DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Prof. Doutor Paulo Jorge Nogueira da Costa e Dr. Hélder Faustino, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A...– INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A., doravante designada por “Requerente”, com o número de identificação fiscal ... e sede na ..., n.º..., ..., ..., ...-..., ..., notificada da liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) referente ao ano 2018, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Neste âmbito, a Requerente vem deduzir pedido de pronúncia arbitral tendo em vista:
(a) A anulação do ato de liquidação de AIMI n.º 2018..., no valor de € 124.508,38, referente ao ano 2018, ou, a título subsidiário, a sua anulação parcial, correspondente à coleta de imposto referente ao terreno para construção afeto a serviços, em ambos os casos, com fundamento em erro nos pressupostos de facto e de direito;
(b) A restituição do imposto pago no montante de € 124.508,38, ou, a título subsidiário, a sua restituição parcial no valor de € 94.650,88;
(c) A condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até reembolso integral da quantia devida, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”);
(d) A título subsidiário, a desaplicação, no caso concreto, dos artigos 135.º-A e 135.º-B do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), por violação do princípio constitucional da igualdade (cf. artigo 204.º da Constituição), e a inerente anulação do ato tributário impugnado.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Em 26 de dezembro de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT em 2 de janeiro de 2019.
Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação em 14 de fevereiro de 2019, não se opuseram.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 6 de março de 2019.
POSIÇÃO DA REQUERENTE
Como causa de pedir a Requerente invoca que se dedica à atividade imobiliária, pelo que o substrato da sua atividade implica necessariamente a detenção de bens imóveis imprescindíveis à realização do seu objeto social. Os imóveis em causa são elementos do seu processo produtivo, destinados exclusivamente à prossecução de atividades económicas e, em consequência, não se pode presumir que sejam demonstrativos de riqueza ou indicadores de “uma (acrescida) capacidade contributiva” para efeitos de AIMI.
Segundo a Requerente, a ratio legis do regime do AIMI tem implícita a exclusão da incidência objetiva de AIMI de prédios urbanos afetos a atividades económicas. Na sua génese está a intenção de não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que detêm imóveis para a prossecução do respetivo objeto social, pelo que, na interpretação que preconiza dos artigos 135.º-A e seguintes do Código do IMI, o adicional a este imposto não pode incidir sobre os imóveis detidos pela Requerente no âmbito da sua atividade.
A título subsidiário, a Requerente considera inadmissível que tenha sido sujeita a AIMI relativamente relação a um terreno para construção destinado à edificação de prédios de serviços. Sustenta que os terrenos para construção destinados, nos termos das respetivas cadernetas prediais, a fins de “comércio, indústria, serviços” ou “outros” não podem estar abrangidos pela incidência de AIMI por tal ser contrário ao espírito da lei, pois o legislador pretendeu tributar apenas os imóveis com fins habitacionais. Invoca que a ratio legis da exclusão de incidência de AIMI prevista no artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI é a de não onerar os prédios com afetação económica, pelo que devem considerar-se igualmente excluídos da incidência de AIMI os terrenos para construção afetos ao (futuro) exercício das mesmas atividades [comércio, indústria ou serviços].
Acrescenta a Requerente que a afetação a “comércio, indústria ou serviços”, não é privativa dos prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, alínea b) do Código do IMI, pois o coeficiente de afetação (Ca) previsto no artigo 41.º deste diploma contempla os vários tipos de utilização dos prédios e é igualmente utilizado para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
Neste contexto, pretende (subsidiariamente) a anulação parcial, no valor de € 94.650,88, correspondente à parte da coleta calculada sobre terrenos para construção afetos a fins “comerciais, industriais ou para serviços”.
Por fim, a Requerente alega a inconstitucionalidade do regime do AIMI, por violação dos princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3 da Constituição e nos artigos 5.º e 55.º da LGT, quer na sua dimensão igualizadora, que traduz a proibição de tratamento discriminatório de situações iguais, quer na sua dimensão diferenciadora, que admite a desigualdade de tratamento de situações desiguais.
A este respeito, a Requerente assinala que os artigos 135.º-A e 135.º-B do Código do IMI promovem o tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, quando interpretados no sentido de tributarem de forma indiscriminada todos os terrenos para construção, desconsiderando o critério legal da afetação do prédio, de forma desproporcional e inadequada. Todos os prédios afetos a atividades económicas devem, no entender da Requerente, estar excluídos de tributação.
Neste ponto, conclui que o artigo 135.º-B do Código do IMI, numa leitura que inclua no âmbito de incidência do AIMI os terrenos para construção com fins “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros”, é contrário ao princípio da igualdade e deve ser desaplicado “no caso concreto”, ao abrigo do disposto no artigo 204.º da CRP.
Por outro lado, considera que as entidades dedicadas à exploração imobiliária, como é o seu caso, são objeto de uma discriminação negativa injustificada. O património imobiliário detido por entidades dedicadas à exploração imobiliária não pode, segundo a Requerente, constituir indício de acrescida capacidade contributiva, uma vez que é na esfera daquelas um fator produtivo e meio de exercício de atividade económica, sem relação com o rendimento real da atividade desenvolvida, sob pena de o setor de atividade imobiliário resultar penalizado em detrimento dos restantes.
Desta forma, preconiza que o artigo 135.º-A do Código do IMI, ao abranger pessoas coletivas que desenvolvem uma atividade imobiliária, atenta contra os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, pelo que deve ser desaplicado nos termos do artigo 204.º da CRP.
A Requerente juntou 2 documentos com o pedido de pronúncia arbitral, não tendo requerido prova testemunhal.
Em articulado subsequente, a Requerente veio requerer a junção de 4 documentos adicionais e afirmar que os dois imóveis sobre os quais incidiu AIMI se destinam ao desenvolvimento de atividades económicas de serviços, tendo já sido autorizada, em relação a um deles [o do ...], a respetiva utilização como prédio edificado para efeitos de “equipamento coletivo”, por Alvará de Utilização emitido pela Câmara Municipal de Lisboa, em 29 de junho de 2018, não se tendo concretizado a afetação habitacional que constava da caderneta predial. Quanto ao imóvel da Estrela encontra-se ainda em construção. Em ambos os casos, a Requerente alega que os imóveis se destinam à instalação de unidades hospitalares.
