Decisão Arbitral
Os árbitros, Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (árbitro-presidente), Paulo Lourenço e João Marques Pinto, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o tribunal arbitral, constituído em 28.04.2014, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., S.A. (adiante designada Requerente), pessoa coletiva n.º …, requereu, em 23.02.2014, a constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (adiante, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 março, tendo em vista a declaração de ilegalidade parcial do acto de autoliquidação de IRC e derrama consequente relativo ao exercício de 2011 e do subsequente acto de indeferimento de reclamação graciosa, na medida correspondente à não relevação fiscal dos encargos fiscais com tributações autónomas desse mesmo exercício, cujo montante ascende a € 124.690,36.
2. A ora Requerente, na qualidade de sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao regime especial de tributação de grupos de sociedades (RETGS), submeteu a autoliquidação de IRC e derrama consequente relativa ao exercício de 2011 mediante apresentação, em 31 de maio de 2012, da declaração Modelo 22.
3. Em 23.09.2013, a Requerente apresentou, junto da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), reclamação graciosa contra a referida autoliquidação de IRC e derrama municipal consequente respeitante ao exercício de 2011.
4. No dia 30.12.2013, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por despacho proferido, em 18 de dezembro de 2013, pelo Exmo. Senhor Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes.
5. O prazo de 90 dias, previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do Decreto-Lei 10/2011, para apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, contado a partir do indeferimento da reclamação graciosa, terminou em 30 de março de 2014.
6. No pedido, a Requerente optou por não designar árbitro.
7. Nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o coletivo de árbitros ora signatários, notificando as partes.
8. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
9. Os fundamentos que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são, em súmula, os seguintes:
9.1 O ato objecto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral é o ato de indeferimento da reclamação graciosa referida em 3. supra, e, em última análise, o ato de autoliquidação de IRC e derrama consequente relativo ao exercício de 2011 e, na medida correspondente à não relevação fiscal dos encargos fiscais com tributações autónomas desse mesmo exercício.
9.2 Na referida autoliquidação de IRC do exercício de 2011, a Requerente procedeu também à autoliquidação de tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC, num total de € 435.639,39, que correspondem a:
i) 10% dos encargos com viaturas no montante de € 2.113.405,21, e 20% quanto à parte dos encargos com viaturas na parte excedente do valor de aquisição fixado na lei, no montante de € 596.409,75;
ii) 10% das despesas de representação, no montante de € 967.003,51;
iii) 5% das despesas com deslocações dos colaboradores em viatura própria e com ajuas de custo não facturadas a terceiros, no montante de € 166.331,14
9.3 A Requerente, para efeitos do apuramento do lucro tributável do seu grupo fiscal desse exercício de 2011, não deduziu o encargo suportado com as referidas tributações autónomas, antes tratando-as como se fossem IRC ou derrama municipal. No entanto, entende ter direito a relevar os referidos encargos fiscais com tributações autónomas no cômputo do lucro tributável para efeitos de IRC (e da derrama consequente), fundamentalmente pelos seguintes motivos:
9.3.1. Argumento relativo à natureza jurídica da tributação autónoma [enquanto tributação (autónoma) sobre a despesa que não se confunde com o imposto sobre o rendimento (IRC) ou lucro da empresa]:
a) A tributação autónoma não é IRC, mas sim, na maioria dos casos, uma tributação sobre a despesa (o inverso da tributação sobre o rendimento ou lucro, como é o caso do IRC, incluindo a sua sobretaxa conhecida por derrama estadual, ou como é o caso da derrama municipal), isto é, uma tributação sobre encargos suportados pela empresa e representativos de consumos (em sentido lato) da empresa. É o caso das tributações autónomas:
i) sobre as despesas não documentadas, a primeira das tributações autónomas (atualmente prevista nos n.ºs 1 e 2 do artigo 88.º do CIRC);
ii) sobre as despesas que tenham beneficiado pessoas ou entidades localizadas em zonas de baixa tributação, tributação autónoma introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de
29 de dezembro (atualmente prevista no n.º 8 do artigo 88.º do CIRC);
iii) sobre as despesas de representação e os encargos com viaturas (entre outras despesas estatisticamente menos importantes), tributação autónoma introduzida pela
Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, e sobre os encargos com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador ao serviço de entidade patronal, tributação autónoma introduzida pela Lei n.º 55-B/2004 atualmente previstas nos n.ºs 3 a 7, e 9, do artigo 88.º do CIRC);
iv) sobre as despesas com indemnizações devidas quando se verifique a cessação das
funções de administrador (ou gestor ou gerente), não relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, e com indemnizações por rescisão de contrato antes do termo (para aquelas mesmas categorias profissionais) na parte em que excedam o valor das remunerações que ainda seriam devidas até final do referido termo, introduzidas pela Lei n.º 100/2009, de 7 de setembro (actualmente previstas na alínea a) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC);
v) sobre as despesas ou encargos com bónus atribuídos a administradores e gestores,
aplicável quando o seu pagamento não for em pelo menos 50% diferido no tempo por
3 anos e não for condicionado ao desempenho positivo da sociedade nesse futuro (por
referência ao passado que justificou a atribuição do bónus) temporal, introduzida pela
Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (prevista na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC).
