DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A... SGPS, S.A., Pessoa Colectiva n.º..., com sede na ..., ...-... ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do acto de liquidação em IRC e de juros compensatórios referente ao ano de 2013, no montante global de € 254.482,56, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esse acto, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é sociedade dominante de um grupo de sociedades, denominado “Grupo E...”, que se encontra enquadrado no Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades.
Na sequência de uma acção inspectiva referente ao exercício de 2013, a Administração Tributária efectuou correcções aritméticas ao resultado fiscal individual em IRC da sociedade B..., S.A., no valor de €78.716,38, da sociedade C..., S.A., no valor de €103.973,84, e da sociedade “D... S.A.”, no valor de €1.041.550,60, que implicaram a correcção do resultado fiscal do grupo no valor global de €1.224.240,82.
Em 2012, na sequência de uma reorientação estratégica do “Grupo E...”, foi decidida a suspensão da unidade de galvanização na B..., e a actividade de fabricação de construções metálicas passou a ocorrer exclusivamente para empresas do Grupo, implicando uma redução do resultado líquido. No ano de 2013, apesar de ter mantido o seu processo produtivo temporariamente suspenso, a B... incorreu, ainda assim, em gastos tais como electricidade, correspondência, serviços jurídicos, depreciações de equipamentos, perspectivando-se entretanto a possibilidade da cessão de exploração de estabelecimento industrial a uma das sociedades integrantes do grupo (D..., S.A.), contrato que veio a ser outorgado em 2015.
Em sede de inspecção tributária, os serviços desconsideraram a dedutibilidade de determinados gastos incorridos naquele exercício, nomeadamente, os respeitantes a depreciação de activos fixos tangíveis, gastos com energia e fluídos e um pagamento efectuado a título de caução, por considerarem que a empresa se encontrava inactiva.
No entanto, esses gastos encontram-se comprovados e, caso não tivesse neles incorrido, numa óptica de manutenção e conservação das instalações fabris, a B... comprometeria irremediavelmente os rendimentos futuros, designadamente no âmbito do contrato de cessão de exploração celebrado com a “D..., S.A.
Verificando-se uma relação directa entre a realização do gasto e a obtenção de proveitos não podem subsistir dúvidas quanto à sua dedutibilidade para efeitos fiscais.
A C... prossegue a actividade principal de importação, transformação, embalamento e comercialização de produtos alimentares ultracongelados, e desenvolve a sua actividade no mercado nacional e internacional, tendo adquirido e efectuado o pagamento, no âmbito das suas relações comerciais externas, de mercadorias aos fornecedores F..., Ltd., sociedade de direito norueguês, no montante de €74.872,50, em Setembro de 2008, e G..., S.L., sociedade de direito espanhol, no montante de €35.864,05, em Dezembro de 2011.
Contudo, a C... não chegou a receber as mercadorias adquiridas e apenas recuperou, no caso do fornecedor F... Ltd., o montante de €8.455,56, pelo que, tendo em consideração o período de tempo decorrido, procedeu, em 2013, ao registo de perdas por imparidade dos créditos que tinha inicialmente registado relativamente aos pagamentos em aberto nestes dois fornecedores.
Não obstante, em sede de inspecção, a Autoridade Tributária entendeu que aqueles pagamentos consubstanciavam adiantamentos e tinham carácter financeiro, tendo desconsiderado aqueles gastos para efeitos fiscais, por entender que o conceito de “actividade normal” a que se refere o artigo 35.º do Código do IRC compreende apenas operações de natureza comercial.
Esse entendimento é contrariado pela jurisprudência, que considera que os saldos devedores de clientes e fornecedores são créditos resultantes da actividade normal, havendo de atender-se, por outro lado, em caso de dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, à substância económica dos factos tributários.
A correcção na esfera individual da sociedade “D..., S.A. prende-se com a desconsideração para efeitos fiscais de facturas emitidas pela H..., Lda., no valor de € 33.210,00, e pela I..., Lda., nos valores parcelares de €18.450,00, €29.303,52 e €56.389,00, no pressuposto de que essas facturas não correspondem a operações efectivamente realizadas.
Essa imputação resulta de dados recolhidos em acções inspectivas desencadeadas em relação a essas entidades, em que a empresa “D... , S.A. não teve qualquer intervenção, e em que se terá concluído que a H... não tinha “capacidade empresarial para ter produzido/fornecido os serviços em causa” e que o comportamento fiscal da I...“merece sérias reservas”.
No entanto, a empresa quando solicita a prestação de um serviço a um operador económico não tem meios nem a obrigação de verificar ou validar a “capacidade empresarial” do prestador do serviço e limita-se a verificar e validar a conformidade do serviço prestado com o previamente contratado.
A primeira factura mencionada refere-se a serviços de concepção e desenvolvimento da página Web, que foram efectivamente realizados. E as facturas emitidas pela “I... relacionam-se com um projecto de investigação e desenvolvimento tecnológico designado ... relativamente ao qual o sujeito passivo fez uma descrição circunstanciada e documentada dos serviços realizados.
Não existe, por conseguinte, base factual ou legal para a Administração desconsiderar a dedução dos gastos em causa.
A Administração coloca ainda em causa a dedutibilidade fiscal de despesas com viagens ao Brasil, realizadas por membros dos órgãos estatutários, que qualificou como meras viagens de lazer.
No entanto, pese embora tenham sido acompanhados pelos seus cônjuges, as viagens efectuadas pelos administradores inseriam-se numa estratégia de internacionalização e tinham em vista encetar contactos no sentido de identificar potenciais parceiros estratégicos, bem como eventuais aquisições que a empresa pudesse vir a efectuar no futuro. Importando salientar que a lei não exige que o custo tenha um fim directamente gerador de rendimentos, bastando que, na sua origem e na sua causa, tenha um fim empresarial.
A Autoridade Tributária desconsiderou ainda como custo fiscal parte dos encargos financeiros suportados, no período de tributação de 2013, com “empréstimos” concedidos a sociedades relacionadas, no montante total de €9.569.569,11, por entender que não foram incorridos no interesse da sociedade.
A questão que se coloca, neste âmbito, é a de saber se os encargos financeiros decorrentes de empréstimos bancários obtidos e suportados para a concessão de financiamentos não remunerados a sociedades relacionadas podem ser deduzidos à matéria tributável.
No caso, a Autoridade Tributária procedeu à correcção do lucro tributável sem demonstrar minimamente a inexistência de uma relação directa entre os financiamentos e a actividade da empresa, não existindo fundamento para recusar a indispensabilidade dos encargos financeiros suportados e a sua dedutibilidade fiscal ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, considera, no que se refere à correcção do resultado fiscal apurado na esfera da B..., que os encargos em causa foram incorridos fora do perímetro económico da empresa e são contrapartida da aquisição de factores de produção pela sociedade D..., SA, pelo que não é em relação àquela entidade que pode ser reconhecida a dedutibilidade fiscal do custo.
Por outro lado, a rejeição da dedução fiscal de perdas por imparidade registadas em relação a créditos detidos pela C... encontra-se justificada pelo não preenchimento do requisito da alínea a) do n.º 1 do artigo 35.º do Código do IRC, que torna exigível que os créditos resultem da actividade normal da empresa, só podendo entender-se como tais aqueles que têm origem em operações activas realizadas no âmbito do objecto social, ou seja, a venda de bens e serviços respeitantes à actividade da empresa, e não os que provêm de operações passivas.