POSIÇÃO DA REQUERIDA
Em 8 de abril de 2019, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação.
Alega que o texto da lei atualmente em vigor estabelece clara e inequivocamente a incidência do AIMI sobre os terrenos para construção, independentemente da afetação potencial destes, não tendo o legislador feito constar da norma de delimitação negativa de incidência essa afetação potencial [a comércio, indústria ou serviços] como critério de exclusão do AIMI.
Invoca ainda a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) sobre a questão que se suscita no âmbito do IMI relativa à determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, segundo a qual não há lugar, no caso dos terrenos para construção, à consideração dos coeficientes de afetação (Ca) e de qualidade e conforto (Cq).
Na perspetiva da Requerida, de harmonia com o afirmado na Decisão Arbitral n.º 420/2018-T, de 15 de janeiro de 2019, o legislador não pretendeu garantir que não fosse atingido o património imobiliário afeto ao exercício de qualquer atividade económica. Não foi com base na atividade a que estão afetos os imóveis que o texto legal definiu a exclusão de incidência (conforme chegou a constar da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017). Com efeito, de acordo com a redação final que foi aprovada, essa exclusão assenta nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do Código do IMI. Tratou-se, pois, de uma opção legislativa ponderada que há que respeitar, não se verificando qualquer ilegalidade na aplicação do AIMI.
A Requerida considera que as escolhas subjacentes à delimitação da incidência objetiva do AIMI foram efetuadas dentro da margem de liberdade de conformação legislativa e não são atentatórias do princípio da igualdade. Os terrenos para construção não são meramente instrumentais ao exercício da atividade económica, têm valor económico intrínseco e cotação no mercado imobiliário. O AIMI constitui uma imposição específica sobre o património e não sobre o rendimento, pelo que se impõe uma igualdade horizontal, não relevando o êxito ou inêxito da atividade comercial, ou a espécie de ativos imobiliários detidos. Para este efeito, a titularidade de património imobiliário de valor elevado por parte de pessoas coletivas é reveladora de capacidade contributiva independentemente de valer como fator de produção de riqueza.
Defende também que o princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva não são afrontados apenas porque é tributado património (na esfera da Requerente) que constitui o objeto da sua atividade ou que contribui para a mesma e faz referência a múltipla jurisprudência arbitral que se pronunciou em idêntico sentido “no âmbito dos processos n.ºs 664/1017-T, 676/2017-T, 678/2017-T, 682/2017-T, 683/2017-T, 684/2017-T, 690/2017-T, 6/2018-T, 310/2018-T, 324/2018-T, 401/2017-T, 420/2018-T, e mais recentemente 438/2018-T, 342/2018-T, 291/2018-T e 521/2018-T e 631/2018-T.”
Por outro lado, sobre o alegado paralelismo entre a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) e o AIMI, a Requerida convoca a jurisprudência do Tribunal Constitucional que confirmou não se verificar qualquer inconstitucionalidade, não decorrendo “do programa constitucional de igualação tributária, por via dos impostos sobre o património, qualquer exigência de discriminação positiva das empresas, face aos restantes contribuintes sujeitos a esse tipo de impostos” – cf. Acórdão (Plenário) do Tribunal Constitucional n.º 378/2018, de 4 de julho de 2018.
A Requerida conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral com a absolvição de todos os pedidos, incluindo o de juros indemnizatórios por não estarem reunidos os respetivos pressupostos constitutivos. Por fim, requer a notificação do acórdão arbitral ao Ministério Público, por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3 da Constituição e no artigo 72.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional.
Por despacho de 30 de abril de 2019, foi solicitada a junção do processo administrativo, tendo, em 9 de maio, a Requerida informado o Tribunal da inexistência do mesmo, encontrando-se juntos aos autos o ato de liquidação e a caderneta predial dos respetivos imóveis.
Subsequentemente, o Tribunal determinou a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por se afigurar desnecessária. Fixou ainda a data limite para prolação da decisão arbitral e requereu a notificação das Partes para apresentação de alegações facultativas e sucessivas.
Ambas as Partes optaram por não apresentar alegações.
Por despachos de 2 de setembro e de 4 de novembro de 2019, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer do ato de liquidação de AIMI, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
A. A A..., S.A., aqui Requerente, é titular de dois prédios urbanos descritos no quadro infra – cf. documentos 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) e documento 3 junto posteriormente:
Freguesia Artigo matricial Potencial afetação futura - Caderneta Predial Valor patrimonial tributável Coleta de AIMI
1. ... (...) ... Serviços € 23.662.720,00 € 94.650,88
2. ... (...) ... Habitação € 7.464.376.13 € 29.857,50
Total € 31.127.096,13 € 124.508,38
B. O imóvel sito na Estrela encontra-se descrito na Caderneta Predial urbana, extraída em 13 de dezembro de 2017, como “terreno para construção”, sob o artigo matricial..., da freguesia da ..., Concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o registo n.º ... – cf. documento 2 junto com o ppa.
C. Ainda com referência ao imóvel da ..., a Câmara Municipal de Lisboa, emitiu, em 29 de junho de 2017, o Alvará de Obras de Construção com Demolição N.º .../CD-CML/2017, em nome da Requerente, no qual se prevê a construção de 10 pisos, 6 acima da cota de soleira e 4 abaixo – cf. cópia do Alvará junto pela Requerente como documento 6.
D. Em relação ao imóvel localizado no ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º..., da freguesia de ..., concelho de Lisboa, a Certidão Permanente extraída em 10 de março de 2017, classifica-o como “lote de terreno para construção”, autorizado para construção urbana “com 1 número máximo de blocos, destinados a habitação, comércio, restauração, serviços e estacionamento privado, sendo autorizada a construção de 13 pisos acima do solo, 2 abaixo do solo, 1 piso vazado e 3 pisos do embasamento, em cada um.” – cf. cópia da certidão permanente junta como documento 3 (realce nosso).
