DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
“A...”, com sede na ..., ..., Rua ..., ..., pessoa colectiva n.º..., doravante designada por “Requerente”, solicitou a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo da alínea a), do n.º 1 do artigo 2.º e artigos 10.º e segs. do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, em conjugação com os artigos 99.º e alínea e) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).
Pretende a Requerente, em suma, que o Tribunal Arbitral: (i) anule a “liquidação e cobrança” do AIMI referente aos anos de 2017 e 2018, (ii) ordene a devolução à Requerente da quantia €.2.892,31 (dois mil oitocentos e noventa e dois euros e trinta e um cêntimos) e (iii) condene a Autoridade Tributária (“AT”) a abster-se de “proceder a posteriores liquidações e cobranças de AIMI, sobre o prédio em causa, tendo em conta a isenção objectiva, prevista no Art.º 135.º-B, nº 2, do CIMI”.
Para fundamentar o seu pedido alega, em suma que:
a) É proprietária e possuidora de prédio urbano sito na ..., ..., Rua..., em ..., inscrito desde 1990 na matriz predial da freguesia de ..., concelho de Odemira sob o artigo...;
b) Concluída a sua construção (em 1990) solicitou o seu licenciamento como alojamento turístico e como tal foi inscrito na Direcção Geral do Turismo, desde 23 de Janeiro de 1992;
c) Em 2010, por não cumprir os requisitos legalmente previstos para a sua classificação como Apartamentos Turísticos (por ser constituído por menos de 6 unidades de alojamento) o prédio devia passar a ser classificado como afecto ao Alojamento Local, o que serve para dizer que o prédio continuava a não ser destinado à habitação;
d) Desde então, até a esta data, o prédio é destinado Alojamento Local;
e) Em 19/07/2017, a Requerente registou o referido imóvel como destinando-se a alojamento local;
f) Tendo obtido o licenciamento, não tinha conhecimento que, ainda assim, devia obter a licença de utilização e nunca a mesma lhe foi exigida e não impediu a sua participação à matriz;
g) A Requerente foi constituída em 1989, tendo como objecto social a gestão e promoção de empreendimentos hoteleiros e meios complementares de alojamento;
h) Sem ter conhecimento específico sobre a matéria, o imóvel foi participado à matriz como destinado a habitação, o que se fez erradamente, pois desde a sua existência nunca foi destinado a habitação;
i) O imóvel desde a sua construção, há 29 anos, destina-se e sempre se destinou em exclusivo a alojamentos turísticos;
j) O rendimento obtido com a “exploração hoteleira” encontra-se sujeito a declaração fiscal e pagamento dos respectivos impostos, facto que é do conhecimento da Autoridade Tributária;
k) Em 2017, foi notificada da liquidação do adicional ao IMI (AIMI), tendo apresentado reclamação graciosa aguardando, durante largos meses, decisão da Autoridade Tributária;
l) A Autoridade Tributária, perante o fundamento daquela reclamação graciosa e tendo na sua posse todos os elementos que lhe permitiam concluir que o prédio se destinava exclusivamente à actividade turística de alojamento, tinha o dever de anular a liquidação do imposto, o que não o fez;
m) Pelo que, citada para o Processo de Execução Fiscal viu-se na contingência de pagar o valor de €.1.471,35;
n) É entendimento da Requerente que tal imposto não é devido, pois o prédio não é destinado a habitação pelo que, por aplicação do disposto no artigo 135.º-B, n.º 2, do CIMI, a Requerente está objectivamente isenta do AIMI;
o) Sabendo a Autoridade Tributária, oficiosamente e/ou por reclamação, da afectação exclusiva do imóvel aos serviços hoteleiros de alojamento local, perante o fundamento da reclamação graciosa, e tendo na sua posse todos os elementos que lhe permitiam de facto e de direito concluir qual o destino efectivo do prédio, tinha o dever de anular a liquidação do imposto, o que não o fez;
p) Invoca, ainda, em abono da sua posição, a jurisprudência do CAAD (cfr. processo 666/2017-T, entre outros).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).
O Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro singular do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, nos termos do disposto nos artigos 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 2 do Código Deontológico do CAAD.
As partes, oportunamente notificadas, não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos previstos no Código Deontológico do CAAD, e o Tribunal Arbitral foi constituído em 8 de Maio de 2019, de acordo com a alínea c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT.