No que respeita à correcção do gasto deduzido pela D..., S.A. com base na factura nº 2/2013 emitida pela sociedade H..., Lda., o Relatório de Inspecção Tribitária dá nota de diversos factos que revelam a falta de capacidade empresarial da empresa e a ausência de relações comerciais com outras entidades, sendo que, notificada para detalhar o modo como se concretizou a prestação de serviços, a D..., SA. não apresentou quaisquer elementos adjuvantes. E ainda que a “concepção e desenvolvimento de página web” que teria sido realizada pela H... se traduza num serviço essencialmente imaterial, a prestação dos serviços não poderia deixar de estar documentada através de actos preparatórios destinados a definir os requisitos técnicos, encargos e prazos de execução.
Também no que se refere à correcção do gasto deduzido pela D..., S.A. com base nas facturas nºs 5/2013, 17/2013 e 18/2013 emitidas pela sociedade I..., Lda., o procedimento inspectivo recolheu indícios da inexistência de capacidade empresarial da empresa e de ausência de relações com outras entidades, além de incoerências formais e de conteúdo nas facturas emitidas.
Por outro lado, da análise à contabilidade constatou-se que, para o mesmo tipo de serviços, já existia um contrato celebrado em 2009, com outra entidade (J..., Lda), que abrangia todos os projetos de candidatura que o sujeito passivo pretendesse apresentar durante a vigência do QREN (2009 até 2013).
Quanto à correcção, no valor de € 17.836,00, referente a viagens ao Brasil de membros do conselho de administração e respetivos cônjuges, os serviços de inspecção verificaram que estes gastos não têm qualquer relação justificada com a actividade produtiva da empresa, não podendo considerar-se como custo dedutível para efeitos de apuramento do lucro tributável.
Em relação à dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros decorrentes de financiamentos gratuitos concedidos pela D..., S.A. a sociedades relacionadas, resulta claro que esses encargos não respeitam à actividade produtiva por ela própria desenvolvida, mas sim às outras sociedades que beneficiaram da concessão de empréstimos, tanto mais que não constitui objecto social da empresa a gestão de participações sociais ou a concessão de capital de risco.
Conclui pela improcedência do pedido arbitral.
2. No seguimento do processo, foi realizada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada à produção de prova testemunhal, e, na sequência, determinado o prosseguimento para alegações por prazo sucessivo.
Em alegações, a Requerente procurou fixar os factos que devem ser tidos como provados e desenvolveu as soluções jurídicas do caso na linha do articulado no pedido arbitral. A Autoridade Tributária contra-alegou, mantendo a sua anterior posição.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e dos n.º 1 e 2 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, as partes designaram os árbitros, e o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou o terceiro árbitro, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 17 de Abril de 2019.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos que podem ser tidos como provados são os seguintes:
A) A Requerente é sociedade dominante de um grupo de sociedades, denominado “Grupo E...”, que se encontra enquadrado no Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades e integra as seguintes sociedades: B... S.A., K..., Lda., L... SGPS S.A., C..., S.A., M..., Lda., N..., Lda. e D..., S.A.;
B) A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva interna credenciada pela ordem de serviço OI2016... que teve como objecto a análise do cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do regime especial de tributação do grupo de sociedades de que era dominante, quanto ao exercício de 2013;
C) O relatório de inspecção tributária elaborado no âmbito da acção inspectiva considerou as seguintes correcções:
a) correcção aritmética ao resultado fiscal individual em IRC da sociedade B..., S.A., no valor de €78.716,38;
b) correcção aritmética ao resultado fiscal individual da sociedade C..., S.A., no valor de €103.973,84;
c) correcção ao resultado fiscal individual da sociedade “D... S.A.” no valor de €1.041.550,60;
D) As referidas correcções implicaram a alteração do resultado fiscal do grupo de empresas no valor global de €1.224.240,82;
E) As correcções ao lucro tributável em IRC foram apuradas na sequência de acções inspectivas efectuadas na esfera individual das empresas B..., C... e D..., tituladas pelas ordens de serviço OI201..., OI2016... e OI2016...;
F) Em relação à B..., os serviços inspectivos apuraram que a empresa não apresentou qualquer volume de negócios em 2013, mas deduziu gastos referentes à depreciação de activos fixos tangíveis, no montante de € 57.738,61, a energia e fluídos, no montante de € 19.177,77, e ao pagamento de uma caução, no montante de €1.800,00;
G) O relatório de inspecção tributária procedeu à correcção do lucro tributável no valor global de € 78.716,38 invocando, em síntese, o seguinte:
De acordo com o enquadramento apresentado no ponto anterior, um gasto, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afeto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal gasto e os rendimentos da empresa.
Contudo, conforme também já referido:
O s.p. procedeu à desativação da unidade produtiva da Empresa, na sequência de uma reorientação estratégica do Grupo L...;
O negócio, a galvanização por imersão a quente, e colaboradores, foram incorporados na Empresa do Grupo, a D...;
No período de 2013, a sociedade manteve a sua atividade suspensa.
Assim, encontrando-se a empresa inativa e não tendo obtido quaisquer rendimentos no período de tributação de 2013, as depreciações do ativo fixo tangível, contabilizado como gasto no período, no montante de €57.738,61, não concorrem para a formação do resultado tributável, tendo em conta o disposto nos art.ºs 23°, 29° e 34° do CIRC e do art.º 1. do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, pelo que se procederá à desconsideração daquele valor, acrescendo-o no quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC.
H) No que se refere ao montante de €1.800,00 pago a título de caução até ao trânsito em julgado do recurso de decisão administrativa interposto no Tribunal Judicial de ..., respeitante ao Processo n.º .../..., o relatório de inspecção tributária considerou que o montante em causa não é um gasto fiscalmente dedutível porquanto não será um montante adicional a pagar pelo recurso jurisdicional que interpôs no Tribunal Judicial de ..., “mas sim uma forma de garantia de cumprimento dessa decisão administrativa, que poderá ser devolvida após o trânsito em julgado”;
I)A C... registou perdas por imparidade, em 2013, nos montantes de € 35.664,05 e de € 66.416,94, justificando o reconhecimento das imparidades por ter efectuado pagamentos à G..., S.L. e à F... Ltd. para fornecimento de mercadorias que não chegou a receber;
L) O relatório de inspecção tributária procedeu à correcção do lucro tributável no valor global de € 102.280,99, com a seguinte fundamentação:
Atento o disposto no artigo 35º do CIRC, as perdas por imparidade em dívidas a receber, são dedutíveis para efeitos fiscais se …. a) relacionadas com créditos resultantes da atividade normal…
Embora o código do IRC não tenha qualquer referência à definição de "atividade normal" que sirva de delimitação dos créditos cuja perda par imparidade possa ser aceite, o legislador, ao tipificar os créditos aceites, de forma direta e explicita, delimita o campo de aplicação ou incidência das imparidades, sendo claro que não inclui toda e qualquer situação de créditos em cobrança duvidosa, pelo que administrativamente, é assunto que apenas relevam os créditos decorrentes das operações de natureza comercial relacionadas com a venda de bens ou serviços respeitantes à atividade da empresa, ou seja, operações que envolvam transações correntes.
Assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que os créditos que decorrem de operações de caráter financeiro (adiantamentos a fornecedores), os créditos decorrentes de vendas de ativos não correntes, etc. não decorrem da “atividade normal” uma vez que não estão associadas a transações correntes, pelo que as perdas por imparidade constituídas sobre esses créditos não podem afetar o resultado tributável.