E. As obras de construção do imóvel do ... foram objeto de licenciamento junto da Câmara Municipal de Lisboa, que emitiu o Alvará de Construção n.º .../CE-CML/2016, em 16 de dezembro de 2016. Com a conclusão da obra, em 29 de junho de 2018, foi emitido o Alvará de Utilização N.º .../UT-CML/2018 pelo mesmo órgão municipal, tendo sido autorizada a seguinte utilização: “1 (Uma) fração para Equipamento Coletivo com área de 11.131,72m2” – cf. cópia dos Alvarás de construção e de utilização juntos como documentos 4 e 5.
F. A Requerente foi notificada do ato de liquidação de AIMI, emitido sob o n.º 2018..., datado de 30 de junho de 2018 e referente ao mesmo ano, no valor total de € 124.508,38, resultante da aplicação da taxa de 0,4% (prevista no artigo 135.º-F, n.º 1 do Código do IMI) à base de incidência de € 31.127.096,13, correspondente à soma dos valores patrimoniais tributários (“VPT”) dos dois imóveis supra identificados no quadro do ponto A que antecede – cf. documento 1 junto com o ppa.
G. Em discordância com a liquidação de AIMI em apreço (ponto F), a Requerente apresentou no CAAD, em 22 de dezembro de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
A Requerente não juntou aos autos quaisquer elementos de prova relativamente ao alegado no artigo 7.º do ppa, sobre o respetivo objeto social, e no artigo 10.º do ppa, em relação ao pagamento da liquidação de AIMI controvertida, que, em consequência, resultam não provados.
Com relevo para a decisão não foram alegados outros factos que devam considerar-se não provados.
3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.
IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
1. QUESTÕES DECIDENDAS
A primeira questão a apreciar prende-se com o âmbito de aplicação subjetiva do imposto, na conformação do artigo 135.º-A do Código do IMI, e a alegada exclusão, pretendida pela Requerente por via interpretativa, de entidades que detêm património imobiliário como consequência inevitável da atividade económica que desenvolvem. Na hipótese desta interpretação não ter acolhimento, a Requerente suscita a apreciação da inconstitucionalidade da norma, com a consequente desaplicação, com fundamento no tratamento diferenciado e desigualdade injustificada entre os contribuintes, atentatória do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, e do princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados no artigo 104.º, n.º 3, também da CRP.
A segunda questão, colocada a título subsidiário, respeita à norma de delimitação negativa de incidência constante do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI, que a Requerente entende dever abranger os terrenos para construção que se destinem aos fins de comércio, indústria ou serviços, por serem prédios afetos a essas atividades económicas. Acresce que, para a Requerente, essa afetação foi concretizada através do processo de licenciamento de obras e da emissão dos correspondentes alvarás de construção que autorizam a edificação de equipamentos coletivos, tendo num caso [o do ...] sido emitida pela Câmara Municipal de Lisboa a licença de utilização, no decurso do ano 2018. Caso assim não se entenda, a Requerente coloca de novo à apreciação do Tribunal o tema da inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, ao abrigo dos citados artigos 13.º e 104.º, n.º 3, ambos da CRP.
Por fim, o Tribunal deve pronunciar-se sobre o pedido de condenação da Requerida ao reembolso do AIMI pago acrescido de juros indemnizatórios, com fundamento nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT, 43.º e 100.º da LGT.
2. APRECIAÇÃO
Sobre as questões suscitadas relativas à incidência de AIMI sobre prédios urbanos classificados na espécie “terrenos para construção” a jurisprudência constitucional e arbitral já se pronunciou amplamente, em sentido que acompanhamos e que é contrário ao preconizado pela Requerente. Dada a similitude das situações, segue-se, nos pontos seguintes, a fundamentação da Decisão Arbitral proferida no processo n.º 671/2018-T, de 26 de novembro de 2019.
2.1. A TRIBUTAÇÃO DO SUBSTRATO DA ATIVIDADE – ART. 135.º-A DO CÓDIGO DO IMI
Como salienta a Decisão Arbitral acima citada (processo n.º 671/2018-T), e começando pelo patamar infraconstitucional, afigura-se a este Tribunal Arbitral não existirem fundamentos para concluir que a atual redação do artigo 135.º-B do Código do IMI “afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afetos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas coletivas no âmbito da sua atividade económica.” (cf. Decisões Arbitrais dos processos n.ºs 664/2017-T, de 26 de junho de 2018, e 420/2018, de 15 de janeiro de 2019 ).
Contextualiza, a este respeito, a Decisão do processo arbitral n.º 420/2018 que:
“A preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada, em alguma medida, através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento».
No entanto, não foi com base na atividade a que estão afetos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redação que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afetação ao funcionamento das pessoas coletivas.
São conceitos distintos a afetação de um imóvel, que pressupõe uma utilização, e o fim a que está destinado, o «destino normal», subjacente às classificações dos imóveis, a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.
Se tivesse sido mantida, na redação final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afetos ao funcionamento das pessoas coletivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afetação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.
Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afetação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afetos à atividade das pessoas coletivas não relevem para a incidência do AIMI.
Por isso, é de concluir que a afetação dos imóveis às atividades económicas de pessoas coletivas não afasta a tributação em AIMI (fora dos casos em que se trate de prédios que no anterior tenham estado isentos ou não sujeitos a tributação em IMI, que não são contabilizados para efeitos de AIMI, nos termos do n.º 3 do artigo 135.º-B do CIMI).
A detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afetação ou não a atividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista, pelo que, em princípio, tem justificação a limitação da tributação às primeiras situações.
[…]
No que concerne ao afastamento da tributação relativamente aos prédios destinados a comércio, indústria ou serviços poderá entrever-se uma explicação na finalidade invocada para a criação desta nova tributação, que é ao financiamento da Segurança Social, assegurado através da consignação de receitas do AIMI ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, prevista no n.º 2 do artigo 1.º do CIMI, na redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro.
Não se pretende com o AIMI onerar a tributação de imóveis de luxo, como se visava primacialmente com a verba 28.1 da TGIS, pois o património imobiliário de valor avultado pode ser constituídos por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor, mas sim criar mais uma via de subsidiação do sistema de segurança social, que é uma das incumbências constitucionais do Estado, prevista no artigo 63.º, n.º 2, da CRP.
