Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 143/2014-T
Data da decisão: 2014-07-21  IRS  
Valor do pedido: € 452.852,54
Tema: Cláusula geral antiabuso
Versão em PDF

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Marcolino Pisão Pedreiro e Dr.ª Maria Celeste Cardona, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 30-04-2014, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

            A..., NIF … e B..., NIF ..., com residência na rua …, Cascais, vieram nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) requerer a Constituição de Tribunal Arbitral visando a anulação da liquidação adicional de IRS nº ..., com data de 22-11-2013 e da subsequente demonstração de acerto de contas (documento 2013 ...), bem como o reconhecimento do direito dos Requerentes à indemnização por garantia indevida, com a consequente condenação da Administração Tributária e Aduaneira a pagar aos Requerentes essa indemnização no montante que vier a ser liquidada em execução do acórdão.

            É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

            Os Requerentes optaram pela não designação de árbitro.

            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, o Dr. Marcolino Pisão Pedreiro e a Dr.ª Maria Celeste Cardona, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

            As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

            Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 30-04-2014.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e a sua absolvição do pedido.

            Em reunião de 30-06-2014, procedeu-se à produção de prova testemunhal.

            Na mesma reunião, as Partes produziram alegações orais.

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            O processo não enferma de nulidades.

 

            2. Matéria de facto

 

            2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      Os Requerentes foram detentores do capital social da empresa “C..., S.A.” (doravante “C...”), cuja actividade era exercida no âmbito do CAE 791010 – Actividades das Agências de Viagem;

b)      A aludida sociedade foi constituída em 03-06-1997, sob a forma de sociedade por quotas, com um capital social de € 99.759,58, e era integralmente detida e em partes iguais, pelos ora Requerentes, que eram também gerentes da mesma;

c)      Em 26-12-2007, os Requerentes, na qualidade de sócios e em representação da “C...”, celebraram um contrato com a empresa “D..., S.A” (doravante “D...”), sociedade que «se dedica às actividades de operador turístico e de agência de viagens de turismo»;

d)     Nesse contrato os ora Requerentes declararam pretender vender e a “D...” comprar «a totalidade das participações sociais representativas do capital social da C...»;

e)      Além do mais, as partes obrigaram-se à prática de um conjunto de operações jurídicas, designadamente, de acordo com o que resulta do teor do contrato junto como anexo 1 ao relatório inspectivo (fls. 54 e seguintes do PA):

“(…) os SÓCIOS obrigam-se a proceder, até à DATA DO CLOSING 1, a um aumento do capital social da C... para o montante de € 100.000,00 (cem mil euros), e à transformação da C... em sociedade anónima, por forma a que na DATA DO CLOSING 1 e na DATA DO CLOSING 2, os SÓCIOS detenham em partes iguais as acções representativas da totalidade do respetivo capital social;” [considerando f) e Cláusula Segunda do contrato];

f)       Foi igualmente acordado que “A C... pretende vender à D..., que lhe pretende comprar, na DATA DO CLOSING 1, os ACTIVOS”, que, de acordo com a definição constante da Cláusula Primeira, alínea b) do contrato, serão constituídos pela totalidade do sistema informático, da base de dados, dos domínios na internet e dos bens móveis;

g)      Acordaram, ainda as partes efectuar “nos termos estabelecidos no CONTRATO, até à DATA DO CLOSING 2, uma VERIFICAÇÃO FINANCEIRA;” [considerando g) do contrato];

h)      De acordo com as definições constantes da Cláusula Primeira, a data do “Closing 1” corresponderá aquela em que se concretiza a venda dos activos, momento que seria determinado pela “D...” e teria lugar no prazo máximo de cinco dias (úteis) a contar da data em que fosse notificada da decisão de não oposição da Autoridade da Concorrência;

i)        A data do “Closing 2”, corresponderia ao momento em que se concretizaria a venda das acções e seria indicada pela “D...” no prazo máximo de quinze dias (úteis) a contar da data em que esta dispusesse do relatório final e do preço final das acções [considerando p) do contrato];

j)        O momento correspondente ao “Closing 1” ocorreu em 29-02-2008, tendo sido cumpridas, até aí, designadamente, as seguintes operações:

– O aumento de capital social da “C...” (de € 99.759,58 para € 100.000,00), realizado em 27-12- 2007 (ou seja, logo no dia seguinte ao da celebração do contrato de venda da participação) e ainda, na mesma data, a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima [cópia da escritura pública de “divisão, cessão de quotas, aumento de capital e transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima”, anexo 2 ao Relatório Inspectivo, fls. 98 e seguintes do processo administrativo;

– A transmissão dos activos da “C...”;