A Requerida apresentou Resposta em 12 de Junho de 2019. Na Resposta apresentada, a Requerida apresentou defesa por excepção e por impugnação nos termos que, a seguir, sucintamente, se descrevem.
a) Por Excepção
(i) Invoca a Requerida a incompetência material absoluta do Tribunal Arbitral para apreciar atos praticados em sede de processo de execução fiscal invocando, em abono da sua posição, a alínea a) do n.º 1 e o número 4 do mesmo do artigo 2.º do Regime Jurídico de Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT);
(ii) Para a Requerida, a matéria relativa ao processo executivo não está abrangida no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral;
(iii) Refere ainda que, em sua opinião, a natureza de um prédio não é passível de ser discutida em sede arbitra pois, para tal, existem procedimentos próprios constantes no normativo jurídico-fiscal;
(iv) A incompetência do tribunal constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que determina a absolvição da instância nos termos do artigo 576.º e alínea a) do artigo 577.º do Código de Processo Civil (CPC) aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime Jurídico de Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT);
(v) Defende ainda a ilegalidade do pedido de condenação da Autoridade Tributária à abstenção de proceder a posteriores liquidações e cobranças de AIMI referindo que qualquer decisão judicial no sentido peticionado pela Requerente se mostraria inquinada por usurpação de poder;
(vi) Assim, em obediência ao princípio da separação e interdependência de poderes consagrado nos artigos 2.º e 111.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), deve ser declarada a inadmissibilidade do pedido de condenação da entidade demandada de abstenção de prática de novos atos de liquidação;
(vii) A inadmissibilidade do pedido configura uma exceção peremptória que importa a absolvição do mesmo, de acordo com o previsto no artigo 576.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, o que desde já se requer;
Por Impugnação refere:
(viii) Face ao texto da lei atualmente em vigor, não assiste qualquer fundamento à pretensão da Requerente;
(ix) O AIMI enquanto tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social incide “sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular” [vide o n.º 1 do artigo 135.º-B do Código do IMI];
(x) A semelhança do regime do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) são sujeitos passivos do Adicional de IMI, os “proprietários, usufrutuários ou superficiários” dos respetivos prédios, independentemente das suas qualidades de pessoas singulares ou coletivas, equiparando-se a estas "quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pelo cabeça de casal", ( vide n.º 1 e nº 2 do artigo 135-A);
(xi) Na medida em que a modelação do quantitativo a pagar se abstrai da dimensão económica das entidades, designadamente a qualificação como pequena, média ou grande empresa, bem como, por não atingir a totalidade do património líquido das entidades, pode afirmar-se que, no que o adicional ao IMI incidente sobre os prédios urbanos de que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários pessoas coletivas e estruturas equiparadas assume a natureza de imposto real (vide n.º 2 do artigo 135.º-A do CIMI);
(xii) Ao contrário do que se visava primacialmente com a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, não se pretende onerar a tributação de imóveis de luxo, pois o património imobiliário de valor avultado pode ser constituído por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor;
(xiii) A sujeição dos prédios classificados como habitacionais à norma de incidência do AIMI é efetuada independentemente da sua afetação potencial, bem como da natureza e especificidades do seu titular;
(xiv) Apesar de ter afastado da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros”, o legislador, optou expressamente por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção;
(xv) Assim, os prédios que integram o ativo das empresas classificados como habitacionais ou terrenos para construção não estão incluídos na disposição de delimitação negativa por exclusão do âmbito de aplicação;
(xvi) Ou seja, o legislador não garantiu, nem pretendeu garantir, em todos e quaisquer casos que não fosse atingido “o património imobiliário afeto ao exercício de qualquer atividade económica”;
(xvii) Louvando-se em Jurisprudência arbitral que considera favorável à sua pretensão, entende que, ao contrário do alegado pela requerente, não se verifica no caso em apreço, qualquer ilegalidade na ilegalidade da aplicação do AIMI;
(xviii) De igual modo, considera que não ocorre qualquer violação do princípio da igualdade, da justiça e da capacidade contributiva sustentando, depois a sua posição em Jurisprudência do Tribunal Constitucional ;
(xix) Como ficou plenamente demonstrado e de acordo com a jurisprudência maioritária, ao contrário do alegado pela Requerente, a tributação em sede de AIMI não acarreta uma discriminação negativa injustificada à propriedade de empresas cuja atividade económica é precisamente a compra e venda de imóveis quando, simultaneamente, a lei exclui da tributação os imóveis destinados a comércio, indústria ou serviços;
(xx) Refere, por fim, que não se verificam, no caso em apreço, os requisitos previstos do artigo 43.º da LGT, em particular, por considerar que os actos impugnados não enferma de qualquer vício que determine a sua anulação;
Em 13/06/2019, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente nos termos do disposto nas alíneas a) e f) do artigo 16.º do RJAT para identificar claramente qual ou quais o(s) acto(s) tributário(s) cuja legalidade pretende ver apreciada por este Tribunal Arbitral e para, querendo, pronunciar-se relativamente às excepções invocadas pela Requerida na Resposta apresentada a este Tribunal Arbitral.
