DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1. A..., número de identificação fiscal..., residente na Rua ... n.º..., ...-... ..., (doravante designada por “Requerente”) apresentou em 22-04-2019, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
1.2. A Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a ilegalidade e anulação da liquidação de IRS n.º 2018..., relativo ao ano de 2016, bem como dos respetivos juros compensatórios, no valor de 13.781,47 € (treze mil, setecentos e oitenta e um euros e quarenta e sete cêntimos).
1.3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).
1.4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 23-04-2019.
1.5. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.
1.6. As partes foram notificados, em 14-06-2019, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
1.7. De acordo com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 05-07-2019.
1.8. A Requerida, devidamente notificada através do despacho arbitral, de 05-07-2019, apresentou, em 10-09-2019, a sua Resposta e, na mesma data, juntou o Processo Administrativo.
1.9. O Tribunal Arbitral por despacho, de 11-09-2019, determinou: (i) dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, considerando que não foi invocada matéria de exceção nem existe prova a produzir; (ii) caso as partes pretendam proferir alegações escritas, estas deverão ser produzidas no prazo de 10 dias, com caracter sucessivo, a partir da notificação do presente despacho; (iii) indicar o dia 30 de outubro de 2019 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral. A data limite para a prolação da decisão arbitral foi posteriormente adiada, através dos despachos do Tribunal Arbitral, de 04-11-2019 e de 22-11-2019.
1.10. A Requerente e a Requerida não apresentaram alegações.
1.11. A posição da Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral, é, em síntese, a seguinte:
1.11.1. A Requerente não foi notificada da intenção da AT de proceder à liquidação oficiosa ora impugnada, não foi notificada do projeto de decisão administrativa, mas tão só da liquidação desacompanhada de quaisquer outros elementos. Assim, a Requerente ignora a fundamentação da liquidação o que viola o disposto no artigo 77.º, n.º 1, da LGT e do artigo 268.º, n.º 3, da CRP, e consequentemente a Requerente também não pode exercer o seu direito de audição prévia em clara violação do disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea a) da LGT.
1.11.2. O entendimento subjacente à liquidação impugnada não é conforme à natureza jurídica do instituto da expropriação. Efetivamente, a expropriação não opera uma transmissão do direito de propriedade para a entidade beneficiária (não constitui uma aquisição derivada da propriedade), mas sim produz a extinção do direito real daquele e a constituição ex-novo de um direito real na titularidade desta.
1.11.3. O artigo 44.º do Código do IRS inserido no capítulo II (determinação da matéria coletável) estipula que “para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de realização: b) o caso de expropriação: o valor de indemnização.” Só que a possibilidade de aplicação de normas de determinação da matéria coletável pressupõe a existência de norma de incidência real que sujeite a tributação as situações a que aquelas se referem. Logo, as normas de determinação da matéria coletável não são, por definição normas de incidência não podem servir para alargar ou complementar aquelas.
1.11.4. Não existe norma de incidência que preveja a tributação das mais-valias em caso e expropriação. Efetivamente a expropriação não cabe no conceito de “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis” constante da alínea b) do artigo 10.º do Código do IRS e muito menos no de “cessão onerosa de posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imoveis” constante da alínea d) do referido normativo. Isto porque não existe qualquer conceito próprio para efeitos de IRS, de transmissão onerosa de bens imóveis.
1.11.5. A Requerente aceita que se estará perante uma lacuna involuntária do legislador, que não terá atentado no facto de a expropriação não ser subsumível ao conceito de transmissão onerosa de imóveis. Daí verificar-se, nos presentes autos arbitrais, a inexistência, por falta de norma de incidência, do facto tributário.
1.12. A posição da Requerida, expressa na resposta, pode ser sintetizada no seguinte:
1.12.1. A Requerente alega que ignora a fundamentação da liquidação, assacando ser inexistente, e ainda a falta de possibilidade de participar no procedimento, todavia tais vícios não se verificam. Desde logo porque a Informação da Direção de Finanças do Porto, proferida no Processo nº ...2016..., é esclarecedora acerca dos fundamentos que presidiram à liquidação. A referida Informação esclarece ainda, que os rendimentos sujeitos a tributação, seriam constituídos pela diferença entre o valor de aquisição e o valor de realização (nos termos do artigo 10.º, n.º 4, alínea a), do Código do IRS). E que o valor de realização ascenderia aos € 95.908,40, ou seja, ao montante da indemnização sobredito, segundo o artigo 44.°, n.º 1, alínea b), do Código do IRS.
