Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 133/2019-T
Data da decisão: 2020-01-03  IRC  
Valor do pedido: € 579.337,29
Tema: IRC – RETGS; Gastos dedutíveis; Contribuição Extraordinária sobre o sector Energético; Fusão por incorporação; Incompetência do tribunal arbitral.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Conselheiro Carlos Cadilha (árbitro-presidente), Professora Doutora Rita Calçada Pires e Dr. A. Sérgio de Matos (árbitros vogais) acordam em Tribunal Arbitral o seguinte:

 

I – Relatório

              

1. A... LDA., NIPC..., incorporada por fusão na sociedade B..., SA, NIPC ... e por esta aqui representada, com sede no ..., ...-... ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), para apreciar a legalidade dos actos de Liquidação de IRC n.º 2018 ... respeitante ao período de 2015, incluindo Derrama municipal e, Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2018 ..., com valor a pagar de €579 337,29.

Fundamenta o pedido nos seguintes termos, em síntese:

 

A sociedade ‘A... LDA.’, NIPC ... (adiante apenas ‘A...’), foi integrada, por meio de fusão por incorporação, na sociedade ‘B..., S.A.’, NIPC ... (adiante apenas ‘B...’ ou a ‘Requerente’).

 

A B..., enquanto representante legal da sociedade nela incorporada, foi notificada dos atos em crise respeitantes à A..., i.e., das Liquidações de IRC n.º 2018..., incluindo Derrama municipal, respeitante ao período de 2015 e de Juros Compensatórios n.º 2018... e, bem assim, da respetiva Demonstração de Acerto de Contas com valor a pagar de €579 337,29, sendo a data limite de pagamento em 27 de Dezembro de 2018.

 

A Requerente é a entidade interessada no procedimento (desde logo por a A... nela ter sido incorporada), e tem legitimidade para o presente pedido, o qual é tempestivo por ter sido apresentado a 25-02-2019.

 

Após uma ação de fiscalização, respeitante ao exercício de 2015, e não obstante ter exercido o direito de audição, uma vez que não concordar com o Projecto de Correcções (ofício de 21-11-2017, emitido pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) junto à Unidade de Grandes Contribuintes), recebeu por ofício dos SIT o documento denominado ‘Relatório/Correções’, com data de 28 de Dezembro de 2017, e, em 20 de Novembro de 2018, foi notificada das Liquidações de IRC e de Juros Compensatórios em crise, bem como da demonstração do respetivo acerto de contas.

 

A Liquidação de IRC em crise decorre das correções, todas à matéria tributável e num total de €2 490 167,80, consubstanciadas em:

 

(i)           Acréscimo de gasto com CESE no período denominado pela AT por ‘2015 I’ no valor de € 198 054,00 e, no período denominado por ‘2015 II’ no valor de € 164 607,16;

 

(ii)          Consideração do resultado líquido do período da A... como se obtido fora do RETGS entre 2015-07-01 a 2015-12-31 no valor de €1 631 160,89, apurado por dedução ao resultado contabilístico de € 1 850 662,78 apurado no balancete de Dezembro de 2015 (ano contabilístico coincidente com o civil) do valor de € 219.501,89 inscrito na linha 701 da declaração modelo 22 de IRC da A...  no exercício fiscal de 2015, compreendido entre 1 de Janeiro de 2015 e 30 de Junho de 2015; e,

 

(iii)         Acréscimo com gasto com estimativa de IRC no valor de €496 345,75, apurado por dedução ao imposto de € 849 150,60 apurado no balancete de 2015 (ano civil) do valor de € 188 197,69 inscrito no campo A5024 da IES da A... no exercício fiscal de 2015, compreendido entre 1 de Janeiro de 2015 e 30 de Junho de 2015.

 

A consideração do resultado líquido do período entre 2015-07-01 e 2015-12-31, no seio da A... é dita ser ilegal, porquanto esta se encontrava no perímetro do RETGS do Grupo D... e, por isso, não podia ser tributada a nível individual como fez a AT.

 

Esta correcção funda-se num entendimento da AT de que a sociedade A... saiu em 1 de Janeiro de 2016 do perímetro do RETGS do Grupo C... (quando, em rigor, encontrava-se já no perímetro do Grupo D... …), cabendo por isso ser tributada, no entender da AT, de forma isolada no período imediatamente anterior a essa saída (período denominado pela AT como ‘período de cessação’).

 

A verdade, todavia, é     que a referida A... manteve-se sempre tributada no âmbito do RETGS, a saber: primeiro, pertenceu ao perímetro do RETGS do Grupo C... até 2015-06-30 e, depois, pertenceu ao perímetro do RETGS do grupo D... a partir de 2015-07-01.

 

Segundo a Inspeção Tributária, terá sido o facto de a A..., já no âmbito do perímetro do Grupo D..., se ter fundido na Requerente (sociedade igualmente pertencente ao perímetro do mesmo grupo), que motivou a alegada saída daquela empresa do perímetro do RETGS em que se encontrava efetivamente inserida, porquanto, na posição da AT (contestada pela requerente), a fusão implica a dissolução da sociedade incorporada (A...) que, assim, nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 69.º do Código do IRC, já não pode integrar-se nas regras gerais de tributação do RETGS.

 

Diz a requerente que, mesmo que não se entendesse como acima se dispõe a propósito da não saída da A..., sempre se teria de relevar a correção efetuada pelos auditores externos – conforme ‘relatório e contas’ – e decorrente de IES de substituição apresentada, o que contribui para um apuramento do resultado líquido totalmente diferente daquele apurado pela AT no seu Relatório/Correções.

 

A empresa A... pertenceu ao perímetro do RETGS do Grupo C... até 30 de Junho de 2015, data até à qual tinha como período de tributação o ano civil.

 

Com efeitos a 1 de Julho de 2015 (2015-07-01), a A..., à semelhança de outras sociedades, deixou de ser detida a 75% ou mais pela referida sociedade dominante ‘E..., SGPS, SA’, passando a ter como sociedade dominante, a ser detida, direta ou indiretamente, em mais de 75% pela sociedade ‘F..., SA’.

 

Precisamente pela entrada num novo grupo fiscal cujo período de tributação não era coincidente com o ano civil, e para não cair no disposto na alínea e) do n.º 4 do artigo 69.º do Código do IRC, a A... optou – logo em Julho de 2015 – por um período de tributação diferente do ano civil e coincidente com as restantes sociedades no perímetro do novo grupo, ou seja, um período com início em 1 de julho e término a 30 de junho do ano seguinte.

 

Após 1 de Julho de 2015, a A... manteve-se no âmbito do perímetro do Grupo D..., sociedade pela qual sempre foi direta e/ou indiretamente detida até à sua fusão por incorporação, sujeita ao regime especial de neutralidade, prevista na data dos factos nos artigos 73.º e seguintes do Código do IRC, na sociedade B... (ora requerente), em 25 de Janeiro de 2016, cujos efeitos contabilísticos e fiscais retroagiram a 1 de Janeiro de 2016.

 

Em Junho de 2016, cumprindo o disposto no n.º 2 do artigo 120.º do Código do IRC, foi apresentada pela A... a declaração Mod. 22-IRC referente ao período de 2015-07-01 a 2016-01-25 preenchida a zeros, que correspondia ao seu lucro fiscal adicionado ao lucro fiscal da B... e, por não existir qualquer motivo para a A... sair do perímetro sujeito ao RETGS em que se encontrava desde 1 de Julho de 2015, não houve lugar a qualquer alteração retroativa do perímetro do grupo pela sociedade dominante do Grupo D... em relação àquela sociedade dominada.

 

A ordem de serviço n.º OI 2017..., que deu início a uma inspecção interna, refere como objeto o IRC do «ano/exercício de 2015» (cit.) da sociedade A..., sendo que, na prática, ocorreu uma inspeção a dois períodos fiscais num total de 18 meses (o último dos quais compreendido entre 1 de Julho de 2015 e 30 de Junho de 2016) no que se compreende o ano civil de 2015.

 

No âmbito da referida inspeção, os Serviços de Inspeção Tributária solicitaram, por e-mail, informações sobre a Mod. 22 – IRC do alegado período da suposta cessação de atividade da A..., tendo a Requerente respondido:

 

             «Dada a impossibilidade de entrega de uma declaração modelo 22 de cessação ainda no âmbito do RETGS [pois a A... nunca saiu do perímetro do RETGS], o resultado líquido correspondente ao segundo semestre de 2015 da sociedade em causa [A...] foi incorporado na declaração modelo 22 da sociedade B..., S.A. (empresa incorporante com o NIF...), sendo ainda tributado no âmbito do RETGS. De facto, entendemos que a liquidação de uma sociedade por via de uma fusão por incorporação desta noutra sociedade (i.e. B..., S.A.) não determina por si só a sua saída do RETGS».

 

A Requerente foi notificada dos atos em crise respeitantes à B..., sendo que, no que respeita à Liquidação de IRC a mesma vem liquidar adicionalmente dois períodos fiscais distintos apesar de mencionar apenas uma referência a 2015.

 

Em 13 de Fevereiro de 2019, e para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal entretanto instaurado, foi prestada e apresentada uma garantia bancária no valor de € 732 755,93.

 

Apesar da alteração do período de tributação acima já referido de 1 de julho de 2015 a 30 de Junho de 2016, a empresa manteve como período contabilístico de 2015 o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2015 (2015-01-01) e 31 de Dezembro de 2015 (2015-12-31).

 

De acordo com o Relatório e Contas da sociedade relativo ao exercício de 2015, o resultado líquido do período apurado pela A... ascende a € 70 534, sendo de resto estas as contas que se encontram depositadas na Conservatória do Registo Comercial, após entrega da IES de substituição referida mais abaixo, tendo sido aprovadas em assembleia geral de acionistas e auditadas, conforme Certificação legal de contas, a qual faz fé pública e, nessa medida, só pode ser contraditada por decisão do tribunal, em cujo primeiro parágrafo dispõe o seguinte:

 

             «Examinámos as demonstrações financeiras da A..., S.A., as quais compreendem o Balanço em 31 de Dezembro de 2015 (que evidencia um total de 46.808.467 euros e um total de capital próprio de 16.707.094 euros, incluindo um resultado líquido de 70.543 euros), a Demonstração dos resultados por naturezas, a Demonstração de alterações no capital próprio e a Demonstração de fluxos de caixa do exercício findo naquela data, e o correspondente Anexo» (cit.).

 

                O referido resultado líquido do exercício difere daquele que constava do balancete contabilístico de Dezembro de 2015 pois compreende um ajustamento de auditoria às amortizações do exercício no valor de € 1 780 129, correção que foi refletida no ‘relatório e contas da sociedade’, mas que, por lapso, não foi incluída na IES da A... referente ao exercício contabilístico de 2015.

