Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 445/2019-T
Data da decisão: 2019-12-03  IUC  
Valor do pedido: € 255,71
Tema: IUC – Incidência subjetiva
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I. Relatório

 

1. A..., titular do número de identificação fiscal..., com domicílio fiscal na ..., n.º..., freguesia de ..., concelho de ..., requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral contra o ato de indeferimento de reclamação graciosa oportunamente interposta e, consequentemente, contra o ato de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) relativo ao período de 2018 e ao veículo automóvel com o número de matrícula ..., no valor global de € 255,71, objeto daquela reclamação, cuja declaração de ilegalidade e anulação solicita.

Como consequência da referida anulação, requer a condenação da Administração Tributária ao reembolso da importância que considera indevidamente cobrada, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios, contados nos termos legais.

 

2. Como fundamento do pedido, apresentado em 02-07-2019, alega a Requerente, em síntese, que, tendo apresentado reclamação graciosa contra a liquidação de IUC em causa, com fundamento em ilegalidade por violação do artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), foi a mesma objeto de indeferimento expresso.

 

3. Em síntese, a Requerente suscita a ilegalidade daquele ato de liquidação e decisão proferida sobre a reclamação oportunamente apresentada alegando que o veículo em causa foi adquirido noutro Estado-Membro da União Europeia, onde lhe havia já sido atribuída matrícula definitiva no ano de 2004, facto que, não sendo considerado na definição do âmbito de incidência objetiva do IUC, conduziu  ao seu errado enquadramento naquele âmbito em função da data de atribuição da matrícula nacional, no ano de 2011.

 

4. Em resposta ao que vem solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, invocando, por exceção, duas exceções dilatórias: a sua ilegitimidade passiva e a incompetência do Tribunal Arbitral, em razão da matéria, ambas com base no entendimento de que a questão decidenda se centra na determinação da data de matrícula do veículo em causa, matéria da competência do Instituto da Mobilidade e Transportes (IMT), a que a AT é de todo alheia.

 

5. Por outro lado, alega a Requerida que reconduzindo-se o pedido de decisão arbitral à determinação do enquadramento do veículo em norma de incidência que tenha em conta aquela data, é matéria que extravasa da competência do Tribunal Arbitral. 

 

6. Por impugnação, vem a Requerida alegar que “(...) não assiste razão à Requerente quanto à alegada discriminação negativa entre veículos matriculados noutro Estado Membro e os matriculados em território nacional.” Concluindo que, “(…) a liquidação de IUC em apreço resulta da aplicação das normas do CIUC, de igual forma, a todos os veículos matriculados em Portugal.”

 

7. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

8. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

9. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

10. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 09-09-2019.

 

11. Regularmente constituído o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

12. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

13. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

14. Assim, por despacho de 11-11-2019, objeto de oportuna notificação, foi decidido, salvo oposição das Partes, dispensar a referida reunião, sendo concedido à Requerente um prazo de 10 dias para responder, querendo, às exceções levantadas pela Requerida.

 

15. Dentro do prazo fixado, a Requerente apresentou alegações escritas, reafirmando as posições já anteriormente expressas na petição que oportunamente formulou salientando, no entanto, que as exceções invocadas devem ser julgadas improcedentes.

 

16. Nesse sentido, salienta a Requerente que o pedido apresentado “não diz respeito ao enquadramento do veículo automóvel, nem à fixação da matéria tributável como alega a AT, mas sim à declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IUC identificado nos autos. O pedido da Requerente consiste na anulação do ato de liquidação, subjacente à decisão de indeferimento impugnado, pelo que não se verifica a exceção suscitada pela AT relativa à incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria.” Por essa razão, alega, estar-se perante a utilização de meio processual adequado.

 

II. Matéria de facto

 

17. Com base nos elementos documentais que integram o presente processo destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:

 

17.1. Conforme consta do respetivo Certificado de Matrícula (Doc. 1), a Requerente é proprietária do veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca ..., modelo ..., a que foi atribuído, em 22-12-2011, o número de matrícula nacional ... .