1.12.2. Na esteira da aludida Informação, caberia à Requerente, nos termos do artigo 128.º do Código do IRS, a demonstração do correspondente valor de aquisição. Foi, nesse sentido, orientada a notificação da Informação supramencionada, expedida através do ofício nº 2018..., da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e sobre a Despesa – Equipa ..., da Direção de Finanças do Porto, por carta registada. Dentro do prazo estabelecido (trinta dias), a contribuinte não veio exercer o Direito de Audição e não entregou a declaração de rendimentos em falta, Mod 3 -IRS/2016, acompanhada do anexo G. Também, neste prazo, a contribuinte não veio fazer prova do valor de aquisição do bem imóvel, objeto de expropriação, nos termos do artigo 128.° do Código do IRS. Por isso, foi a dita decisão notificada à Requerente, através do ofício nº 2018..., da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e sobre a Despes – Equipa..., da Direção de Finanças de Lisboa, por carta registada (nº de registo RF ... PT).
1.12.3. Sendo manifesto que, ao contrário da argumentação oferecida pela Requerente, não foi preterido o direito de audição, em momento anterior à elaboração da liquidação contestada. Aliás, o procedimento anteriormente descrito cumpriu, cabalmente, os preceitos aplicáveis e inscritos nas normas do artigo 60.°, n.º 2, alínea b), da LGT, como do artigo 76.°, n.º 3, do Código do IRS. Pelo que não se verifica qualquer vício de forma, que determine a invalidade da liquidação rebatida
1.12.4. Se o valor de realização constitui uma das variáveis que concorrem no cálculo da mais-valia, então a respetiva previsão só faz sentido, perante uma base de incidência que enquadre a expropriação dentro do âmbito de incidência das mais-valias. Ou seja, não é defensável a regra que anteveja o modo de cálculo de um valor de realização, sem qualquer correspondência a uma determinada mais-valia. Com efeito, a Requerida considera que não é controvertido que o conceito de mais-valia, pressupõe a transmissão/ato translativo de um imóvel. Ora, a expropriação constitui, precisamente, segundo o Acórdão do TCAS nº 02579/07, de 28-02-2018, a transferência do direito de propriedade a favor da entidade beneficiária. Deste modo, julgamos que não poderá ser sustentável um entendimento que afaste a tributação dos montantes recebidos a título de uma transmissão onerosa de um imóvel.
1.12.5. Como cabalmente ficou demonstrado, inexiste “in casu” erro imputável aos serviços, consequentemente não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios. Mas, ainda que se viesse a considerar procedente o pedido de juros indemnizatórios, o que se admite por mera hipótese e sem conceder, o seu pagamento seria enquadrável no n.º 3, alínea c) do artigo 43.º da LGT, o qual determina que nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.
1.13. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
2. MATÉRIA DE FACTO
2.1. Factos dados como provados
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
A) A Requerente foi declarada judicialmente interdita e instituída tutela, nos termos da sentença de 29-03-2005, proferida pela 4ª Vara Cível do Porto, conforme consta do Averbamento n.º 1, de 22-01-2010 ao Assento de Nascimento .../... da ... Conservatória do Registo Civil do Porto (vd., Documento n.º 2 anexo ao Pedido de Pronúncia Arbitral);
B) Por sentença de 03-05-2019, proferida pela 4ª Vara Cível do Porto, 3ª secção, foi nomeada tutora da Requerente B..., de acordo com Averbamento n.º 2, de 14-07-2010 ao Assento de Nascimento 4.../... da ... Conservatória do Registo Civil do Porto (vd., Documento n.º 2 anexo ao Pedido de Pronúncia Arbitral);
C) A Requerente era dona e legítima proprietária do prédio urbano sito na Rua ... n.º .../..., freguesia de ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob n.º...–..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo..., com o valor patrimonial de € 27.660,00 (vd., Certidão de Teor de Prédio Urbano Desativado in Processo Administrativo e Documento n.º 4, verso da fls. 58, anexo ao Pedido de Pronúncia Arbitral);