– O pagamento, pela “D...”, por conta da totalidade do valor final acordado, do montante de € 3.000.000,00 (valor correspondente a 74,47% do valor final das transacções);

k)      A partir de 29-02-2008 (“Closing 1”), a “D...” passou a deter o sistema informático, as bases de dados e os domínios na Internet que até aí pertenciam à “C...” [cláusulas terceira, quarta e quinta do contrato];

l)        A partir de 29-02-2008, a “D...” passou a ocupar a posição contratual da “C...” em contratos de Renting, de prestação de serviços e de Estágio, nos moldes previstos nas cláusulas oitava, nona, décima e décima primeira do contrato;

m)    A partir de 29-02-2008, a “D...” passou a poder utilizar (gratuitamente) as marcas da “C...”, designadamente nacional “... ” [cláusula vigésima segunda do contrato];

n)      Acordou-se ainda a manutenção da actividade comercial da “C...”, de acordo com os critérios e práticas até aí seguidas, e que «(…) toda a exploração da C... desde 1 de Janeiro de 2008 até à DATA DO CLOSING 1 será considerada como se tivesse sido directamente efectuada pela D...» [cláusula décima nona do contato];

o)      Relativamente à operação de compra/venda da participação social na “C...” os sócios, ora Requerentes, obrigaram-se a alienar à “D..., na data definida como “Closing 2”, a totalidade das (já) acções da sociedade;

p)      Tendo em atenção que a transformação do tipo societário obrigava à incorporação de (pelo menos) mais três accionistas, a assumida obrigação de venda (da totalidade do capital social) importava que os ora Requerentes teriam que readquirir, como de facto ocorreu, até à data do “Closing 1”, as participações dos demais accionistas, de modo a permitir o depósito da totalidade das acções em instituição de crédito nacional [cláusula décima terceira];

q)      Embora o “contrato” tenha sido outorgado pela “D...” a sua posição contratual foi ocupada pela empresa (integralmente detida pela “D...”) “E..., Lda”;

r)       Em 13-05-2009, data em que ocorreu o “Closing 2”, acordado que estava o preço global da transacção, procedeu-se à concretização do negócio passando a referida “Movimento Viagens, Lda” a deter integralmente o capital social da “C..., S.A.”;

s)       Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI..., foi encetada acção inspectiva, de cariz interno e âmbito parcial, incidente sobre IRS, tendo em vista o controlo de mais-valias geradas pela alienação de participações sociais;

t)       Na sequência do procedimento inspectivo foram efectuadas correcções à matéria tributável de IRS dos Requerentes, relativamente ao ano de 2009,motivadas pela aplicação da cláusula geral anti-abuso constante no artigo 38º, n.º 2 da LGT, pelas razões invocadas no Relatório da Inspecção que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, de que consta, além do mais, o seguinte:

«(...) o elemento meio corresponde à via escolhida pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal, i. e., os atas ou negócios jurídicos celebrados cuja estrutura se encontra determinada em função de um dado resultado fiscal.

No caso concreto, os sujeitos passivos, com vista à transmissão "imediata" de toda a realidade empresarial da sociedade por quotas da Qual detínham a totalidade do capital social (à exceção da transmissão do imóvel), optaram pela transformação da mesma para sociedade anónima, com vista à transmissão das respetivas ações.

A transmissão, com efeitos imediatos da quase totalidade da realidade empresarial da "C...", é de tal forma notória Que desde logo as partes acordaram que a exploração da empresa, a partir da Data do Closing 1 (momento em Que a sociedade deveria já adotar o tipo de sociedade anónima), seria considerada como realizada pela Adquirente, até ao momento do Closing 2, altura em que se concluiria a formalização da alienação das ações e o pagamento dos montantes em falta. Veja-se o supra referido na alínea G), dos factos supra elencados.

Ora, dado o escopo negocial intentado pelos sujeitos passivos parece-nos que seria expectável o recurso a uma cessão de quotas, nos termos do art.228º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, como procedimento jurídico a adotar para o intento a que se destinava. Para além de ser o adequado à situação vigente no momento em que se celebrou o contrato, i. é, em 2007, em que a empresa assumia o tipo societário de sociedade por quotas, seria mais imediato e muito menos complexo, no Que toca a todas as formalidades Que a constituição de uma sociedade anónima requer, conforme o disposto nos artigos 271 0 e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.

Através da cessão de quotas seria apenas necessário a realização de uma escritura pública ou documento particular de cessão de quotas, precedido de instrumento de salvaguarda da não transmissão do imóvel.

Contudo, da estratégia negocial adotada, a transformação do tipo societário foi desde logo imposição para que se efetivasse a transmissão da realidade empresarial para a esfera jurídica da segunda contraente.

Face ao supra exposto, torna-se evidente que essa transformação, não foi pensada apenas como meio de lograr o intento negocial supra referido, mas sim para inviabilizar a aplicação de tributação fiscal, ou seja, a evasão fiscal.