 

                Dado que no sistema SAP as contas de 2015 da sociedade já se encontravam encerradas aquando da análise da auditoria externa, esta correção foi registada no sistema informático em SAP apenas em 2016 por contrapartida da rubrica 56 – Resultados Transitados, todavia ainda a tempo de na Assembleia de Aprovação de contas serem aprovadas com as contas ajustadas pelos auditores, de forma a estarem de acordo com o Sistema de Normalização contabilístico em vigor, a partir das quais se apura o resultado fiscal conforme artigo 17.º do Código do IRC.

 

                O lançamento referido acima foi efetuado depois da fusão ocorrida em 25 de Janeiro de 2016, pelo que ocorreu já na sociedade B..., enquanto sociedade incorporante resultante da fusão e, uma vez detetado o lapso na IES da A... correspondente ao exercício contabilístico de 2015, procedeu-se à entrega de uma declaração de substituição da mesma em 11 de Dezembro de 2017.

 

                Em face do anteriormente exposto, o apuramento do resultado contabilístico da A... desse período, conforme aprovado pelos acionistas e em cumprimento do artigo 17º do Código do IRC, porque de acordo com o sistema de normalização contabilístico em vigor resume-se como segue:

 

 

Donde, o lucro tributável da A... no mesmo período, apurado pela AT e considerando a CESE como dedutível, deveria ter ascendido a € 347 378,65 (-€148 968,11 + € 496 345,75), ao invés de € 2 127 506,64 (€ 1 631 160,89 + 496 345,75), como segue:

 

RLE:       € 1 631 160,89

Ajustamento de auditoria:          - € 1 780 129,00

RLR corrigido     - € 148 968,11

Estimativa de imposto: € 496 345,75

Lucro tributável (LT):      € 347 378,65

 

Mesmo considerando a CESE relevada posteriormente a 1 de Julho de 2015 como não dedutível o apuramento do lucro tributável da A... nesse período seria de € 511 985,81 como segue: € 347 378,65 + € 164 607,16 (valor da CESE pago com referência ao segundo semestre de 2015 da A...).

 

Dada a impossibilidade de entrega de uma Declaração Modelo 22 individual da A... para o período compreendido ainda no âmbito do RETGS, o resultado tributável correspondente ao segundo semestre de 2015 da A... foi incorporado da Declaração Modelo 22 da sociedade B..., sendo ainda tributado no âmbito desse grupo, ajustando-se o resultado líquido da A... de Dezembro de 2015 naquele montante, refletindo-se esse ajustamento de € 1 780.129 diretamente no campo 701 sendo pois o resultado líquido apurado negativo em € 148 968,11 (€ 1 631 160,89 - € 1 780 129).

 

Mesmo caso a A... fosse tributada individualmente o montante de imposto a pagar seria apenas de € 78 171 e não de € 539 489,01 (desconsiderando juros compensatórios) decorrente do ajustamento de auditoria.

 

A AT diz expressamente que o lucro tributável de € 1 631 160,89 é o compreendido entre 1 de Julho e 31 de Dezembro de 2015, preterindo, assim, a posteriori a opção do contribuinte em ser tributado por um período diferente do ano civil, mas também ignorando 25 dias de tributação respeitantes ao período de 1 a 25 de Janeiro de 2016, pelo que actuou de forma arbitrária, ignorando os comandos normativos que devem ser aplicados quer a uma ordem inspetiva, quer à emissão de uma liquidação.

 

A Liquidação de IRC em crise afirma corresponder ao período de 2015, mas sucede que esse ano civil corresponde, em rigor, a 2 períodos tributários na esfera da A... . Vejamos: no ano de 2014, a A... encontrava-se integrada no Grupo C..., sendo que o período de tributação desse grupo correspondia ao ano civil, pelo que terminou o período de 2014 em 31 de Dezembro desse ano; a 1 de Janeiro de 2015, a A... iniciou um novo período fiscal, período esse que terminou no dia 30 de Junho de 2015; a empresa mudou então o seu período de tributação passando o mesmo a ter início a 1 Julho de 2015 e termo a 30 de Junho de 2016, dado que passou a integrar-se no Grupo D..., com ano fiscal diferente do ano civil.

 

A Liquidação em crise concretiza correções fiscais à A... relativas a todo o ano civil de 2015, o que não lhe seria possível considerando que aquela sociedade (A...) esteve, nesse ano, integrada em dois RETGS de dois grupos fiscais distintos (Grupo C... primeiro, e Grupo D... depois). Para tanto, de forma a evitar duas inspeções e duas liquidações distintas (uma no âmbito do Grupo C... e outra no Grupo D... a Inspeção Tributária começou por retirar a A... de ambos os RETGS nos quais foi tributada durante o ano de 2015 e depois converteu esse hiato temporal num único período fiscal (correspondente ao ano civil para efeitos da liquidação) através da fusão de 2 períodos tributários diferentes, durante os quais aquela sociedade pertenceu a dois grupos de sociedades distintos.

 

Defende a requerente que, sem qualquer tipo de norma habilitante para tal, a AT desconsiderou um montante pago (a título de CESE) como uma dedução fiscalmente aceite de gasto no âmbito do Grupo C... e veio a corrigir esse montante como um acréscimo ao resultado líquido do exercício, com o consequente imposto a pagar, no âmbito de outro grupo, o Grupo D...- donde o caminho traçado, desde a emissão da Ordem de Inspeção até à da Liquidação de IRC em crise, não poderia ser mais ilegal e equívoco.

 

No procedimento inspetivo em crise, a extensão da ordem de inspeção não foi dada para mais que um período de tributação (bastou-se na indicação de 2015), nem a sua extensão foi alterada posteriormente mediante despacho fundamentado, não estando clarificado como pôde tal inspecção abranger mais que um período tributário, nem do “Relatório/Correções” resulta claro que algumas das correções são operadas no seio de um RETGS (caso da CESE do período anterior a 30 de Junho de 2015, quando a A... se encontrava inserida no Grupo C...) e concretizadas mediante Liquidação notificada a uma sociedade pertencente a outro RETGS (no caso Grupo D...) e outro período, pelo que se mostra violado o n.º 1 do artigo 15.º do RCPITA, sendo tal documento, por isso, anulável nos termos do artigo 163.º do CPA.

 

O Relatório/Correções separa duas correções derivadas da desconsideração da estimativa da CESE como gasto - uma de €198 054,00 do 1.º semestre de 2015, com a A... no Grupo C..., e outra de €164 607,16 do 2.º semestre de 2015, já no Grupo G...-, tendo, contudo, optado por emitir uma única liquidação, cujo valor de imposto a pagar foi notificado à ora Requerente, que é integrante do perímetro do Grupo D..., parecendo ignorar por completo a prévia integração da A... no Grupo C... e cujo período de tributação terminou a 30 de Junho de 2015.

 

A AT não alega nenhuma norma, no seu Relatório/Correções, que lhe permita retirar a A... quer do Grupo C..., quer do Grupo D..., da mesma forma que não se conhece norma que permita à AT imputar a parcela de IRC a pagar num Grupo Fiscal a outro Grupo Fiscal, pelo que a emissão e notificação da Liquidação em crise não cumpre os mais elementares corolários de informação e fundamentação, pelo que se verifica a violação do disposto no artigo 77.º da LGT, afectando o núcleo essencial do direito fundamental do contribuinte e deve, por isso, ser culminada com a nulidade, por violação do direito fundamental procedimental previsto no n.º 3 do artigo 268.º da Constituição.

 

Dada a natureza da Requerente, a ordem inspetiva em causa foi emanada pela Unidade dos Grandes Contribuintes (‘UGC’), que consiste numa unidade orgânica nuclear dos serviços centrais da AT inserida na cadeia hierárquica e que, por isso mesmo, deve responder pelos mesmos corolários de qualquer outro elemento da administração central, pelo que pode corrigir atos tributários, mas não pode alterar o período fiscal das empresas oficiosamente e muito menos fundir um determinado período noutro período e, assim, tal procedimento configura desvio de poder, na medida em que a AT foi além dos poderes que lhe foram legalmente atribuídos, o que gera a anulabilidade da Liquidação de IRC em crise.

 

Ademais, essa mesma Liquidação é o resultado de um procedimento que corrige atos que haviam sido anteriormente validados pela própria AT - maxime a comunicação de alteração do perímetro do Grupo C..., a alteração do ano fiscal da A... e a entrada da A... no Grupo D...– essa validação resulta de um comportamento concludente da AT na aceitação e deferimento dessas mesmas comunicações.

 

Tal aceitação por parte da AT – o deferimento por comportamento concludente, dos referidos atos declarativos – consiste num ato constitutivo de direitos e interesses legalmente protegidos, tendo por isso uma estrutura garantística própria que impede que os seus efeitos sejam destruídos sem mais. Considerando que essa subvalorização do regime tributário ao qual a A... estava sujeita – RETGS – ocorreu com fundamento na matéria de facto e não de direito, importa concluir que ocorreu uma revogação tácita dos atos constitutivos de direitos, a qual se encontra ferida de anulabilidade, por violação do disposto no art. 167.º, n.º 2 do CPA.

 

Os Serviços de Inspeção Tributários concluem que:

 

             «[A] A... foi dissolvida [por fusão], pelo que não pode fazer parte do Grupo C... para efeitos de tributação pelo RETGS, nos termos do n.º 4 do art. 69.º do CIRC, devendo a alteração do Grupo ser comunicada à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos dos termos do n.º 2 da al. b) do n.º 7 do art. 69.º do CIRC» (cit., sublinhado nosso).

                Sucede que, no momento da fusão com a Requerente (a 25 de janeiro de 2016), a A... não fazia mais parte do perímetro do RETGS Grupo C..., integrando, ao invés, o perímetro do RETGS do Grupo D... .

                Afirma a requerente que mal andou a AT em considerar que, por conta da fusão em 2016 na ora Requerente, a A... saiu do perímetro do Grupo C... no período de tributação que se iniciou em 1 de janeiro de 2015 e terminou em 30 de junho de 2015.  Na verdade, a ter saído de algum perímetro de RETGS seria sempre do perímetro do Grupo D... ao qual pertenceu desde 1 de julho de 2015 e nunca do perímetro do Grupo C... do qual já não pertencia…

                Aliás, escreveu a requerente que não se alcança como a AT afirma, por um lado, que a A... desenvolveu a sua atividade e foi tributada em sede de RETGS durante todo o 2015 (primeiro no Grupo C..., e depois no Grupo D...), mas depois, e motivado por uma fusão em 2016, teria saído afinal do RETGS, de forma retroativa… ainda que a atividade e ativos daquela sociedade tenham permanecido no mesmo RETGS na esfera da sociedade incorporante por via de fusão com neutralidade fiscal.

                Não pode considerar-se suficientemente fundamentada a correção, e consequente Liquidação de IRC operada nessa parte, por a AT ter seguido uma interpretação da alínea a) do n.º 4 do artigo 69.º do Código do IRC de forma errónea (pois a A... já não pertencia ao Grupo C...) e contrária ao que já interpretou em respostas a Pedido de Informação Vinculativa e a, pelo menos, uma Circular por si emitida, como veremos adiante, encontrando-se violado o disposto nos artigos 268.º da Constituição e 77.º da LGT, devendo o pedido proceder também por vício de forma.