M) A D..., Lda. reconheceu como gasto, no período de 2013, a factura n.º 2/2013, emitida pela H..., Unipessoal, Lda., em 1 de Fevereiro de 2013, no montante líquido de € 27.000,00, referente à “Concepção e desenvolvimento de página Web”;
N) O Relatório de Inspecção Tributária determinou a correcção ao lucro tributável no valor de € 27.000,00 por considerar que a factura emitida pela H... não titula uma transação económica efectivamente realizada, reunindo assim as características de negócio simulado, fundamentando a correcção, em síntese, nos seguintes termos:
Conforme já referido, esta empresa foi objeto de ação de inspeção pela Direção de Finanças do Porto, tendo-se verificado e concluído que "... a H... não desenvolveu qualquer atividade ilícita (nos exercícios de 2010 a 2013], que não possui qualquer estrutura empresarial e que desenvolve uma atividade de natureza criminal, que se traduz na utilização e emissão de facturas cujas operações não são reais, e na adulteração de facturas de outras entidades".
(…)
Verifica-se assim que:
apesar de ter sido notificado para a apresentação de suportes documentais demonstrativos da efetiva operação realizada, o s.p. não apresentou quaisquer documentos/elementos, reiterando apenas que essa factura corresponde ao descritivo da própria factura, ou seja, "apoio ao desenvolvimento e reformulação da página Web da D..., que inclui uma apresentação da empresa nomeadamente os produtos comercializados e serviços prestados",
embora também solicitado, não identifica a(s) pessoa(s) que prestaram o serviço, apesar de referir que “os serviços foram maioritariamente desenvolvidos nas instalações da Empresa, com recurso a meios informático”.
As informações prestadas, além de não esclareceram de forma precisa o que foi solicitado, suscitam ainda as seguintes questões:
não fica claro se está em causa o “desenvolvimento” ou a “reformulação” da página Web da D... . Por outro lado, a informação que faz da página Web “apresentação da empresa, os produtos comercializados e serviços prestados”, são informações intrínsecas à própria empresa a qual dispõe no seu quadro, pessoal capaz de levar a cabo esse serviço.
Estranha-se não ter sido identificada a pessoa externa à empresa que alegadamente terá prestado o referido serviço, uma vez que, “os serviços foram maioritariamente desenvolvidos nas instalações da Empresa” e com “recurso a meios informáticos da própria empresa”.
O) No âmbito do procedimento inspectivo, a D... foi notificado pelos serviços inspectivos, ao abrigo dos princípios da cooperação, do inquistório e da colaboração, para prestar os seguintes elementos/esclarecimentos relativos à factura n.º 2/2013 emitida pela H...:
Apresentar o contrato celebrado com o fornecedor e demostrar detalhadamente em que se consubstanciou a prestação de serviços de “Conceção e desenvolvimento página Web”, identificar o local onde foi executado, a(s) pessoa(s) responsável(eis)pela prestação do serviço, os meios físicos utilizados para a sua execução, nomeadamente com identificação dos eventuais fornecedores dos materiais e/ou prestadores de serviços subcontratados, e os termos em que que foi acordada a definição do preço facturado.
P) Em resposta à notificação, o sujeito passivo prestou, por escrito, os seguintes esclarecimentos:
No que respeita à D..., por referência ao período de tributação de 2013, a qual ascende ao montante de €2700 (vide Documento n.º 8), classificamos infra o âmbito dos serviços prestados que a justifica, bem como os correspondentes honorários debitados
N.º da
Factura Data da
Factura Descrição breve dos serviços Montantes em
Euros
2/2013 01-02-2013 Concepção e desenvolvimento de página Web 27.000
Total €27.000
Neste particular, importa referir que os serviços acima referidos, conforme descrição da respetiva factura, consistiram no apoio ao desenvolvimento e reformulação da página Web da D..., a qual inclui uma apresentação da Empresa, nomeadamente os produtos comercializados e serviço prestados por esta, e que se revela fulcral particularmente no âmbito da sua estratégia de internacionalização.
Segundo é do conhecimento da D..., estes serviços foram maioritariamente desenvolvidos nas instalações da Empresa, com recurso, nomeadamente, a meios informáticos.
No que respeita aos honorários cobrados pelo prestador dos serviços em apreço, os mesmos foram verbalmente acordados pelas partes intervenientes. Na medida em que, no entender da D..., o valor proposto se afigurava como razoável, e face à não obrigatoriedade legal de celebração de contratos escritos, consideraram as partes, agindo de boa fé, que um acordo verbal era suficiente para o desenvolvimento dos referidos serviços.
Q) A D... reconheceu como gasto, no período de 2013, as facturas n.º 5/2013, no montante líquido de € 15.000,00, n.º 17/2013, no montante líquido de € 23.824,00, e n.º 18/2013, no montante líquido de € 45.844,72, emitidas pela sociedade I... em 10 de Fevereiro de 2013, 17 de Setembro de 2013 e 1 de Dezembro de 2013, referente à “Diagnóstico estratégico económico financeiro”;
R) O Relatório de Inspecção Tributária determinou a correcção ao lucro tributável no valor global de € 84.668,72 por considerar que as facturas emitidas pela sociedade I... não titulam transações económicas efectivamente realizadas, reunindo assim as características de negócio simulado, fundamentando a correcção, em síntese, nos seguintes termos:
No que respeita ao comportamento fiscal da I..., averiguamos que, desde que começou a emitir facturas de consultoria, começou a documentar a quase totalidade dos seus gastos em IVA dedutível em facturas que não correspondem a operações reais e em facturas adulteradas no seu conteúdo e montante, obtendo, deste modo, vantagem patrimoniais indevidas.
(…)
Verifica-se assim que:
De acordo com os esclarecimentos prestados, constata-se uma incoerência entre o descritivo das facturas emitidas em 2013 “Diagnóstico estratégico económico financeiro” e a data em que os alegados serviços terão sido prestados, uma vez que, como é dito:
“…em concreto, os serviços prestados, consistiram na elaboração do estudo estratégico, essencial à candidatura no âmbito do projeto n.º...” e,
“Após o diagnóstico inicial (…) seguiram-se as sessões de trabalho (…) o resultado dessas sessões foi o relatório do diagnóstico económico-financeiro, bem como a própria candidatura ao SI QREN (ao qual foi atribuído o n.º do Projeto...)”,
“Após a submissão da aludida candidatura (…) apoiou ainda a empresa no processo de aprovação do projeto (dando suporte técnico no âmbito dos pedidos de esclarecimento).”
Concluímos assim que, a existirem serviços, os mesmos foram prestados em data anterior a 2013, uma vez que, todos eles respeitam ao projeto de candidatura n.º..., aprovado em 2011 (data do contrato – 2011/11/30, ficando, portanto, por esclarecer os efetivos serviços que estão na origem da emissão das facturas de 2013.
Por outro lado, para além das facturas identificados na contabilidade do s.p., no período de 2013, foram emitidas outras em períodos anteriores (2011 e 2012), referido mesmo tipo de serviços, conforme se apresenta.
S) No âmbito do procedimento inspectivo, a D... foi notificada pelos serviços inspectivos, ao abrigo dos princípios da cooperação, do inquisitório e da colaboração, para apresentar os seguintes elementos/esclarecimentos relativos às facturas n.º 5/2013, n.º 17/2013 e n.º 18/2013, emitidas pela sociedade I...:
Apresentar o contrato celebrado com o fornecedor e demostrar detalhadamente em que se consubstanciou a prestação de serviços de “Conceção e desenvolvimento página Web”, identificar o local onde foi executado, a(s) pessoa(s) responsável(eis)pela prestação do serviço, os meios físicos utilizados para a sua execução, nomeadamente com identificação dos eventuais fornecedores dos materiais e/ou prestadores de serviços subcontratados, e os termos em que que foi acordada a definição do preço facturado.