Se não vejamos, o contrato inicial foi celebrado no final de dezembro de 2007.

Pelas disposições legais vigentes à altura, as mais valias provenientes da alienação onerosa de partes sociais eram sujeitas a tributação em sede de IRS, sendo esta a regra aplicável, nos termos dos artigos 9.º n.º 1 a), art. 10º n.º 1 b) do CIRS. Contudo o mesmo diploma legal excecionava algumas situações, sobre as quais não recaía este tipo de imposto, designadamente, se as mais valias proviessem da alienação de ações, detidas pelo seu titular, por um período superior a 12 meses. Era o que defendia o art.10º n.º 2 a} do CIRS antes da entrada em vigor da

Lei n.º 15/2010 de 26 de julho.

Ora, pela análise cuidada do contrato celebrado e respetivos aditamentos, é percetível que o caminho percorrido para a venda da sociedade, passou por adaptar a situação inicial da mesma aos requisitos legais necessários, por forma a enquadrá-la no regime excecional supra discriminado, inviabilizando a tributação da operação económica em sede de IRS.

Até pela existência dos designados "Closings", que mais não foram do que uma sistematização temporal das várias operações inerentes a toda a vontade negocial, podemos aferir da premeditação na escolha desta via como desviante do intento fiscal.

Outros pormenores negociais verificados na estratégia dos sujeitos passivos ora em análise, corroboram a opção pela via legal que prejudica o Estado e a Fazenda Pública.

Se assim não fosse, compulsado o livro de registo de ações exigido legalmente pelas portarias n.º 289/2000 e 290/2000, ambas de 25 de maio, ver-se-iam refletidas todas as operações jurídico-económicas vertidas no contrato, em sequência do verdadeiro objetivo negocial.

Porém, pelo que a Autoridade Tributária apurou, da constatação de tal documento legal, apresentado pela empresa em causa em 20103/2013, conforme Doc. n.º 4 em anexo, apenas foram levadas a registo as operações económicas que envolveram os sócios A... e B....

Em momento algum foi registada a estratégia negocial adequada e legalmente exigível para potenciar o alegado escopo negocial levado a cabo no contrato em discussão.

Ora, se os sujeitos passivos inspecionados transformaram a empresa em sociedade anónima, em conformidade com o disposto no art. 273º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, e para tal, incluíram na constituição da mesma F..., NIF: …, G..., NIF: … E H..., NIF: …, seria de esperar que tais acionistas constassem do livro de registo de ações da "C...", como detentores iniciais de 100 ações cada, em conformidade com o que ficou determinado em escritura pública outorgada no Cartório Notarial de …, datada de 27/1212007.

Estranhamente tal não se verifica, o que nos permite concluir pela vontade artificiosa com que toda a estratégia jurídico-fáctica foi delineada, conducente à elisão fiscal.

Verificando-se apenas, no livro de registos a constituição de ações a favor dos sujeitos passivos ora em causa, e a sua transmissão à empresa adquirente, dúvidas não restam, que todo o enredo supra discriminado não passou de um fraudulento artifício negocial. (cfr. anexo 4 da informação em anexo 1 ao relatório).

A ser assim, mais se justificava desde logo, a opção pelo instrumento da Cessão de quotas, em vez da transformação e alienação de ações, conforme o entendimento sustentado pela Autoridade Tributária.

Mais, o facto de se obrigar à transformação do tipo societário antes da Data do Closing 1, ou seja, antes da entrega dos primeiros montantes a título de contraprestação pecuniária, bem como a obrigação de depósito bancário das ações, em momento anterior à formalização contratual da dita alienação, denunciam a verificação de manobras eloquentes da vontade distrativa da incidência fiscal.

Ainda que interessasse à compradora a detenção de participações sociais sob a forma de ações, poderia a mesma adquirir a sociedade na sua forma original, ou seja, sociedade por quotas, e posteriormente proceder à sua alteração de capital social e transformação para sociedade anónima,

A ter sido assim executado, teriam os sujeitos passivos ora inspecionados, que suportar o imposto sobre as mais valias obtidas com a transmissão das quotas societárias de que eram titulares.

Tendo optado pela alteração e transformação da sociedade, em momento anterior à operação de alienação, parece-nos evidente que o objetivo principal levado avante pelos sujeitos passivos foi a eliminação de encargos tributários.

Assim, encontra-se claramente verificado pelos sujeitos passivos, o recurso a atos jurídicos principalmente dirigidos à elisão de impostos que seriam devidos em resultado de negócios jurídicos de idêntico fim económico, em conformidade com o disposto no art. 38º n.º 2 da LGT.

2} Elemento Resultado

Conforme refere o n.º 2 do artigo 38º da LGT, os atos ou negócios jurídicos "anómalos” deverão ser "essencial ou principalmente dirigidos... à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não serão alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios...".