                Não pode vingar a tese da AT segundo a qual uma sociedade inserida no perímetro de um RETGS não pode ser fundida, por incorporação, numa outra sociedade do mesmo perímetro, sem que tal fusão não implique inexoravelmente uma correspondente saída do perímetro do grupo.

                Tal entendimento, supostamente decorrente da leitura do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 69.º do Código do IRC, é contrário à doutrina e jurisprudência citadas, desde logo porque, no âmbito de uma fusão por incorporação, não nos encontramos perante uma sociedade dissolvida strito sensu (essas são tratadas no artigo 79.º do Código do IRC), o que se verifica in casu é uma mera integração de atividade por efeito de fusão por incorporação, pelo que, em caso algum se justificaria a restrição decorrente da interpretação da AT, e correspondente efeito desfavorável, ao nível da A... e, inclusivamente, também ao nível do RETGS do Grupo D... .

                A própria a AT considera que nos casos de fusão não estamos perante uma verdadeira cessação de atividade – vide Processo n.º 7148, com Despacho de 2014-08-01, e Resposta da AT a Pedido de Informação Vinculativa no Processo nº 3530.

                Como tanto a incorporante como a incorporada pertencem ao mesmo perímetro do RETGS nenhuma razão existe para a saída de qualquer uma das sociedades desse Grupo Fiscal, o legislador sempre concebeu, desde o início do RETGS, que uma fusão ou cisão não implicava, nem determinava, a saída do perímetro do grupo, mas apenas uma mera alteração (reorganização interna) da composição do grupo.

                O CSC não inclui a fusão nas causas de dissolução das sociedades e pressupõe sempre que a dissolução implica a liquidação, o que inquestionavelmente não ocorre com a fusão, pelo que, deverão os atos em crise ser anulados, por vício de violação de lei, violação do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 69.º do Código do IRC.

                O recurso a mecanismos de fusão de sociedades comerciais corresponde à exteriorização de opções de organização e gestão empresarial reconhecidas e garantidas pelo direito fundamental à livre iniciativa económica, pelo que as atuações que consubstanciem restrições a este tipo de posição jurídica devem ser revestidas de especiais cuidados, impostos pela Lei Fundamental (artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição).

                A interpretação realizada pela AT, que vai no sentido de fazer cessar o REGTS para uma determinada sociedade (e retirá-la do perímetro do Grupo para efeitos de tributação deste), é contrária ao Princípio da Proibição do Excesso (n.º 2 do artigo 18.º da Constituição), em última análise decorrente do Princípio de Estado de Direito Democrático, previsto no artigo 2.º da Constituição, e é também violadora do subprincípio da Indispensabilidade, por não se encontrar um bem jurídico protegido que sustente tal restrição, e ainda do Princípio da Legalidade Fiscal.

                O apuramento do lucro tributável da A... é absolutamente ilegal, por desconsideração da correção efetuada pelos auditores externos e a violação do artigo 17.º do Código do IRC.

                A não consideração do gasto com o pagamento da CESE, viola o disposto no artigo 23.º do Código do IRC e resulta em inconstitucionalidade por Violação do Princípio da Tributação do Rendimento Real na vertente Rendimento Líquido e Princípio da Igualdade e Exigibilidade, posto que, como é sabido, a energia térmica é fundamental na indústria da celulose e papel.

                A solução consagrada na alínea q) do nº. 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC, na interpretação segundo a qual uma entidade que tenha como atividade principal a produção de energia não possa deduzir o gasto com a CESE, padece de inconstitucionalidade, por violação do Princípio da Igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, sendo ainda tal solução desconforme ao Princípio da Proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.

                Por último, a solução consagrada na alínea q) do nº. 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC, na interpretação segundo a qual uma entidade que aproveite matérias primas derivadas da sua atividade principal para a produção de energia, podendo esta destinar-se a satisfazer as suas próprias necessidades de consumo, que não possa deduzir o gasto com a CESE, padece de inconstitucionalidade, por violação do Princípio da Igualdade, consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da CRP.

                Ainda no que respeita à suposta não dedutibilidade da CESE no seio da A..., o acréscimo de gasto realizado pela AT ocorre em dois períodos, a saber um período denominado pela AT por ‘2015 I’ e outro período denominado por ‘2015 II’, pelo que, também por este motivo, é ilegal a correção do acréscimo de gasto com a CESE por referência a um exercício no qual a A... se encontrava sujeita a RETGS.

                Não se justifica o cômputo de juros compensatórios, na medida em que não existiu qualquer retardamento da liquidação de imposto, pois a A... encontrava-se a ser tributada em sede de RETGS, que procedeu ao pagamento do imposto em novembro de 2016 com a apresentação da Modelo 22 do Grupo H..., devendo tal Liquidação ser anulada por vício de Violação de Lei, designadamente artigos 35.º da LGT e 102.º do Código do IRC.

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A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita a excepção da incompetência material do tribunal arbitral para conhecer do pedido, considerando que, pese embora a Requerente peticione, a final, a anulação da liquidação, dada a fundamentação ínsita no que especificamente diz respeito à não aceitação dos gastos não dedutíveis para efeitos fiscais, o que a Requerente pretende é a desaplicação do normativo constante dos artigos 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC, e 12.º do Regime da CESE, em virtude da sua alegada inconstitucionalidade. O Tribunal Arbitral não tem competência para a fiscalização abstrata da constitucionalidade, pois tal competência é exclusivamente atribuída ao Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 280.º, n.º 2, alíneas a) e d) e 281.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 3 da CRP e artigos 6.º e 66.º da Lei do Tribunal Constitucional. 

Carecendo de competência para a fiscalização abstrata da constitucionalidade, não pode o Tribunal Arbitral, in casu, declarar a ilegalidade ou a inconstitucionalidade das normas legais que impõem o pagamento da CESE, pois tal pronúncia está-lhe vedada, excluída da sua jurisdição, de acordo com o disposto no artigo 2.º do RJAT conjugado com os artigos 2.º da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março e 4.º, n.º 2, al. a), do ETAF ex vi artigo 29.º do RJAT. A entender-se doutro modo, serão violados dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.

   Suscita ainda a incompetência material do Tribunal por se tratar de uma contribuição financeira e não de um imposto, alegando que assim se pronunciou o TC no acórdão n.º 7/2019 sobre a natureza jurídica da CESE, qualificando-a como contribuição financeira. Invoca, entre o mais, o disposto no artigo 4.º, n.º 1, do RJAT e no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, para sustentar tal incompetência, e ainda o disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

Em sede de impugnação, a Administração impugna toda a matéria de facto alegada pela Requerente, por não corresponder à verdade, ou por não poderem ser retirados os efeitos jurídicos pretendidos.

 

Sustenta que será de considerar assente para efeitos de probatório os factos constantes, nomeadamente, do relatório de inspeção tributária (RIT), com a ordem de serviço n.º OI2017..., do qual destaca:

 

Tendo em consideração a alteração do período de tributação, por opção da A..., para efeitos fiscais, nomeadamente em sede do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), os SIT consideraram (cf. PA):

 

(…)

 

Atendendo ao período de tributação pelo qual a A... optou, assim como às declarações apresentadas por esta, no que concerne ao resultado líquido do período, resulta do RIT (cf. PA)

 

Preliminarmente, no que concerne à questão em dissídio nos autos, respeitante à cessação da aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), apuraram os SIT (cf. PA):

 

Resultando ainda do RIT (cf. PA):

                 

De modo a esclarecer a situação tributária da A..., os SIT solicitaram à aqui Requerente os seguintes esclarecimentos:

 

Vindo os SIT a concluir (cf. PA):

 

Mais, atendendo à operação de fusão - da qual nada se sabe uma vez que a Requerente não junta o seu projeto, determinante para aferir de facto da neutralidade da operação, que apenas é sobejamente referida pela Requerente ao longo do ppa sem que a comprove – como decorre do direito de audição no âmbito do procedimento inspetivo, os efeitos da mesma retroagiram a 01/01/2016 (cf. doc. 6, fls. 22 do pdf, junto pela Requerente), pelo que não se entende como pode a Requerente insinuar que há um período de tributação de 1 de janeiro a 26 de janeiro que não foi tido em conta pela inspeção.

 

Estamos perante uma opção de gestão da Requerente e da A... que não se pretende colocar em causa, no entanto coloca-se em causa, sim, as afirmações que a mesma vai fazendo ao longo do PPA, dando a entender que os SIT agiram de um modo arbitrário, injustificado, contrário à lei, quando os SIT se limitaram a conformar a sua atuação às opções da Requerente, sempre balizadas pelo cumprimento da lei.

 

As declarações de que as alegadas incongruências temporais, referentes à opção pelo período de tributação, se devem exclusivamente por alegada culpa dos SIT são falsas. Com a alteração do período de tributação do ano de 2015, deixando o mesmo de coincidir com o ano civil, quando ocorre a operação de fusão, a meio do período de tributação pelo qual a Requerente optou, necessariamente verificou-se a cessação do RETGS em cumprimento do disposto na alínea a), do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC.

 

No que concerne à correção em apreço, tendo subjacente o regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), a questão a dirimir centra-se em definir se nas situações em que há uma fusão por incorporação de uma sociedade do grupo por outra sociedade do mesmo grupo dever-se-á considerar que a sociedade incorporada está perante o impedimento consagrado na alínea a), do n.º 4, do artigo 69.º do CIRC, ou seja, a sociedade fundida deixa de poder fazer parte do grupo de sociedades em virtude da sua dissolução, como consideraram os serviços de inspeção tributária.

 

Uma sociedade que se funde com outra, neste caso por incorporação, deixa de reunir condições para beneficiar do RETGS na medida em que deixa, do mesmo modo, de ser detida pela sociedade dominante por ter sido incorporada numa outra sociedade. Para efeitos de RETGS a sociedade fundida é dissolvida, absorvida pela sociedade que a passou a incorporar, como tal não pode fazer parte do grupo de sociedades.

 

Com a Lei nº 30-G/2000, de 29/12, o RTLC seria substituído pelo Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS) abandonando-se a tributação dos grupos de sociedades de acordo com a consolidação fiscal e passando-se a apurar o seu resultado fiscal a partir da soma algébrica dos resultados líquidos (lucros ou prejuízos) de cada uma das empresas que constituem o grupo, o que evidencia a exigência da efetiva existência de uma sociedade por si, dotada de personalidade jurídica, ao contrário do que sucede nas situações em que há uma operação de fusão, como é o caso.