b) A sua função nada tem que ver também com a função do IRC, nada tem que ver com a função de atingir a capacidade contributiva revelada pelo rendimento das pessoas colectivas, pelo contrário: quando essa capacidade contributiva é menor, ou até inexistente, é quando se agravam, transversalmente, pelo aumento das respectivas taxas, todas estas tributações autónomas (cfr. actual n.º 14 do artigo 88.º do CIRC).
c) Com respeito às várias espécies de tributação autónoma aponta as seguintes funções:
(i) quanto à tributação autónoma sobre despesas não documentadas ou confidenciais, cumpriria as finalidades de combate à evasão fiscal, à economia paralela ou subterrânea e de combate à distribuição oculta de lucros aos sócios;
(ii) quanto à tributação autónoma de despesas que tenham beneficiado pessoas ou entidades localizadas em zonas de baixa tributação, teria por fim o combate ao abuso traduzido em desvio de fluxos ou rendimentos para zonas de baixa tributação com o único objectivo de furtá-los à tributação que seria aplicada em Portugal;
(iii) quanto à tributação autónoma incidente sobre encargos com viaturas e sobre despesas de representação, justificar-se-ia pelo entendimento de que, estando em causa consumos do tipo promíscuo (no sentido que tanto podem servir finalidades empresariais quanto podem de facto estar apenas, ou também, a servir necessidades pessoais do trabalhador da empresa), se justificaria também a tributação da própria despesa em si mesma, em substituição da tributação na esfera pessoal do trabalhador.
(iv) No que respeita à tributação autónoma sobre despesas com bónus de administradores ou gestores e sobre despesas com indemnizações aos mesmos na cessação das suas funções, a finalidade seria essencialmente reditícia;
(v) Quanto à tributação autónoma sobre lucros distribuídos a entidades isentas de IRC (ou que beneficiem de isenção relativamente aos rendimentos de capitais, maxime dividendos) quando o tempo de detenção da participação por parte destas não seja de pelo menos um ano (tributação autónoma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de novembro, actualmente prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC), não incide sobre uma despesa mas antes sobre um dividendo recebido de uma sociedade de que se detêm participações por curto espaço de tempo, ou seja, também abstrai do rendimento lucro, porquanto a receita dividendo não significa que a entidade em causa apurou um resultado positivo no exercício em causa. Quanto à sua função seria essencialmente a de combater práticas abusivas no plano do planeamento fiscal (lavagem de dividendos, desqualificação de rendimentos pela transformação de dividendos em mais-valias).
d) Conclui a Requerente que uma análise quer da incidência (na esmagadora maioria dos casos, sobre despesas ou encargos), quer da função das tributações autónomas, quer, inclusive dos modelos declarativos concebidos pela AT (neste caso, a modelo 22), revela que as mesmas não são, não têm a natureza de, imposto sobre o rendimento (lucro) da pessoa colectiva que as suporta e constitui o seu sujeito passivo. Pelo contrário, em situação de prejuízos é justamente quando estas tributações se agravam (cfr. o actual n.º 14 do artigo 88.º do CIRC).
e) Além disso as tributações autónomas aplicam-se independentemente do IRC (em consequência, justamente, desta sua diferente natureza e função no confronto com o IRC): aplicam-se mesmo (ou na mesma) quando haja exclusão de sujeição a (não incidência de) IRC, ou isenção de IRC, agravando-se mesmo quando se verificam prejuizos, e aplicam-se a uma realidade diferente daquela (o rendimento/lucro) a que se aplica o IRC, donde que a sua dedução fiscal não gera um circulo vicioso, como no caso de uma eventual dedução das derramas.
f) A doutrina atribui maioritariamente às tributações autónomas em sede de IRC um caráter e finalidade distintos da tributação do rendimento da empresa. A Requerente cita, para este efeito, inúmeras obras/pareceres de diversos Ilustres Autores reconhecidos especialistas em direito fiscal.
g) Quanto à jurisprudência, sustenta a Requerente que o STA tem entendido que a tributação autónoma não é imposto sobre o rendimento (IRC), limitando-se a ser liquidada conjuntamente com o IRC (na mesma declaração – a modelo 22); também o Tribunal Constitucional distingue o IRC da tributação autónoma em IRC e em IRS. Quanto aos tribunais arbitrais, a Requerente invoca a decisão do coletivo arbitral proferida no processo n.º 7/2011-T, que acolhe também o entendimento praticamente unânime da diferenciação entre o IRC (que tributa o rendimento) e as tributações autónomas (que não tributam o rendimento, antes incidem sobre despesas ou encargos).