D) O prédio urbano identificado na alínea anterior foi atribuído à Requerente no âmbito do processo de inventário n.º .../02...TJPRT que correu na Comarca do Porto, Instância Local, Secção Cível – J7, relativo aos bens da herança por morte de C..., mãe da Requerente (vd., n.º 10 do Pedido de Pronuncia Arbitral, Processo Administrativo e Documento n.º 4 anexo ao referido Pedido);
E) O prédio urbano identificado na alínea C) foi objeto de uma declaração de expropriação para materializar a obra da Gare Intermodal da Estação de ...- acesso ao átrio do interface poente , conforme despacho do Ministro das Obras Públicas n.º .../..., de 29-09-2004, publicado na II serie do Diário da Republica n.º 255, de 29 de outubro de 2004, a que se seguiu a efetivação da posse administrativa do terreno, por parte da D..., E.P., passando a integrar o domínio público ferroviário do Estado (vd., Documento n.º 3 anexo ao Pedido de Pronúncia Arbitral);
F) Por escritura pública efetuada em 21-10-2016 no Cartório Notarial de ... celebrada entre a E..., S.A., que sucedeu à D..., E.P., e a representante legal da Requerente foi pago à Requerente o montante total de € 93.908,40 relativamente à expropriação referida na alínea anterior (vd., Documento n.º 4 anexo ao Pedido de Pronúncia Arbitral);
G) Por ofício n.º 201..., de 02-03-2018, da Divisão de Liquidação dos Impostos sobe o Rendimento e sobre a Despesa – Equipa ... da Direção de Finanças do Porto a Representante da Requerente foi notificada para entregar a declaração modelo 3 de IRS/2016 e exercer o direito de audição sobre o projeto de decisão, de 23-02-2018, no processo n.º ...2016... relativo ao IRS/2016 – rendimento da Categoria G (vd., Processo Administrativo);
H) A Requerente não exerceu o direito de audição nem entregou a declaração de rendimentos considerada em falta pela AT (vd., n.º 5 do Relatório Final no processo n.º ...2016... in Processo Administrativo);
I) Em 07-05-2018 foi emitido o Relatório Final no processo n.º ...2016... relativo ao IRS/2016 – rendimento da Categoria G-, que refere o seguinte:
“Na comunicação da E... SA, n.º.../16/DEC, a sociedade vem participar a expropriação da parcela n.º 20 do empreendimento “Linha do Minho – Gare intermodal de ...” formalizada em 21/10/2016 no Cartório Notarial de ... a, na qual B..., NIF ..., outorga na qualidade de representante legal da incapaz (irmã) A..., NIF...; e a parcela n.º 20 diz respeito a um prédio inscrito na matriz predial d e...– Porto sob o artigo ..., com o valor patrimonial de €27.660,0, registado na competente conservatória a favor de A...; 2- Nesta expropriação foi atribuída uma indemnização na importância de € 95.908,40, assim discriminada:
€ 41.517,53 ….Terreno
€ 54.394,87 ….Benfeitorias
€ 95.908,40 ….Total: valor da indemnização
3- Foi constatado que, no ano de 2016, a contribuinte A... (NIF: ...) não apresentou a respetiva declaração de rendimentos (Mod. 3). Motivado pelo evento salientado nos itens 1 e 2, a contribuinte deveria apresentar o anexo G, conjuntamente com a declaração Mod 3 – Irs/2016 (artigos 1º e 57º-1 do CIRS); (…)
B – Rendimentos em falta – anexo G
1- O não cumprimento do prazo para o exercício do Direito de Audição e entrega da declaração, nos termos do Artº 60.º da LGT e do n.º 3 do Artº 76º do CIRS, motivará a elaboração de declaração oficiosa para os efeitos previstos no Artº 76º do CIRS; e a liquidação terá por base os elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira disponha /Artº 76º - 1- b), do CIRS).
2- O valor de realização é o valor da indemnização recebida, na importância de € 95.908,40 (Artº 44º - 1 – b) do CIRS);
3- Como a contribuinte não veio fazer prova do valor de aquisição do bem imóvel, objeto de expropriação, foi considerada o valor patrimonial de € 12.503,47, reportada a 31/12/2003.