Face ao silêncio da Requerente, o Tribunal Arbitral notificou-o para, nos termos do disposto nos artigos 98.º n.º 5 do CPPT, 87.º n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos “CPTA” e 590.º, n.º 4 do Código de Processo Civil (“CPC”) e sob a cominação prevista no n.º 7 do artigo 87.º do CPTA, aperfeiçoar o pedido de constituição de Tribunal Arbitral identificando claramente qual ou quais o(s) acto(s) tributário(s) cuja legalidade pretende ver apreciada.
Em 16/08/2019, o Requerente responde informando que (a) peticiona a ilegalidade da liquidação e cobrança do adicional de imposto municipal sobre imóveis (AIMI), dos anos de 2017 e 2018, e, em consequência, (b) A restituição à Requerente da quantia cobrada de €.2.892,31.
Em 18/09/2019, o Tribunal Arbitral profere novo despacho dispensa a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, concedendo às partes o prazo de 20 dias para produzirem alegações escritas sucessivas, e designando a data limite para a prolação da decisão arbitral.
No prazo concedido para o efeito, as partes não apresentaram alegações.
Em 02/11/2019, o Tribunal proferiu novo despacho arbitral prorrogando o prazo para a prolacção da decisão.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído, o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 10.º do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DE FACTO
§.1. Factos Provados
Com relevância para os presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na ..., ..., Rua..., em ..., inscrito desde 1990 na matriz predial da freguesia de ..., concelho de Odemira sob o artigo ... – cfr. doc. n.º 1 junto ao pedido de constituição de Tribunal Arbitral;
b) Pelo menos deste Janeiro de 1992, a Requerente encontra-se registada na Direcção Geral do Turismo, na qualidade de proprietária e na modalidade de Alojamento Particular – cfr. doc. n.º 2 junto ao pedido de constituição de Tribunal Arbitral;
c) Em 2017, o referido imóvel passou a estar afecto à actividade de Alojamento Local – cfr. doc. n.º 4 junto com o pedido de Constituição do Tribunal Arbitral;
d) A Requerente foi citada para o processo de execução fiscal n.º ...2018... que tinha subjacente uma dívida de “Adicional ao IMI” referente ao ano de 2017 no montante de €.1.471,35 - cfr. doc. n.º 6 junto com o pedido de Constituição do Tribunal Arbitral;
e) A referida dívida foi paga em 27/08/2018 - cfr. doc. n.º 6 junto com o pedido de Constituição do Tribunal Arbitral;
f) A Requerente foi citada para o processo de execução fiscal n.º ...2018... que tinha subjacente uma dívida de “Adicional ao IMI” referente ao ano de 2018 no montante de €.1.420,96 - cfr. doc. n.º 7 junto com o pedido de Constituição do Tribunal Arbitral;
g) A referida dívida foi paga em 20/11/2018 - cfr. doc. n.º 7 junto com o pedido de Constituição do Tribunal Arbitral;
h) O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 22/02/2019 – consulta do sistema de gestão processual do CAAD.
§.2. Factos não provados
Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.
§.3. Motivação quanto à matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que é alegado pelas partes, cabendo-lhe, outrossim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT]. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados os factos acima elencados.
Não se deram como provadas ou não provadas alegações que consistam em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DE DIREITO
§.1. Delimitação das questões a decidir
Face à matéria factual dada como provada e acima elencada, as questões a decidir consistem em saber, antes de mais, (i) se se verifica alguma das excepções suscitadas pela Requerida e (ii) em caso de resposta negativa, se o AIMI relativo aos anos de 2017 e 2018 enferma, ou não, dos vícios que lhe são assacados.
§.2. Apreciação
1. Da excepção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral
Como resulta da posição assumida pelas partes nos presentes autos, e acima melhor descrita, considera a Requerida que se verifica, in casu, a incompetência material absoluta do Tribunal Arbitral porquanto, segundo o seu entendimento, o CAAD não é competente para apreciar atos praticados em sede de processo de execução fiscal.
Antes de respondermos a esta questão importará verificar se, de facto, a Requerida pretende ver apreciado por este Tribunal, um acto praticado em sede de execução fiscal e a resposta, adiantamo-la desde já, é positiva.