 

O RETGS apresenta como principal vantagem a transmissibilidade dos prejuízos fiscais entre as sociedades que integram o perímetro do grupo, conformando um regime especial que constitui uma derrogação a um dos princípios básicos em que assenta o regime-regra de reporte dos prejuízos fiscais, consagrado no artigo 52.º do Código do IRC, que se traduz no princípio da identidade jurídica, segundo o qual a entidade que apura o prejuízo fiscal é aquela que adquire o direito à sua dedução em exercícios futuros. Ao estabelecer um regime fiscal especial para os grupos de sociedades mais favorável que o regime-regra, em matéria de dedução dos prejuízos fiscais, justificado em motivações extrafiscais que tinham a ver com o reforço e a promoção dos grupos empresariais no tecido económico nacional, o legislador cuidou de definir os seus contornos, em termos de requisitos delimitadores do perímetro do grupo e das condições para a sua concessão.

 

O que a Requerente pretende é a desaplicação casuística da sanção legalmente imposta, pretensão que não tem o mínimo acolhimento legal, importando aqui reter que o n.º 4, do artigo 69.º determina uma exclusão da aplicação do regime caso se verifique alguma das condições previstas nas alíneas seguintes. Logo, diante do quadro legal vigente, não poderia a AT determinar ou aceitar a aplicação do RETGS a uma sociedade extinta através de uma operação de fusão.

 

Acresce o facto de a Requerente não ter cumprido com a obrigação de comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira da alteração da composição do grupo como lhe competia, nos termos do n.º 2), da alínea b), do n.º 7, do artigo 69.º do CIRC, como mencionado no RIT (cf. PA).

 

Os argumentos da alegada não conformidade com a Constituição expendidos pela Requerente, revelam-se vagos, generalistas, sem aplicação ao caso concreto, tendo em consideração o facto de o regime de neutralidade previsto no artigo 73.º, n.º 1, do CIRC impor uma análise casuística de modo a apurar a sua efetiva aplicação, o que não é feito no caso em apreço. Logo, a entidade Requerida limitou-se a cumprir o disposto a alínea a), do n.º 4, do artigo 69.º do CIRC.

 

A Requerente alega ainda que o RIT padece de falta de fundamentação, vício que inexiste mas que, a existir, acarretaria a anulabilidade e nunca a nulidade, como pretende. De qualquer modo, não tem qualquer sustentação a tese da Requerente relativamente à falta de fundamentação quer do RIT quer das liquidações dali resultantes, tendo presente no que respeita à fundamentação dos atos administrativos que o ato está fundamentado quando, pela motivação aduzida, se mostra apto a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respetiva lesão.

 

Ora, resulta demonstrado que a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance do acto, o que ressalta do próprio exercício jurídico-argumentativo que fez ao longo do seu exaustivo pedido de pronúncia arbitral.

 

No que concerne ao gasto indevidamente considerado pela Requerente com a contribuição extraordinária sobre o setor energético (CESE), em claro desrespeito pelo estatuído na alínea q), do artigo 23.º-A do CIRC, consideraram os SIT, como resulta do RIT (cf. PA):

 

Tendo os SIT fundamentado a correção do seguinte modo (cf. PA):

 

Como se constata, a presente correção foi realizada em estrito cumprimento ao estatuído por lei, revelando-se fundamentada e tendo em consideração as opções pelo período de tributação do contribuinte, não padecendo, assim, de qualquer vício de violação de lei que lhe é imputado pela Requerente.

 

A Requerente pugna pela dedutibilidade de gastos suportados com a CESE, com fundamento na existência de um “business purpose” inerente ao pagamento desta contribuição Sustentando que a solução plasmada na alínea q) do n.º 1 do artigo 23.º-A, do Código do IRC, de acordo com a qual não pode deduzir o gasto com a CESE, é lesiva dos princípios da tributação pelo lucro real, da igualdade e da proporcionalidade, previstos respetivamente nos artigos 104.º, n.º 2, 13.º e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

 

Sem razão, pois entre as exceções à regra geral de dedutibilidade dos gastos e perdas, conta-se a prevista na alínea q) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC que mais não é do que a transposição para este Código, pelo artigo 3.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, do disposto no artigo 12.º do Regime da CESE: “A contribuição extraordinária sobre o setor energético não é considerada um gasto dedutível para efeitos de aplicação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.”

 

A Requerente acaba por assinalar que as inconstitucionalidades apontadas à norma do artigo 23.º-A do Código do IRC devem ser dirigidas igualmente ao artigo 12.º do Regime da CESE, porém o sentido teleológico desta norma só se apreende no quadro do Regime da CESE, mediante a conjugação do objeto definido no n.º 2 do artigo 1.º, da proibição de repercussão (art.º 5.º) e da consignação da receita cobrada ao FSSS (art.º 11.º), donde resulta bem claro o propósito do legislador em estabelecer um “anel” de separação (ring fencing) desta contribuição financeira, ao circunscrever ao sector energético tanto o ónus tributário como os potenciais benefícios da afetação da receita, isolando-o do resto da economia.

 

Neste contexto, seria incoerente que fosse admitida a aceitação como gasto dedutível para a determinação do lucro tributável das importâncias suportadas pelos sujeitos passivos a título da CESE, porquanto, a dedução equivaleria a uma repercussão indireta da CESE sobre o Estado (e Autarquias, relativamente à derrama municipal), na exata medida em que a consequente diminuição ao lucro tributável redundaria em redução do IRC (e derramas) liquidado e pago. Donde, o afastamento da dedução da CESE ao lucro tributável é uma decorrência natural e lógica da opção de política legislativa sobre o financiamento do sector energético através desta contribuição. 

 

A Requerente coloca a questão de saber se a desconsideração fiscal dos gastos suportados com a CESE não constitui uma lesão desproporcionada do princípio da tributação segundo o lucro real. Ora, quer o Tribunal Constitucional (Acórdãos n.ºs 85/2010, 753/2014, 139/2016 e, mormente, 7/2019, entre outros) quer a Doutrina (Saldanha Sanches, Casalta Nabais, António Carlos Santos) se têm pronunciado em sentido que, transposto para a exclusão da dedutibilidade da CESE, permite concluir que a opção do legislador teve em vista evitar que a receita do IRC fosse afetada negativamente pelos gastos suportados com aquela contribuição, repercutindo-se, dessa forma, nas receitas fiscais obtidas pelo Estado (e Autarquias) e, por via disso, em toda a comunidade.

 

Ou seja, a solução normativa de não dedutibilidade da CESE constitui uma decorrência natural da sua configuração como um tributo:

(i) com um âmbito de incidência delimitado a um especial conjunto de sujeitos passivos – operadores económicos do sector elétrico e do gás natural;

(ii) cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE) i.e., não reverte para o financiamento das despesas públicas gerais do Estado;

(iii)   em que foi assegurado que os seus efeitos não se repercutem no resto da economia, ou seja, “não a impondo à generalidade dos contribuintes…” (cf. Acórdão do TC n.º 7/2019).

 

Acresce que o RCESE é unitário, no sentido de que os sujeitos passivos abrangidos pelo artigo 2.º estão vinculados ao cumprimento do mesmo quadro normativo. Vistos à luz dos princípios interpretativos, enunciados no artigo 9.º , n.º 1 do Código Civil, e do ensinamento do Professor J. Baptista Machado, o artigo 12.º da RCESE e a alínea q) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC consagram, por mera interpretação declarativa, a exclusão da dedutibilidade da CESE, sendo, aliás, manifesto que não padecem tais normativos de quaisquer vícios de desconformidade constitucional, seja por afrontar o princípio da tributação pelo lucro real ou os princípios da igualdade e da proporcionalidade.

 

Pelo contrário, inconstitucional seria a interpretação normativa proposta pela Requerente no sentido da dedutibilidade para efeitos fiscais dos gastos suportados com a CESE, por violadora do princípio da legalidade tributária, bem como do princípio do Estado de Direito democrático, da reserva da lei fiscal, e da separação de poderes, com a consequente subordinação dos tribunais à lei, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto nos artigos 2.º, 103.º, 165.º e 202.º da CRP. Reputa-se ainda tal interpretação normativa de materialmente inconstitucional, também por violação dos princípios da legalidade e da igualdade tributária, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto no artigo 13.º e no artigo 103.º da CRP.

 

Por fim, reputa-se de materialmente inconstitucional a interpretação normativa no sentido de que a alínea q) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC e o artigo 12.º daquele RCESE deveriam ser interpretados de modo diferente para as entidades que aproveitam matérias-primas derivadas da sua atividade principal para a produção de energia, mesmo quando esta pode destinar-se a satisfazer as suas próprias necessidades de consumo, porquanto um tratamento desigual dos sujeitos passivos da CESE representaria o desrespeito do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da CRP, sem qualquer justificação aceitável, já que a comparação a estabelecer será entre as categorias de operadores abrangidos pela norma de incidência – art.º 2.º do RCESE – e não entre o universo de sujeitos passivos do IRC.

 

Uma vez que o regime legal previsto na alínea a), do n.º 4 do artigo 69.º, do CIRC é claro quanto aos requisitos nele elencados não deixando margem para dúvidas quanto à sua aplicação, forçoso é concluir que são devidos pela Requerente juros compensatórios, atendendo que apenas por factos a si imputáveis, foi retardada a liquidação do imposto devido, nos termos do artigo 102, do CIRC, assim como do n.º 1, do artigo 35.º, da Lei Geral Tributária (LGT).

 

O direito à indemnização por prestação de garantia indevida encontra-se previsto no artigo 53.º da Lei Geral Tributária (LGT), e regulado no artigo 171.º do Código de Processo e Procedimento Tributário (CPPT). De tais normas, emerge que o sujeito passivo tem direito a indemnização por prestação de garantia indevida nos casos em que a garantia prestada se tenha mantido por período superior a três anos ou, independentemente do período durante o qual esta se manteve, nos casos em que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo. Contudo, demonstrada que está a legalidade das liquidações controvertidas, inexiste qualquer erro imputável aos serviços que justifique a sua anulação e a atribuição da indemnização requerida.

 

Conclui no sentido da procedência das excepções dilatórias ou, se assim se não entender, pela improcedência do pedido arbitral.

               

2. A Requerente respondeu à matéria de excepção, dizendo que o pedido de pronúncia arbitral se reporta a um acto tributário concreto, qual seja a autoliquidação de IRC do exercício de 2015, e que os tribunais arbitrais podem recusar a aplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade, não ocorrendo a invocada violação da Portaria de Vinculação, visto que o que está em causa é uma pretensão relativa à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, a que se refere o artigo 2.º, alínea a), desse diploma. Quanto ao mais, a referência a ‘impostos’ em vez de ‘tributos’ no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, seguida da remissão expressa para o n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, indicia que o ‘legislador’ não teve a vontade de restringir, como invoca a AT, o âmbito de competência do Tribunal Arbitral, pois, se assim fosse, essa restrição estaria prevista no leque das alíneas que contemplam as exceções ao referido artigo 2.º. Conclui, assim, pela improcedência das excepções dilatórias suscitadas pela Requerida.