4- Em conformidade com o anexo 1, a falta declarativa motiva rendimentos em falta (mais valias) na importância de € 40.389,60;
C – Conclusão
1- Em conformidade com o ponto anterior, e respetivo anexo 1, é de considerar como rendimento em falta, mais valias (rendimento da Categoria G), a importância de € 40.389,60;
D – Auto de Notícia
1- Propõe-se, também, o levantamento do competente Auto de Notícia a fim de ser instaurado o respetivo processo de contra-ordenação nos termos do Artº 67º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT);
(Vd., Relatório Final que consta do Processo Administrativo e cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
J) O ofício n.º 2018..., de 09-05-2018, da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e sobre a Despesa – Equipa ... da Direção de Finanças do Porto notificou a Representante da Requerente do despacho de concordância que recaiu sobre Relatório Final relativo ao IRS/2016 – rendimento da Categoria G- no processo n.º ...2016... . O referido ofício afirma o seguinte:
“A liquidação que a breve prazo será efetuada, ser-lhe-á notificada pelos Serviços Centrais da AT-Autoridade Tributária e Aduaneira, e do mesmo poderá(ão) reclamar ou impugnar nos termos do disposto no artigo 140 do C.I.R.S. – Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Da presente notificação, das correcções efetuadas e dos seus fundamentos, não cabe qualquer reclamação ou impugnação.”
(vd., Processo Administrativo);
K) A Representante da Requerente, através do e-mail de 17-05-2018, dirigido à “DF Porto – Div Liquidação impostos – Rendimento Despesa” afirma:
“B... devidamente notificada vem muito respeitosamente requerer que lhe seja facultado o prazo suplementar de 8 dias, a partir desta data para que possa facultar a vossa excelência o documento oriundo do tribunal judicial da comarca do Porto, onde consta o valor da adjudicação do respectivo imóvel.
Adianta que a não entrega atempada deste documento ficou a dever-se à circunstância de força maior designadamente acompanhamento para o exterior de doente com esclerose lateral amiotrófica. Pede, portanto, que lhe seja excepcionalmente deferida esta prorrogação de prazo comprometendo se desde já a fazer a referida entrega até 24/05/2018 designadamente via Mail"
(vd., Processo Administrativo);
L) A Representante da Requerente, através do e-mail de 23-05-2018, dirigido à “DF Porto – Div Liquidação impostos – Rendimento Despesa” anexa documento que traduz a abertura de um inventário judicial e afirma o seguinte:
“1/ À interdita foi adjudicado no processo de inventário a referida indemnização, verba número 3 da relação de bens pelo valor de 95.908,40 euros
2/ tal significa que foi por esse valor que a interdita adquiriu
3/ pelo que inexistente mais valias
4/ a existir sempre seriam menos valias isto porque não obstante o prédio se encontrar sob o domínio publico há vários anos a interdita teve de desembolsar 2299 euros para pagamentos dos imis em falta e assim realizar a competente escritura
5/ Pela prova feita pede a imediata extinção do respectivo processo”
(vd., Processo Administrativo);
M) Os e-mails da Representante da Requerente, identificados nas alíneas K) e L), foram objeto de análise através da Informação da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e sobre a Despesa – Equipa ... da Direção de Finanças do Porto, em 01-06-2018, tendo concluído o seguinte: “(…) não são de efectuar quaisquer correções à Fundamentação, na medida em que não foram trazidos ao processo elementos que sustentem e alterem o valor de aquisição e consequentemente as mais valias apuradas.” (vd., Processo Administrativo);
N) A Informação, identificada na alínea anterior, foi objeto de despacho de concordância pelo Chefe de Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e sobre a Despesa – Equipa ... da Direção de Finanças do Porto, em 11-06-2018, e remetida à Representante da Requerente, por e-mail, de 12-06-2018 (vd., Processo Administrativo);
O) A Requerente foi notificada pelo Serviço de Finanças de ..., através do documento n.º 2019..., da liquidação de IRS n.º 2018..., de 22-12-2018, relativa ao ano de 2016, com o valor a pagar de € 13.781,47 (vd., Documento n.º 1 anexo ao Pedido de Pronúncia Arbitral);
P) A Requerente procedeu ao pagamento da quantia, referida na alínea anterior, em 11-02-2019 (vd., Documento n.º 5 anexo ao Pedido de Pronúncia Arbitral).
2.2. Factos dados como não provados
Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.
Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.
Quanto à matéria de facto dada como provada a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação da prova documental junta aos autos, cuja autenticidade não foi colocada em causa e no depoimento da testemunha Joaquim Proença, que aparentou isenção no seu depoimento e ter conhecimento dos factos que relatou.
Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental junta aos autos, e a prova testemunhal supra identificada consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
3. MATÉRIA DE DIREITO
3.1. Questões decidendas
Importa começar por analisar as questões suscitadas pela Requerente sobre a falta de fundamentação e a violação do direito de audição prévia relativamente à liquidação impugnada.