De facto, tal ressalta, quer do pedido formulado pela Requerente, quer pelos documentos juntos aos autos (que constituem citações efectuadas no âmbito de dois processos de execução fiscal distintos) que aquilo que a Requerente pretende ver anulados são os actos de cobrança coerciva emitidos no âmbito de processos de execução fiscal que lhe foram instaurados por não ter pago, no prazo legal, o AIMI referente aos anos de 2017 e 2018. A reforçar este entendimento está o facto da Requerente ter considerado como valor da presente causa, precisamente, a soma dos valores pagos no âmbito do processo de execução fiscal.
Identificados, com precisão, os actos impugnados, cabe então decidir se os Tribunais Arbitrais organizados sob a égide do CAAD têm, ou não, competência para apreciar a legalidade destes actos.
De notar que, como como ressalta dos artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 101.º do CPC subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral tributário ex vi o nº 1 do artigo 29.º do RJAT, a determinação da competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.
Assim, e tendo em conta que a procedência da excepção invocada pela Requerida relativa à incompetência material, a verificar-se, poderá obstar ao conhecimento das demais questões suscitadas, importa delimitar o âmbito da competência da jurisdição arbitral tributária.
Assim, e antes de mais, dir-se-á que os Tribunais Arbitrais encontram previsão constitucional e reconhecidos como verdadeiros tribunais (cfr. n.º 2 do artigo 209.º da CRP), e a arbitragem voluntária, em geral, encontra a sua base legal na Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, onde se admite que “o Estado e outras pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, se para tanto forem autorizadas por lei especial ou se estas tiverem por objecto litígios respeitantes a relações de direito privado" (cfr. n.º 5 do artigo 1.º da referida lei).
Por outro lado, a autorização legislativa constante do artigo 124.º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril, relativa à arbitragem em matéria tributária, configura a arbitragem tributaria como um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo consagrado no CPPT.
Foi precisamente no uso dessa autorização que foi aprovada a Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que disciplina a arbitragem em matéria tributária. No preâmbulo desta lei pode ler-se que foi intenção legislativa abranger pela "competência dos tribunais arbitrais, a apreciação de declaração de ilegalidade de liquidação de tributos, da autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, a declaração de ilegalidade de atos de determinação da matéria tributável, de atos de determinação da matéria colectável e de atos de fixação da valores patrimoniais, sempre que a lei não assegura a faculdade de deduzir a pretensão referida".
Por outro lado, nos termos das alíneas a) e b) do artigo 2.º do RJAT:
“Artigo 2º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1. A competência dos tribunais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de retenção na fonte e de pagamentos por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável quando não dê origem a liquidação de quaisquer tributos.”
Esta competência dos tribunais arbitrais é, porém, limitada pelos termos em que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a expressar a sua vontade de se vincular a esta jurisdição, consubstanciada na Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março.
Nos termos do artigo 2.º desta Portaria:
“Artigo 2.º
Objecto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.”
Subsumindo os citados normativos ao caso em apreço, resulta, pois, manifesto, que não cabe aos Tribunais Arbitrais que funcionam sobre a égide do CAAD arbitrar quaisquer actos em matéria tributária proferidos em sede de processo de execução fiscal.
Com efeito e como afirma Jorge Lopes de Sousa, a competência dos tribunais tributários “restringe-se à actividade conexionada com atos de liquidação de tributos ficando de fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial oi de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais quanto dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação a que se refere a alínea p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT".
De onde resulta que “ficam, assim, de fora da competência destes tribunais arbitrais, a apreciação de litígios gerados em processos de execução fiscal (…).
Face ao exposto, assiste razão à excepção invocada pela Requerida quanto à incompetência absoluta deste Tribunal Arbitral para julgar o litígio em apreço, o que constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que determina a absolvição da instância nos termos do artigo 576.º e alínea a) do artigo 577.º do Código de Processo Civil (CPC) aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime Jurídico de Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).
Declarada procedente a referida excepção, fica prejudicado o conhecimento dos demais pedidos formulados pela Requerente.
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IV. DECISÃO
Nos termos expostos, decide este Tribunal Arbitral:
1. Julgar procedente a excepção de incompetência absoluta do Tribunal, em função da matéria, para julgar o litígio em apreço;
2. Absolver a Requerida da instância; e
3. Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.
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VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos artigos. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de €.2.892,31 (dois mil oitocentos e noventa e dois euros e trinta e um cêntimos).
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CUSTAS
Custas no montante de €.612,00 (seiscentos e doze Euros) em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Lisboa, 27 de Novembro de 2019,
O Árbitro,
(Isaque Marcos Lameiras Ramos)
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT. A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.