9.3.2. Argumentação quanto à dedutibilidade fiscal do encargo com o imposto tributação autónoma:
a) Aos encargos fiscais decorrentes das tributações autónomas aplica-se a regra geral da dedutibilidade dos encargos fiscais prevista no artigo 23.º, n.º 1, alínea f), do CIRC porquanto a regra em IRC é de que os impostos suportados por um sujeito passivo de IRC são dedutíveis, na mesma medida e no mesmo plano em que o são a generalidade dos gastos ou encargos – cfr. a alínea f) do n.º 1 artigo 23.º do CIRC. As exceções a este estado de coisas, são isso mesmo, exceções, e estão previstas nas alíneas a) e c) do n.º 1 do (à data dos factos) artigo 45.º (anterior 42.º) do CIRC, a que acresce a exceção também prevista para contribuição sobre o setor bancário, prevista na alínea o) do n.º 1 do citado artigo 45.º do CIRC. A Requerente acrescenta, ainda, que com respeito às tributações autónomas aqui em causa, se verificou uma alteração significatica a partir do exercício de 2014, alteração essa que constitui mais uma confirmação de que até ao exercício de 2013, inclusive, este encargo fiscal não era excecionado da regra geral de dedutibilidade dos encargos fiscais: na lei de reforma do IRC (Lei n.º 2/2014) estabeleceu-se a inclusão dos encargos fiscais com tributações autónomas na exceção que impede a dedutibilidade fiscal do IRC, equiparando-os para este efeito (inclusão na exceção de indedutbilidade) ao IRC (cf. artigo 23º-A nº 1, alínea a) do CIRC).
b) Os encargos fiscais a que se aplica a exceção à respectiva dedutibilidade, prevista na norma à éoca aplicável, ou seja, a alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º (anteriormente 42.º) do CIRC, são apenas o IRC, incluindo a derrama estadual, e a derrama municipal.
c) A controvérsia doutrinal que existiu sobre a (in)dedutibilidade da derrama municipal e o modo como foi dirimida, confirmam também que com respeito aos encargos fiscais com tributações autónomas não se aplica a exceção, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º (anteriormente 42º) do CIRC (aplicável, como vimos, à data dos fatos), à regra fiscal da dedutibilidade dos impostos.
9.4 A Requerente faz ainda uma análise das razões avançadas pela UGC para indeferir a reclamação graciosa apresentada, concluindo, como já havia feito na sua exposição que não é só porque a tributação autónoma possui uma natureza distinta do IRC, nem porque a mesma não se encontra entre as excepções de indedutibilidade fiscal previstas no artigo 45.º do CIRC que defende a dedutibilidade fiscal mesma; é também porque, pela positiva há norma que afirma a dedutibilidade fiscal dos encargos fiscais (o artigo 23.º, n.º 1, alínea f) do CIRC), e as tributações autónomas são isso mesmo: encargos fiscais resultantes de uma tributação incidente sobre a despesa. Ou seja, há uma norma que pela positiva prescreve a dedutibilidade; e, ao contrário, não há norma que pela negativa excecione essa dedutibilidade. É da conjugação destes argumentos que a Requerente conclui não haver razão para negar a dedutibilidade fiscal dos encargos com tributações autónomas, com a possível exceção das tributações autónomas incidentes sobre despesas não documentadas e pagamentos a offshores (se e na medida em que estas não sejam elas mesmas dedutíveis, o que não sucede necessariamente, como é sabido, com os pagamentos a offshores).
Contudo, deve-se notar que a Requerente, por mais de uma vez, afirma que, no caso em apreço, não se verifica a incidência de uma tributação aotónoma sobre este tipo de despesas (não documentadas e pagamentos a offshores).
9.5 Por fim, a Requerente peticiona o pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT, calculados sobre o montante de imposto indevidamente pago (€124.690,36) e contados desde o seu pagamento, que ocorreu em 31 de maio de 2012, até ao efetivo reembolso.
10. Na Resposta apresentada, a Entidade Requerida veio defender-se por impugnação.
Matéria de impugnação
a) A Requerida começa por referir que, mesmo admitindo em tese a dedutibilidade das tributações autónomas, no que concerne às tributações autónomas sobre despesas não dedutíveis, apesar de essa questão não se colocar na presente situação, nunca seria de admitir a sua dedutibilidade na medida em que configurariam um encargo fiscal sobre gastos não indispensáveis “para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, pelo que não se subsumem na alínea f) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC.
b) Quanto à possibilidade de dedução ao lucro tributável de encargos com tributação autónoma incidente sobre despesas dedutíveis, a Requerida, considerando que as tributações autónomas não consubstanciam, ontologicamente, um tipo de imposto distinto do IRC, como, por exemplo, a derrama, responde com os seguintes argumentos:
i) Em primeiro lugar, defende que nem a jurisprudência nem os autores citados pela Requerente se pronunciam no sentido de que as tributações autónomas não são, pelo menos, formalmente, IRC, nem tão pouco advogam a sua dedutibilidade ao lucro tributável, quer pela sua exclusão da al. a)do nº1 do art. 45º do CIRC, quer pela sua inclusão na al. f) do nº 1 do art. 23º também do CIRC. Neste sentido, refere que os arestos do Tribunal Constitucional citados pela Requerente versam sobre a questão da retroatividade da alteração legal das taxas de tributação autónoma introduzida pela Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, que alterou o então artigo 81.º do CIRC aumentando a taxa de tributação autónoma aplicável a despesas de representação e com viaturas e fez retroagir os seus efeitos a 1 de janeiro de 2008, não se pronunciando sobre o facto de as tributações autónomas não serem, ao menos formalmente, IRC, nem tão-pouco advogando a sua dedutibilidade ao lucro tributável quer por sua exclusão da al. a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC, quer pela sua inclusão na al. f) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC.