Depois, a principal questão decidenda nos presentes autos diz respeito à alegada inexistência de norma de incidência real no Código do IRS que inclua, no âmbito da tributação das mais-valias, os ganhos resultantes da expropriação.
Por fim, a Requerente faz o pedido de juros indemnizatórios.
Cumpre apreciar.
3.2. As primeiras questões que cumpre apreciar respeitam à falta de fundamentação e à violação do direito de audição prévia que subjaz ao ato impugnado, que foi alegada pela Requerente (vd., 1.11.1 supra) e sobre a qual a Requerida se pronunciou em sentido contrário (vd., 1.12.1 a 1.12.3 supra).
3.2.1. Quanto à alegada falta de fundamentação, importa ter presente o disposto no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no artigo 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).
O artigo 268.º, n.º 3, da CRP estabelece que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
O artigo 77.º, n.º 1, da LGT prevê que a “(…) decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.
Na anotação ao artigo 77.º da LGT, DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, afirmam “Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa. Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.”
A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem sustentado que “(…) o dever de fundamentação exige que um destinatário normal, colocado na posição do recorrente, face ao teor expresso do acto, possa apreender o percurso lógico-jurídico trilhado pela autoridade recorrida para chegar a tal decisão, por forma a poder determinar-se, conscientemente, no sentido da impugnação ou não impugnação.”
A fundamentação deve consistir numa exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão. As razões de facto e os fundamentos de direito da decisão devem ser percetíveis, claros e entendíveis para o contribuinte. O contribuinte poderá obviamente discordar do sentido da decisão da Autoridade Tributária, mas terá é de perceber cabalmente o sentido da mesma e que esta não é uma pura demonstração de arbítrio.
Importa salientar que a fundamentação manifestamente insuficiente equivale a falta de fundamentação para todos os efeitos legais.
Assim, perante um ato tributário concreto a fundamentação exigível é aquela que se revele necessária e adequada para um contribuinte normal, com um conhecimento comum e normalmente diligente, compreender o percurso lógico-jurídico trilhado pela Autoridade Tributária para chegar a tal decisão .
Atendendo à factualidade provada nos presentes autos arbitrais (vd., alíneas G), I), J), M) e N) do n.º 2.1. supra) verifica-se que os atos praticados pela AT no âmbito do Processo n.º ...2016... (Projeto de decisão para efeitos do exercício do direito de audição, Relatório Final e Informação de resposta ao e-mail da Requerente, de 24-05-2018) descrevem as concretas circunstâncias de facto que fundamentam a posterior liquidação e indicam uma fundamentação mínima de direito, onde nomeadamente consta a referência ao artigo 44.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS. Assim, a Requerente, através destes documentos, ficou a conhecer quais os rendimentos sujeitos a tributação e a fundamentação em causa permitiu-lhe agir, através do envio das mensagens de correio eletrónico para o fisco (vd., alíneas K), e L) do n.º 2.1. supra) e do pedido de pronúncia arbitral, não se evidenciando que os seus direitos de defesa tenham sido colocados em causa ou que a mesma não permitisse perceber o raciocínio adotado pela administração fiscal e que conduziu à liquidação ora impugnada.
Deste modo, concluímos que, conforme resulta dos autos, são percetíveis os fundamentos do ato de liquidação impugnado, devendo, por isso, improceder a arguida falta de fundamentação.
3.2.2. Alega, também, a Requerente que se verificou a preterição do direito de audição antes da liquidação, nos termos do artigo 60.º, n.º 1, alínea a), da LGT. Dos factos provados nos presentes autos (vd., alíneas G) e H) do n.º 2.1. supra) resulta que a Requerente foi notificada para efeitos de audição prévia no âmbito do processo n.º ...2016... relativo ao IRS/2016 – rendimentos da Categoria G. A Requerente optou por não exercer o direito de audição no prazo indicado. Posteriormente, a representante da Requerente, através de duas mensagens de correio eletrónico, prestou, junto da AT, esclarecimentos sobre a situação (vd., alíneas K) e L) do n.º 2.1. supra).
Atendendo ao exposto, improcede o alegado pela Requerente relativamente à preterição do direito de audição antes da liquidação.