Em suma, o elemento resultado consiste na vantagem fiscal conseguida através da atividade do contribuinte, que no caso em apreciação se consubstancia no obstáculo à tributação em sede de IRS que iria recair sobre os rendimentos obtidos com a alienação das participações sociais, que assumem a forma de mais valias, nos termos dos artigos 9º n.º1 a), e 10º n.º 1 b) do CIRS.

Efetivamente os sujeitos passivos lograram a eliminação dos encargos fiscais, tendo apresentado face a terceiros, nomeadamente à Administração Fiscal, um cenário que à primeira vista seria o adequado à situação existente à data, em que o negócio jurídico celebrado seria inócuo de intenções fraudulentas e dissuasor de responsabilidades fiscais, o propósito negocial levado a cabo pelos sujeitos passivos foi nitidamente a transmissão de toda a realidade empresarial de que eram titulares, designadamente a empresa "C...", LDA., sem que sobre os rendimentos daí provenientes recaísse qualquer ónus fiscal.

Ora, o negócio jurídico considerado como expectável e adequado para a obtenção dos objetivos explanados, seria a cessão das quotas de que eram detentores, conforme previsto no art. 228º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais. Sobre essa operação económica teria recaído imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, conforme se encontra estatuído nos artigos 10º n01 b), n04, a) e art. 43º n.º 3, 44º, 48º e 51º do CIRS.

Sucede que o negócio jurídico celebrado, a alienação de ações, está sujeito a uma oneração fiscal distinta do negócio preterido, designadamente por se enquadrar no disposto no artigo 10º n.º 2 a) do CIRS vigente à altura, que contemplava a não tributação em IRS das mais-valias provenientes da transmissão de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.

Este requisito foi devidamente acautelado pelos sujeitos passivos, uma vez que, desde que outorgaram o contrato inicial, se obrigaram à imediata transformação do tipo societário da empresa "C...", LDA. para sociedade anónima, salvaguardando a efetiva formalização da transmissão das participações sociais para um momento posterior, que permitisse a ocorrência do lapso de tempo exigido no artigo 10º n.º 2 a) do CIRS.

Assim, o contrato inicial que premeditava tal situação foi outorgado em 27/12/2007.

Na mesma data os sujeitos passivos procederam à transformação em sociedade anónima, cfr. escritura pública em anexo 2 à informação. (cr. anexo 1 ao relatório)

Apesar do CIRS no seu art. 43º n.º 4 b) reportar a aquisição de ações resultantes da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, à data da aquisição das quotas que lhe deram origem, para garantir a não tributação desta operação em sede de IRS, os sujeitos passivos cuidaram em formalizar a alienação das ações em 13/05/2009, de molde a salvaguardarem a referida exceção fiscal, cumulativamente,' pela dilação do momento gerador do facto tributário conforme preceituado no artigo 10º n.º 2 a) do CIRS.

Compulsando os elementos constantes da declaração anual de rendimentos -Modelo 3 de IRS, obrigação declarativa imposta pelo artigo 57º do CIRS, referente ao ano em que foram concluídas todas as operações contratualizadas e se operou a transmissão das ações da "C…”, S.A. (ano económico de 2009), verifica-se que, em resultado de toda a manobra dilatória aqui explicitada, aos sujeitos passivos foi apurado imposto a pagar no montante de € 5.555,50, por aplicação do regime excecional previsto art. 10º n.º 2 do CIRS.

Se os obrigados tributários não tivessem adulterado a situação empresarial vigente à altura da celebração do contrato inicial, optando pela concretização da operação jurídica adequada à situação, conforme supra se explicou, na determinação da matéria coletável em sede de IRS ter-se-ia aplicado o regime de tributação das mais-valias pela alienação de participações sociais, previsto no art. 9º, n.º 1 a) e art. 10º n.º 1, b) ambos do CIRS, apurando-se o tributo de acordo com as regras estabelecidas nos artigos 10º, n.º 4 a), 43º, 44º, 48º, 51º e 72º do mesmo diploma legal.