 

                3. Em alegações, a AT manifesta-se contra a junção do documento (Parecer jurídico) mencionado pelo SP na parte final das suas alegações, a pretexto de que tal junção estaria precludida, nos termos dos artigos 108.º, n.ºs 1 e 3, do CPPT, artigo 10.º, n.º 2, alíneas c) e d) do RJAT a artigo 423.º do CPC. No mais, ambas as partes reafirmam as posições relativas já expressas, desenvolvendo e/ou reiterando as respectivas argumentações e mantendo, na essência, os fundamentos que as levam a pugnar por desfechos diametralmente opostos para a lide em presença.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.°da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 8 de Maio de 2019.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas outras excepções além das supra enunciadas.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II – Factos provados

 

5. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes:

 

A)           A A... pertenceu ao perímetro do RETGS do Grupo C... até 30 de Junho de 2015 (docs. n.ºs 5, fls. 6 in fine, e 8, anexos ao Requerimento Inicial e PA – Relatório/Conclusões, fls. 6/23), data até à qual tinha como período de tributação o ano civil;

B)           A 1 de Julho de 2015, a A... deixou de ser detida a 75% ou mais pela sociedade dominante ‘E..., SGPS, SA’ e passou a passou a integrar o perímetro do RETGS do Grupo D... (docs. 8 e 10, anexos ao Requerimento Inicial);

C)           Em Julho de 2015, e dada a sua entrada num novo grupo fiscal cujo período de tributação não era coincidente com o ano civil, a A... optou por um período de tributação coincidente com as restantes sociedades no perímetro do novo grupo, ou seja, com início em 1 de Julho e término a 30 de Junho do ano seguinte (docs. n.ºs 9, 10 e 11, anexos ao Requerimento Inicial);

D)           Após 1 de Julho de 2015, a A... manteve-se no perímetro do Grupo D..., sociedade pela qual sempre foi direta e/ou indiretamente detida até à sua fusão com a B...;

E)            Em 25 de Janeiro de 2016, a A... fundiu-se por incorporação na sociedade B..., com efeitos contabilísticos e fiscais a 1 de Janeiro de 2016 (Insc. 17 da Certidão Permanente, doc. n.º 4 em anexo ao Requerimento Inicial);

F)            Em Junho de 2016, a A... apresentou a sua declaração Mod. 22-IRC referente ao período de 2015-07-01 a 2016-01-25 preenchida a zeros, que correspondia ao seu lucro fiscal adicionado ao lucro fiscal da B... (docs. n.ºs 5, fls. 9 in fine, 12 e 14, anexos ao Requerimento Inicial, e PA - Relatório/Conclusões, fls. 9/23);

G)           A B..., enquanto representante legal da sociedade nela incorporada, foi notificada dos atos objecto deste PPA inerentes à A..., a saber as Liquidações de IRC n.º 2018..., incluindo Derrama municipal, respeitante ao período de 2015 e de Juros Compensatórios n.º 2018... e da respetiva Demonstração de Acerto de Contas, com valor a pagar de 579.337,29€, sendo a data limite de pagamento 27 de Dezembro de 2018 (docs. 1, 2 e 3, anexos ao Requerimento Inicial);

 

H)           A ordem de serviço n.º OI 2017... refere como objeto da fiscalização o IRC do «ano/exercício de 2015» da sociedade A... (doc. n.º 13, anexo ao Requerimento Inicial);

I)             Por não concordar com o Projeto de Correções emitido pela Inspecção Tributária, a Requerente exerceu o seu direito de audição (docs. 5 e 6, anexos ao Requerimento Inicial);

J)            No âmbito da ordem de serviço n.º OI 2017..., a ATA enviou à A... o documento Relatório/Conclusões, datado de 28 de Dezembro de 2017, que aqui se dá por integrado (PA, fls. 1 a 23);

K)           No âmbito da ordem de serviço n.º OI2018..., a ATA enviou à B... o documento Relatório/Conclusões, datado de 27 de Dezembro de 2018, - contendo, em Anexo 2, o relatório do procedimento de inspecção mencionado no Facto J) – que aqui se dá por integrado (doc. n.º 7, anexo ao Requerimento Inicial);

L)            Em 11 de Fevereiro de 2019, em nome e a pedido da Requerente, foi prestada e apresentada uma garantia bancária, com o n.º..., tendo como beneficiária a AT - UGC, no valor de € 732 755,93 (doc. n.º 15, anexo ao Requerimento Inicial);

M)          A A... manteve como período contabilístico de 2015 o período compreendido entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2015;

N)           De acordo com o Relatório e Contas da A... relativo ao exercício de 2015, o resultado líquido do período apurado ascende a € 70 534 (doc. n.º 16, anexo ao Requerimento Inicial);

O)           Tais contas da A... foram aprovadas em Assembleia Geral de acionistas e foram auditadas (docs. n.ºs 17 e 18, anexos ao requerimento inicial);

P)           Um ajustamento de auditoria às amortizações do exercício no valor de 1.780.129€ foi registado no sistema informático SAP, em 2016, por contrapartida da rubrica 56 – Resultados Transitados (doc. n.º 19, anexo ao Requerimento Inicial);

Q)           Em 11 de Dezembro de 2017, foi entregue  uma declaração de substituição da IES da A..., correspondente ao exercício contabilístico de 2015 (doc. n.º 20, anexo ao Requerimento Inicial);

R)           O resultado tributável correspondente ao segundo semestre de 2015 da A... foi incorporado da Declaração Modelo 22 da sociedade B... (doc. n.º 12, anexo ao Requerimento Inicial);

S)            O Relatório/Conclusões separa duas correções derivadas da desconsideração da estimativa da CESE como gasto - uma de €198 054,00, do 1.º semestre de 2015, com a A... no Grupo C..., e outra de €164 607,16, do 2.º semestre de 2015, já no Grupo D..., tendo sido emitida uma única liquidação, cujo valor de imposto a pagar foi notificado à ora Requerente (docs. n.ºs 5 e 7, anexos ao Requerimento Inicial, e PA);

T)            Na sequência da alteração do período de tributação, por opção da A..., para efeitos fiscais, nomeadamente em sede do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), os SIT consideraram: A) Período 2015(I), entre 01-01-2015 e 30-06-2015, em que a sociedade é tributada pelo RETGS, tendo como sociedade dominante a “C...”; B) Período 2015(II), entre 01-07-2015 e 31-12-2015, tratado por “período de cessação”, em que a A... é tributada pelo regime geral de IRC para o resultado tributável apurado (PA – RIT);

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, evidenciando-se que existe o consenso das partes quanto à mesma.

 

III. Competência do tribunal arbitral

 

6. A Autoridade Tributária suscitou a excepção da incompetência do tribunal arbitral para conhecer do presente pedido com dois diferentes fundamentos: o tribunal não tem competência para a apreciação abstracta da inconstitucionalidade da norma do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q) do Código do IRC, competência que se encontra atribuída ao Tribunal Constitucional; estando em causa uma contribuição financeira e não um imposto, a pretensão da Requerente encontra-se excluída da arbitragem tributária por efeito do disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pelo qual a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.

A arguição mostra-se ser manifestamente improcedente e assenta num evidente equívoco.

A Requerente formulou um pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do acto de liquidação de IRC relativamente ao exercício de 2015, invocando como causa de pedir, entre outras, a inconstitucionalidade da norma da alínea q) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC, quando interpretada no sentido de não ser fiscalmente dedutível a contribuição extraordinária sobre o sector energético, por violação dos princípios da tributação pelo rendimento real, da igualdade e da proporcionalidade.

 

Ora, a Constituição admite o controlo difuso de constitucionalidade pelos tribunais (artigo 204.º) e prevê o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (artigo 280.º, n.º 1). O recurso para o Tribunal Constitucional de decisões positivas ou negativas de inconstitucionalidade proferidas pelos tribunais encontra-se igualmente previsto na Lei do Tribunal Constitucional (artigo 70.º, n.º 1, alíneas a) e b)).

 

A desaplicação de normas pelos tribunais, por iniciativa oficiosa ou por suscitação das partes, corresponde a uma forma de fiscalização concreta de constitucionalidade para que os tribunais têm competência própria, não se confundindo com a competência do Tribunal Constitucional, que intervém em sede de recurso de constitucionalidade ou no âmbito da fiscalização abstracta da constitucionalidade (artigo 281.º da CRP).

 

Por outro lado, o referido artigo 204.° da Constituição, ao admitir o controlo difuso da constitucionalidade, refere-se genericamente aos tribunais, não distinguindo entre tribunais estaduais e tribunais arbitrais, e o artigo 280.° da CRP, ao definir o âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade, admite o recurso de constitucionalidade relativamente a decisões dos tribunais, referindo-se a decisões de quaisquer tribunais. E, como o Tribunal Constitucional tem também vindo a afirmar, os tribunais arbitrais (necessários ou voluntários) são também tribunais, dispondo do poder-dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitral e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais (entre outros, o Acórdão n.º 181/2007, de 8 de Março de 2007, Processo n.º 343/2005,).

 

Como é bem de ver, pretendendo a Requerente obter a desaplicação da norma do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q) do Código do IRC, para efeito de se considerar como fiscalmente dedutível a contribuição extraordinária sobre o sector enérgico, o tribunal arbitral é competente para apreciar essa questão no âmbito do pedido que visa a anulação de acto de liquidação em IRC.

 

E uma tal interpretação não pode ser tida como violando os princípios constitucionais do Estado de Direito e da separação dos poderes, da legalidade ou da indisponibilidade do crédito tributário, pela linear razão de que essa competência se encontra directamente conferida aos tribunais (incluindo os tribunais arbitrais) pela Constituição.

 

Acresce que não está em causa, no pedido arbitral, a constitucionalidade da contribuição extraordinária sobre o sector energético, mas a constitucionalidade de uma norma do Código do IRC que regula o apuramento do lucro tributável das pessoas colectivas.

 

Por isso mesmo, o pedido arbitral não se dirige contra a exigência legal do pagamento da contribuição extraordinária sobre o sector energético, mas contra o acto de liquidação em IRC, na parte em que toma em consideração a não dedutibilidade para efeitos fiscais do encargo suportado com essa contribuição.

 

É assim claro que o pedido arbitral se reporta à conformidade legal de um acto de liquidação em IRC e tem por base uma norma do Código do IRC e não qualquer das disposições que regulam a contribuição sobre o sector energético.

 

Não estando em causa a constitucionalidade ou a legalidade da contribuição sobre o sector energético, não tem qualquer relevo para o caso discutir se a dita contribuição é uma contribuição financeira ou é um imposto, ou se esta é ou não contrária à Constituição. O que interessa reter é que os tribunais arbitrais são competentes para a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de liquidação de tributos, incluindo no tocante aos actos de liquidação em IRC (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT) e a Portaria de Vinculação apenas exclui da jurisdição dos tribunais arbitrais as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos do recurso à via administrativa (artigo 2.º, alínea a)), sabendo-se que não é essa, obviamente, a situação do caso.