3.3. Importa agora analisar a principal questão decidenda relativa à alegada inexistência de norma de incidência real no Código do IRS que inclua, no âmbito da tributação das mais-valias, os ganhos resultantes da expropriação.
3.3.1. Nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS as mais-valias constituem incrementos patrimoniais integrando os rendimentos da categoria G.
3.3.2. O artigo 10.º do Código do IRS procede à enumeração dos ganhos sujeitos a tributação como mais-valias nos seguintes termos:
“Artigo 10.º
Mais-valias
1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;
b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, incluindo
1) A remição e amortização com redução de capital de partes sociais;
2) A extinção ou entrega de partes sociais das sociedades fundidas, cindidas ou adquiridas no âmbito de operações de fusão, cisão ou permuta de partes sociais;
3) O valor atribuído em resultado da partilha, bem como em resultado da liquidação, revogação ou extinção de estruturas fiduciárias aos sujeitos passivos que as constituíram, nos termos dos artigos 81.º e 82.º do Código do IRC;
4) O reembolso de obrigações e outros títulos de dívida;
5) O resgate de unidades de participação em fundos de investimento e a liquidação destes fundos;
c) Alienação onerosa da propriedade intelectual ou industrial ou de experiência adquirida no setor comercial, industrial ou científico, quando o transmitente não seja o seu titular originário;
d) Cessão onerosa de posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis;
e) Operações relativas a instrumentos financeiros derivados, com exceção dos ganhos previstos na alínea q) do n.º 2 do artigo 5.º;
f) Operações relativas a warrants autónomos, quer o warrant seja objeto de negócio de disposição anteriormente ao exercício ou quer seja exercido, neste último caso independentemente da forma de liquidação;
g) Operações relativas a certificados que atribuam ao titular o direito a receber um valor de determinado ativo subjacente, com exceção das remunerações previstas na alínea r) do n.º 2 do artigo 5.º;
h) Cessão onerosa de créditos, prestações acessórias e prestações suplementares.”
Com interesse para a decisão da causa, o Preâmbulo do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, no n.º 12, afirma o seguinte:
“Houve que optar entre um enunciado taxativo das mais-valias tributáveis e uma definição genérica de ganhos de capital. A primeira solução, permitindo evitar dificuldades de aplicação e rupturas com o sistema actual, em que o imposto de mais-valias incide em situações tipificadas, foi considerada preferível, sem embargo de se inovar quanto ao âmbito de incidência.”
Ao analisar a incidência das mais-valias XAVIER DE BASTO afirma “(…) a tributação é seletiva: não são tributáveis mais-valias que não sejam as previstas no elenco deste n.º 1 do artigo 10.º, que é, pois, um elenco exaustivo.(…) Só as mais-valias da lista exaustiva desse n.º 1 – repete-se – são tributáveis. Em matéria de incidência fiscal, as mais-valias são um numerus clausus” .
Na mesma linha, PAULA ROSADO PEREIRA salienta que o artigo 10.º, n.º 1, cria uma incidência seletiva muito restritiva que resulta “(…) da opção legislativa pela consagração de um elenco restritivo de ganhos tributáveis como mais-valias na categoria G, face a um universo bastante mais amplo de ganhos potencialmente relevantes. Com efeito, o conjunto de bens ou direitos cuja transmissão onerosa gera mais-valias tributáveis, enquadráveis na categoria G de rendimentos é bastante limitado. Este poderia, em termos abstratos, ser definido de forma bastante mais ampla do que aquela que se encontra prevista no n.º 1 do artigo 10.º do CIRS. Contudo, razões de funcionamento e fiscalização do imposto tornam desadequada a atribuição de relevância fiscal a um conjunto muito alargado de situações suscetíveis de gerarem mais-valias tributáveis. A seleção dos tipos de bens e direitos previstos no artigo 10.º, n.º 1, do CIRS teve subjacentes critérios como a frequência da situação, a respetiva expressão económica, a facilidade de controlo do facto gerador e a determinabilidade dos valores em causa. Houve, portanto, a preocupação de delinear a norma de incidência das mais-valias de forma a incluir apenas as situações de ganhos mais frequentes, em que os valores económicos envolvidos sejam relevantes e nas quais, simultaneamente, a verificação do facto gerador e a determinação do valor tributável sejam controláveis sem dificuldade pela AT. Em função destes critérios, o CIRS atribui relevância, para efeitos da incidência da categoria G, principalmente às transmissões onerosas de bens imóveis, transmissões de participações sociais e outros valores mobiliários, e também de propriedade intelectual ou industrial cujo transmitente não seja o seu titular originário” .