[…]
Desta perspetiva, em que o legislador, carente de financiamento para a Segurança Social, privilegia a veste de cobrador de impostos à preocupação com o equilíbrio da tributação das empresas, poderá vislumbrar-se algum fundamento para distinguir entre a titularidade de património imobiliário por pessoas que, presumivelmente, desenvolverão atividades conexionadas com o financiamento da Segurança Social (que já contribuirão para esse financiamento) e a detenção de imóveis não destinados a essas atividades, cujos titulares, tendencialmente, não estarão associados da mesma forma a esse financiamento, pelo menos com a mesma intensidade.
[…]
O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções arbitrárias, desprovidas de justificação objetiva e racional.
Pelo que se referiu, não será completamente desprovida de explicação objetiva e racional a criação de uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social limitada ao património imobiliário que não estará já tendencialmente conexionado com esse financiamento.
Por outro lado, a criação do AIMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, que visou introduzir na tributação «um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados» (Relatório do Orçamento para 2017, página 60), compagina-se com o objetivo de a tributação do património dever contribuir para a igualdade entre os cidadãos, afirmado no n.º 3 do artigo 104.º da CRP, pois a progressividade tem como corolário, tendencialmente, impor maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.
A capacidade contributiva das pessoas coletivas empresariais, relevante a aferição da aplicação do princípio da igualdade tributária, não é evidenciada apenas pelos rendimentos, designadamente pelos resultados da atividade a que se destinam os imóveis. Na verdade, «o património proporciona ao seu titular uma capacidade contributiva especial, vantagens que pela sua natureza escapam ao imposto sobre os rendimentos pessoais: assim, a titularidade do património facilita a angariação de crédito, reforça a posição negocial do seu titular na celebração de contratos vários, torna mais fácil multiplicar a riqueza permitindo-lhe arriscar aí onde em princípio não o faria. Nesta ótica, o imposto sobre o património é visto como algo mais do que um prolongamento do imposto sobre os rendimentos pessoais - não se trata de sobrecarregar aqui rendimentos que já lhe estão sujeitos mas de atingir manifestações de capacidade contributiva que na verdade lhe escapam» (...) Os impostos sobre o património justificar-se-ão por permitirem transferir recursos em benefício da classe trabalhadora, instituindo uma "progressividade qualitativa" complementar da progressividade em quantidade dos impostos sobre o rendimentos pessoais». (5) - SÉRGIO VASQUES, Capacidade Contributiva, Rendimento e Património, em Fiscalidade, n.º 23, página 36.
Por outro lado, se é certo que os diferentes destinos dos imóveis não implicam necessariamente distinção de nível de capacidade contributiva, a exclusão de tributação dos prédios especialmente vocacionados para a atividade produtiva, designadamente os «comerciais, industriais ou para serviços», encontrará outra justificação (para além do já referido presumível maior contributo destas atividade para a Segurança Social por via das contribuições), pois reconduz-se, em última análise, a favorecimento destas atividades, que se harmoniza (e, por isso, terá fundamento constitucionalmente aceitável) com a obrigação de o Estado promover o aumento do bem-estar económico, que pressupõe bom funcionamento das atividades criadoras de riqueza e constitui uma das suas incumbências prioritárias no âmbito económico [artigo 81.º, alínea a), da CRP]. Sendo esta uma incumbência constitucionalmente considerada prioritária, a primeira elencada nesta norma, decerto que não será incompatível com a CRP dar-lhe proteção preferencial quando confrontada com os deveres constitucionais do Estado em matéria de habitação indicados no artigo 65.º da CRP, que, obviamente, também são protegidos através do bom funcionamento das atividades criadoras de riqueza.
Assim, se é certo que o regime do AIMI cria situações de discriminação da tributação de empresas com a mesma capacidade contributiva evidenciada pelo património, no pressuposto de que há necessidade de dinheiro e tem de se encontrar novas formas de o arrecadar (como se refere no Relatório do Orçamento para 2017), haverá alguma justificação para que seja imposta da tributação a umas empresas e não a outras com mesma ou maior capacidade contributiva inerente ao património, sobretudo à luz da jurisprudência maioritária constitucional citada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que revela que é tolerável constitucionalmente que os interesses do Estado cobrador de impostos (neste caso, a sustentabilidade da Segurança Social, reclamada pelos princípios da confiança e segurança) se sobreponham ao respeito rigoroso do princípio da igualdade.
Por outro lado, não sendo objetivo legislativo a tributação da habitação de luxo mas sim obter mais um meio de financiamento da Segurança Social, em sintonia com a opção política de diversificação, através de “um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema” (página 57 do relatório do Orçamento do Estado para 2017), é em função destes objetivos que há que apreciar se ocorre violação do princípio da proporcionalidade.
Desta perspetiva, afigura-se que esta nova tributação não é incompaginável com o princípio da proporcionalidade, pois é adequada ao fim em vista (propicia o aumento de receitas que se pretende obter), é necessária (à face da opção legislativa de aumentar as receitas da Segurança Social com diversificação de fontes) e não é ultrapassada uma medida razoável, designadamente quanto às pessoas coletivas, pois as taxas do novo imposto não são elevadas (e são menores para as pessoas coletivas do que para as pessoas singulares, nos termos do artigo 135.º-F), o imposto pago é dedutível a matéria tributável de IRC (artigo 135.º-J), são deduzidos valores consideráveis ao valor tributável (artigo 135.º-C) e não está demonstrado, nem há razão para crer, que os montantes arrecadados ultrapassem o que é necessário para a finalidade de reforçar a sustentabilidade e estabilidade da Segurança Social.
Por isso, afigura-se que não se demonstra que seja violado o princípio da proporcionalidade.”
De igual forma se decidiu no processo arbitral n.º 664/2017-T, cujos fundamentos se transcrevem na parte aplicável e que são transponíveis, na íntegra, para a situação dos presentes autos:
“[…] o entendimento segundo o qual se pretendeu excluir do âmbito de incidência do imposto os prédios afetos a atividades económicas, a pretexto de que foi intenção legislativa não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que possuem imóveis por efeito do seu objeto social, não tem qualquer apoio na letra da lei nem nos elementos racional e sistemático de interpretação.
Uma tal leitura pressuporia que o legislador, ao invés de ter delimitado o âmbito de incidência através de tipos caracterizados, tivesse optado por uma avaliação casuística em função afetação do imóvel, em termos práticos, efetivos, a uma atividade económica ou ao funcionamento de uma pessoa coletiva.