O mesmo sucede com a jurisprudência do STA, que versa, essencialmente, sobre as questões da retroatividade e da transparência fiscal.
Quanto à decisão do coletivo arbitral proferida no processo n.º 7/2011-T, que a Requerente também cita, a Requerida refere que a mesma se debruça sobre as tributações autónomas por confronto com a tributação por métodos indiretos, apenas se debruçando sobre a natureza daquelas, obiter dictum, a propósito, mais uma vez, da sua forma de apuramento, mas sem lhe retirar as ilações que a Requerente preconiza.
A Requerida não põe em causa o mérito das decisões proferidas pela Jurisprudência citadas pela Requerente, mas apenas as conclusões que delas são tiradas, pois entende que dessas decisões não se pode concluir, sem mais, que as tributações autónomas não são IRC.
ii) No que se refere à questão de fundo, considera que a pretensão da Requerente de corrigir a inscrição dos encargos relativos a tributações autónomas no campo 724 da Modelo 22 do exercício de 2010 esbarra desde logo no elemento literal da norma ínsita na al. a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC, a qual se reporta a encargos com IRC, na medida em que não se pode negar que as tributações autónomas se inserem formalmente no IRC a pagar pelo contribuinte – observação que, alega, não é disputada pela jurisprudência nem pelos prestigiados autores que a Requerente cita, os quais abordam a questão das especificidades das tributações autónomas justamente no pressuposto de que elas compõem formalmente o IRC a pagar pelos contribuintes. Donde, quando o legislador se refere a encargos de IRC, necessariamente está a incluir, ainda que para já num plano literal, as tributações autónomas.
iii) Invoca ainda os termos do artigo 12.º do CIRC, os quais, segundo afirma, confirmam, a contrario sensu, que as tributações autónomas são consideradas IRC pelo legislador porque este, ao excluir da tributação em IRC as sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal, salvaguarda expressamente as tributações autónomas (“as sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas”). Por conseguinte, afirma, as tributações autónomas são uma componente do IRC a autoliquidar e a pagar pelos contribuintes nos termos e nos prazos previstos respectivamente nos artigos 89.º e seguintes (Liquidação – Capítulo V) e 104.º e seguintes (Pagamento – Capítulo VI) do Código do IRC, os quais, de resto, se referem indiferenciadamente quer a IRC sobre o lucro, quer às tributações autónomas em sede de IRC. Assim, conclui, ao contrário do que pretende a Requerente, as tributações autónomas não são um qualquer imposto distinto, apesar das diferenças assinaladas pela jurisprudência nos factos sobre que incidem.
iv) A autonomia que dá nome às taxas de tributação autónoma prende-se, no entender da Requerida, com os factos sobre os quais aquelas incidem e com as especificidades no seu apuramento, mas não em relação às restantes parcelas do IRC a autoliquidar e a pagar pelo contribuinte, uma vez que a esta luz as tributações autónomas são, ainda assim, IRC. E assim é, sublinha, para todos os efeitos legais, gozando o produto da aplicação das taxas de tributação autónoma inclusivamente dos privilégios creditórios previstos no artigo 116.º do CIRC e aplicando-se-lhes os mesmos meios de reação contemplados no art. 137.º do CIRC.
v) Por outro lado, notam que a questão da (in)dedutibilidade das tributações autónomas não pode ser colocada no mesmo plano da discussão que no passado se verificou em torno da dedutibilidade das derramas municipais e que culminou com a solução plasmada na Lei de Orçamento de Estado de 1996 (Lei n.º 10-B/96, de 23 de março), à qual foi conferida natureza interpretativa, e, ainda, no acórdão do Pleno do STA, de 06-05-2002, proferido em recurso por oposição de julgados no processo n.º 022155. Assim é porque as tributações autónomas não partilham com as derramas as características que as tornam um imposto distinto e especial em relação ao IRC, na medida em que, ao contrário das derramas municipais, que, na sua formulação originária eram um imposto local, lançado pelos municípios, cuja receitas têm uma afetação distinta das receitas do IRC, o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, que instituiu as taxas de tributações autónomas no nosso país, previa que «as despesas confidenciais ou não documentadas efetuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respetivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.» Ou seja, mesmo não inseridas formalmente nos códigos do IRS ou IRC, já se determinava que o produto da aplicação destas taxas constituía um adicional do imposto sobre o rendimento a liquidar e a pagar pelo contribuinte. Conclui, portanto, que as tributações autónomas, mesmo quando previstas em diploma próprio, nunca constituíram um imposto autónomo, como em tempos foram as derramas municipais, ou um imposto especial sobre as vantagens acessórias, como nos exemplos do «Fringe Benefits Tax» adotado na Austrália e na Nova Zelândia, trazidos à colação pela Requerente [cfr. arts. 153º a 155º e 222º e 223º.º do Pedido] com base num estudo de MARIA DOS PRAZERES LOUSA.