 

17.2. De acordo com o referido documento, a cilindrada do veículo em causa, movido a gasóleo, é de 1195 cm3, com emissão de 173 g/CO2/Km, dele constando a atribuição de primeira matrícula em 16-01-2004 e, como matrícula anterior, .... Em “Anotações especiais” é expressamente referido que o mesmo “TEVE ANTES MATRÍCULA ..., PRIM.MATR. EM ...”

 

17.3. Em 18-12-2018 foi emitido o documento único de cobrança (DUC) n.º 2018 ... do IUC, relativo ao período de 2018 e ao veículo supra identificado, no valor de € 255,71. Nesse mesmo dia, a Requerente efetuou o pagamento do imposto (Doc.2).

 

17.4. Da demonstração da liquidação constante daquele DUC constam os seguintes elementos:

 

17.5. Em 25-02-2019, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra a liquidação acima referida junto do Serviço de Finanças de ...– Procedimento de Reclamação n.º ...2019... – alegando que a liquidação em causa padece de erro porquanto o veículo em questão não se encontra sujeito à norma de incidência objetiva tal como consta da liquidação reclamada uma vez que foi matriculado pela primeira vez no ano de 2004 noutro Estado-Membro da União Europeia, sendo, por isso de enquadrar na Categoria A do IUC.

 

17.6. Em 03-05-2019, por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ..., proferido no uso de competência delegada, foi indeferida a reclamação, com o fundamento de que na liquidação reclamada haviam sido observadas todas as normas legais do Código do IUC aplicáveis.

 

17.7. A decisão em causa foi notificada à Requerente através de Ofício emitido em 07-05-2019.

 

18. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

III. Matéria de direito

 

19. No que concerne ao mérito do pedido e em matéria de direito, a questão essencial que se suscita no presente pedido de pronúncia arbitral consiste em saber se relativamente à questionada liquidação deveria ser considerada a data da primeira matrícula atribuída ao veículo em França (ano de 2004) ou a da que lhe foi atribuída em território nacional (ano de 2011), sendo que tal elemento é, de todo, relevante para o enquadramento do veículo no âmbito da incidência do IUC e definição da taxa aplicável.

 

20. Porém, considerando o disposto nos artigos 13.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 278.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas d) e e) do RJAT, cabe ao Tribunal, a apreciação prévia das exceções invocadas pela Requerida.

 

Questões prévias

 

21. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente submete à apreciação deste tribunal a legalidade do ato de indeferimento expresso de reclamação graciosa e, como objeto mediato, a legalidade do ato de liquidação do IUC, relativo ao período de 2018 e ao veículo acima identificado, invocando a circunstância de o mesmo ter sido objeto de primeira matrícula em França no ano de 2004 e que deveria, pois, ser essa data a considerar para efeitos de enquadramento do âmbito da incidência do IUC (Categoria A) e não a data da sua matrícula em território nacional, como foi considerado na liquidação impugnada (Categoria B). Segundo a Requerida (AT) está, pois, em causa o facto de ter havido um erróneo enquadramento do veículo em função da data de matrícula, matéria que, segundo se depreende da posição da AT, seria da competência exclusiva do Instituto da Mobilidade e Transportes, I.P. (IMT).

 

22. Vem este entendimento da AT expresso nos Pontos 9.º e seguintes da sua Resposta, nos seguintes termos:

 

“9.º Contudo, no douto pedido de pronúncia arbitral, a Requerente deduz como pedido a condenação da AT na anulação liquidação de Imposto Único de Circulação do ano de 2018, fundando o referido pedido no facto da viatura ter sido erroneamente enquadrada na categoria B, o que equivale ao pagamento de um valor superior ao do seu enquadramento na categoria A.

 

10.º Nestes termos, daqui resulta, a existência de um premente interesse em agir – contradizer do Instituto da Mobilidade e Transportes, I.P. (IMT), no presente pleito.

 

11.º Só o IMT poderá dispor do conhecimento dos factos relativos à integração dos veículos nas diferentes categorias.