T) Em resposta à notificação, o sujeito passivo prestou, por escrito, os seguintes esclarecimentos:
Por último, no que concerne à factura n.º 5/2013, à factura n.º 17/2013 e à factura n.º 18/2013, emitidas pela I..., Lda. (“I...”) à D..., por referência ao período de tributação de 2013, as quais ascendem ao montante de €84.668,72 (vide Documento n.º 9), clarificamos infra o âmbito dos serviços prestados que as justificam, bem como os correspondentes honorários debitados:
N.º da
Factura Data da
Factura Descrição breve dos serviços Montantes em
Euros
5/2013 10-02-2013 Diagnóstico estratégico económico-financeiro 15.000,00
17/2013 17-09-2013 Diagnóstico estratégico económico-financeiro 23.824,00
18/2013 01-11-2013 Diagnóstico estratégico económico-financeiro 45.844,72
Total €84.668,72
Neste particular, importa referir que os serviços contratados a esta entidade, conforme se pode verificar no contrato de prestação de serviços celebrados com a I... (vide Documento n.º 10) em 2011, consistiram essencialmente no apoio ao desenvolvimento de eventuais candidaturas a projetos de investimento, que incluíam, designadamente, a realização de um estudo estratégico tendo por objeto a análise da Empresa em todas as suas vertentes, bem como o acompanhamento e a monitorização do aludido projeto e estudo do investimento em curso.
Sublinha-se que, no aludido contrato, a I... indica expressamente que é uma empresa especializada na prestação de serviços de consultoria de investimentos e na realização de estudos de viabilização e gestão de projetos de investimento económico-financeiro, pelo que não tinha a D... qualquer razão para colocar em causa as credenciais apresentadas.
Refira-se que, em concreto, o apoio prestado pela I... à D... consistiu na elaboração do estudo estratégico, por referência ao período compreendido entre 2011 e 2020 (vide Documento n.º 11), o qual se revelava essencial à candidatura ao SI QREN (SI Inovação/Inovação Produtiva), no âmbito do Projeto n.º..., designado "Linha de produção de colunas em aço com soldadura invisível a laser com unidade de pintura electroestática de grandes dimensões”, bem como no apoio “chave-na-mão” no âmbito da referida candidatura.
De forma a detalhar os serviços em análise, salienta-se que numa primeira análise os trabalhos prestados pela I... consistiram num diagnóstico inicial da Empresa, por meio de entrevistas e pedidos de elementos contabilísticos, financeiros, bem como de outros relativos aos meios produtivos e de recursos humanos disponíveis na esfera da D..., os quais tiveram como objetivo:
Efetuar um levantamento da capacidade produtiva existente;
Efetuar um levantamento da capacidade económico-financeiro da empresa;
Identificar os mercados estratégicos e prioritários para iniciar o processo de internacionalização da empresa;
Identificar e caracterizar os nossos concorrentes (nacionais e internacionais);
Efetuar uma análise do enquadramento e viabilidade da empresa na apresentação de uma candidatura aos apoios regionais estratégicos nacionais - QREN. para o financiamento de um projeto que permitisse iniciar o processo de internacionalização, modernização das linhas produtivas e inovação dos produtos em conformidade com os requisitos exigidos nos potenciais novos mercados.
Após a realização dos trabalhos relacionados com o diagnóstico inicial da D..., identificou-se como área de negócio prioritária para a internacionalização o sector da iluminação pública. Ora, neste sentido, seguiram-se as sessões de trabalho com os principais responsáveis das áreas consideradas críticas para a atividade da Empresa: diretor comercial; diretor do departamento técnico e outros responsáveis; diretor do departamento de produção e expedição; diretor financeiro e de contabilidade; e diretor do departamento de recursos humanos. O objetivo destas sessões foi a estruturação do projeto a três anos para o desenvolvimento de uma nova linha de fabrico de colunas de iluminação pública, recorrendo a um novo processo de fabrico (inovação interna e externa), e desenvolvimento dos novos modelos de colunas de iluminação pública de acordo com as necessidades dos potenciais novos mercados, designadamente:
Efetuar um levantamento do estado de arte da tecnologia existente nos nossos concorrentes, com foco no fabrico de colunas de iluminação pública;
Efetuar um levantamento dos requisitos técnicos exigidos nos mercados considerados prioritários para o arranque do processo de internacionalização; e
Definir as prioridades estratégicas ao nível de investimento tecnológico e aumento de capacidade produtiva (adaptação do processo produtivo às necessidades dos novos mercados)
Conforme anteriormente referido no presente expediente, o resultado destas sessões de trabalho foi o relatório de diagnostico económico-financeiro, bem como a própria candidatura ao SI QREN (ao qual foi atribuído o n.º do Projeto ...).
Após a submissão da aludida candidatura, a I... apoiou ainda a Empresa no processo de aprovação do projeto (dando suporte técnico no âmbito dos respetivos, pedidos de esclarecimentos), bem como nos pedidos de pagamento intercalares e final. Para o efeito, segundo é do entender da D..., estes serviços foram maioritariamente desenvolvimento com recurso a meios informáticos.
Adicionalmente, e tal como se depreende da descrição supra dos serviços prestados pela I..., estes foram, essencialmente, desenvolvidos nas instalações da D... .
A este respeito, acresce ainda salientar que, no que respeita aos honorários cobrados pela I... pela prestação dos serviços em apreço, e não obstante o montante previsto no contrato celebrado com este prestador de serviços em 2011 ter sido de €30.000, tendo em conta o período de duração da prestação dos serviços, a extensão dos mesmos e as alterações que entretanto ocorreram (fruto do desenvolvimento dos serviços e da necessidade da adicionar um maior nível e apoio, bem como da dimensão do projeto em análise), ficou verbalmente acordado entre os responsáveis pela I... e os responsáveis pela D... que os respetivos honorários iriam corresponder a uma percentagem do valor do subsídio não reembolsável que viesse a ser atribuído à D... a qual se fixou em 6%.
Neste particular, importa referir que é do entender da Empresa que o pagamento de uma remuneração variável associada ao sucesso de uma candidatura á atribuição de incentivos, se revela uma prática comum entre os diversos prestadores de serviços idênticos àquele sob análise (como, de resto, foi acordado com J...), e sendo o valor proposto considerado adequado, a D... aceitou a proposta de renegociação dos honorários efetuada pela I..., a qual não foi reduzida a escrito, alicerçada a não obrigatoriedade legal de celebração de contratos escritos.
V) A D..., S.A. contabilizou, no período de 2013, gastos associados a viagens, na rubrica “SNC 6251129 – outras deslocações e estadas”, através das facturas n.º 57300470, no montante de € 11.456,00, e n.º 57301685, no montante de € 6.380,00, emitidas pela O..., S.A., em 22 de Março de 2013 e 14 de Agosto de 2013;
U) A factura n.º 57300470 respeita a uma viagem a São Salvador da Bahia, incluindo passagens aéreas, transferes privados aeroporto/hotel e hotel/aeroporto e estadia no Hotel ..., de 15 a 25 de Fevereiro de 2013 para duas pessoas, P... e Q..., e a factura n.º 57301685 respeita a uma viagem a São Salvador da Bahia efectuada por um membro do conselho de administração da empresa e o seu cônjuge
X) O Relatório de Inspecção Tributária determinou a correcção ao lucro tributável no valor global de € 17.836,00 por considerar que as deslocações foram efectuadas por administradores do sujeito passivo em benefício próprio e/ou do seu agregado familiar, fundamentando a correcção, em síntese, nos seguintes termos:
Como se pode verificar, a viagem efetuada pelo Administrador do s.p. e respetivo cônjuge, não evidência qualquer conexão com a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou com a manutenção da fonte produtora, conforme previsto no artigo 23º do CIRC, uma vez que o destino é de puro lazer.