Em resultado da utilização do subterfúgio jurídico aqui em análise, deixou de ser entregue nos cofres do Estado IRS no montante de €392.825,00 [(valor de realização -valor de aquisição x 10% =(€4.028.250,00 -€100.000,00) x 10%].»

u)      Por despacho de 15-11-2013, o Senhor Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira autorizou a aplicação da cláusula geral antiabuso (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

v)      Foi a D... que contactou a sociedade C..., no sentido da sua aquisição, por querer obter expansão da sua actividade em viagens de lazer e lhes interessar um nicho do mercado de viagens de lazer em que a C... tinha actividade que é o das viagens de neve (depoimento da testemunha I...);

w)    Os primeiros contactos entre a D... e C... forma em 2005 (depoimento da testemunha I...);

x)      A conselho da …, o preço final do negócio celebrado entre a D... e a C... ficou dependente da evolução de uma fase inicial e do apuramento da globalidade das dívidas a pagar e cobranças que esta empresa tinha a efectuar, período em que se mantinham em funções as pessoas que até então as desempenhavam na C... (depoimentos das testemunhas I... e J...);

y)      Foi a D... quem exigiu como condição para a celebração do contrato que a C... se transformasse em sociedade anónima, com o objectivo de as acções serem depositadas numa instituição bancária a coberto de um contrato de levantamento, por ter adiantado, por conta da transmissão, o pagamento da maior parte do preço e ter interesse em que a transmissão do capital social da C... para a D... se pudesse concretizar de imediato, no momento acordado, por mero acto de vontade da D..., através do levantamento das acções depositadas, evitando possível litígio judicial que poderia gerar-se se, em vez disso, a transmissão ficasse dependente da execução de uma contrato-promessa de cessão de quotas (depoimentos das testemunhas I... e J...);

z)      Na sequência da correcção à matéria tributável dos Requerentes a Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou a liquidação adicional de IRS nº ..., com data de 22-11-2013 e a subsequente demonstração de acerto de contas (documento 2013 ...), de que resultou um valor a pagar de € 452.852,54, em que se incluem € 53.347,04 de juros compensatórios (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

aa)   O termo do pagamento da quantia adicionalmente liquidada ocorreu em 02-01-2014 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

bb)   No dia 17-02-2014, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que tenham sido os Requerentes que decidiram transformar a sociedade por quotas em sociedade anónima, nem que qualquer dos factos que praticaram tivesse sido levado a cabo com o desígnio de obter vantagens fiscais, designadamente a nível da tributação em IRS.

 

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos que constam do processo instrutor e na prova testemunhal.

As testemunhas I... e J... aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos factos sobre que depuseram.

A primeira testemunha é administrador executivo da D... e a segunda participou no processo de aquisição, não sendo alegado nem demonstrado que qualquer delas tenha alguma relação pessoal com qualquer do Requerentes ou que tenha algum interesse na defesa da posição destes no presente processo.

 

            3. Matéria de direito

 

            A questão essencial que é objecto do presente processo é a da verificação ou não dos requisitos de aplicação da cláusula geral antiabuso.

                       

3.1. Planeamento fiscal legítimo e ilegítimo

 

Nas definições elaboradas por Saldanha Sanches ( [1] ): o planeamento fiscal legítimo «consiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por acção intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais»; enquanto que o planeamento fiscal ilegítimo «consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo».

Dentro do quadro do planeamento fiscal podemos, assim, distinguir as situações em que o sujeito passivo actua contra legem, extra legem e intra legem.

Quando este actua contra legem, a sua actuação é frontal e inequivocamente ilícita, pois infringe directamente a lei fiscal, e configura uma fraude fiscal ( [2] ) passível, inclusive, de ser objecto de censura contra-ordenacional ou criminal.

A actuação extra legem ocorre quando o sujeito passivo aproveita de forma abusiva a lei para chegar a um resultado fiscal mais favorável, pese embora este não a violar directamente. Este adopta «um comportamento que tem como finalidade exclusiva ou principal contornar uma ou várias normas jurídico-fiscais, de modo a conseguir a redução ou a supressão do encargo fiscal» ( [3] ). Sendo que dessa ou dessas normas jurídico-fiscais se deve detectar uma tentativa de contornar «uma clara intenção de tributar afirmada pelos princípios estruturantes do sistema» ( [4] ). Este tipo de actuação é comummente designada de «fraude à lei fiscal» mas, conforme alerta Saldanha Sanches, pretendendo melhor ilustrar e distinguir estas situações das de fraude fiscal, também designada de «evitação abusiva de encargos fiscais», «evitação fiscal abusiva» ou ainda «elisão fiscal»( [5] ).

Só se afigura legítima – e, assim, planeamento fiscal legítimo ou não abusivo – a actuação intra legem. Com efeito, a obtenção de uma poupança fiscal não constitui um comportamento proibido pela lei, desde que a actuação não se enquadre na supra referida actuação extra legem ( [6] ).

Sub iudice, sucintamente, os Requerentes contestam que configure planeamento fiscal abusivo a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, por essa transformação ter sido exigida pela sociedade adquirente como condição do negócio para garantia da transferência das participações, através do levantamento das acções, depositadas num entidade bancária com um contrato de levantamento.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende constituir um planeamento fiscal abusivo, na medida em que, através daquela transformação em sociedade anónima, que considera desnecessária e fiscalmente motivada, e subsequente venda de acções (em vez de quotas), os Requerentes evitam a tributação de mais valias em sede de IRS.

