváth, C-52/16 e C-113/16, EU:C:2018:157, n.º 42; Acórdão de 02-10-2018 processo C-207/16, n.º 45; Acórdão de 28-11-2018, processo C-295/17, n.º 33).”

 

                Na situação vertente, acautelando que a apreciação do Tribunal Arbitral não coincida com a sua interpretação jurídica, a Requerida vem suscitar diversas questões a colocar ao Tribunal de Justiça. Contudo, afigura-se não ser devido o reenvio, seja porque tais questões já se encontram esclarecidas pelo Tribunal de Justiça (ato aclarado), seja porque delas este Tribunal Arbitral não pode conhecer, por não terem constituído fundamento das liquidações controvertidas, ou, finalmente, por serem questões de facto e não de interpretação da Diretiva IVA, pelo que a competência para a sua apreciação é do órgão jurisdicional nacional. 

 

                A primeira questão posta pela Requerida prende-se com saber se as sessões de nutricionista prestadas a destinatários que não tenham qualquer doença beneficiam da isenção do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA. Ora, neste ponto, a dúvida da Requerida colide com o próprio Relatório de Inspeção Tributária que em múltiplas passagens, incluindo na secção da Conclusão, reconhece que os cuidados de saúde podem ter um “propósito de prevenção” .

 

                Assim, para além de resultar claro da jurisprudência europeia supra citada que a prevenção da doença e a manutenção da saúde, nas quais claramente se inscreve a atividade de nutricionista, estão abrangidas pelo âmbito objetivo da norma de isenção, não se exigindo para esse efeito que o beneficiário dos serviços já seja portador de uma doença ou que esteja a tratar uma doença ou anomalia de saúde, é a AT, na fundamentação dos atos de liquidação, que também o afirma. Em rigor, segundo o Relatório de Inspeção, as correções de IVA são devidas (e a isenção de IVA não seria de aplicar), não porque os serviços tivessem de pressupor o tratamento de uma doença já declarada ou a diagnosticar (como agora pretende a Requerida que se venha questionar o Tribunal de Justiça), mas porque não configuram serviços de “assistência ‘médica’ ”.

 

                Nestes termos, não há que colocar tal questão ao Tribunal de Justiça.

 

                A segunda questão que a Requerida entende dever ser submetida ao Tribunal de Justiça respeita a saber se as sessões de nutricionista consubstanciam serviços acessórios em relação à utilização do ginásio e, em caso de resposta afirmativa, seguir o enquadramento em IVA da prestação “principal”. Como acima se referiu, a acessoriedade, na aceção do IVA, é um conceito aplicável no âmbito de prestações de serviços (ou transmissões de bens) realizadas pelo mesmo sujeito passivo, não tendo cabimento na circunstância de serem praticadas por sujeitos passivos distintos, nem possuindo a virtualidade de as unir. Estamos, assim, perante um ato claro.

 

                Por outro lado, mesmo que assim não se entendesse, a jurisprudência do Tribunal de Justiça acima enumerada, desenvolveu e densificou os critérios que devem ser chamados para determinar o caráter acessório das operações (realizadas pelo mesmo sujeito passivo), cabendo ao órgão jurisdicional nacional proceder à aplicação desses critérios ao caso concreto.

 

                Como afirmado na Decisão Arbitral relativa ao processo n.º 159/2019-T, as questões essenciais para decidir se os serviços de nutrição têm natureza acessória “designadamente as de saber se constituem ou não para a clientela um fim em si ou são um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador, são questões essencialmente de facto, da exclusiva competência dos Tribunais nacionais.”, sendo que a situação aí apreciada respeitava a operações efetuadas por um único (mesmo) sujeito passivo, o que não sucede nos presentes autos arbitrais.

 

                A propósito do tema da acessoriedade, a Requerida enxerta afirmações conclusivas e/ou contrárias à factualidade provada, condicionando incorretamente os pressupostos da questão que visa colocar, como a de que a aquisição dos serviços de nutricionista não seria destacável do serviço de ginásio, por estar dependente da contratação deste, quando, de forma diversa, resulta do adquirido processual que os serviços – de “fitness” e de nutrição – podem ser comprados em separado, de forma independente, apesar de ser mais vantajoso subscrever o pacote conjunto. Ou convoca matéria que não constitui fundamento das correções levadas a efeito, como a decomposição na faturação dos serviços revestir caráter artificial sendo contrária à Diretiva IVA, sem sequer especificar as razões pelas quais considera ser contrária à Diretiva e as normas ou princípios que alicerçam tal asserção. 