De salientar ainda que, para justificar “os contatos iniciais, junto de potenciais parceiros estratégicos”, seria necessário fornecer elementos concretos, tais como identificação dos referidos “parceiros estratégicos”, quais são as sociedades (“aquisições futuras”), a sua localização, nomes) dos responsável(eis), o que produzem, etc., uma vez que só estes elementos nos permitiram verificar a sua efetiva existência e conexão com a atividade do s.p.
(…)
Assim, constata-se claramente que, metade desta deslocação, no montante de €3.190,00 (€6.380,00/2) foi efetuada em benefício de pessoa externas à sociedade.
Por outro lado, também não foi demonstrado que a referida deslocação tenha sido efetuada com motivações empresariais, uma vez que não foram apresentados elementos concretos, das “ações de prospeção efetuadas e seus resultados”, tais como: identificação das sociedades contatadas, a sua localização, nome(s) dos responsável(eis), o que produzem, etc., uma vez que só estes elementos nos permitem verificar a sua efetiva existência e conexão com a atividade do s.p.
Z) A D..., S.A. suportou no decurso de 2013 encargos financeiros relativos a financiamento junto de instituições de crédito, no montante global de € 1.949.682,29, para efectuar empréstimos às empresas L..., M..., R..., S...– SGPS, S.A. e N..., com as quais mantém relações especiais;
AA) O Relatório de Inspecção Tributária determinou a correcção ao lucro tributável no valor global de € 912.045,88 por desconsideração para efeitos fiscais dos encargos financeiros, fundamentando a correcção, em síntese, nos seguintes termos:
De acordo com a resposta do s.p., a motivação alegada para os movimentos em causam prendem-se essencialmente com a situação financeira de cada um dos intervenientes, não apresentado qualquer justificação contabilística e/ou fiscal para o procedimento adotado, nomeadamente para a dualidade de crédito utilizado no grupo de empresas.
Assim, não obstante o s.p. considerar que os montantes em causa, resultam de “dividendos antecipados”, “financiamentos concedidos” ou de “contrato de cessão de créditos de uma dívida comercial”, o certo é que, o s.p. financiou a título gratuito estas sociedades, sendo certo que necessitou de recorrer a endividamento bancário para fazer face às suas necessidades de tesouraria inerentes.
O s.p. exerce a atividade de “Fabricação de Estruturas de Construções Metálicas, CAE 25110”, sendo que, o seu objeto social não é a concessão de crédito, e por isso, não debitou juros sobre os empréstimos concedidos.
Assim, os encargos financeiros (correspondentes a juros e imposto de selo incidentes sobre financiamentos), no montante total de €1.949.682,29, estão também relacionados com a obtenção de crédito destinado a fins alheios à empresa.
E, sendo assim, os encargos financeiros com empréstimos obtidos de terceiros só podem legalmente ser havidos como gastos abrangidos pela alínea c), do n.º 1 do art.º 23.º do Código de IRC e corno tais aceites para efeitos fiscais, na parte e medida em que correspondam a recursos efetivamente aplicados na atividade estatutária da empresa, de acordo com o princípio da especialidade.
Não obstante a enunciação exemplificativa das várias categorias concretas de encargos dedutíveis, constantes das diversas alíneas deste art.º 23° do Código do IRC, resulta claro, perante a referência à necessidade de comprovação da indispensabilidade para a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto, que a lei só contempla os encargos que sejam determinantes para aquele fim.
Ou seja, para que determinada verba seja considerada gasto da entidade é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida e não por outras sociedades.
BB) A Requerente apresentou reclamação graciosa do acto de liquidação adicional, que foi indeferida por despacho do chefe de divisão da Direcção de Finanças do Porto, de 2 de Outubro de 2018;
CC) A Requerente procedeu ao pagamento voluntário da liquidação impugnada.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição, no processo administrativo e nos relatórios de inspecção tributária juntos posteriormente pela Autoridade Tributária e na prova testemunhal produzida.
A prova testemunhal não trouxe dados mais relevantes dos que já resultavam dos relatórios de inspecção tributária e dos esclarecimentos prestados pelo sujeito passivo no âmbito dos procedimentos inspectivos.
No que se refere às despesas com deslocações ao Brasil de administradores da empresa D..., os depoentes T... e U... limitaram-se a dizer que houve “contactos” com empresários brasileiros e que se realizaram “reuniões” e se trocaram “emails”, sem qualquer outra concretização, não parecendo que essa prova seja suficientemente convincente quanto ao interesse empresarial das viagens.
Matéria de direito
6. A liquidação adicional em IRC incidente sobre o lucro tributável do grupo de sociedades, de que a Requerente é a sociedade dominante, e resultante de correcções aritméticas efectuadas na esfera individual de empresas do grupo, tem por base a desconsideração para efeitos fiscais de despesas incorridas por essas entidades no período de tributação de 2013.
Estando em causa genericamente a dedutibilidade de custos, ainda que de diversa natureza, justifica-se definir, a título introdutório, mesmo que de modo sucinto, o que se entende por gastos fiscais entendidos como gastos relevantes para a determinação do lucro tributável, o que leva desde logo a considerar o disposto no artigo 23.º do Código do IRC:
Na redacção vigente em 2013, o preceito, sob a epígrafe Custos ou perdas, no seu n.º 1, dispunha o seguinte:
Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
(…)
Esse preceito contém uma cláusula de dedução geral de gastos, ínsita nesse n.º 1, bem como um enunciado exemplificativo de gastos fiscais, entre os quais se incluem encargos de natureza financeira, depreciações e amortizações e perdas por imparidade (alíneas c), g) e h) do n.º 2), e o artigo 23.º-A elenca taxativamente os gastos e perdas não dedutíveis.
Na redação resultante da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com efeitos desde 1 de janeiro de 2014, o n.º 1 desse preceito passou a dispor que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, especificando o n.º 2, a título exemplificativo, os gastos e perdas que se encontram abrangidos por essa cláusula geral, e entre os quais se contam os gastos de natureza financeira a que se referia a anterior alínea c) do n.º 1, que corresponde agora à alínea c) do n.º 2.
Resulta dessa disposição, na redação vigente em 2013, que a consideração de custos ou perdas para efeitos fiscais depende de um requisito de indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos que são sujeitos ao imposto.
No preenchimento do conceito indeterminado de indispensabilidade, há um entendimento jurisprudencial firme no sentido de considerar que da “noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.º do Código de IRC não resulta que a Administração Tributária possa pôr em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram diretamente proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o artigo 23.º exige tão só uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro” (cfr. acórdão do TCA Sul de 6 de outubro de 2009, Processo 03022/09 e, em idêntico sentido, acórdão do TCA Norte, de 12 de janeiro de 2012, Processo 00624/05).
Nessa mesma linha de entendimento, o STA, chamando a atenção para o carácter casuístico do preenchimento do conceito de indispensabilidade, formula o seguinte critério:
“A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizados como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito”.
Vindo o mesmo aresto a concluir que, “sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou, ao menos, com nítido excesso desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa” (acórdão de 29 de março de 2006, Processo nº 1236/05).
Nesse sentido se tem ainda posicionado a doutrina.
RUI MORAIS refere que “a invocação da regra da indispensabilidade dos custos nunca pode ser feita para fazer substituir o juízo de conveniência e oportunidade dos encargos assumidos, tal como resultaram da decisão dos órgãos sociais, por outro juízo, também de índole empresarial feito pela administração fiscal ou pelos tribunais”. E prossegue dizendo que “não podemos ter como boa a orientação de certa jurisprudência que recusa a acreditação fiscal de determinados custos porque não é possível estabelecer uma correlação direta com obtenção de concretos proveitos. Levado ao extremo um tal entendimento, teríamos que os encargos com investigação só seriam fiscalmente dedutíveis quando tais pesquisas tivessem êxito, quando, em seu resultado, a empresa passasse a vender novos bens e serviços (…).”