Assim sendo, a questão colocada a este tribunal, na sequência do procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso — um dos mecanismos legais a que o legislador recorre para dar resposta aos comportamentos de planeamento fiscal abusivo —, reside em saber se a actuação dos sujeitos passivos se situa ou não extra legem, ou seja, se há um planeamento fiscal ilegítimo, se ele foi abusivo.

 

3.2. Elementos da cláusula geral antiabuso

 

 

Sob a epígrafe «Ineficácia de actos e negócios jurídicos», dispõe o artigo 38.º, n.º 2 da LGT em relação à denominada cláusula geral antiabuso (CGAA) no direito tributário.

A letra plasmada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, passou a ser a seguinte:

 

«São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas».

 

Esta norma é complementada pelo extenso artigo 63.º do CPPT, que contém um conjunto disposições que concretizam os parâmetros conformadores do procedimento de aplicação das disposições antiabuso.

A doutrina e a jurisprudência têm vindo a desconstruir a letra da norma apontando cinco elementos nela patentes. Correspondendo um dos elementos à estatuição da norma, os restantes quatro afiguram-se requisitos cumulativos que permitem aferir – como se de um teste se tratasse – quanto à verificação de uma actividade caracterizável como um planeamento fiscal abusivo ( [7] ).

Estes elementos, em torno dos quais ambas as partes aliás constroem a sua argumentação, consistem:

– no elemento meio, que diz respeito à via livremente escolhida – acto ou negócio jurídico, isolado ou parte de uma estrutura de actos ou negócios jurídicos sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário – pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal ( [8] );

– no elemento resultado, que contende com a obtenção de uma vantagem fiscal, em virtude da escolha daquele meio, quando comparada com a carga tributária que resultaria da prática dos actos ou negócios jurídicos «normais» e de efeito económico equivalente ( [9] );

– no elemento intelectual, que exige que a escolha daquele meio seja «essencial ou principalmente dirigid[a] [...] à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos» (artigo 38.º, n.º 2 da LGT), ou seja, que exige não a mera verificação de uma vantagem fiscal, mas antes que se afira, objectivamente, se o contribuinte «pretende um acto, um negócio ou uma dada estrutura, apenas ou essencialmente, pelas prevalecentes vantagens fiscais que lhe proporcionam» ( [10] );

– no elemento normativo, que «tem por sua função primordial distinguir os casos de elisão fiscal dos casos de poupança fiscal legítima, em consideração dos princípios de Direito Fiscal, sendo que só nos casos em que se demonstre uma intenção legal contrária ou não legitimadora do resultado obtido se pode falar naquela »( [11] );

– e, por fim, no elemento sancionatório, que, pressupondo a verificação cumulativa dos restantes elementos, conduz à sanção de ineficácia, no exclusivo âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos tidos por abusivos, «efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas» (parte final do artigo 38.º, n.º 2, da LGT).

Apesar desta descontrução, a análise dos elementos não pode ser estanque, pois, como realça Courinha, «a fixação de um elemento pode, na prática, depender de um outro», pelo que estes «não deixarão com frequência [...] de auxiliar-se mutuamente» ( [12] ).

Apreciemos, tendo este aspecto em consideração, os elementos da cláusula geral antiabuso tendo em atenção a fundamentação da decisão, os factos provados, e a argumentação jurídica das partes.

Nesta análise, tem de partir-se do pressuposto de que a fundamentação do acto que decidiu a aplicação da cláusula geral antiabuso que se tem de apreciar é apenas a que consta do próprio acto e elementos para que remete, pois o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele]. Por isso, os actos que são objecto do processo têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos.

 

3.2.1. Elemento resultado

 

 

Comparando de uma forma isolada e objectiva os negócios jurídicos da transformação da sociedade em sociedade anónima e a subsequente venda das acções (actos ou negócios jurídicos realizados) e da eventual manutenção da sociedade como sociedade por quotas e a subsequente venda das quotas (actos ou negócios jurídicos equivalentes ou de idêntico fim económico), é inequívoco que a primeira situação beneficiava de um regime legal de tributação mais vantajoso do que a segunda, pois, enquanto a primeira não é objecto de tributação, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, do CIRS, na redacção do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, a segunda é considerada uma mais valia, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, rendimento tributado a uma taxa de 10%, nos termos do artigo 72.º, n.º 4 do CIRS, na redacção do Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de Novembro.

 

 

3.2.2. Elementos meio e intelectual

 

 

Embora a constatação antecedente baste para preencher aquele requisito, o seu preenchimento é, por si só, irrelevante para a aplicação da cláusula geral antiabuso, em função da estrutura de actos e negócios jurídicos realizados: «em caso algum, uma vantagem ou um benefício fiscal indiciarão por si só qualquer ideia de abuso jurídico» ( [13] ).