Em suma, a incidência seletiva e restritiva constitui uma característica das mais-valias tributáveis na categoria G. Estas limitam-se às situações taxativamente elencadas no artigo 10.º, n.º 1, do Código do IRS. Verifica-se que a indemnização por expropriação não consta, de forma expressa, do elenco dos ganhos sujeitos a tributação como mais-valias para efeitos do Código do IRS.
3.3.3. O primeiro facto gerador de mais-valias imobiliárias é a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, previsto na alínea a) do n.º 1, do artigo 10.º do Código do IRS, que abrange tanto o direito de propriedade como as figuras parcelares ou menores como o usufruto e o direito de superfície, e ainda o direito real de habitação periódica .
No Código do IRS não surge um conceito próprio de transmissão, pelo que adotamos o conceito, geralmente utilizado proveniente do direito civil, que consiste na alienação como a transmissão do direito de propriedade sobre um bem ou a constituição de um direito real que o onere . Interessa, pois, agora verificar se a expropriação pode ser reconduzida à alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
3.3.4. O direito de propriedade está consagrado no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Nos termos do artigo 1305.º do Código Civil o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas. Porém, o direito de propriedade não é absoluto e o n.º 2 do referido preceito constitucional admite a sua limitação através da requisição e da expropriação por utilidade pública.
O Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, na versão atualmente em vigor, prevê no artigo 1.º que “Os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objeto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização (…)”.
A justa indemnização, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do referido Código, “ (…) não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.”
O recurso à expropriação só se justifica depois de esgotados os meios de aquisição pelo direito privado, salvo em casos de urgência ou outras situações particulares, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 11.º do Código das Expropriações.
3.3.5. A expropriação é considerada como uma restrição ou limitação de direito público ao direito de propriedade . De acordo com o ensinamento de MARCELLO CAETANO, devido à conveniência do Estado de utilizar determinados imóveis para prosseguir um fim específico de utilidade pública a expropriação extingue os direitos subjetivos constituídos sobre eles .
No mesmo sentido ALBERTO XAVIER salienta que a expropriação representa a extinção imediata de um direito na esfera do expropriado .
Relativamente ao expropriado, a expropriação acarreta a extinção do seu direito de propriedade plena. Concomitantemente são constituídos novos direitos reais na esfera jurídica do beneficiário da expropriação. Assim, a expropriação não implica a transferência de direitos reais sobre imóveis, pois ela é a causa extintiva desses direitos . Neste sentido, o Supremo Tribunal Administrativo teve ocasião de se pronunciar, por diversas vezes, na vigência do Código de Imposto de Mais-Valias, no sentido de que a relação jurídica da expropriação não é subsumível no conceito de transmissão onerosa .
Em face ao exposto, resulta que a expropriação não equivale a uma alienação onerosa do direito de propriedade, resultante do normal exercício do direito de o proprietário alienar o bem, mas antes numa privação forçada do direito de propriedade com a inerente extinção dos direitos reais sobre os imóveis. Nesse contexto o pagamento de uma indemnização ao expropriado não configura um preço de aquisição pelo bem, mas o ressarcimento do prejuízo criado pela expropriação.
Em conclusão, o valor da indemnização por expropriação de utilidade pública não é passível de enquadramento na alínea a) do n.º 1, do artigo 10.º do Código do IRS como ganho proveniente de uma alienação onerosa de direitos reais.
3.3.6. A expropriação também não se integra nas situações previstas nas restantes alíneas do artigo 10.º do Código do IRS , a saber: alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários; alienação onerosa da propriedade intelectual ou industrial ou de experiência adquirida no setor comercial, industrial ou científico; cessão onerosa de posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis; operações relativas a instrumentos financeiros derivados; operações relativas a warrants autónomos;
operações relativas a certificados que atribuam ao titular o direito a receber um valor de determinado ativo subjacente; cessão onerosa de créditos, prestações acessórias e prestações suplementares.
3.3.7. Cumpre sublinhar que a incidência seletiva e restritiva das mais-valias tributáveis na categoria G, limita-se às situações elencadas no artigo 10.º, n.º 1, do Código do IRS, e não contempla expressamente a expropriação.
Atendendo ao disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT e artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal.