Para concluir da seguinte forma:
“Defendemos que a questão de saber se um custo deve ser ou não havido por indispensável se deve resolver a partir do intuito objetivo da transação, ou seja do business purpose test. Julgamos ser medianamente claro o escopo da norma: recusar a comparticipação fiscal em alguns dos encargos suportados pelo sujeito passivo (…). Se à assunção do encargo presidiu uma genuína motivação empresarial (…) o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.) então tal custo não deve ser havido por indispensável” (Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, págs. 86-87).
Em idênticos termos, SALDANHA SANCHES faz notar que “saber se um certo custo corresponde, ou não, à mais eficaz defesa dos interesses da empresa é uma questão que não pode ser resolvida mediante a atribuição de um poder de intervenção do Estado (…) de modo a realizar um juízo de mérito sobre uma certa opção de gestão empresarial, tal como não pode validar a qualificação da despesa como um custo sujeitando-a à condição da verificação a posteriori da efetiva geração de proveitos” (Os limites do planeamento fiscal, Coimbra, 2006, pág. 215).
Em síntese conclusiva, à luz dos princípios acabados de expor, deve entender-se que a atividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito (e não um obrigatório nexo de causalidade imediata) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento. Nesse sentido, a atividade produtiva não deverá ser entendida em sentido restritivo, mas sim em sentido amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços, mas pressupõe uma relação com as operações económicas globais de exploração ou com as operações ou atos de gestão que se insiram no interesse próprio da entidade que assume os custos (cfr. neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 480/2016).
É nesse âmbito compreensivo que deve entender-se a nova redação introduzida pela Lei n.º 2/2014, que, visando implementar um maior grau de certeza na aplicação concreta dos critérios de dedutibilidade, passou a consagrar como princípio geral que são dedutíveis os gastos relacionados com atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados, reforçando a ideia de que basta a conexão com a atividade empresarial, independentemente da efetiva contribuição para os rendimentos sujeitos a imposto (cfr. Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, 30 de junho de 2013).
É a essa luz que cabe, por conseguinte, analisar a validade das correcções efectuadas pela Administração Tributária.
B...
7. A Autoridade Tributária desconsiderou os gastos incorridos pela empresa B... com depreciação de activos tangíveis e pagamentos de facturas de electricidade e de uma caução associada à interposição de um recurso jurisdicional, por ter constatado que a unidade produtiva da empresa se encontrava desactivada, na sequência de uma reorientação estratégica do grupo L..., e não apresentara no decurso de 2013 quaisquer rendimentos relativos ao exercício da sua actividade, daí concluindo que os gastos não estão relacionados nem são indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Ora, justamente um dos requisitos da ligação entre os gastos e os ganhos para efeito da dedutibilidade fiscal que é assinalado no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC refere-se à indispensabilidade dos gastos “para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. O que significa que não estão apenas em causa os gastos directamente conexionados com a troca de bens e serviços que podem originar um aumento de riqueza, mas também aqueles que se destinam a conservar a capacidade da empresa para produzir rendimento no futuro.
Embora a nova redacção do n.º 1 do artigo 23.º, conferida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, tenha eliminado a expressão “para a manutenção da fonte produtora”, entende-se que a nova formulação verbal continua a abranger os gastos ou perdas que tenham essa finalidade, assim se compreendendo que a lei se refira a gastos ou perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos, não havendo motivo para desconsiderar, mesmo à luz da redacção actual, os gastos que relevam para a manutenção futura da actividade da empresa (cfr. neste sentido GUSTAVO COURINHA, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, Coimbra, 2019, pág. 107).
No caso vertente, encontra-se comprovado que a B... embora tenha suspendido temporariamente a sua actividade produtiva, não apresentou declaração de cessação de actividade e, em 2015, celebrou um contrato de cessão de exploração de estabelecimento industrial a uma outra empresa do grupo pelo qual aufere uma contraprestação mensal. E nesse contexto os gastos correntes, como o consumo de electricidade e a depreciação de equipamentos (que se encontra, aliás, coberta pela regra de dedução do artigo 23.º, n.º 1, alínea g), do Código do IRC) não podem deixar de se encontrar incluídos no conceito geral de gastos com relevância fiscal.
E o mesmo é aplicável à caução. Embora o relatório de inspecção tributária não explicite suficientemente as condições e os termos em que foi prestada a caução, esta é no seu sentido técnico jurídico uma garantia que, por lei, decisão judicial ou negócio jurídico, é imposta ou autorizada para assegurar o cumprimento de obrigações eventuais ou de amplitude indeterminada. Relacionando-se a prestação de caução com uma impugnação judicial deduzida pela B..., o gasto incorrido é fiscalmente dedutível, sendo irrelevante que a caução possa ser ulteriormente levantada por efeito das vicissitudes do processo em que foi apresentada. Essa eventualidade apenas significa que o valor da caução deverá ser inscrito na contabilidade do contribuinte como rendimento da empresa no período de tributação em que esse ganho possa ter ocorrido.
O pedido arbitral mostra-se ser neste ponto procedente.
C...
8. A segunda questão em análise prende-se com o registo de perdas por imparidade por pagamentos efectuados a fornecedores para aquisição de mercadorias que não chegaram a ser recepcionadas, entendendo a Autoridade Tributária que se trata, nesse caso, de adiantamentos a fornecedores e não créditos decorrentes de transações comerciais que se enquadrem na actividade normal da empresa, que, como tal, se não encontram abrangidos pela regra do artigo 35.º do Código do IRC.
Dispõe o artigo 35.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, na redação em vigor à data dos factos, que podem ser deduzidas para efeitos fiscais as perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou períodos de tributação anteriores “relacionadas com créditos resultantes da actividade normal que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade”.
À luz dessa disposição, o reconhecimento das perdas por imparidade depende, em primeiro lugar, de os créditos se encontrarem registados contabilísticamente e de tratar-se, por outro lado, de créditos obtidos no âmbito da actividade normal da empresa.
Como créditos que resultem da actividade normal devem entender-se os que se relacionam com o objecto social da empresa. Todos os demais créditos, quando se tornem incobráveis, são dedutíveis para efeitos fiscais, não segundo o regime fiscal das imparidades, mas o regime mais gravoso do artigo 41.º (cfr. GUSTAVO COURINHA, ob. cit., pág. 87).
Para determinação das perdas por imparidade consideram-se, por conseguinte, os créditos decorrentes das operações de natureza comercial relacionadas com a venda de bens ou serviços respeitantes à actividade da empresa, ou seja, operações que envolvam transacções correntes, encontrando-se necessariamente excluídos os créditos que resultem de operações de carácter financeiro, como sejam os adiantamentos a fornecedores que não se encontrem directamente associados ao objecto social da empresa (cfr., neste sentido, Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (Manual de IRC), edição da Autoridade Tributária, Lisboa, 2016, pág. 154).
A C... dedica-se à importação, transformação, embalamento e comercialização de produtos alimentares ultracongelados e o pagamento do preço das mercadorias que necessite de adquirir para o exercício da sua actividade apenas pode ser efectuado no momento e no lugar da entrega da coisa vendida (artigo 885.º do Código Civil), o que corresponde a um afloramento do carácter sinalagmático do contrato no momento da execução da venda. Em ordem a esse mesmo princípio, o vendedor poderá recusar a entrega da coisa enquanto o preço não lhe for pago.