 

12.º Sendo certo que à AT, enquanto entidade estranha a este procedimento não poderá certamente ser imputável o eventual erro no mesmo. O qual será sempre imputável ao IMT.”

 

13.º Pelo que, o interesse em agir determina a legitimidade passiva necessária do IMT para intervir na presente demanda, decorrendo, assim, necessariamente, a ilegitimidade passiva da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

14.º É que, o interesse em contradizer, nos precisos termos do nº 2 do artigo 30º do CPC, exprime-se pelo prejuízo que advenha da procedência da demanda, sendo que, aquele preceito normativo reconhece a legitimidade como parte (neste caso, como réu na demanda) daquele que tenha interesse direto em contradizer.

 

15.º Assim, não só em face da relação jurídica que aqui se mostra configurada, mas igualmente por força do interesse pessoal e direto em contradizer do IMT é manifesta, como é inequívoca a ilegitimidade da Autoridade Tributária para se encontrar em juízo.

 

16.º Acresce que a apreciação do mérito da pretensão da Requerente no presente litígio, acarretará necessariamente, dado que a decisão arbitral está limitada ao objeto do pedido formulado pelas partes em juízo, não podendo condenar em objeto diverso do pedido (cfr. artigo 609º, nº 1 do CPA), a pronúncia sobre atos praticados pelo IMTT, pelo que seria essencial a intervenção principal provocada daquela entidade no presente processo arbitral, à luz dos artigos 316º e ss. do CPC, o que se afiguraria pertinente suscitar, a título de incidente processual.

 

17.º Porém, não só o IMT não se encontra representado pelo aqui Respondente, sendo que este é o dirigente máximo da Autoridade Tributária e Aduaneira, como nem o Regime Jurídico da Arbitragem em matéria tributária, nem a Portaria de vinculação (Portaria nº 112-A/2011, de 22/03, que deu execução ao artigo 4º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20/01), conferem ao dirigente máximo da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) o papel de representante de outra entidade que não a AT.

 

18.º Ora, verificando-se que as demais entidades indicadas no artigo 1º, nº 3 da LGT, que integram o conceito de administração tributária (mais vasto do que as entidades referidas no artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22/03), não se encontram vinculadas à jurisdição arbitral, tal significa que não só o IMT não se encontra representado no presente processos, mas que igualmente não existe ato de vinculação do IMT à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).

 

19.º Assim, o objeto da presente ação atinge interesses pessoais e diretos de entidades que não estão vinculadas a esta jurisdição, nem representadas em juízo, sendo que tal circunstância acarreta necessariamente a impossibilidade de um tribunal arbitral constituído sob a égide do CAAD se considerar dotado de legitimidade para proferir decisão arbitral de mérito.

 

20.º Donde se verifica a existência de:

· Ilegitimidade passiva da Autoridade Tributária e Aduaneira, representada pelo seu dirigente máximo, para estar em juízo;

· Interesse em agir (contradizer) do IMT, porquanto tem um interesse pessoal e direto no resultado deste litígio

· Impossibilidade de sanação da invocada ilegitimidade passiva através de um incidente de intervenção principal provocada, face à não vinculação do IMT à jurisdição do CAA.

 

23. Conforme decorre do presente pedido de pronúncia arbitral, está em causa o indeferimento de reclamação graciosa de um ato de liquidação de IUC, cuja declaração de ilegalidade e consequente anulação é requerida com o fundamento de o veículo a que respeita o tributo, por erro de direito, não ter sido devidamente enquadrado no âmbito de norma de incidência tributária.

 

24. Está, pois, em causa, uma liquidação tributária efetuada pela AT, no âmbito da respetiva competência (CIUC, art.16.º, n.º 1), sendo que a legalidade dessa liquidação foi objeto de apreciação e decisão em sede de reclamação graciosa não se suscitando aí a qualquer questão quanto ao meio utilizado e à legitimidade procedimental da Requerida.