Tendo a lei definido o âmbito de incidência do imposto como o fez, recorrendo a conceitos técnicos jurídicos utilizados noutros lugares do sistema é seguramente com esse sentido que tem de ser definido o âmbito aplicativo da disposição legal. As normas, por vezes, comportam mais do que um significado e então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. Mas se o legislador recorreu a uma linguagem técnico-jurídica especial, para expressar com maior precisão o seu pensamento, cabe ao intérprete socorrer-se do significado técnico-jurídico das expressões utilizadas, dispensando-se de usar elementos circunstanciais que apenas poderiam conduzir a um resultado interpretativo não pretendido pelo legislador (cfr., neste sentido, BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1993, pág. 182).
Como se impõe concluir, a pretendida extensão da fórmula legislativa utilizada aos prédios afetos à atividade económica da empresa, independentemente da específica caracterização como prédios comerciais, industriais ou para serviços, não tem qualquer cabimento à luz dos critérios gerais da hermenêutica jurídica.”
Nos termos supra expostos, não assiste razão à Requerente na visada interpretação (ou melhor dito, na redução teleológica) da norma de incidência subjetiva constante do artigo 135.º-A do Código do IMI. Esta norma deve ser aplicada no seu sentido literal que se revela consentâneo com a ratio e objetivos do regime do AIMI, conforme externado nos elementos do respetivo processo legislativo descrito na jurisprudência citada.
Sobre o vício de inconstitucionalidade suscitado por esta interpretação, fundado na sua desconformidade aos parâmetros da igualdade e da capacidade contributiva, nada há a acrescentar ao que foi já dito pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, sobre a mesma questão, ainda na vigência do antecessor do AIMI (a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo), como sucede designadamente com os Acórdãos n.ºs 378/2018 (em Plenário), 605/2018 e 22/2019, e recentemente confirmado, no âmbito do AIMI, com os Acórdãos n.ºs 299/2019 (em Plenário) e 530/2019.
Neste âmbito, dada a identidade das questões analisadas, compulsa-se a argumentação do recente Acórdão n.º 299/2019 , do Tribunal Constitucional, que elucida com clareza as razões que presidem a um juízo de não inconstitucionalidade da norma de incidência subjetiva do artigo 135.º-A do Código do IMI no sentido acima preconizado, segundo o qual estão abrangidos no âmbito de incidência do AIMI os prédios detidos por sujeitos passivos que tenham por objeto social atividades imobiliárias.
“13. O Adicional ao IMI foi introduzido no ordenamento fiscal pela Lei do Orçamento do Estado para 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro), sucedendo ao Imposto do Selo sobre Prédios Urbanos de Elevado Valor Patrimonial (ISPUEV), previsto na verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo, revogado pelo artigo 210.º do diploma orçamental (sobre este imposto, cfr., entre muitos, os Acórdãos n.ºs 590/2015, 620/2015, 586/2016 e 378/2018).
Tem na sua origem a Proposta de Lei n.º 37/XIII/2.ª, sendo a medida caracterizada no Relatório do Orçamento do Estado para 2017 como motivada pela promoção da equidade fiscal na tributação do património imobiliário, com um elemento de progressividade de base pessoal, por via de um limiar de isenção e da exclusão de incidência sobre várias tipologias prediais, assim justificadas:
«C – Medidas de equidade fiscal
Em 2017 a distribuição da carga fiscal incidirá menos sobre os rendimentos do trabalho – por via da eliminação faseada da sobretaxa – sendo a perda da receita parcialmente compensada com medidas fiscais que procuram reforçar a progressividade do sistema (com a tributação progressiva do património) e melhorar a prevenção da evasão e do planeamento fiscal agressivo.
A tributação progressiva do património imobiliário
O adicional ao imposto municipal sobre imóveis introduz na tributação do património imobiliário um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados, com uma taxa marginal de 0,3% aplicada aos patrimónios que excedam os 600.000€ por sujeito passivo. Para evitar o impacto deste imposto na atividade económica, excluem-se da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afetos à atividade turística, permitindo-se ainda às empresas a isenção de prédios afetos à sua atividade produtiva até 600.000€. A possibilidade de dedução do montante de imposto pago à coleta relativa ao rendimento predial constitui adicionalmente um incentivo ao arrendamento e utilização produtiva do património. Este imposto substitui o anterior imposto do selo de 1% sobre o valor do imóvel acima de 1 milhão de euros. Com uma taxa muito inferior (0,3%) é também mais justo por ter em conta o valor global do património imobiliário e não, isoladamente, o valor de cada prédio.»
Como também se explicita no referido Relatório, o propósito de equidade fiscal encontra-se associado a uma outra finalidade: o reforço e a diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social, por via da consignação das receitas do imposto ao Fundo de Estabilização da Segurança Social: «A consignação da tributação progressiva do património ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social corresponde ao objetivo do programa do Governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social, ao mesmo tempo que se introduz um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema». A medida foi igualmente animada pelo propósito de se afastar da traça do imposto que substituiu, que suscitou elevada litigância.
Importa ter em atenção, porém, que, mantendo-se os propósitos enunciados, no decurso dos trabalhos parlamentares, em particular no que se refere à sujeição das pessoas coletivas e equiparadas, o imposto veio a afastar-se do seu figurino inicial, tido em atenção nos segmentos transcritos do Relatório do Orçamento do Estado para 2017.
Com efeito, na redação no n.º 2 do artigo 135.º-B da Proposta de Lei n.º 37/XIII/2.ª, a norma de exclusão de incidência objetiva do AIMI compreendia «os prédios classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente comprovado o seu destino». Todos os demais prédios urbanos, mesmo aqueles classificados como comerciais ou para serviços, que não comprovadamente afetos a atividade turística, eram sujeitos a tributação. Paralelamente, na mesma Proposta de Lei, o artigo 135.º-C, respeitante às regras de determinação do valor tributável, e à semelhança do estatuído para as pessoas singulares e heranças indivisas, previa a dedução de €600 000,00 ao valor tributável quando o sujeito passivo fosse uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, e os prédios urbanos estivessem diretamente afetos ao seu funcionamento [n.º 2, al. c)]. Isenção essa que, nos termos do n.º 5 do artigo 135.º-C, era afastada quanto às pessoas coletivas cujo ativo fosse composto em mais de 50% por imóveis não afetos a atividades de natureza agrícola, industrial ou comercial, ou a sua atividade consistisse na compra e venda de bens imóveis.