Acresce, ainda, que as normas de incidência dos tributos devem ser interpretadas nos seus exatos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação, como de resto constitui jurisprudência corrente .
3.3.8. A expropriação vem expressamente referida no Código do IRS a propósito do valor de realização. Com relevo, também, para a situação sub judice, dispõe o artigo 44.º do Código do IRS:
“Artigo 44.º
Valor de realização
1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:
a) No caso de troca, o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos, ou o valor de mercado, quando aquele não exista ou este for superior, acrescidos ou diminuídos, um ou outro, da importância em dinheiro a receber ou a pagar;
b) No caso de expropriação, o valor da indemnização;
c) No caso de afetação de quaisquer bens do património particular do titular de rendimentos da categoria B a atividade empresarial e profissional, o valor de mercado à data da afetação;
d) No caso de valores mobiliários alienados pelo titular do direito de exercício de warrants autónomos de venda, e para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, o preço de mercado no momento do exercício;
e) Tratando-se de bens ou direitos referidos na alínea d) do n.º 4 do artigo 24.º, quando não exista um preço ou valor previamente fixado, o valor de mercado na data referida;
f) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação.(…)”
O princípio da realização é estruturante na tributação das mais-valias, segundo XAVIER DE BASTO “(…) a afetação origina incidência, mas não torna o imposto exigível, já que a exigibilidade do imposto é diferida para o momento ulterior transmissão desses bens, suspendendo-se a tributação, entretanto. O imposto só vais afinal tornar-se exigível quando a mais-valia dos bens afectos for efetivamente realizada” .
Como resulta da alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º no caso de expropriação, para efeitos de determinação dos ganhos, o valor da realização será o valor da indemnização. Só que o preceito não é uma norma de incidência tributária e visa apenas determinar a matéria tributável, ou seja, pressupõe que a expropriação esteja prevista na base de incidência das mais-valias.
A Requerida afirma que se o valor de realização constitui uma das variáveis que concorrem no cálculo da mais-valia, então a previsão só faz sentido, perante uma base de incidência que enquadre a expropriação dentro do âmbito de incidência das mais-valias (vd., n.º 29 da Resposta).
Só que a incidência não se presume é necessário existir norma expressa que a contemple, o que não se verifica no caso dos presentes autos. As normas de determinação da matéria coletável não servem para alargar o plano de incidência ou colmatar lacunas nas referidas normas de incidência.
Perante uma insuficiência manifesta na definição do plano de incidência da responsabilidade do legislador não cabe ao intérprete suprir a referida lacuna em benefício da Administração Fiscal, subvertendo todo o quadro de vinculação constitucional e legal em vigor nesta matéria.
3.3.9. Pelo exposto, julgamos procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS n.º 2018..., relativo ao ano de 2016, por enfermar de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a sua anulação.
3.4. A Requerente solicita também que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.
3.4.1. Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Conforme decorre do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o direito aos mencionados juros pode também ser reconhecido no processo arbitral.
A existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável aos serviços da Administração Fiscal constitui a condição necessária para a atribuição dos juros indemnizatórios.
No presente caso, a Requerente comprovou o pagamento integral do ato de liquidação (vd., alínea P) do n.º 2.1. supra). Acresce ter ficado demonstrado que o ato tributário padece de erro sobre os pressupostos de direito imputável à AT que não deveria ter procedido à liquidação de IRS.
Nestes termos, procede o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia paga em montante superior ao legalmente devido.
3.4.2. A Requerida vem alegar que se fosse procedente o pedido de juros indemnizatórios o seu pagamento seria enquadrável no n.º 3, alínea c) do artigo 43.º da LGT, o qual determina que nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte são devidos juros indemnizatório apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão (vd., n.º 44 da Resposta). Da factualidade provada nos presentes autos arbitrais (vd., n.º 2.1. supra) não resulta que a Requerente tenha intentado qualquer revisão do ato tributário, pelo que improcede o alegado pela Requerida a este respeito.
3.4.3. Nestes termos, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia que pagou, nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT, por força do acto anulado e, ainda, a ser indemnizada do pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
4. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o ato de liquidação de IRS n.º 2014..., relativo ao ano de 2016, com as devidas consequências legais;
b) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima determinados;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.
5. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 13.781,47 (treze mil, setecentos e oitenta e um euros e quarenta e sete cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
6. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido considerado procedente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 9 de dezembro de 2019.
O Árbitro
Olívio Mota Amador