 

25. Não se compreende o alcance da conclusão tirada pela Requerida de que recaia sobre o IMT o interesse em agir, pois que não está em causa qualquer questão situada no âmbito deste organismo que, de resto, como se extrai do Certificado de Matrícula junto aos autos, procedeu à matrícula do veículo em Portugal, não deixando de anotar os elementos relativos à sua anterior matrícula.

 

26. Pelo exposto, e diversamente do entendimento explanado pela Requerida, não se vislumbra qualquer questão que deva ser suscitada junto do IMT, sendo de concluir-se, sem mais considerações, pela não verificação da ilegitimidade passiva por ela invocada.

 

27. No tocante à incompetência do tribunal em razão da matéria, vem a Requerida alegar que:

 

“30.º No caso em apreciação, o ato objeto do litígio não pode ser qualificado como um ato de fixação da matéria tributável que dá origem à liquidação de tributo para efeitos da alínea b), do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

31.º O que se confronta aqui é o enquadramento na categoria B e não na categoria A do veículo automóvel como a Requerente pretende.

 

32.º O ato sindicado não integra o elenco potencial dos actos de fixação de matéria tributável ou matéria colectável na medida em que não aplica um conjunto de factores, objectivos ou subjectivos, que conduzam à liquidação do correspondente tributo.”

 

33.º O meio próprio para impugnar estes actos, que não comportam a apreciação da legalidade de actos de liquidação e que também não são actos de fixação da matéria tributável ou da matéria colectável não é a impugnação judicial mas sim a acção administrativa especial (alínea p), do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e artigo 37.º e seguintes do CPTA).

 

 34.º Estamos perante um acto que não integra os actos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, pelo que, deve o Tribunal Arbitral julgar procedente a excepção invocada de incompetência absoluta do foro arbitral, em razão da matéria e, em consequência, rejeitar o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo a AT da instância.

 

28. Sobre a questão suscitada, cabe referir que a competência material dos tribunais arbitrais, conforme dispõe o artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), abrange, em primeira linha, a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos.

 

29. Nos termos do artigo 2.º da Portaria 112-A/2011, de 20/04, os serviços da atual AT estão vinculados à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes estejam cometidas, referidas no artigo 2.º daquele diploma.

 

30. No presente caso, é manifesto que o objeto do pedido de pronúncia arbitral se dirige à apreciação da legalidade de uma liquidação tributária promovida pela AT, no quadro da sua competência material.

 

31. Não tendo por objeto um hipotético enquadramento de um veiculo automóvel nem se reportando a fixação de matéria coletável, antes se centrando na declaração da ilegalidade da decisão de indeferimento de reclamação graciosa e, no plano mediato, de um ato de liquidação de IUC, não pode deixar de concluir-se, sem margem para dúvidas, que a pretensão do Requerente se situa no âmbito da competência material do tribunal arbitral.

 

32. Pelas razões expostas, conclui-se pela improcedência da exceção suscitada pela Requerida relativa à incompetência material deste tribunal arbitral, declarando-se o tribunal competente paras apreciar e pronunciar-se sobre o ato liquidação impugnado.

 

Do mérito do pedido

 

33. A questão de mérito a decidir consiste, pois, em determinar-se se o ato de liquidação de IUC, do ano de 2018, relativo veículo supra identificado de encontra ferido de ilegalidade, por violação do artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

34. Importa, assim, antes de mais, a análise do quadro normativo relativo a esta matéria, na formulação em vigor à data da ocorrência do facto tributário – 22-12-2018 – que originou a liquidação em causa no presente processo.

 

35. No plano da incidência objetiva, fixada no artigo 2.º do Código do IUC, na redação vigente àquela data, este tributo recai sobre os veículos matriculados em Portugal das seguintes categorias:

 

“a) Categoria A: Automóveis ligeiros de passageiros e automóveis ligeiros de utilização mista com peso bruto não superior a 2500 kg matriculados desde 1981 até à data da entrada em vigor do presente código;

(Redação inicial da L 22-A/2007, de 29 de Junho)

 

b) Categoria B: Automóveis de passageiros referidos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre Veículos e automóveis ligeiros de utilização mista com peso bruto não superior a 2500 kg, matriculados em data posterior à da entrada em vigor do presente código;”

(Redação inicial da L 22-A/2007, de 29 de Junho)

 

36. Este tributo, com periodicidade anual, é devido por inteiro em cada ano a que respeita. No caso de veículos das categorias A e B, este período corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, sendo exigível no primeiro dia do período de tributação (CIUC, arts. 4.º, n.ºs 1 e 2 e 6.º, n.º2).