A redação do n.º 2 artigo 135.º-B do AIMI que veio a ser aprovada - assim como do artigo 135.º-C, com eliminação das normas aludidas - resulta da votação da Proposta de Substituição n.º 402-C2, apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista no decurso da discussão na Comissão Parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa. Sob o título «Exposição de Motivos», lê-se na referida proposta de substituição que através da mesma se procurou introduzir «[a]lterações ao Adicional do IMI decorrentes do debate público desde a apresentação da proposta, assegurando a ausência de impacto na atividade económica, maior progressividade do imposto e o reforço da tributação dos patrimónios imobiliários detidos por entidades residentes em paraísos fiscais».
No seu recorte definitivo, e centrando a atenção na tributação dos entes coletivos, o AIMI passou tributar todo o património imobiliário do sujeito passivo, sem dedução, ao mesmo tempo que a norma do n.º 2 do preceito passou a atender unicamente à classificação do prédio de acordo com o artigo 6.º do Código do IMI, sem consideração do setor de atividade ou da destinação efetiva. O que significou a eliminação do elemento de progressividade de base pessoal na tributação das pessoas coletivas ou equiparadas comportado na Proposta de Lei n.º 37/XIII, compensado em certa medida pela redução do âmbito de incidência objetiva do imposto, que passou a sujeitar ao imposto apenas às espécies de prédios urbanos não compreendidas na previsão do n.º 2 do artigo 135.º-B, ou seja, de acordo com divisão operada pelo artigo 6.º, n.º 1, do Código do IMI, os prédios urbanos «habitacionais» e os «terrenos para construção».
O AIMI constitui, então, um novo imposto sobre o património, de alcance parcelar ou analítico – toma a titularidade de património imobiliário e, mesmo dentro deste, tão somente a detenção de algumas tipologias de prédios urbanos – e natureza estática, visando tributar a força económica que se materializa no valor agregado dos prédios urbanos titulados pelo sujeito passivo e, à semelhança de outros tributos sobre o património, como o IMI, independentemente do ganho que produzam. Como refere José Pires, o AIMI «pretende tributar a riqueza de forma progressiva, acima de um determinado valor, quando os titulares são pessoas singulares, e toda a riqueza das pessoas coletivas, independentemente do valor e a uma taxa proporcional» (O Adicional ao IMI e a tributação pessoal do património, Almedina, 2017, p. 7).
[…]
14. […] «[a] titularidade de um património imobiliário, para efeitos de venda e transformação, em vista à obtenção de resultados económicos, não deixa de constituir um ativo patrimonial que é revelador de uma acrescida capacidade económica, que vai além do imposto que incide sobre o lucro tributável em razão da acrescida atividade económica», aduzindo que «[o] que está em causa, por conseguinte, não é a tributação do rendimento real auferido por essas entidades através da atividade desenvolvida, mas a capacidade contributiva complementar que decorre da titularidade e que por si só pode facilitar a angariação de crédito ou o reforço da sua posição negocial na celebração de contratos».
[…]
16. Nos termos referidos, a recorrente começa por contestar a interferência na esfera patrimonial do contribuinte operada pela norma sindicada ao nível da própria seleção do facto tributário, que entende insuscetível de revelar a força económica de sujeitos passivos que se dediquem por imposição estatutária a atividades imobiliárias, entre os quais se encontra. Defende que a detenção de direitos sobre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção não constituem per se índices de capacidade contributiva, devendo ser recusada essa condição sempre que lhes corresponda a natureza de fator de produção de riqueza. Nessa ótica, quando titulado por sujeitos passivos cuja natureza estatutária comporte o desenvolvimento de atividades imobiliárias […], o património imobiliário que lhes está adstrito constitui o «substrato patrimonial e o meio essencial para a prossecução de tais atividades», insuscetível de sobre o mesmo recair tributação de índole patrimonial. Haverá, tão somente, lugar à tributação do rendimento real por essa via produzido (e quando produzido).
O argumento não merece acolhimento.
Desde logo, a tributação do património não pode ser vista como mera alternativa ou sucedâneo da tributação do rendimento, pois constitui finalidade autónoma do sistema fiscal, à qual o plano ordenador da Lei Fundamental atribui, a par da função geral financeira, uma específica função redistributiva (artigos 103.º, n.º 1, e 104.º, n.º 3 da Constituição).
Ora, não se vê que a prossecução estatutária de atividades de promoção ou exploração imobiliária permita afastar, quanto a todos os sujeitos cuja atividade nesse ramo implique a detenção de direitos sobre imóveis, a tributação da riqueza predial de que sejam titulares.
É certo que, na espécie, os fundos de investimento imobiliário obedecem a um conjunto de requisitos, de acordo com o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, entre os quais se encontra a constituição do seu ativo por uma proporção mínima de direitos sobre imóveis, podendo desenvolver um conjunto de atividades de índole imobiliária, designadamente, como estatui o artigo 210.º do diploma, a aquisição de imóveis para arrendamento ou destinados a outras formas de exploração onerosa; a aquisição de imóveis para revenda; a aquisição de outros direitos sobre imóveis tendo em vista a respetiva exploração económica; a realização de obras de melhoramento, ampliação e de requalificação de imóveis; e o desenvolvimento de projetos de construção e de reabilitação de imóveis. Mas não é menos certo que todas essas atividades estão abertas ao exercício por qualquer pessoa, coletiva ou singular, podendo ser prosseguidas por quaisquer espécies societárias ou associações, assim como por empresário em nome individual ou, individualmente, como simples forma de gestão de património pessoal. Como acertadamente referido na decisão arbitral recorrida, todas essas atividades são livremente acessíveis à generalidade dos proprietários de imóveis e de quaisquer outras entidades, ainda que de natureza empresarial, que se dediquem à execução de programas imobiliários, não se vendo que o tributo mereça censura constitucional por via da sua abrangência a todos esses sujeitos.