Naturalmente que essa é uma norma supletiva, podendo as partes estipular um regime diverso quanto ao tempo e lugar do pagamento, convencionando designadamente o pagamento antecipado, mas não está, de nenhum modo, demonstrado que essa a estipulação contratual tenha sido estabelecida na situação do caso.
O pagamento efectuado ainda antes da entrega da mercadoria caracteriza-se como um adiantamento ao fornecedor, assumindo a natureza de um financiamento que, como tal, se não enquadra na actividade normal da empresa. Havendo, por conseguinte, um saldo devedor de fornecedores, que se encontra registado contabilisticamente, este não é dedutível para efeitos fiscais a título de imparidades.
O pedido arbitral é, nesta parte, improcedente.
D...
A correcção à matéria tributável na esfera individual da sociedade “D..., S.A. prende-se com três diferentes aspectos: desconsideração para efeitos fiscais de facturas emitidas pela H..., Unipessoal, Lda. e pela I..., Lda., no pressuposto de que essas facturas não correspondem a operações efectivamente realizadas; dedutibilidade fiscal de despesas com viagens, que se entendeu não terem sido realizadas no interesse empresarial; e a não aceitação como custo fiscal de encargos financeiros suportados com empréstimos concedidos a sociedades relacionadas.
A primeira dessas correcções teve por base a verificação pelos serviços inspectivos, da inclusão na contabilidade da empresa de facturas emitidas por entidades que foram identificadas, no âmbito de outras acções de inspecção tributária, como emitentes de facturação falsa.
O relatório de inspecção tributária explicita que a ordem de serviço que determinou a inspecção à actividade da empresa foi motivada pelo resultado das acções inspectivas que visaram as entidades emitentes das facturas (ponto II – 2), e começa por transcrever excertos produzidos no âmbito desses procedimentos em se conclui o seguinte (pontos III.1.1.2. e III.1.2.2.):
A H... não desenvolveu qualquer atividade lícita (nos exercícios de 2010 a 2013), não possui qualquer estrutura empresarial e desenvolve uma atividade de natureza criminal, que se traduz na utilização e emissão de facturas cujas operações não são reais, e na adulteração de facturas de outras entidades.
No que respeita ao comportamento fiscal da I..., averiguamos que, desde que começou a emitir facturas de consultoria, começou a documentar a quase totalidade dos seus gastos e IVA dedutível em facturas que não correspondem a operações reais e em facturas adulteradas no seu conteúdo e montante, obtendo, deste modo, vantagem patrimoniais indevidas.
Como resulta da matéria de facto dada como provada, os serviços inspectivos notificaram a D... para prestar esclarecimentos quanto às prestações de serviços tituladas pelas facturas (pontos III.1.1.3 e III.1.2.3.) e a empresa forneceu os elementos de informação pertinentes sobre a natureza e o objecto dos serviços prestados e os honorários praticados e, com um maior detalhe, no que se refere às facturas emitidas pela I..., em que se incluem referências à aptidão da empresa contratada para a prestação de serviços de consultadoria e de gestão de projectos de investimento económico-financeiro e aos objectivos que se pretendiam atingir com a candidatura ao SI QREN (pontos III.1.1.4. e III.1.2.4.).
Apesar disso, o relatório de inspecção tributária considera, quanto à factura emitida pela H..., que o sujeito passivo não apresentou quaisquer documentos/elementos e não identificou as pessoas que prestaram o serviço em causa, e avançando ainda, que, consistindo esse serviço no “desenvolvimento ou reformulação da página Web”, poderia ter sido prestado pelo próprio quadro de pessoal da empresa.
Quanto às facturas emitidas pela I..., o relatório observa que há uma incoerência entre o descritivo das facturas emitidas em 2013 e a data em que os serviços terão sido prestados e que existem outras facturas referentes ao mesmo tipo de serviços emitidas em períodos de tributação anteriores (2011 e 2012).
10. Como resulta do disposto no artigo 75.º da LGT, os dados e apuramentos inscritos na contabilidade do sujeito passivo presumem-se verdadeiros e só quando a contabilidade contiver omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável é que cessa essa presunção, implicando que recaia sobre o sujeito passivo o ónus da prova dos factos que constam da escrita.
E como constitui jurisprudência pacífica, em aplicação do artigo 74.º da LGT, quando a liquidação de IRC tem por fundamento a não aceitação de custos declarados pelo contribuinte, por se considerar que as facturas em que este os pretende suportar não correspondem a operações realmente efectuadas, compete à Administração Tributária fazer a prova de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. E, estando em causa uma prova indiciária, esta tem de ser necessariamente consistente, traduzindo-se em factos que revelem uma probabilidade elevada de as operações tituladas pelas facturas terem sido simuladas, em vista a permitir recusar a dedução como custos de despesas que, em regra, devem ser dedutíveis face à cláusula geral do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC (cfr. acórdãos do TCA Norte de 13 de Outubro de 2016, Processo n.º 00388/11, e de 24 de Janeiro de 2017, Processo n.º 02905/06).
Só feita essa prova indiciária é que cabe ao sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da facturação.
Ora, no caso em análise, a Administração Tributária partiu da presunção de que as facturas não respeitavam a serviços efectivamente prestados por terem sido emitidas por entidades a quem já tinha sido imputada, em procedimentos inspectivos anteriores, a utilização de facturação falsa, sendo, aliás, esse o único motivo, claramente expresso no relatório, para o desencadeamento da acção de inspecção contra a empresa D... . Por outro lado, a Administração conclui no sentido da correcção à matéria colectável por considerar que o sujeito passivo não conseguiu provar, através dos esclarecimentos que foram solicitados, a efectividade dos serviços, recorrendo inclusivamente a considerações que têm a ver com critérios de gestão empresarial, como sucede quando no relatório se discute a necessidade da prestação do serviço por uma entidade externa quando a própria empresa poderia dispor de pessoal habilitado para o efeito.
Não tendo a Administração efectuado, em primeira linha, a prova da simulação dos negócios, na medida em que basicamente parte de um mero juízo presuntivo, acaba por decidir em sentido desfavorável ao contribuinte com base na inversão do ónus da prova, exigindo que fosse este a comprovar cabalmente que os serviços facturados correspondem a operações reais.
O pedido arbitral mostra-se ser, neste ponto, procedente.
11. A Administração Tributária coloca ainda em causa a dedutibilidade fiscal de despesas com viagens ao Brasil, realizadas por membros do conselho de administração, que qualificou como meras viagens de lazer.
A Requerente alega que as viagens se inseriram numa estratégia de internacionalização e tinham em vista encetar contactos no sentido de identificar potenciais parceiros estratégicos, bem como eventuais aquisições que a empresa pudesse vir a efectuar no futuro.
As viagens, como resulta da matéria de facto tida como assente, foram realizadas por administradores da empresa, acompanhados pelos seus cônjuges, em diferentes datas de 2013, tendo como destino São Salvador da Bahia, uma das quais importando a estadia de dez dias no Hotel ... .
Não há, por outro lado, qualquer indicação dos contactos que tenham sido realizados com potenciais parceiros estratégicos ou clientes ou de negócios que tenham sido efectuados, limitando-se a Requerente a referir, sem qualquer suporte documental, que, no período de tributação de 2016, o Grupo E... concretizou a formação de uma joint-venture com uma sociedade residente no Brasil, tendo em vista a exportação dos seus produtos para o mercado norte-americano, sem que, todavia, seja possível estabelecer, até pela dilação temporal entre as duas ocorrências, uma directa conexão entre o custo incorrido nas deslocações e o interesse da empresa em ordem à obtenção de lucros.