 

37. De acordo com o artigo 7.º, n.º 1, do referido Código, a base tributável é constituída pelos seguintes elementos

 

“a) Quanto aos veículos das categorias A, a cilindrada, a voltagem, a antiguidade da matrícula e o combustível;

(Redação inicial da L 22-A/2007, de 29 de Junho)

 

b) Quanto aos veículos da categoria B, a cilindrada e o nível de emissão de dióxido de carbono (CO2) relativo ao ciclo combinado de ensaios constante do certificado de conformidade ou, não existindo, da medição efectiva efectuada em centro técnico legalmente autorizado nos termos previstos para o cálculo do imposto sobre veículos;

(Redação inicial da L 22-A/2007, de 29 de Junho)

 

38. As taxas aplicáveis são as que se encontrem em vigor à data da exigibilidade do imposto (CIUC, art.º 8.º, n,º 1). Nos termos dos artigos 9.º e 10.º do referido Código, encontravam-se em vigor à data da liquidação ora impugnada, as constantes dos quadros seguintes:

 

Artigo 9.º

Taxas - categoria A

 

As taxas aplicáveis aos veículos da categoria A são as seguintes:

 

Combustível utilizado    Eletricidade

Voltagem total  Imposto anual segundo o ano da matrícula (euros)

Gasolina

Cilindrada (cm3)              Outros produtos Cilindrada (cm3)                           Posterior

a 1995   De 1990

a 1995   De 1981

a 1989

Até 1 000             Até 1 500             Até 100 18,12     11,43     8,02

Mais de 1 000 até 1 300                Mais de 1 500 até 2 000                Mais de 100        36,38     20,44     11,43

Mais de 1 300 até 1 750                Mais de 2 000 até 3 000                                56,82     31,76     15,93

Mais de 1 750 até 2 600                Mais de 3 000                    144,16   76,03     32,86

Mais de 2 600 até 3 500                                               261,78   142,55   72,59

Mais de 3 500                                    466,42   239,59   110,09

(Redação dada pela L 114/2017, de 29 de dezembro)

Artigo 10.º

Taxas - categoria B

 

1 - As taxas aplicáveis aos veículos da categoria B são as seguintes:

(Redação inicial da L 22-A/2007, de 29 de Junho. Renumerado pela L 64-A/2008, de 31 de Dezembro, corresponde ao anterior corpo do artigo)

 

 Escalão de cilindrada

(cm3)    Taxas

(euros) Escalão de CO2

(gramas por quilómetro)              Taxas

(euros)

Até 1 250             28,92     Até 120 59,33

Mais de 1 250 até 1 750                58,04     Mais de 120 até 180       88,90

Mais de 1 750 até 2 500                115,96   Mais de 180 até 250       193,08

Mais de 2 500    396,86   Mais de 250        330,76

(Redação dada pela L 114/2017, de 29 de dezembro)

 

2 - Aos veículos da categoria B matriculados em território nacional, após 1 de janeiro de 2017, aplicam-se as seguintes taxas adicionais:

(Aditado pela L 42/2016, de 28 de dezembro)

 

Escalão de CO2

(gramas por quilómetro)              Taxas

(euros)

Mais de 180 até 250       28,92

Mais de 250        58,04

(Redação dada pela L 114/2017, de 29 de dezembro)

 

2 - Na determinação do valor total do IUC, devem multiplicar-se à colecta obtida a partir da tabela prevista no número anterior os seguintes coeficientes, em função do ano de aquisição do veículo:

(Aditado pela L 64-A/2008, de 31 de Dezembro)

 