 

                A terceira questão e última questão que, para a Requerida, deveria ser objeto de apreciação pelo Tribunal de Justiça, versa sobre a alegação de a faturação separada dos serviços de nutricionista (independentemente da utilização) ser contrária à Diretiva IVA por criar distorções na concorrência. Porém, este não foi o fundamento das liquidações impugnadas, pelo que o Tribunal também não pode do mesmo conhecer, além de que a Requerida não concretiza em que consistiria essa distorção de concorrência.

 

                Apelando novamente ao entendimento sufragado na Decisão Arbitral n.º 159/2019-T, “o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por atos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

 

                Por isso, os atos de liquidação que são objeto de pedidos de declaração de legalidade pelos Tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua atuação poderia basear-se noutros fundamentos, de facto ou de direito, mesmo que sejam invocados a posteriori pela Autoridade Tributária e Aduaneira em impugnação administrativa ou contenciosa.”

 

                Nestes termos, não se justifica no caso sub judice, pelo que vai indeferido, o pedido de reenvio prejudicial relativamente às questões colocadas pela Requerida. Sobre as questões relevantes para a decisão da causa, o reenvio é desnecessário por existir já jurisprudência europeia, anteriormente citada, cabendo ao legislador nacional a modelação das profissões paramédicas.

 

7.            CARÁTER ARTIFICIAL DO DESDOBRAMENTO DO PREÇO E DECOMPOSIÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

 

                O Relatório de Inspeção Tributária contém referências expressas ao comportamento das empresas do grupo em que se insere a Requerente, contextualizando a criação desta como uma consequência da subida da taxa de IVA para a atividade dos ginásios a partir de 2012, indiciando que se tratou de uma estratégia coordenada de “desvio de parte significativa da mensalidade da B..., sujeita a IVA à taxa de 23% para a A..., com isenção de IVA ao abrigo da al. 1) do art.º 9.º do CIVA. E este comportamento foi possível porque são empresas do mesmo grupo, sendo que com a sua atuação em conjunto reduziram o montante de imposto, IVA, a entregar ao Estado, já que para os sócios/clientes financeiramente continuaram a pagar o mesmo após a criação da A... .”

 

                No entanto, apesar de uma detalhada caracterização das relações especiais entre as sociedades do grupo de que a Requerente faz parte, com relações de participação a 100% (domínio total), e da afirmação de que a solução adotada com a sua criação e a prestação autonomizada dos serviços de nutrição correspondeu a uma forma artificiosa de reduzir a carga fiscal, por intermédio do desdobramento do preço e da decomposição dos serviços prestados, a AT não extrai as correspondentes consequências jurídico-tributárias, designadamente no plano da possível aplicação cláusula geral anti-abuso, constante do artigo 38.º, n.º 2 da LGT.

 

                Na situação concreta, a AT suportou as correções efetuadas unicamente na falta de preenchimento dos pressupostos da previsão da norma de isenção prevista no artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA, numa interpretação que considerou “conforme” ao direito europeu, que, como acima exposto, não se acompanha, e na acessoriedade dos serviços de nutrição e consequente consumpção pelos serviços de “fitness”, em qualquer caso com a consequente tributação dos serviços prestados pelos nutricionistas à taxa de 23%, em conformidade com o artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do Código do IVA. Ora, o caráter não artificial do preço e/ou da decomposição dos serviços prestados não constituem condições de aplicação do regime de isenção de IVA aplicado pela Requerente. Aliás, no IVA vigora o princípio da contraprestação subjetiva, correspondendo o valor tributável das operações ao valor acordado pelas partes, como parâmetro de aferição do valor tributável, independentemente de ser um valor de mercado, ou de ter sido contratado ou composto, de forma artificial ou não, entre ou com a intervenção de partes relacionadas .