 

O tribunal arbitral é, por conseguinte, competente para conhecer do pedido.

 

IV. Do mérito

 

7. Por serem várias as questões de direito em análise, procede-se a tratamento individualizado e sistematizado de cada uma delas, seguindo a seguinte organização:

 

a) Primeiro conjunto de questões: questões de direito conexionadas com as alterações na estrutura societária;

 

b) Segundo conjunto de questões: questões de direito conexionadas com a legalidade e a constitucionalidade do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do Código do IRC relacionada com a não dedutibilidade do gasto com a CESE;

 

c) Terceiro conjunto de questões: questões de direito conexionadas com a legalidade da inspecção tributária efectuada com base em dados temporalmente imputados a mais do que 12 meses fiscais.

 

a) Primeiro conjunto de questões: questões de direito conexionadas com as alterações na estrutura societária

 

Atendendo aos factos atrás evidenciados, quanto à matéria de direito, em primeiro momento é necessário resolver as seguintes questões:

 

             Questão 1: Qual o efeito jurídico de uma fusão por incorporação no universo de direitos e obrigações fiscais de um sujeito passivo?

 

             Questão 2: Qual a legalidade da desconsideração de gasto, ocorrido na esfera jurídica do sujeito passivo enquanto parte de determinado RETGS, contudo pertencente, no momento da correcção fiscal, a outro RETGS?

             Questão 3: Qual a legalidade da assunção de que a fusão por incorporação gera dissolução da sociedade e, por tal, impossibilidade de fazer parte do RETGS?

 

Analise-se cada uma das questões, por forma a fundamentar a decisão.

 

Questão 1: Qual o efeito jurídico de uma fusão por incorporação no universo de direitos e obrigações fiscais de um sujeito passivo?

 

8. Nos momentos prévios à fusão, o presente caso, como relatado, apresenta uma sucessão de factos que demonstra a alteração da propriedade do capital social da A... . Contudo, até ao citado momento da fusão por integração, em todos os momentos destacados, ocorre sempre a permanência da A... enquanto entidade jurídica autónoma. Apesar de se alterar a propriedade do seu capital social, verifica-se a manutenção quer da sua designação quer das suas funções. Aquilo que, nesses momentos se altera é a entidade que detém a propriedade do seu capital social maioritário. Os factos apresentados não demonstram qualquer alteração individual da actividade desenvolvida que justifique a afirmação de uma substância nova ou até de uma nova entidade criada. Assim, aquilo que existe é uma continuidade na esfera jurídica dos direitos e dos deveres, não ocorrendo qualquer rompimento com a realidade económica e com a actividade desenvolvida.

 

Já no momento da fusão por incorporação, a A... deixa de se assumir juridicamente como A..., para passar a estar totalmente incorporada na requerente B... . Esta incorporação consubstancia uma integração, onde a A... deixa de figurar como entidade jurídica autónoma para passar a ser parte integrante da entidade construída e nascida com a fusão. Mesmo que a B... já existisse, não tendo sido criada uma nova entidade, fruto do somatório das anteriores entidades, o que na prática ocorre, é uma extensão da composição, da actividade e do capital social e humano da B... que passa a assumir o universo jurídico-económico-financeiro da A... .

 

Em face do disposto, parece ser seguro afirmar que, mesmo com uma fusão por integração, o universo jurídico da A... mantém, ao longo das transformações empresariais de reorganização, a presença e o reconhecimento da individualidade da A... . Seja, num primeiro momento, como entidade juridicamente autónoma, ainda que pertencente a dois Grupos Empresariais diferenciados, seja, num segundo momento, como entidade incorporada e continuada na figura da B..., fruto da fusão por incorporação.

 

Numa tentativa de apresentar a imagética do exposto:

 

ILUSTRAÇÃO DOS ÁRBITROS

A imagem acima apresentada pretende revelar a continuidade do universo de direitos e de deveres da A..., permitindo afirmar-se a permanência da entidade no universo jurídico, ainda que com densidades e com ligações a Grupos Empresariais diferentes e, em última instância, após a fusão por integração, abandonando a sua identidade autónoma, mas passando a estar integrada e, por isso, continuada noutra entidade.

 

Do acima decorre ser importante atentar que a passagem de um Grupo de Empresas para outro Grupo de Empresas não faz perder a identidade do sujeito passivo. A sua esfera jurídica-fiscal continua intacta e autónoma. Permitindo que, quando integrada por fusão, o acervo de direitos e obrigações fiscais transite para a nova entidade.

 

O até aqui exposto colhe a construção doutrinal internacional que, no âmbito da tributação do rendimento de Grupos de Sociedades, distingue entre a separate entity doctrine e a enterprise doctrine. De acordo com a primeira, a visão tradicional, a sociedade é assumida como entidade legalmente diferente dos seus accionistas e vive em completa independência jurídica e económica. Já no domínio da segunda – a enterprise doctrine –, aquela que consubstancia a criação de RETGS, o foco é colocado na actividade económica de todas as entidades pertencentes ao Grupo Societário, evidenciando a lógica integrada e a realidade comercial e económica inerente. Todavia, tenha-se em atenção que a assunção da substância económica do Grupo de Sociedades e, consequentemente, a possibilidade de determinação de uma base de tributação comum, não se assume, em Portugal, como um modelo de consolidação total e pleno. Aquilo que existe em Portugal é um modelo de Group Pooling, i.e., permite-se a agregação dos resultados individuais de cada membro do Grupo Societário (rendimentos e perdas) por forma a permitir-se a compensação. A gestão dessa agregação é da competência da Sociedade Dominante, mas jamais implica a perda da existência jurídica individual e das obrigações fiscais individuais de cada uma das sociedades dominadas. Ou seja, não existe em Portugal um modelo de consolidação plena e absoluta, apenas existe o reconhecimento parcial da agregação das contas do Grupo de Sociedades. Tal implica necessariamente que, em parte, a lógica da separate entity doctrine permanece presente e tem, necessariamente, de conduzir a implicações práticas na forma como os direitos e as obrigações fiscais são alocados e tratados.

 

Em face do exposto, de um ponto de vista jurídico, são estas as seguintes conclusões a retirar:

 

1. A passagem de uma entidade de Grupo Empresarial para outro Grupo Empresarial, devida por alteração na propriedade do seu capital social, não implica dissolução da entidade nem afasta os seus direitos e as suas obrigações, uma vez que a entidade continua a ser juridicamente autónoma, transportando consigo todo o seu universo de direitos e obrigações para o novo Grupo Societário.

 

Assim, no caso em análise, o sujeito passivo é sempre a A..., mesmo que possa ser agregada a um RETGS diferente.

 

Note-se que tal está alinhado com o facto de o legislador nacional prever que no RETGS, ainda que seja activada a consolidação dos resultados, cada entidade pertencente ao Grupo tem de apresentar declaração periódica individual, sendo com base nessas múltiplas declarações individuais – devidas por cada um dos membros do Grupo e por cada um dos membros ser sujeito passivo do imposto – que a sociedade dominante poderá calcular, e.g., o lucro tributável do grupo (artigo 70.º, n.º 1 do Código do IRC).

 

2. Não parece ser de afirmar existir uma dissolução da entidade como consequência de uma fusão por incorporação. Pelo contrário, a entidade e, por tal, o seu universo de direitos e obrigações, continua a existir na ordem jurídica, ainda que em esfera jurídica alterada. Ou seja, não há perda de direitos nem de obrigações, apenas quem os assume é outro rosto, um rosto empresarial que passa a integrar a entidade fundida.

 

Assim, no caso em análise, o sujeito passivo A..., a partir de 1 de Janeiro de 2016, passa a estar integrado no sujeito passivo B... . Tal faz com que a B... passe a incorporar todo o lastro de direitos e de obrigações da incorporada A... . Não existe aquilo que juridicamente se qualifica como dissolução da A... .

 

É importante enfatizar não prever o legislador ser a fusão uma causa de dissolução de uma sociedade.

 

De forma expressa, e de acordo com uma tipicidade fechada, o artigo 141.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais (CSC) aponta os seguintes casos para dissolução do contrato de sociedade:

 

a) Pelo decurso do prazo fixado no contrato;

b) Por deliberação dos sócios;

c) Pela realização completa do objecto contratual;

d) Pela ilicitude superveniente do objecto contratual;

e) Pela declaração de insolvência da sociedade.

 

Nenhuma das hipóteses indicadas pelo legislador é a fusão.

 

Este elenco, ainda que com origem no domínio societário, é aplicável no Direito Fiscal, tendo em atenção o disposto no artigo 11.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária. Aí se prevê que o Direito Fiscal assenta no reconhecimento de que “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei”.

 

Ora, a identificação dos factos conducentes à dissolução de uma sociedade é matéria regulada do CSC e neste, a fusão por integração não está prevista. Por isso, de uma fusão por integração não é adequado afirmar dela resultar dissolução da entidade fundida. O que há é uma integração com continuidade dos direitos e dos deveres na entidade alargada, resultante da fusão por incorporação.

 

E ocorrendo esta continuidade de direitos e de deveres deverá assumir-se que passam para a esfera jurídica da sociedade incorporadora os direitos e os deveres, incluindo os fiscais. Isto significa que aquilo que for detectado em anteriores períodos fiscais deverá ser imputado ao novo rosto jurídico integrador da A..., ou seja, a B... .

 

Caso esta lógica de continuidade não funcionasse também para o universo fiscal, tal equivaleria a aceitar a existência de uma dissolução da sociedade fundida. O que, como visto, não é o caso.

 

Assim, pelo conceito de fusão por integração, pelo tipo de consequências que alberga e pela sua inegável distinção do conceito de dissolução, há espaço para afirmar que o sujeito passivo A..., aquando da fusão por integração, se transformou e passou a estar integrado no sujeito passivo B..., entidade alargada pela fusão por incorporação.

 

Notar ainda que o conceito de dissolução não se confunde com o de liquidação. Também aqui não há espaço para confundi-los, pois, a liquidação presumiria um conjunto de factos muito mais vasto, ligado, em grande medida, a um processo de insolvência, factos inexistentes no caso em apreço.

 

Questão 2: Qual a legalidade da desconsideração de gasto, ocorrido na esfera jurídica do sujeito passivo enquanto parte de determinado RETGS, contudo pertencente, no momento da correcção fiscal, a outro RETGS?

 

9. A sucessão de factos de reorganização empresarial torna necessário determinar qual o momento relevante para efeitos de apuramento do sujeito passivo a quem deve ser dirigida a correcção da liquidação.

 

Caso se adoptasse uma posição mecânica, defensora de cristalização no tempo da ocorrência dos factos sem ligação ao sujeito passivo sobre o qual impende a obrigação tributária, tal criaria um caso de esquizofrenia fiscal, gerada por não haver coincidência entre o sujeito passivo, o facto tributário e o acervo de direitos e deveres fiscais sobre o qual o legislador actuou. Explica-se.