Ano de aquisição (veículo da categoria B)             Coeficiente

2007      1

2008      1,05

2009      1,10

2010 e seguintes             1,15

(Revogado)        (Revogado)

(Revogado)        (Revogado)

(Redação dada pela L 66-B/2012, de 31 de Dezembro)

 

39. Para além da tributação de acordo com as tabelas acima transcritas, na redação em vigor à data do facto tributário, incide, ainda, sobre os veículos a gasóleo enquadráveis nas categorias A e B do IUC, o adicional, previsto no artigo 216.º da Lei n.º 83-B/2014, de 31/12, mantido em vigor em 2018 pelo artigo 282.º da Lei n.º 114/2017, de 29/12, com as seguintes taxas:

 

                 “a) Veículos a gasóleo enquadráveis na categoria A:

 

Gasóleo

Cilindrada (centímetros cúbicos)              Taxa adicional segundo o ano de matrícula (euros)

                Posterior a 1995               De 1990 a 1995 De 1981 a 1989

Até 1 500             3,14        1,98       1,39

Mais de 1 500 até 2 000                6,31       3,55       1,98

Mais de 2 000 até 3 000                9,86       5,51       2,76

Mais de 3 000    25,01     13,19     5,70

 

b) Veículos a gasóleo enquadráveis na categoria B:

Gasóleo

Cilindrada (centímetros cúbicos)              Taxa adicional (euros)

Até 1 250             5,02

Mais de 1 250 até 1 750                10,07

Mais de 1 750 até 2 500                20,12

Mais de 2 500    68,85

 

40. Como se extrai das normas de incidência, determinação da base tributável e taxas aplicáveis, o elemento “ano da matrícula” assume particular relevância na disciplina do IUC.

 

41. Todavia, a legislação em vigor até à alteração operada pela Lei n.º 119/2019, de 18/09, não atribuía qualquer relevância à matrícula atribuída noutro Estado Membro da União Europeia, entendendo a entidade competente para a liquidação que, para aqueles efeitos, apenas relevaria a data da matrícula atribuída ao veículo em território nacional.

 

42. No entanto, tal omissão e entendimento administrativo poderiam colidir com o disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que dispõe no sentido de que “Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.

Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções.”

 

43. Suscitada questão idêntica à que se coloca nos presentes autos no âmbito de litigio que opunha B... à Fazenda Pública, decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia a seguinte questão prejudicial: “O princípio da livre circulação de mercadorias entre Estados Membros, plasmado no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), opõe se a uma norma de direito interno [alínea b) da norma do artigo 2.º, n.º 1, do CIUC] quando interpretada no sentido de que o imposto único de circulação não deve ter em conta a data da primeira matrícula quando esta tenha sido atribuída noutro Estado Membro, relevando apenas a data da matrícula em Portugal, se desta interpretação resulta uma tributação superior dos veículos importados de outro Estado Membro?”

 

44. Apreciando a questão que lhe foi colocada, o Tribunal de Justiça, em Despacho de 17-04-2018, proferido no Proc. C-640/17, pronunciou-se nos seguintes termos:

 

“18. No caso em apreço, decorre da decisão de reenvio que o Imposto Único de Circulação em causa no processo principal é cobrado anualmente sobre, nomeadamente, qualquer veículo automóvel ligeiro de passageiros matriculado ou registado em Portugal, variando o seu montante, designadamente, em função da data da primeira matrícula do veículo considerado em Portugal. Este imposto é, pois, aplicável tanto aos veículos novos como aos veículos usados e aos veículos importados de outros Estados Membros e matriculados pela primeira vez em Portugal, como ainda aos veículos já presentes no mercado nacional.

 

19. No entanto, os veículos automóveis ligeiros de passageiros, como o veículo importado em causa no processo principal, estão isentos de Imposto Único de Circulação caso tenham sido matriculados em Portugal antes de 1981, ao passo que os veículos similares matriculados noutro Estado Membro antes de 1981 estão sujeitos ao referido imposto, por terem sido matriculados pela primeira vez em Portugal após essa data.