vi) Relativamente à redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, à alínea a) do artigo 23.º-A do CIRC, entende que o legislador veio clarificar aquilo que já antes era defendido pela AT, ou seja, vem considerar as tributações autónomas como uma componente incluída nos encargos suportados a título de IRC.
vii) Assim, a Requerida rejeita a interpretação da Requerente segundo a qual “há norma que pela positiva prescreve a dedutibilidade; e não há norma que pela negativa excepione essa dedutibilidade”, porquanto, prescrevendo expressamente a al. a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC a indedutibilidade do IRC, tem forçosamente de se concluir que este preceito, pela sua letra, também exclui a dedutibilidade das tributações autónomas. Assim, a tese da Requerente só poderia vingar se se procedesse a uma interpretação restritiva da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, a qual não é admissível porque implicaria a conclusão prévia, a partir de elementos lógicos, de que o legislador não pretendia com esse preceito excluir a dedutibilidade das tributações autónomas, o que não considera possível no caso concreto por não existirem razões ponderosas para excluir as tributações autónomas da letra do preceito em análise.
viii) Quanto à função desempenhada pelas tributações autónomas, a Requerida defende que as mesmas têm uma natureza acessória/instrumental em relação à tributação do rendimento real, designadamente quanto à utilização abusiva de certas despesas, estando, por conseguinte, funcionalmente ligadas ao apuramento do rendimento real. Assim, visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ser ela mesma através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador. Conclui ainda a Requerida que se a definição da taxa de tributação autónoma depende do apuramento da matéria coletável, o produto da sua aplicação não pode integrar o cálculo daquela, por impossibilidade de lógica.
ix) Quanto à questão dos juros indemnizatórios, a Requerida entende que os mesmos não são devidos e que, mesmo que o fosse, o seu cômputo teria como termo inicial a data em que ocorreu a notificação da decisão que indeferiu o procedimento de reclamação graciosa e, nunca, o momento indicado pela Requerente no seu pedido.
11. No dia 21.03.2014 foi proferido, pelo Presidente do Tribunal Arbitral, o seguinte despacho: “Em face de tal requerimento, o tribunal, dispensando-se da realização da reunião a que se refere o art. 18º do RJAT, assina às partes o prazo sucessivo de 10 dias para alegações finais…”
12. Dentro do prazo fixado para o efeito, veio a Requerente apresentar as suas alegações, que se sumariam de seguida:
a) No entendimento da Requerente, as duas normas que definem o que é o IRC são o seu artigo 1º e o seu artigo 3º, e essas são absolutamente coincidentes: o IRC é um imposto sobre o lucro/rendimento. Assim, o artigo 12º do IRC, ao contrário do que se sustenta em decisões tomadas no âmbito de processos que correram os seus termos no CAAD (nomeadamente, no âmbito do processo 246/2013-T) não tem por missão definir o que é o IRC, pelo que o que, para efeitos desse artigo se possa retirar relativamente à inclusão ou não das tributações utónomas no conceito de IRC, não deve extravasar o âmbito especifico de aplicação da norma ai constante. Donde, nem as razões conceptuais avançadas por aquela decisão arbitral, nem a letra da lei permitem tirar a conclusão que as tributações autónomas são IRC e, consequentemente não dedutíveis no processo de determinação da matéria colectável em sede deste imposto. Na linha do que ssstenta na sua petição inicial, a Requerente reafirma que as tributações autónomas não são IRC, e devem ser, por isso, um encargo fiscal dedutível em IRC.
b) A esta conclusão de que as tributaçõe autónomas não são IRC tem chegado também o STA em diversas ocasiões. Neste sentido, a Requerente transcreve partes de diversos acordãos do STA, já referidos, aliás, no seu requerimento inicial. Toda esta jurisprudência (cf. acordãos do STA proferidos nos processos nº 281/11, 830/11 e 77/12) afastou a aplicação de normas do IRC (tributação sobre o rendimento) das Tributações Autónomas (TA doravante), justamente por ter concluído que estas não eram IRC.
c) Existe uma radical diferença ente, porum lado, o IRC e as taxas liberatórias (por retenção na fonte) e as TA, na medida em que os primeiros incidem, tão só, sobre o rendimento, ao contrário das TA que incidem sobre quem suporta a despesa e sobre essa despesa, não tributando nunca o rendimento o sujeito passivo;
d) A função (da maioria) das TA concretamente aqui em causa de tributar certas despesas em que incorre a entidade patronal, por causa do uso potencialmente promíscuo (entre a esfera pessoal do colaborador e a actividade da empresa) das mesmas, confirma também a pertinência da sua dedutibilidade fiscal.
e) É uma contradição nos termos invocar-se o requisito da indispensabilidade quando a própria despesa ou encargo sobre que incide a TA é ela mesma dedutível/preenche esse requisito da indispensabilidade.