 

Caso se afirmasse que os factos ocorridos no momento da pertença ao Grupo de Sociedades da C... (RETGS 1) estavam cristalizados na pessoa jurídica da sociedade dominante desse RETGS, tal significaria que todos os gastos da A... juridicamente deixavam de ser seus e passavam a pertencer à Sociedade Dominante do grupo. Ora, como analisado atrás, o regime português não adopta um modelo de consolidação pleno e absoluto, apenas preconiza um pooling, não negando nem afastando a individualidade das contas e dos resultados de cada membro do grupo. Pois o objectivo é, como visto, a agregação dos resultados e a potencialidade de, tendo em atenção alguns factores considerados essenciais, permitir, e.g., a transmissão de prejuízos fiscais (artigo 71.º do Código do IRC) ou a congregação de limites à dedutibilidade ao lucro tributável dos gastos de financiamento líquido (artigo 67.º, n.º 5 do Código do IRC).

 

A questão é relevante para apuramento de qual o sujeito passivo da obrigação fiscal, uma vez que, pela mudança de propriedade do capital social, o sujeito passivo já não pertence ao Grupo de Sociedades da C..., logo, não pertence ao RETGS 1..

 

A obrigação fiscal está associada, inegavelmente, ao sujeito passivo. Essa é a premissa fundamental e que não pode ser olvidada. E mesmo que haja alteração do contexto organizacional societário do sujeito passivo, o sujeito passivo mantém-se presente na ordem jurídica fiscal. Dissociar a obrigação fiscal do sujeito passivo seria negar a essência da relação jurídica-tributária, tal como seria contrariar a realidade económica e negar a possibilidade de o universo de direitos e deveres fiscais prosseguirem ligados à entidade que, de facto, tem a obrigação fiscal sobre si. Assim, a valorização da ligação intrínseca entre sujeito passivo e obrigação fiscal e o dinamismo da relação jurídica fiscal implica que esta viva e se adapte às transformações organizacionais vividas pelo sujeito passivo, não coartando a sua natural liberdade económica e de organização. De contrário negar-se-ia a base da sujeição fiscal e negar-se-ia o realismo económico, princípio norteador da tributação.

 

Valoriza-se ainda o facto de todos os factos colocados em causa na correcção à liquidação terem ocorrido especificamente na esfera jurídico-fiscal da A..., individualmente considerada, atendendo à sua específica actividade e não por pertencer a um grupo de sociedades em especial. Ou seja, a norma de sujeição fiscal incide sobre a A... e não sobre o Grupo de Sociedades. Atenda-se. A análise do artigo 2.º do Código do IRC imediatamente indica que o sujeito passivo é a sociedade individualmente considerada e não o Grupo de Sociedades. A análise do artigo 69.º, n.º 1 do Código do IRC em nada retira a conclusão acima evidenciada, pois refere Sociedade Dominante – uma sociedade que, também ela, deve ser sujeito passivo de IRC – e refere, sim, a aplicação de um regime especial de determinação da matéria colectável. Ou seja, não há a criação de um novo sujeito passivo de imposto, mas antes a sujeição a um regime especial de tributação.

 

E insiste-se. Em Portugal, o modelo de tributação de grupos de sociedades não é o de consolidação plena e absoluta, mas antes o de agregação parcial dos resultados com efeitos muito concretos e delimitados, mantendo os membros do grupo a sua autonomia e individualidade jurídico-fiscal.

 

O raciocínio demonstrado está igualmente fundado no modelo construído pelo regime legal dos impostos sobre o rendimento, quanto ao momento em que ocorre a cristalização das características e dos rendimentos imputáveis ao sujeito passivo. No âmbito do artigo 8.º, n.º 9, do Código do IRC verifica-se ter o legislador estabelecido verificar-se o facto gerador no último dia do período de tributação. Ou seja, tudo quanto se passa nesse período é aceite e integrado, mas não surge como cristalizador do direito ou da obrigação, sendo apenas o status presente no momento final aquele que deve ser considerado para efeitos tributários. Apenas o status existente no último dia do período é o status relevante para efeitos fiscais. Tal revela, inegavelmente, a aceitação de uma lógica transformadora, de aceitação de acções contínuas que vão sendo integradas, mesmo que de forma repartida.

 

No caso em apreço, certo é terem os factos tributários ficado cristalizados no período de tributação em que ocorreram, não podendo haver outro desfecho nem outros elementos a serem considerados, sob pena de ilegalidade. Ou seja, não se verifica qualquer alteração dos mesmos. Aquilo que se alterou foi o sujeito passivo a quem os factos são imputados. Em primeiro lugar, mantendo-se a integridade completa da entidade, por ter ocorrido alteração na propriedade do capital social da pessoal colectiva e, em segundo lugar, através de uma alteração mais profunda, através da integração noutra pessoa colectiva.

 

Ou seja, assumindo que a identidade dos factos está ligada indissoluvelmente à personalidade tributária e à sucessão que essa sofre, não faz sentido ignorar ter o sujeito passivo dos factos tributários tido alterações supervenientes que devem ser integradas na relação jurídica fiscal. Assim, mesmo que alguns dos factos tenham ocorrido, durante parte do período tributário, enquanto o sujeito passivo pertencia a um Grupo de Sociedades diferente do actual, como a obrigação fiscal está indissociavelmente ligada ao sujeito passivo, não tendo este desaparecido da esfera jurídica tributária, devem os direitos e as obrigações fiscais acompanhar esse sujeito nas suas transformações supervenientes.

 

Questão 3: Qual a legalidade da assunção de que a fusão por incorporação gera dissolução da sociedade e, por tal, impossibilidade de fazer parte do RETGS?

 

10. Para oferecer resposta a esta questão, parte-se de afirmações atrás efectuadas.

 

Uma vez que se demonstrou a continuidade dos direitos e dos deveres após a fusão por incorporação. Uma vez que se demonstrou passar a ser, a partir de 1 de Janeiro de 2016, a B... o sujeito passivo, por ser a entidade incorporante da A..., cabendo-lhe todo o lastro de direitos e de obrigações da incorporada. Uma vez que o legislador não prevê a fusão como causa de dissolução de empresa. Uma vez que a fusão por integração não gera dissolução da entidade fundida, existindo antes integração com continuidade dos direitos e dos deveres na nova entidade resultante da fusão por incorporação. Uma vez que o regime legal nacional da tributação dos grupos de sociedades é um modelo não de consolidação total, mas antes de agregação (pooling). E atendendo a que o legislador defende a neutralidade fiscal. Por tal, não deve sufragar-se o entendimento de que de uma fusão por incorporação resulta que não se possa activar o RETGS, por se estar perante uma entidade dissolvida, nos termos do artigo 69.º, n.º 4, alínea a) do CIRC.

 

Atente-se ainda prever expressamente o artigo 72.º, n.º 1 do Código do IRC que “a transformação de sociedade, mesmo quando ocorra dissolução da anterior, não implica alteração do regime fiscal que vinha sendo aplicado nem determina, por si só, quaisquer consequências em matéria de IRC, salvo o disposto nos números seguintes”.

 

Do exposto afirma-se:

 

a. Os direitos e deveres fiscais da A... estão integrados nessa entidade, mesmo quando ocorre alteração de capital social maioritário, com consequente alteração de integração num diferente Grupo de Sociedades;

 

b. Os direitos e deveres fiscais da A... estão, desde o momento da fusão por incorporação, integrados na esfera jurídica fiscal da B...;

 

c. Uma fusão por incorporação não consubstancia um caso de dissolução de sociedade;

 

d. O regime legal nacional da tributação especial dos grupos de sociedades prevê um regime de agregação e não de total e plena consolidação, pelo que a identidade fiscal dos membros do Grupo mantém-se;

 

e. A obrigação fiscal está inegavelmente associada ao sujeito passivo concreto, devendo manter-se a esse ligada, mesmo que ocorram factos de reorganização societária, desde que tais não impliquem a dissolução da entidade originária.

 

Como consequência:

 

i. Ainda que os factos fiscais tenham ocorrido em momento anterior à fusão e, inclusivamente, em diferente Grupo Societário, como os factos foram todos sobre a actividade e a matéria colectável da A..., é a essa entidade, ou à sua nova face – a B... - que devem ser imputados, pois a obrigação fiscal está inegavelmente ligada ao sujeito passivo do imposto, sendo a esse que a AT deve dirigir as eventuais correcções de liquidações;

 

ii. Por uma fusão por incorporação não consubstanciar um caso de dissolução de sociedade, não é legal activar a excepção prevista no artigo 69.º, n.º 4, alínea a) do Código do IRC.

 

E consequentemente é ilegal a liquidação adicional em IRC efectuada com base no pressuposto de que a incorporação da Requerente na B... determinou a dissolução da sociedade e a sua exclusão do regime especial de tributação dos grupos de sociedades. A existir liquidação adicional em IRC esta tem de respeitar a incorporação da Requerente na B..., passando a ser esta entidade o sujeito passivo, não devendo ser recusada a aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades por causa da fusão por incorporação.

 

b) Segundo conjunto de questões: questões de direito conexionadas com a legalidade e constitucionalidade do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do Código do IRC relacionada com a não dedutibilidade do gasto com a CESE

 

11. Partindo do conceito de gastos dedutíveis que consta do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, entende a Requerente que os gastos suportados com a CESE representam verdadeiras necessidades operacionais, e, nesse sentido, cumprem o requisito do business purpose, pelo que a limitação prevista no artigo 23.º, n.º 1, alínea q) do Código do IRC viola aquela disposição legal. Acrescenta ainda que essa norma, interpretada no sentido de não ser fiscalmente dedutível a contribuição sobre o sector energético, padece de inconstitucionalidade material por violação do princípio da tributação segundo rendimento real, do princípio da igualdade e do princípio da proporcionalidade. Para assim concluir, a Requerente considera, em suma, que a concretização do princípio da tributação segundo o rendimento real implica que todos os custos incorridos que se encontrem relacionados com a obtenção de rendimentos sejam dedutíveis para efeitos fiscais e qualquer desvio a essa regra terá de encontrar-se justificada. E, por outro lado, em aplicação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, a dedutibilidade dos gastos e perdas deverá ser aplicada uniformemente, não se detectando um fundamento material bastante para distinguir entre o gasto suportado com a CESE e os gastos que respeitam ao pagamento de outros tributos, além de que a não dedutibilidade da CESE, constituindo uma medida restritiva do direito à tributação segundo o rendimento real, não se encontra justificada segundo um critério de necessidade ou exigibilidade.

Ainda que, como atrás afirmado, não esteja aqui em causa avaliar da constitucionalidade ou não da CESE, sendo a CESE, no presente processo, o gasto fiscal objecto de oposição entre as partes, o Tribunal deve pronunciar-se sobre a norma do Código do IRC que nega a possibilidade de dedução fiscalmente relevante.