 

20. Por outro lado, esses mesmos veículos integram a categoria A quando tiverem sido matriculados pela primeira vez em Portugal entre 1981 e 1 de julho de 2007, data de entrada em vigor do CIUC, e a categoria B quando tiverem sido matriculados pela primeira vez em Portugal após 1 de julho de 2007. Em contrapartida, os veículos similares que tenham sido importados de outro Estado Membro e matriculados em Portugal após 1 de julho de 2007 integram a categoria B, mesmo quando tiverem sido matriculados pela primeira vez noutro Estado Membro antes dessa data. Os veículos importados para Portugal após 1 de julho de 2007 e matriculados pela primeira vez noutro Estado Membro antes de 1 de julho de 2007 são, assim, objeto de uma tributação sistematicamente superior à tributação de que são objeto os veículos similares não importados e matriculados pela primeira vez em Portugal antes dessa mesma data.

 

21. Consequentemente, a regulamentação nacional em causa no processo principal aplica aos veículos usados e importados de outros Estados Membros após 1 de julho de 2007 uma tributação sistematicamente superior à que incide sobre os veículos usados nacionais similares, na medida em que não tem em conta a data da primeira matrícula dos veículos importados nos outros Estados Membros. Desta forma, tem por efeito favorecer a venda de veículos usados nacionais e desencorajar, assim, a importação de veículos usados similares.

 

22. Atendendo às considerações expostas, há que responder à questão prejudicial que o artigo 110.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado Membro por força da qual o Imposto Único de Circulação que estabelece é cobrado sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros matriculados ou registados nesse Estado Membro sem ter em conta a data da primeira matrícula de um veículo, quando esta tenha sido efetuada noutro Estado Membro, com a consequência de a tributação dos veículos importados de outro Estado Membro ser superior à dos veículos não importados similares.”

 

45. Pelo que, em consequência, aquele Tribunal declarou, pelo referido Despacho, que “O artigo 110.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado Membro por força da qual o Imposto Único de Circulação que estabelece é cobrado sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros matriculados ou registados nesse Estado Membro sem ter em conta a data da primeira matrícula de um veículo, quando esta tenha sido efetuada noutro Estado Membro, com a consequência de a tributação dos veículos importados de outro Estado Membro ser superior à dos veículos não importados similares.”

 

46. Na sequência desta decisão do Tribunal de Justiça, a legislação nacional em causa foi alterada através da Lei n.º 119/2019, de 18/09, passando, de forma expressa, a atribuir relevância à data da primeira matrícula dos veículos quando efetuadas noutro Estado-Membro da União Europeia, compaginando-se assim com o direito comunitário no sentido daquela decisão.

 

47. Não subsistindo, assim, quaisquer dúvidas sobre a ilegalidade da decisão administrativa e liquidação impugnadas - por violação da norma do artigo 110.º do TFUE, diretamente aplicável na ordem jurídica interna por força do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa - devem as mesmas ser revogada e anulada, com as legais consequências.

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

48. A par da revogação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e anulação da liquidação, com o consequente reembolso da importância indevidamente cobrada, a Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

49. Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

50. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

51. No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, pelas razões que se apontaram anteriormente, a Requerente efetuou o pagamento de importância manifestamente indevida.

 

52. Julgando-se, assim, a ilegalidade da norma em que se fundou a liquidação impugnada, reconhece-se à Requerente o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante indevidamente cobrado, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso (cfr. LGT, art.43.º, n.º 1 e CPPT, art. 61.º).

 

IV. Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar improcedente a exceção de ilegitimidade passiva da Autoridade Tributaria e Aduaneira alegada pela Requerida;

 

b) Julgar improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer do presente pedido;

 

c) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando-se a revogação da decisão administrativa e declarando-se a ilegalidade da liquidação impugnada, com a consequente anulação e reembolso da importância indevidamente cobrada, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios, contados nos termos legais.

 

Valor do processo - De harmonia com o disposto no artigo 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 255,71.

 

Custas - Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €306,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 03-12-2019

 

O árbitro, Álvaro Caneira.