 

                Não releva na aplicação dos artigos 9.º e 18.º do Código do IVA a eventual artificialidade da estrutura montada e a motivação de redução da carga fiscal subjacente. Estes fatores não constituem pressupostos ou condições negativas de aplicação da disciplina estabelecida nessas normas. Tais fatores têm enquadramento na previsão da cláusula geral anti abuso mencionada, que não foi, porém, convocada pela AT, aqui Requerida, nem adotado o procedimento próprio previsto no artigo 63.º do CPPT para a sua aplicação, pelo que não cabe a este Tribunal pronunciar-se sobre a mesma.

 

Como já salientado, a ação arbitral é um meio impugnatório, alternativo ao processo de impugnação judicial e, como este último, de mera legalidade. Visa a eliminação dos atos tributários inválidos, em regra anuláveis, e, na medida possível, dos efeitos por estes produzidos, através de uma pronúncia constitutiva e cassatória .

 

Sendo o ato tributário impugnado o objeto da lide submetido à apreciação do Tribunal, a sua legalidade tem de ser apreciada tal como foi praticado. Desta forma, não pode o Tribunal Arbitral apreciar outros fundamentos para além dos alegados pelo (órgão) seu autor ou aceitar fundamentação que não seja contemporânea da sua emissão, ou seja, a posteriori .

 

8.            QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou cuja apreciação seria inútil, designadamente no que se refere à violação do teor de informações vinculativas e de princípios constitucionais invocada pela Requerente (artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

Em qualquer caso, sempre se dirá, no que se refere ao teor das informações vinculativas, que as mesmas não foram solicitadas pela Requerente, respeitando a outros sujeitos passivos, não lhe sendo, assim, aplicável o disposto no artigo 68.º da LGT, nem, em particular, o n.º 14 invocado que estipula que a administração tributária, em relação ao objeto do pedido de informação vinculativa, não pode posteriormente proceder em sentido diverso da informação prestada, salvo em cumprimento de decisão judicial.

 

A questão que se poderia levantar seria a da tutela da confiança que a publicitação de diversas informações vinculativas prestadas a outros contribuintes, mas em sentido favorável à pretensão da Requerente, mereceria, ponto, que, porém, a Requerente não alegou.

 

Por outro lado, em relação à violação do princípio da legalidade previsto no artigo 103.º, n.º 2 da Constituição a Requerente não consubstancia em que medida a atuação da AT a contrariou. Acresce que em fase de alegações a Requerente menciona a violação dos princípios da igualdade e da imparcialidade, que não constam sequer do pedido de pronúncia arbitral e, de igual modo, não explicita em que consistiu tal violação, improcedendo por falta de fundamento o vício de inconstitucionalidade suscitado.

 

9.            JUROS COMPENSATÓRIOS E DE MORA

               

                A ilegalidade das liquidações de IVA, com exceção do segmento relativo às pesagens na balança Tanita, implica a anulação, na mesma medida, dos correspondentes juros compensatórios. 

 

Dispõe nesta matéria o artigo 35.º, n.º 1 da LGT que determina que os juros compensatórios são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

 

Na situação vertente, os atos tributários de liquidação de IVA que originaram valor de imposto a pagar são parcialmente inválidos por vício de violação de lei por erro nos pressupostos, gerador de anulabilidade, pelo que nessa exata medida, ou seja, ressalvada a parte dos serviços prestados e autonomamente debitados pelas pesagens na balança Tanita, não se verifica o requisito constitutivo da obrigação de juros compensatórios, dado que não foi retardada a liquidação de imposto que fosse devido.

 

Relativamente aos juros de mora, previstos nos artigos 44.º da LGT e 86.º do CPPT, ao contrário dos juros compensatórios (artigo 35.º da LGT) e dos juros indemnizatórios (artigo 43.º da LGT), não fazem parte das realidades que, nos termos do elenco do artigo 30.º, n.º 1 da LGT, integram a relação jurídica tributária. Dito de outro modo, incidem sobre a dívida tributária, mas não partilham da natureza desta.