Não podendo entender-se que as deslocações se centraram no interesse empresarial, o pedido arbitral é, nesta parte, improcedente.
12. Uma outra correcção à matéria tributável reporta-se a encargos financeiros decorrentes de financiamentos gratuitos concedidos pela D... a sociedades com quem mantém relações especiais e que a Autoridade Tributária considera que não respeitam à actividade produtiva por ela própria desenvolvida, nem se inscrevem no seu objecto social.
Quanto a este ponto, importa ter presente, pela identidade de situação, a jurisprudência do STA, que tem vindo a considerar como fiscalmente irrelevantes os encargos financeiros incorridos com vista a fazer face a necessidades financeiras de sociedades do mesmo Grupo, que não sejam debitados às entidades beneficiárias, abrindo apenas uma excepção quando estejam em causa empréstimos de SGPS às sociedades por si participadas, atendendo ao seu objeto social específico.
Nesse sentido o acórdão do STA de 28 de Fevereiro de 2018 (Processo n.º 01206/17), na linha, entre outros, do acórdão de 21 de Fevereiro de 2018 (Processo n.º 0473/13), afirma o seguinte:
A questão que aqui cumpre dirimir é saber se uma sociedade ao obter fundos (e pagar juros) para os entregar a uma sociedade participada sem qualquer remuneração causal e directa está ainda a exercer adequadamente a sua atividade com um ânimo lucrativo.
O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que, quando está em causa uma SGPS, serão aceites como custo fiscal os encargos financeiros referentes a crédito obtido para, com ele, a SGPS realizar empréstimos gratuitos às participadas.
O objecto social de gestão de participações sociais significa que uma empresa adquire ou aliena participações sociais de uma outra empresa e exerce actividade comercial, utilizando única e exclusivamente o poder de decisão sobre «a vida da empresa participada» que o valor das acções de que é titular lhe possam conferir. Isto é, se a empresa participada deve adquirir acções de outra sociedade, se deve contrair empréstimos para realizar tais aquisições, a SGPS tem o poder de concordar, votando favoravelmente tais decisões. Isto insere-se no objecto social de uma SGPS.
A actividade empresarial da impugnante, desenvolve-se através de múltiplas operações decorrentes do uso e gestão dos seus recursos (que significam o capital e o seu rendimento). Nos seus recursos inscrevem-se os seus activos - os valores patrimoniais positivos, representativos de créditos, direitos ou bens de que a empresa é titular ou tem direito de vir a ser investido na titularidade - e os seus passivos que correspondem aos valores patrimoniais negativos, representativos de dívidas, obrigações, compromissos ou responsabilidades que, como dois pratos da balança contabilística permitem revelar o património da empresa. No desenvolvimento da actividade empresarial qualquer acto de gestão desencadeia uma operação que altera os elementos do património da empresa fazendo oscilar a posição relativa dos seus activos em face dos seus passivos.
Sendo certo que a impugnante é um sócio da sociedade participada e a ela pode efectuar prestações suplementares, caso preencha os requisitos legais, o que aqui se não mostra em discussão, na sua esfera jurídica, a decisão de efectuar a prestação suplementar não é exercício da sua actividade empresarial porque ela não tem por objecto, também, a gestão de participações sociais.
O acordo parassocial que celebrou e em cumprimento do qual veio a realizar as prestações suplementares, não altera/amplia o objecto social da impugnante, e, por não obter enquadramento legal neste, não é desenvolvimento da actividade social da impugnante.
Não se trata de aferir da bondade dos actos de gestão realizados pela impugnante, mas de verificar que, sejam quais forem as operações financeiras que realize, fora do seu objecto social, não são um acto de gestão da sua actividade empresarial, pelo que não pode aportar a esta os custos que essa operação financeira produza.
O legislador fiscal não pretende permitir que a Administração Tributária sindique a bondade das decisões empresariais, mas coloca às empresas o limite de que os ganhos as perdas em que incorram apenas serão relevantes para a determinação do lucro tributável se forem gerados no exercício competente/incompetente da sua actividade empresarial, estritamente balizada pelo fim social inscrito no seu contrato de sociedade.
O reforço do capital da sociedade participada através de prestações suplementares efectuadas pela impugnante não são exercício da actividade empresarial da impugnante, pelo que os custos que incorram com essas ou por causa da realização de tais prestações não são custos dedutíveis em sede de IRC à luz do art.º 23.º do CIRC.
Resta referir que no mesmo sentido se pronunciou o acórdão proferido no Processo n.º 385/2018-T.
Transpondo este entendimento jurisprudencial para a situação do caso, haverá de concluir-se que, não sendo a D... uma sociedade gestora de participações sociais, os encargos financeiros suportados com financiamentos a empresas do grupo não são dedutíveis para efeitos fiscais.
O pedido arbitral é, neste ponto, improcedente.
Juros compensatórios
13. A Requerente impugna igualmente a liquidação de juros compensatórios em relação aos actos de liquidação impugnados.
Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
Como tem sido entendimento corrente, os juros compensatórios devidos nos termos da referida disposição constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente. Tratando-se de uma indemnização de natureza civil, ela só exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa actuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência.
A procedência parcial do pedido arbitral torna necessariamente inexigível o pagamento de juros compensatórios em relação às liquidações que são objeto de anulação, pelo que o pedido é também procedente nessa parte.
Juros indemnizatórios
14. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
Há assim lugar ao pagamento de juros indemnizatórios em relação à liquidações que tenham sido consideradas ilegais, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre as quantias que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
III – Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido arbitral quanto às liquidações adicionais em IRC referentes à dedução de gastos realizados pela B... e gastos incorridos com a D... com transações económicas;
b) Julgar improcedente o pedido arbitral quanto à liquidação adicional em IRC referentes às perdas por imparidade registadas pela empresa C... e a gastos incorridos pela D... em deslocações e em encargos financeiros decorrentes de financiamentos gratuitos a outras empresas do Grupo;
c) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios em relação às liquidações declaradas ilegais.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 254.482,56, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Notifique.
Lisboa, 17 de Dezembro de 2019
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
José Rodrigo de Castro
O Árbitro vogal
João Taborda da Gama, parcialmente vencido nos termos da declaração que junta quanto ao Ponto 11.
Declaração de Voto
Quanto ao Ponto 11, teria considerado dedutíveis os custos incorridos com a viagem de prospeção de mercado ao Brasil, tendo considerado suficiente aquilo que as testemunhas afirmaram ser a estratégia de expansão da empresa, bem como quanto ao conteúdo dessas viagens; tudo isto conjugado com o facto de entender que é em abstrato um comportamento plausível para a obtenção de proveitos na esfera empresarial da requerente a deslocação de administradores com cônjuges para contactos comerciais. Acresce ainda um facto que reforça esta minha convicção – mas que não é determinante, pois no meu entender o resultado de um esforço empresarial não é uma condição necessária para a qualificação como dedutível do custo – que é a celebração de uma joint-venture no Brasil, em 2016, na sequência dessas viagens.
Tendo em conta a prova produzida, reforçada pelo resultado alcançado, não se pode concluir, em minha opinião, apenas pelo destino geográfico das viagens, que se trata de uma viagem de lazer. Até porque, para a eventualidade de terem as pessoas em causa tirado algum prazer pessoal das ditas viagens, ou de haver sobre isso dúvidas, tendo em conta a indissociabilidade prática que possa ocorrer entre esfera pessoal e empresarial relativamente a alguns tipos gastos, já comporta o sistema jurídico-fiscal as devidas proteções, nomeadamente através do mecanismo da tributação autónoma.
(João Taborda da Gama)