f) Do regime simplificado de tributação nada se retira que apoie a construção da AT
g) A radical diferença entre o IRC e a derrama municipal de um lado, e as tributações autónomas do outro: a razão de ser que está na base da indedutibilidade do IRC para efeitos de mensuração da base (lucro ou rendimento da pessoa colectiva) sobre que incide é exactamente a mesma da derrama municipal - ambos estes impostos constituem um conjunto que visa tributar o lucro da empresa, logo não devem eles mesmos ser deduzidos (se nada se disser em contrário) para efeitos de apuramento do lucro da empresa sobre que incidirão. Nada disto sucede com as tributações autónomas: elas não são nem um adicionamento (como era até 2007 a derrama) nem um adicional (derrama após 2007) do IRC, já que não são determinadas a partir da coleta do IRC nem da sua base (lucro tributável). Numa palavra, não incidem direta ou indiretamente sobre o lucro ou rendimento da empresa.
h) O facto de a taxa das TA ser agravada em caso de existência de prejuízos fiscais não constitui qualquer obstáculo lógico à sua dedutibilidade.
i) Para além destes argumentos, que constituem uma repetição do que já tinha sido defendido no requerimento inicial, grande parte das alegações da Requerente passam pela análise crítica da decisão arbitral proferida nos processos 246/2013-T e 255/2013-T, remetendo-se, quanto a esse segmento das alegações, para o respetivo texto.
13. Igualmente dentro do prazo aplicável, veio a Requerida apresentar as suas alegações e conclusões, onde sustenta o seguinte:
a) A Requerida começa por reiterar todos os argumentos firmado na sua contestação no sentido da não dedutibilidade das tributações autónomas, referindo, de seguida, que a questão decidenda já foi objecto de ampla jurisprudência por parte do CAAD, nomeando, mesmo, esses processos (187/2013-T, 209/2013-T, 246/2013-T, 225/2013-T e 260/2013-T).
b) Desta forma, aproveita a Requerida para em abono da sua posição – não dedutibilidade como custo fiscal das TA - transcrever a parte que considera mais relevante da decisão proferida no âmbito do processo 209/2013-T, remetendo-se, assim, quanto a esse segmento das alegações, para o respetivo texto.
c) Por fim, a Requerida considera que as alegações apresentadas pela Requerente, ao estarem quase exclusivamente centradas em rebater as decisões tomadas nos processos CAAD com os nºs 246/2013-T e 255/2013-T, extravasam, de forma evidente, o propósito e finalidades prosseguidas pelas alegações e que devem ser as de proceder à apreciação de facto e de direito das questões colocadas no próprio processo e não sindicar decisões tomadas no âmbito de outros processos.
Nada mais tendo sido arguido ou requerido, cumpre, agora, proferir decisão.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MATÉRIA DE FACTO
1. A ora Requerente, na qualidade de sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao regime especial de tributação de grupos de sociedades (RETGS), submeteu a autoliquidação de IRC e derrama consequente relativa ao exercício de 2011 mediante apresentação, em 31 de maio de 2012, da declaração Modelo 22. Na referida autoliquidação de IRC do exercício de 2011, a Requerente procedeu também à autoliquidação de tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC, num total de € 435.639,39, que correspondem a:
i) 10% dos encargos com viaturas no montante de € 2.113.405,21, e 20% quanto à parte dos encargos com viaturas na parte excedente do valor de aquisição fixado na lei, no montante de € 596.409,75;
ii) 10% das despesas de representação, no montante de € 967.003,51;
iii) 5% das despesas com deslocações dos colaboradores em viatura própria e com ajuas de custo não facturadas a terceiros, no montante de € 166.331,14
2. Em 23.09.2013, a Requerente apresentou, junto da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), reclamação graciosa contra a referida autoliquidação de IRC e derrama municipal consequente respeitante ao exercício de 2011.
3. No dia 30.12.2013, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por despacho proferido, em 18 de dezembro de 2013, pelo Exmo. Senhor Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes.
4. A Requerente, para efeitos do apuramento do lucro tributável do seu grupo fiscal desse exercício de 2011, não deduziu o encargo suportado com as referidas tributações autónomas, antes tratando-as como se fossem IRC ou derrama municipal.
5. A Requerente solicitou, em 23.02.2014, a constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (adiante, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 março, tendo em vista a declaração de ilegalidade parcial do acto de autoliquidação de IRC e derrama consequente relativo ao exercício de 2011 e do subsequente acto de indeferimento de reclamação graciosa, na medida correspondente à não relevação fiscal dos encargos fiscais com tributações autónomas desse mesmo exercício, cujo montante ascende a € 124.690,36.
A decisão da matéria dos factos provados baseou-se nos documentos juntos ao processo e na não oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira quanto a factos invocados pela Requerente.
Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.
II.2 QUESTÃO A APRECIAR
O mérito do pedido: deverá aceitar-se a dedutibilidade dos montantes pagos a título de tributação autónoma para efeitos de apuramento do lucro tributável?
Do mérito do pedido de declaração de ilegalidade parcial do ato de autoliquidação de IRC de 2010
A questão de mérito que se coloca a este tribunal convoca uma decisão sobre se as quantias pagas no quadro das tributações autónomas por um sujeito passivo de IRC devem ser consideradas um encargo dedutível para efeitos do apuramento do lucro tributável sobre o qual incide aquele imposto.
Como vimos, alega a Requerente que as tributações autónomas tributam despesa e não rendimento, representando, dessa forma, uma espécie de penalidade para as empresas relativamente a determinados encargos suportados e que têm alguma função ou componente remuneratória.