 

Quanto à questão de ilegalidade, cabe referir que as disposições dos artigos 23.º, n.º 1, e 23.º, n.º 1, alínea q) do Código do IRC pertencem ao mesmo compêndio legislativo e possuem igual valor paramétrico, não sendo possível discernir uma qualquer relação de subordinação entre os dois dispositivos. O artigo 23.º define, no seu n.º 1, um princípio geral de dedutibilidade de gastos e especifica, no n.º 2, a título exemplificativo, diversas categorias de gastos que são considerados dedutíveis. O artigo 23.º-A do Código do IRC, aditado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro - correspondente ao antigo artigo 42.º-, veio entretanto elencar, através de enumeração taxativa, um conjunto de encargos que, tendo sido efectiva e comprovadamente suportados pelas empresas, não podem ser levados em conta para efeito do cálculo do lucro tributável.

 

Não existe uma incompatibilidade entre estas disposições legais. O que sucede é que o artigo 23.º-A estabelece excepções à regra da dedutibilidade dos custos comprovados e necessários para o desenvolvimento da actividade empresarial. Daí não pode concluir-se que se verifica a inobservância do disposto no artigo 23.º, mas apenas que a CESE se inclui entre os encargos tidos pelo legislador como não dedutíveis para efeitos fiscais.   

 

Por outro lado, por forma a ter uma visão global e completa da matéria, as questões de constitucionalidade carecem de ser analisadas à luz do regime legal definido para a contribuição para o sector energético.

 

A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), incluída entre os encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, é tida como uma contribuição extraordinária que tem “por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético”, incidindo sobre as pessoas singulares ou coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2015, se encontrassem nalguma das situações elencadas do artigo 2.º do regime que cria a contribuição.

 

 A receita obtida é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida e ou pressão tarifárias e do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional (artigo 11.º).

 

Por outro lado, é o próprio artigo 12.º do regime da CESE que declara a não dedutibilidade da contribuição para efeitos fiscais, no âmbito do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, regra que foi transposta para alínea q) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.

 

Refere a Requerente que a não dedutibilidade da contribuição para efeitos fiscais viola o princípio da tributação segundo o rendimento real, que se encontra consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição.

 

Desse princípio decorre que a determinação do lucro tributável das empresas deva assentar fundamentalmente na respectiva contabilidade, como meio de dar a conhecer a situação económica das empresas, e tem em vista assegurar que o sistema fiscal permita efectuar o controlo dos rendimentos numa medida aproximada à realidade existente.

 

A tributação segundo o rendimento real corresponde a um quadro típico ou caracterizador do sistema fiscal que não exclui que possa encontrar-se sujeito a desvios que se mostrem justificados no plano constitucional, e que não pode deixar de atender aos princípios de praticabilidade e de operacionalidade do sistema (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 162/2004, de 17 de Março de 2004, Processo n.º 698/2003).

 

O lucro tributável para efeitos de IRC assenta, por isso, no resultado contabilístico, ao qual o legislador tributário introduz as correcções extracontabilísticas necessárias para tomar em consideração os objectivos e condicionalismo próprios do Direito Fiscal, e, como o Tribunal Constitucional tem reconhecido, o rendimento fiscalmente relevante não constitui uma realidade de valor materialmente apreensível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável (cfr. atrás referido Acórdão n.º 162/2004 e, na doutrina, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 301). 

Por outro lado, esse princípio surge associado ao princípio da capacidade contributiva, como corolário do princípio da igualdade.

O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adoptadas pelo legislador fiscal, tem conduzido à ideia, expressa por exemplo no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97 (de 29 de Abril de 1997, Processo nº 63/96), de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará “a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo”.

No entanto, o Tribunal Constitucional não deixa de aceitar a proibição do arbítrio, enquanto critério de controlo negativo da igualdade tributária, como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema.

Neste contexto, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem excepção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 306/2010, de 14 de Julho de 2010, Processo n.º 107/2010 e n.º 695/2014, de 15 de Outubro de 2014, Processo n.º 1265/2013).

 

Revertendo à situação do caso, cabe fazer notar que a CESE foi instituída como uma contribuição extraordinária, incidente sobre as pessoas e entidades que integram o sector enérgico nacional, tendo por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector, através da constituição de um fundo, entretanto criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril (FSSSE) e ao qual se encontram consignadas as receitas.

 

O Tribunal Constitucional tem defendido a qualificação da CESE como contribuição financeira e tem defendido que não contraria a Lei Fundamental (e.g., mais recentemente o Acórdão n.º 7/2019, de 8 de Janeiro de 2019, no âmbito do Processo n.º 141/16). Também a doutrina tem assumido a CESE como tendo natureza jurídica de contribuição financeira, com um âmbito de incidência delimitado a um grupo definido de destinatários, caracterizando-se como uma contribuição com uma finalidade extrafiscal que tem também em vista modelar e orientar as condutas dos sujeitos passivos (sobre esta modalidade de contribuições, e.g., SUZANA TAVARES DA SILVA, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, Coimbra, 2008, págs. 48-53).

 

Por outro lado, estando em causa uma limitação à dedução de encargos, como excepção à regra geral da dedutibilidade dos gastos, ela poderá encontrar-se enquadrada em diversos critérios legislativos que vão desde a mera técnica de quantificação do imposto - como sucede quando se exclui da dedução a colecta de IRC –,  a medidas de carácter sancionatório - quando se visa evitar a imputação ao resultado do exercício dos gastos decorrentes da prática de infracções –, ou a medidas de combate à fraude e evasão fiscais - quando se desconsideram despesas não documentadas ou gastos que podem corresponder a uma forma encapotada de pagamento de remunerações (SALDANHA SANCHES, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra, 2006, págs. 393-394).

 

Relativamente à CESE nada permite concluir que o legislador não tivesse pretendido seguir o primeiro dos critérios legislativos indicados, já aplicável à colecta de IRC, tendo em vista evitar que o gasto efectivo com o pagamento da contribuição pudesse ser repercutido em desfavor do Estado, através da dedução para efeitos do apuramento do lucro tributável. De facto, como se deixou exposto, a CESE tem uma finalidade extrafiscal, assumindo uma função moderadora dos comportamentos das entidades ligadas ao sector.

 

Em todo este contexto, não pode deixar de reconhecer-se que subsiste uma justificação plausível para a não dedutibilidade do encargo, como meio de evitar a redução do impacto financeiro que a medida legislativa pretende alcançar.

 

E não pode ignorar-se que o legislador adoptou idêntico tratamento legislativo em relação à contribuição para o sector bancário, que igualmente teve em vista financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor bancário, e à contribuição sobre a indústria farmacêutica, que tem por objetivo garantir sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde na vertente dos gastos com medicamentos (artigo 23.º-A, n.º 1, alíneas p) e s), estas aditadas pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro).

 

A Requerente invoca ainda a violação do princípio da proporcionalidade, na vertente de necessidade ou indispensabilidade, no pressuposto de que a não dedutibilidade da CESE imposta pelo artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do Código do IRC constitui uma medida restritiva de um direito fundamental, traduzido no princípio da tributação segundo o rendimento real.

 

Ora, o princípio da tributação segundo o rendimento real, consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição, não integra um direito fundamental, nem um direito de natureza análoga (como tal, podia entender-se o direito consubstanciado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP), mas antes um critério de tributação das empresas que é assumido de forma mitigada e prática, tornando-se apenas exigível que a tributação incida fundamentalmente sobre o rendimento real. E, como se deixou exposto, esse princípio está sujeito a desvios que se mostrem justificados no plano constitucional.

 

Assim sendo, não tem aplicação ao caso os pressupostos de que depende a restrição de direitos fundamentais, e, por outro lado, tendo-se já concluído que a norma do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do Código do IRC não viola o princípio da tributação segundo o rendimento real, haverá de entender-se que o desvio à regra geral da dedutibilidade se encontra justificado.

 

Não ocorre, por isso, a invocada violação de princípios constitucionais.

 

Vícios de conhecimento prejudicado

 

 11. Face à solução a que se chegou quanto ao primeiro conjunto de questões analisado, fica prejudicado o conhecimento das questões de direito conexionadas com a legalidade da inspecção tributária.

 

Juros compensatórios

 

12. A Requerente impugna igualmente a liquidação de juros compensatórios em relação aos actos de liquidação impugnados.

 

Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

 

Como tem sido entendimento corrente, os juros compensatórios devidos nos termos da referida disposição constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente. Tratando-se de uma indemnização de natureza civil, ela só exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa actuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência.

 

A procedência parcial do pedido arbitral torna necessariamente inexigível o pagamento de juros compensatórios em relação à liquidação que é objeto de anulação, pelo que o pedido é também procedente nessa parte.

 

Indemnização por prestação de garantia indevida.

 

7. A Requerente veio ainda requerer o pagamento da correspondente indemnização por prestação de garantia indevida, tendo para o efeito alegado e demonstrado que procedeu à prestação de garantia bancária, no valor de € 732.755,93, para efeito de obter a suspensão do processo de execução fiscal que lhe foi instaurado.

O artigo 171.º do CPPT garante a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada, que poderá ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, havendo de entender-se que o processo arbitral é também o meio processual próprio para deduzir esse pedido visto que poderá ter por objecto a apreciação de pretensões relativas à declaração de legalidade de actos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

O artigo 53.º da LGT admite ainda que o devedor que ofereça garantia bancária ou equivalente para suspender a execução fiscal será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior  a três anos, salvo quando se verifique na impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, caso em que a indemnização não está dependente do prazo pelo qual vigorou a garantia.  

Como se decidiu na Decisão Arbitral n.º 239/2016-T, o «erro imputável aos serviços na liquidação do tributo» abrange todas as ilegalidades que afectem a validade da liquidação, pelo que, tendo sido julgado procedente, em parte, o pedido arbitral, há lugar à indemnização por prestação de garantia indevida na proporção do vencimento.

Nestes termos, procede o pedido de condenação da AT no pagamento de indemnização pelas despesas suportadas a prestação da garantia bancária, cujo montante, não tendo sido indicado na petição inicial, será fixado em execução de julgado.

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

a)            Julgar procedente o pedido arbitral quanto à correcção do lucro tributável no valor de € 496.345,75 e anular a liquidação em IRC impugnada, bem como a correspondente liquidação de juros compensatórios;

b)           Julgar improcedente o pedido arbitral quanto ao acréscimo do lucro tributável nos montantes de € 164.607,16 e € 198.054,00, por referência à não dedutibilidade da contribuição extraordinária sobre o sector enérgico;

c)            Condenar a Autoridade Tributária em indemnização por prestação de garantia indevida, em proporção do vencimento, a fixar em execução de julgado.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 579.337,29, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 8.874,00, que fica a cargo da Requerente e da Requerida na proporção de 30% e 70%, respectivamente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 3 de Janeiro de 2020,

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

A Árbitro Vogal

Rita Calçada Pires

 

O Árbitro Vogal

A. Sérgio de Matos