A denominada «step transaction doctrine», teoria construída nos ordenamentos anglo-saxónicos e que está subjacente à argumentação da Autoridade Tributária e Aduaneira, consiste na consideração do conjunto complexo de actos ou negócios jurídicos que surgem numa arquitectura global, planeada, composta por actos ou negócios jurídicos preparatórios e complementares, para além do acto ou negócio jurídico que é objectivamente censurado, na medida em que somente através da sua visão completa se detecta o desenho elisivo ( [14] ).

No que toca ao preenchimento dos pressupostos de aplicação da cláusula geral antiabuso atinentes aos elementos meio e intelectual, os Requerentes alegam existirem razões de natureza não fiscal a justificar a concretização das operações em causa, desde logo, para a nuclear transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima.

Resultou claramente da prova produzida que não foram os Requerentes quem tomou a iniciativa da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, sendo essa transformação exigida pela adquirente, como condição essencial para a realização do negócio.

Para além disso ser afirmado pelas testemunhas inquiridas e não se vislumbrar qualquer razão para duvidar da veracidade das suas afirmações, pois não há qualquer indício de que alguma delas tenha interesse directo ou indirecto no presente litígio, a explicação para tal exigência é absolutamente credível, pois o depósito das acções numa entidade independente das partes do negócio, associado a um contrato relativo ao seu levantamento na disponibilidade da adquirente forneceu uma garantia de possibilidade de execução imediata da transmissão, por mero acto de vontade da adquirente, que não podia ser fornecida por um contrato-promessa de transmissão das quotas.

Assim, não se demonstrou que a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima tivesse sido pretendida por qualquer dos Requerentes nem que a finalidade da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima fosse de natureza fiscal e muito menos principal ou essencialmente fiscal, pois o único objectivo que se provou visarem os Requerentes foi possibilitar a realização do negócio, em face da exigência que lhe foi feita pela adquirente, com justificação perfeitamente plausível.

Por isso tem de se concluir que não se verifica um dos requisitos de aplicação da cláusula geral antiabuso, exigido pelo artigo 38.º, n.º 2, da LGT, que é o de o acto ou negócio jurídico ser essencial ou principalmente dirigido à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos se ele não fosse praticado.

Uma vez que ao requisitos previstos no artigo 38.º, n.º 2, da LGT são cumulativos, tem de se concluir, sem mais, que a aplicação da cláusula geral antiabuso e a subsequente correcção da matéria tributável de IRS dos Requerentes efectuada com base naquela aplicação enferma de ilegalidade.

 

4. Conclusão

 

Conclui-se, assim, que não se verifica um dos pressupostos de facto de que depende a aplicação da cláusula geral antiabuso, que é o acto ou negócio ter sido essencial ou principalmente dirigido à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, pois provou-se apenas que a transformação da sociedade foi dirigida a satisfação de uma exigência da adquirente perfeitamente explicada e justificada.

E, à face do artigo 38.º, n.º 2, ao referir que, para aplicação da cláusula geral antiabuso, os negócios devem ser dirigidos à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos, não basta que sejam obtidas vantagens fiscais, sendo antes indispensável que a obtenção destas tenha sido um objectivo essencial ou principal visado pelo contribuinte.

Consequentemente, é ilegal o acto de liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida, que tem como pressuposto a verificação dos requisitos de aplicação da cláusula geral antiabuso, por violação do preceituado no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

Por isso, tem de ser julgado procedente o pedido de anulação dos actos de liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2009 n.º ..., com data de 22-11-2013 e a subsequente demonstração de acerto de contas (documento 2013 ...), de que resultou um valor a pagar de € 452.852,54, em que se incluem € 53.347,04 de juros compensatórios.

 

5. Indemnização por garantia indevida

 

Os Requerentes afirmam que não pagaram a quantia em dívida e, após citação do processo de execução fiscal, constituiriam garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal e que, para a prestação desta garantia, os Requerentes incorreriam em custos, para além dos inerentes custos de manutenção e de cancelamento, que neste momento não são ainda determináveis.

O processo arbitral é meio adequado para o reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada, pois é aplicável subsidiariamente o artigo 171.º do CPPT, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1,alínea c), do RJAT.

Porém, o que se estabelece naquele artigo 171.º é que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda».

Por isso, só quando garantia é «prestada» é que poderá ser requerido o direito à indemnização, podendo essa prestação ocorrer na própria pendência do processo, situação em que constituirá facto superveniente, invocável nos termos do n.º 2 do artigo 171.º do CPPT.