Assim sendo, e à semelhança do que se verifica com outros impostos que têm a mesma natureza, como, por exemplo, o IMT devido na aquisição de bens imóveis, ou o Imposto do Selo suportado em operações financeiras, ou mesmo o IVA (quando não dedutível pelo sujeito passivo), também a tributação autónoma devia, na determinação da matéria colectável das pessoas colectivas, ser dedutível, como um custo fiscal.
Ao contrário, a Requerida sustenta que as tributações autónomas compõem formalmente o IRC a pagar pelos contribuintes, pelo que, quando o legislador se refere a encargos de IRC, necessariamente está a incluir, ainda que para já num plano literal, as tributações autónomas.
Esta questão já foi apreciada e julgada em diversos processos, com diferentes composições jurisdicionais arbitrais, que correram seus termos neste Centro de Arbitragem Administrativa, CAAD (cf. processos 187/2013-T, 209/2013-T, 246/2013-T, 225/2013-T e 260/2013-T ou mais recentemente o 282/13-T), nos quais tem ocorrido uma assinalável uniformidade de decisões.
Vejamos, o que se escreve no acordão referente ao último dos citados processos:.
“No âmbito da anterior redação do Código do IRC existiam duas normas com impacto direto na questão em análise: por um lado, o princípio geral de dedutibilidade de encargos comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, os de natureza fiscal e parafiscal, que resultava do artigo 23.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRC. Por outro lado, a regra de não dedutibilidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do mesmo Código, nos termos da qual não eram dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável o IRC e quaisquer outros impostos direta ou indiretamente incidentes sobre os lucros.
Face a um princípio geral de dedutibilidade de encargos e à ausência de referência expressa às tributações autónomas na norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, a dúvida surge sobre se o legislador quis, ou não, incluí-las na exceção de não dedutibilidade prevista nesta última norma. Atenta a dúvida interpretativa criada pela letra da lei, cabe, então, ao intérprete a tarefa de interpretar o ordenamento jurídico no seu conjunto, buscando nas razões de ser do regime das tributações autónomas a resposta às dúvidas suscitadas.
As tributações autónomas foram introduzidas no ordenamento jurídico português através do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, que previu a tributação autónoma, à taxa de 10%, das despesas confidenciais ou não documentadas.
Mais tarde, as tributações autónomas foram incluídas no Código do IRC, através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que veio integrar a previsão das tributações autónomas no diploma que regula o IRC.
Desde então, o regime das tributações autónomas, já inserido no Código do IRC, tem assistido a um processo de alargamento que culminou na atual existência de vários tipos de tributações autónomas previstos no artigo 88.º do Código do IRC:
i) Tributação autónoma sobre despesas não documentadas;
ii) Tributação autónoma sobre encargos com viaturas;
iii) Tributação autónoma sobre despesas de representação;
iv) Tributação autónoma sobre importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;
v) Tributação autónoma sobre despesas com ajudas de custo e com compensações pela deslocação de trabalhadores em viatura própria ao serviço da entidade patronal;
vi) Tributação autónoma sobre os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial;
vii) Tributação autónoma sobre gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como sobre os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo;
viii) Tributação autónoma sobre gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes.
Da análise deste elenco é possível concluir que as tributações autónomas incidem quer sobre encargos dedutíveis, quer sobre encargos não dedutíveis e que as tributações autónomas cumprem, no essencial, duas funções: por um lado, evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC, mas que, sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos; outros tipos de tributações autónomas visam, pura e simplesmente, penalizar comportamentos presuntivamente evasivos ou fraudulentos dos sujeitos passivos, consubstanciando um mecanismo anti-abusivo.”
Ora, como foi por diversas sublinhado pela Requerente, no caso em apreço, não se está perante tributações autónomas resultante deste tipo de despesas, mas tão só de despesas que são aceites como custo fiscalmente dedutível, como sejam as despesas com viaturas, com despesas de representação ou despesas com deslocações dos colaboradores em viatura própria e com ajudas de custo não faturadas a terceiros.
Relativamente a este tipo de despesas, refere o citada decisão arbitral:
“Em segundo lugar, importa decidir a questão da dedutibilidade das tributações autónomas que incidem sobre despesas dedutíveis: deverá aí aplicar-se o princípio segundo o qual o acessório segue o caminho do principal (acessorium principale sequitur) e decidir-se que a tributação autónoma suportada com referência a um encargo dedutível deverá ela também ser dedutível? A questão passa aqui por saber se na expressão “IRC e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre lucros” (consagrada na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC na redação e vigor à data dos factos), devem ser incluídas as tributações autónomas ou não.
A Requerente apresentou argumentação no sentido de que, configurando a tributação autónoma um tributo distinto do IRC, com funções e propósitos distintos da função primordial do IRC de tributação do rendimento real das empresas, essa distinta forma de tributação não poderá ser considerada “IRC” para efeitos da exclusão da dedutibilidade prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do Código do IRC. Já a Requerida entende que as tributações autónomas que incidem sobre sujeitos passivos de IRC não podem ser dissociadas do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, na medida em que se destinam, ainda que de forma indireta, a contribuir para a realização da função desse imposto pelo que admitir a respetiva dedutibilidade para efeitos de apuramento do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC seria, digamos assim, uma forma de fraude admitida pelo próprio sistema.