[…]
Na verdade, a escolha do facto tributário do AIMI recai sobre realidade económica relevante, pois a titularidade de um prédio imóvel urbano constitui, em si mesma, uma manifestação de riqueza – e uma riqueza determinável, por lhe ser social e juridicamente atribuído um valor de mercado –, revelando uma especial pujança económica, superior à da generalidade dos cidadãos, que potencia posição negocial no comércio jurídico em geral, em especial a capacidade de angariar meios de financiamento. Exprime uma abastança, que não se mostra por qualquer forma infirmada pela forma como foi obtida (permanece inalterada caso a titularidade de direitos sobre prédios urbanos seja adquirida por ato oneroso ou gratuito), ou pela sua afetação a uma atividade económica, que pode ou não gerar lucro: como sublinha SÉRGIO VASQUES, «[Q]uando se tributa a substância do património não se está a tributar o rendimento pela segunda vez, está-se a tributar algo diferente» («Capacidade Contributiva, Rendimento e Património», Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 23, Coimbra, 2005, p. 39).
Esse tem sido, aliás, o entendimento acolhido pelo Tribunal perante problema idêntico. Efetivamente, a questão de saber se a própria detenção de imóvel é idónea a revelar acrescida capacidade contributiva, independentemente da natureza jurídica do sujeito passivo e da atividade económica por este desenvolvida, mormente a exploração de uma atividade de índole imobiliária, foi já apreciada pela jurisprudência constitucional, com referência ao imposto que o AIMI substituiu. No Acórdão n.º 378/2018, o Plenário apreciou a conformidade constitucional da norma constante da verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.00,00. Fê-lo no âmbito de recurso previsto no artigo 79.º-D, por se verificar oposição de julgados entre os Acórdãos n.º 250/2017 e 568/2016, afastando o entendimento de que naquele imposto se desconsiderava a natureza empresarial do sujeito passivo e confundia manifestações de riqueza e fatores de produção dessa mesma riqueza, ao mesmo tempo que se reconheceu que a titularidade do bem imóvel e a sua afetação social constituem índices seguros de capacidade contributiva. Pode ler-se no referido aresto:
«Deve (...) sublinhar-se que o imposto previsto na Verba 28.1., como é próprio dos impostos sobre o património, delimita o seu âmbito de incidência por referência exclusiva à titularidade de terminados valores patrimoniais, “independentemente da função desempenhada por tais ativos (capital produtivo, aplicação de fundos ou poupança ou consumo duradouro)” (Decisão Sumária n.º 214/2017). Por outro lado, sendo um imposto sobre o património, também não individualiza nem distingue os respetivos sujeitos passivos por recurso a outro critério que não seja precisamente a titularidade desses valores patrimoniais. Assim, aplica-se indistintamente a pessoas singulares e pessoas coletivas e, dentre desta categoria, a associações, fundações e sociedades comerciais, independentemente do ramo económico em que estas últimas operem e dos específicos riscos comerciais existentes nos respetivos setores de atividade, aliás próprios de toda e qualquer atividade comercial.
(...)
Como se referiu, a norma em causa parte da ponderação de concretas situações jurídico-patrimoniais, delimitadas em função do valor patrimonial tributário do imóvel e sua afetação social normal, integrando no seu âmbito subjetivo de aplicação um conjunto indeterminado de contribuintes de acordo com um critério uniforme: a titularidade de terrenos para construção de edifícios para habitação de elevado valor patrimonial tributário. Em relação a nenhum deles é valorada a sua concreta situação económico-financeira (rendimentos ou lucros), a sua natureza (singular ou coletiva), estrutura de organização (empresarial ou não empresarial), concreta forma jurídica assumida (sociedade comercial ou outra) e, muito menos, os diversos setores de atividade em que eventualmente atuam os comerciantes abrangidos e os riscos inerentes a cada um desses ramos de atividade. […]»
Não obstante as diferenças estruturais do tributo aqui em apreço, atrás referidas, este entendimento mantém-se válido e é transponível para a apreciação da questão colocada no presente recurso. De acordo com o escopo, estrutura e natureza da norma sindicada, o pressuposto económico atendido pelo legislador no AIMI é o de que persiste a força económica revelada pela detenção de direitos sobre um acervo patrimonial constituído por prédio(s) urbano(s) habitacional(is) e/ou terreno(s) para construção, manifestando, nas categorias de bens visadas pelo legislador – prédios habitacionais e terrenos para construção –, a capacidade contributiva do contribuinte, independentemente do objeto – mormente, do objeto societário - a que se dedique o sujeito, isto é, mesmo que a atividade eleita seja a exploração económica de prédios urbanos.
Ao invés do defendido pela recorrente, não existe suporte para considerar que a racionalidade subjacente à definição do novo imposto parcial sobre o património não é compaginável com o que designa de oneração do setor imobiliário […].
E, como já se disse no Acórdão n.º 378/2018, não decorre do programa constitucional de igualização tributária através dos impostos sobre o património uma qualquer exigência de discriminação positiva das empresas, mormente das empresas do ramo imobiliário, face aos restantes contribuintes sujeitos a esse tipo de impostos.
[…]
18. A introdução da referida diferenciação na estrutura interna do AIMI assenta eminentemente em razões de política económica: proteger a atividade económica das empresas titulares de prédios urbanos.
De facto, foi através de razões de índole extrafiscal que o legislador justificou na Proposta de Lei n.º 37/XIII a norma de exclusão tributária, referindo que com ela se pretende «evitar o impacto deste imposto na atividade económica». A prossecução desse objetivo – a proteção da economia – na modulação de um tributo sobre o património é constitucionalmente legítima, por votada à realização de incumbência prioritária do Estado: a promoção das estruturas económicas (artigos 9.º, alínea d), e 81.º, alínea a) da Constituição), o que pressupõe o bom funcionamento das atividades económicas.
Para prosseguir aquele objetivo de política económica, é patente que a exclusão tributária não se apresenta inadequada, desnecessária ou excessiva, já que o desagravamento tributário constitui um dos instrumentos de política fiscal com aptidão e capacidade para prosseguir o objetivo de proteção e estímulo das atividades económicas visadas. Com efeito, a proteção do comércio, assim como das indústrias, dos serviços ou outras atividades económicas, é um interesse extrafiscal que se pode revelar de maior grandeza do que os ganhos obtidos por via da arrecadação da receita do AIMI.