 

No entanto, de acordo com o disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, diploma que estabelece o regime dos juros de mora das dívidas ao Estado e outras entidades públicas, os devedores podem impugnar a liquidação de juros moratórios nos termos e com os fundamentos previstos atualmente no CPPT (à data vigorava o CPT), pelo que a forma processual própria para a discussão destes juros é a impugnação judicial, como  decidido pelo Acórdão do TCASul, de 26 de Junho de 2012, processo n.º 04704/11.

 

Dada a equiparação da ação arbitral ao processo de impugnação judicial , cabe nos poderes de cognição e pronúncia dos Tribunais Arbitrais, à semelhança dos Tribunais Tributários, a apreciação e declaração da (i)legalidade dos juros de mora.

 

Considerando que os juros de mora incidem sobre a dívida tributária e que, na situação sub iudice, esta dívida foi anulada, exceto no segmento dos serviços de pesagem na balança Tanita, nos termos e pelas razões acima expostas, os atos de liquidação de tais juros partilham, em consequência, dos mesmos vícios e, por isso, devem ser também parcialmente anulados. 

 

10.          RESTITUIÇÃO DE IMPORTÂNCIAS PAGAS A TÍTULO DE SEGURO CAUÇÃO

 

                A Requerente peticiona o reembolso das quantias pagas a título de seguro caução, o ressarcimento das despesas incorridas com a sua prestação e juros de mora. Porém, não constam dos autos elementos que demonstrem que a invocada garantia foi constituída, pelo que o pedido improcede por não provado, ónus que impendia sobre a Requerente (artigo 74.º da LGT).

 

                Por outro lado, mesmo que a constituição do seguro-caução tivesse sido provada, o pedido de condenação da AT à restituição do respetivo valor e juros de mora haveria de improceder, porquanto se trata de uma garantia do pagamento da dívida e não do próprio pagamento da dívida, pelo que não tendo a AT recebido (ainda) qualquer montante não poderia ser condenada a restitui-lo acrescido de juros.

 

                A prestação de garantia, de acordo com as regras do processo judicial tributário, subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral (artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT), confere ao contribuinte o direito de ser indemnizado pelos prejuízos resultantes da sua prestação, nas condições previstas no artigo 53.º da LGT, que tem como limite máximo a importância referida no seu n.º 3. No entanto, como acabou de se salientar, tal direito pressupõe a constituição de uma garantia, circunstância que não ficou demonstrada nos autos.

 

Em conclusão, improcede o pedido de condenação da AT à restituição dos valores alegadamente pagos a título de seguro caução, juros de mora e despesas associadas.

 

EM SÍNTESE,

 

                À face do exposto, procede o vício de erro nos pressupostos invocado pela Requerente, concluindo-se pela ilegalidade (parcial) das liquidações de IVA e juros realizadas à Requerente, referentes aos anos 2014 e 2015, por violação do disposto no artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA, com exceção do serviço de pesagem na balança Tanita, quando debitado autonomamente, em virtude de a Requerente não ter, nesse caso, logrado demonstrar que esse serviço foi realizado por profissionais habilitados a prestar os serviços de nutrição [nutricionistas], ou em que medida o foi.

 

                Em consequência, são anuláveis os atos tributários impugnados, de IVA e respetivos juros compensatórios e de mora, em conformidade com o disposto no artigo 135.º do CPA, com correspondência no atual artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA (cuja entrada em vigor ocorreu em 8 de abril de 2015), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT, com exceção da parte em que se referem às pesagens na balança Tanita, por não padecerem daquele vício.

 

 

V.           DECISÃO

 

De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

 

(a)          Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios e moratórios supra identificadas na matéria de facto, com exceção da parte referente aos serviços de pesagem na balança Tanita, que, nesse segmento, se mantêm válidos, com o quantitativo a determinar em sede de execução da presente decisão;

 

(b)          Julgar improcedente o pedido de condenação da AT à restituição das quantias pagas a título de seguro caução, de juros de mora e de ressarcimento das despesas incorridas com a garantia, por não provado,

 

tudo com as legais consequências.

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 517.778,09 (quinhentos e dezassete mil setecentos e setenta e oito euros e nove cêntimos) indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de janeiro de 2020

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

Alexandra Coelho Martins

Sérgio Vasques

Emanuel Augusto Vidal Lima