Aliás, é essa a solução que se compagina com o papel dos tribunais, como serviço de justiça, pois a sua função é resolver litígios concretos existentes e não meramente hipotéticos ou abstractos. Por isso, se for pedido o reconhecimento do direito a indemnização antes da prestação da garantia, o pedido deverá improceder, sem prejuízo de poder ser formulado esse pedido na pendência do processo, se a prestação da garantia entretanto ocorrer, pois, neste caso, estar-se-á perante um fundamento superveniente, invocável no prazo de 30 dias previsto no n.º 2 do art. 171.º do CPPT.

Assim, não sendo alegado e provado que foi prestada garantia, tem de ser julgado improcedente o pedido de reconhecimento do direito a indemnização, sem prejuízo de esse direito poder vir a ser reconhecido inclusivamente em execução de julgado, caso tal prestação ocorra,

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 452.852,54.

 

7. Decisão

 

 

            De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)       Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral na parte em que é pedida a anulação da liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2009, com o n.º ..., datada de 22-11-2013 e a subsequente demonstração de acerto de contas (documento 2013 ...), de que resultou um valor a pagar de € 452.852,54, em que se incluem € 53.347,04 de juros compensatórios;

b)       Anular a liquidação e demonstração do acerto de contas referidos;

c)        Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte em que é pedida a indemnização por garantia indevida.

 

8. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.344,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 21-07-2014

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Marcolino Pisão Pedreiro)

 

 

 

 

(Maria Celeste Cardona)



[1]              Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 21.

[2]              Cfr. AcTCAS de 12-02-2011, proc. n.º 04255/10.

[3]              Cfr. Jónatas Machado e Nogueira da Costa, Curso de Direito Tributário, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 340-341.

[4]              Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., p. 181.

[5]              Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., pp. 21-23; ainda Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12-02-2011, processo n.º 04255/10.

[6]              Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal, As duas constituições – nos dez anos da cláusula geral antiabuso, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 49-50, que afirma, a este respeito: «a consagração da cláusula geral antiabuso implica [...] que a partir da sua introdução está claramente delimitado aquilo que o sujeito passivo pode e não pode fazer. As habilidades fiscais, a destreza fiscal deixam de ser possíveis (as operações artificiosas e fraudulentas que têm como fim principal ou exclusivo a obtenção de uma poupança fiscal mediante a fraude à lei) e o sujeito passivo passa a ter o seu comportamento julgado de acordo com este critério. [...] a evolução da lei é clara no sentido de proporcionar fundamento legal para o planeamento fiscal, desde que seja praticado sem o abuso de formas jurídicas, sem negócios jurídicos artificiosos e fraudulentos mas limitando-se a escolher a via que se encontra aberta e que lhe permite realizar economias fiscais». Cfr., também, Marques, Paulo, Elogio do Imposto, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 360-364.

[7]              Ou seja, a uma «actuação planeada do contribuinte que se traduz num comportamento aparentemente lícito, geradora de uma vantagem fiscal não admitida pelo ordenamento tributário» (cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula Geral Antiabuso no Direito Tributário: Contributos para a sua compreensão, Almedina, Coimbra, 2009, pp.15-17 e 163-165; bem como Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15-02-2011, proc. n.º 04255/10, conclusões XIII e XIV).

[8]              Como decorre da seguinte parte do artigo 38.º, n.º 2, da LGT: «actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos».

[9]              Tal decorre do seguinte segmento do artigo 38.º, n.º 2, da LGT: «redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios». Decorre ainda do artigo 63.º, n.º 3, alíneas a) e b) do CPPT, na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que exigem que a Administração Tributária inclua na sua fundamentação, respectivamente, «a descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e dos negócios ou actos de idêntico fim económico, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam» e «a demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do acto jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou acto com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais».

[10]             Cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula..., p. 180.

[11]             Cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula..., p. 211.

[12]             Cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula..., p. 165. Identicamente, Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., p. 170, que aponta uma «relação de conexão e interdependência em relação aos requisitos exigidos pela lei».

[13]             Cfr. Leite de Campos, Diogo, e Costa Andrade, João, Autonomia Contratual e Direito Tributário, A norma geral anti-elisão, Almedina, Coimbra, 2008, p. 82.

[14]             «Quer os actos jurídicos, quer os negócios jurídicos, podem surgir isolados (adaptados à obtenção da utilidade económica e da vantagem fiscal), ou, naquela que é a hipótese porventura mais comum, formar um conjunto – conjunto de actos ou conjunto de negócios. Para tal, deverão formar uma unidade lógica, sequencial e indivisível a tal dirigida – uma estrutura [...]. A doutrina e a jurisprudência britânica [...] apurou a verificação dessa unidade quando – step-by-step doctrine – no momento da realização do primeiro acto, será pouco razoável admitir que outros não se lhe seguirão forçosamente, de modo a completá-lo, e assim obtendo a vantagem fiscal visada e o fim económico acautelado» (cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula…, pp. 166-167).