Ora, sobre este tema, entende o presente tribunal que assiste razão à Requerente quando refere que as tributações autónomas operam de forma diferente do IRC, têm, no imediato, propósitos distintos do IRC, servem funções que não estavam no cerne do regime de tributação das pessoas coletivas quando este se ergueu por via do Código do IRC e, em certa medida, são autónomas da tributação operada pelo IRC no sentido em que não dependem daquela para ver os seus objetivos imediatos realizados. Tudo isso é verdade, sendo, por conseguinte, reconhecidamente pertinentes alguns dos argumentos aduzidos pela Requerente no sentido de diferenciar as duas formas de tributação.
Contudo, essa diferenciação não deve impedir o intérprete de perceber que a raiz das tributações autónomas reside, ainda assim, no IRC. Não obstante elas terem evoluído para uma espécie complexa e diversificada até certo ponto autonomizada do imposto relativamente ao qual prima facie surgiram associadas, elas existem, sobrevivem e multiplicam-se por causa do IRC e por causa dos objetivos últimos do IRC. Elas são, nessa medida, uma forma de realização da tributação das pessoas coletivas que nasce da constatação da crescente incapacidade de se tributar o respetivo rendimento apenas com base no eixo tradicional do IRC. São, pois, apesar das diferenças que hoje lhes podem ser reconhecidas face ao IRC, um mecanismo de preservação da base tributável em sede de IRC e, dessa perspetiva, pouco sentido faria aceitar-se que o próprio sistema permita a sua dedução. (sublinhado nosso)
Em concreto no que se refere às tributações autónomas que incidem sobre despesas dedutíveis, as mesmas visam compensar, por essa via, a perda de receita fiscal que a realização e dedução de tais despesas ocasionaria na sua ausência. Assim, enquanto se permite que o sujeito passivo deduza a despesa, onera-se a sua dedução com a tributação autónoma reduzindo-se, assim, a receita fiscal perdida com a dedução da despesa e desincentivando-se a utilização futura do tipo de encargos que gerou a tributação autónoma.
Como refere o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 18/2011, a propósito dos encargos relacionados com viaturas: “[estes] referem-se a encargos dedutíveis como custos para efeitos de IRC, isto é, a encargos que comprovadamente foram indispensáveis à realização dos proveitos, à luz do que estabelece o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, sendo a tributação prevista nesses preceitos [atuais n.º 3 e 4 do art. 88.º do CIRC] explicada por uma intenção legislativa de incentivar as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal”.
No mesmo sentido vão as palavras de Saldanha Sanches quando afirma que ”Neste tipo de tributação [autónoma], o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal que se encontra na zona de interseção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros.” (cf. “Manual de Direito Fiscal”, 3ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 406).
Face ao exposto, embora se reconheça que o regime das tributações autónomas constitui, no quadro do IRC, um regime especial nomeadamente quanto à forma de apuramento da tributação, crê-se não ser esse um argumento decisivo no sentido pretendido pela Requerente pois que se trata, ainda assim, de um regime que tem por objeto, ainda que mediato, a garantia da tributação do rendimento das pessoas coletivas e à obtenção de receita fiscal por essa via.
Por fim, não colide com a interpretação que acaba de se fazer acerca da natureza das tributações autónomas e, em especial, acerca da questão da sua (não) dedutibilidade em sede de IRC a recente alteração efetuada ao Código do IRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro[1], que veio revogar o antigo artigo 45.º, estabelecendo-se agora no artigo 23.º-A do CIRC que “Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros.” Com efeito, o facto de agora se dizer claramente no texto da lei que as tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos do apuramento do IRC não significa que a mesma conclusão não pudesse ser já retirada do regime jurídico anterior e, como tal, ser aplicável a situações jurídicas constituídas ao abrigo da lei antiga.”
Na linha do que foi decidido no âmbito dos processos acima referidos e na respetiva fundamentação, considerando que a legislação aplicável em nada se alterou, este Tribunal Arbitral de igual modo entende que as tributações autónomas, ao contrário do que sustenta a Requerente, estavam abrangidas pelo disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC na redação em vigor até 31.12.2013, e que, em consequência, os montantes pagos com referência a essas tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável da Requerente, devendo, pois, improceder o pedido de declaração de ilegalidade parcial do ato de autoliquidação de IRC com referência ao exercício de 2011 que constitui o objeto do presente processo.
***
III. DECISÃO
a) Termos em que se decide neste tribunal arbitral julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente;
b) Condenar a Requerente nas custas do processo.
IV. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária atribui-se ao processo o valor de € 124.690,36.
V. CUSTAS
De acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o o montante das custas é de € 3.060,00.
Notifique-se.
[Adota-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, tendo sido atualizada em conformidade a ortografia constante das citações e de todos os textos utilizados].
Lisboa, 28 de Julho de 2014
(Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa)
(Paulo Lourenço)
(João Marques Pinto)
[1] Que procedeu à reforma da tributação das pessoas coletivas, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, e o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.