Não significa isso, porém, que o legislador se tenha proposto afastar a tributação em AIMI de todas as atividades económicas, ou que o tenha feito em função da natureza dos sujeitos passivos, visando afastar o impacto do tributo nas entidades cujos ativos integrem prédios urbanos, mormente nos sujeitos de natureza empresarial.
Novamente, a visão proposta pela recorrente comporta um desvio relativamente ao pressuposto económico do tributo e à sua estrutura: este não perspetiva, dinamicamente, a capacidade contributiva dos sujeitos passivos em função do desenvolvimento de uma determinada atividade económica; nem a occasio legis suporta o entendimento de que o legislador, através da norma sindicada, procurou eliminar um qualquer impacto financeiro na atividade dos agentes económicos, nomeadamente das pessoas coletivas que se dediquem a explorar uma atividade compreendida no setor imobiliário, setor económico em que a parcela de custos (dedutíveis em sede de IRC) decorrente da fiscalidade sobre o património imobiliário urbano será previsivelmente superior.
[…]
Na redação final, os critérios assentes na atividade económica do contribuinte foram substituídos pela remissão para as espécies de prédios urbanos estabelecida no artigo 6.º do IMI, assim convocando para a esfera do AIMI os mesmos critérios e justificações em que assenta a base de incidência objetiva do IMI, ao mesmo tempo que foi afastada a solução de isenção até 600.000,00€, eliminando o elemento progressivo de base pessoal da tributação das pessoas coletivas e equiparadas. Nessa configuração, o âmbito de incidência objetiva do imposto foi significativamente reduzido, por afastada a incidência relativamente a todos os prédios com afetação comercial e para serviços (mesmo aqueles titulados por empresas cujo objeto social seja a de compra e venda de imóveis), além da espécie «outros», sendo essa a opção do legislador para minorar o impacto do tributo no tecido empresarial e preservar a sua competitividade, mormente nos mercados internacionais (nesse sentido, JOSÉ PIRES, O Adicional ao IMI..., p. 50).
Então, e como refere a decisão recorrida, o racional da delimitação da incidência do imposto em pauta não decorre da atividade económica exercida pelo sujeito passivo, mas sim, tal como no IMI, da afetação social do prédio urbano.
[…]
19. […] Poderá objetar-se que os sujeitos passivos que adquirem prédios urbanos habitacionais para venda ou terrenos para construção de edificações, qualquer que seja a respetiva finalidade, e que fazem disso a sua atividade social, detêm os prédios para um fim último de índole comercial. Dir-se-á, então, que a diferença a que atende o legislador – excluindo estes prédios do âmbito da norma de desagravamento fiscal – não possui natureza e peso suficientes para justificar um tratamento desigual.
Todavia, a situação fiscal dessas empresas já é considerada no âmbito interno do IMI. Com efeito, nos casos de aquisição de prédios para revenda e de terrenos para construção, prevê-se nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 9.º do CIMI a não sujeição ao IMI durante três e quatro anos, respetivamente, e, por força da alínea a) do n.º 3 do artigo 135.º-C do mesmo diploma, a não sujeição ao AIMI, em relação aos sujeitos passivos que estão coletados para o exercício dessa atividade. Durante o período de «não tributação» não há qualquer efeito tributário a considerar em sede de IMI, não sendo o imóvel uma realidade qualificada como prédio para efeitos fiscais. A razão de ser da não consideração tributária encontra-se no facto de o imóvel durante esse lapso de tempo ser compreendido como mercadoria para os demais efeitos fiscais. Como sublinha JOSÉ PIRES (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 3.ª edição, 2015, p. 415), «o regime fiscal em IMI dos prédios comprados para revenda justifica-se pelo princípio de que este não é um imposto sobre as mercadorias mas sobre a riqueza, pelo que não se aplica a prédios para revenda que sejam considerados mercadorias no ativo de uma empresa que exerce aquela atividade. É por essa razão que o legislador fez questão de colocar sistematicamente este regime no capítulo da incidência do imposto e não no das isenções ou no Estatuto dos Benefícios Fiscais. É também por essa razão que a Lei define que a sujeição desses prédios a imposto só se inicia no final do terceiro ano seguinte àquele em que foram afetos ao ativo permutável das empresas. Por essa razão, e em sentido contrário, antes desse momento em que se inicia a tributação não existe sujeição a imposto».
Em relação a esta espécie de imóveis apenas há diferenciação na estrutura do AIMI após três e quatro anos da detenção dos imóveis para venda ou construção. Todavia, após esse prazo, há motivo razoável bastante para distinguir, à luz do critério normativo em escrutínio, as diferentes espécies de prédios urbanos, pois a função que passaram a desempenhar já os diferencia dos prédios urbanos abrangidos na norma de exclusão tributária, atendendo à finalidade extrafiscal por ela visada.
[…]
20. Idêntica ponderação do critério de afetação do imóvel pode ser avançada como razão para a exclusão da incidência relativamente aos prédios urbanos destinados a comércio, indústria ou serviços, à luz de uma das finalidades a que destina a nova tributação, como seja a do financiamento da Segurança Social, assegurado através da consignação de receitas do AIMI ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, previsto no n.º 2 do artigo 1.º do CIMI, na redação da Lei n.º 42/2016. Tendo o princípio da diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social, nos termos da respetiva Lei de Bases, o propósito de «redução dos custos não salariais da mão-de-obra » (artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro), justifica-se ainda a exclusão da incidência quanto aos prédios urbanos destinados a atividades comerciais, industriais e para serviços pela consideração de que, sendo essas as tipologias mais frequentemente conexionadas com o funcionamento do tecido empresarial; de outro modo as empresas, já chamadas a suportar o financiamento da Segurança Social na qualidade de empregadores, veriam tendencialmente acrescidos (e não reduzidos como prescreve a Lei de Bases) os custos não salariais da mão de obra com a ampliação das bases de obtenção de recursos financeiros do sistema trazida pela medida fiscal.
Nesta perspetiva, encontra-se fundamento razoável e bastante para que, perante património imobiliário não destinado a tais atividades, cujos titulares não estarão associados com a mesma intensidade ao financiamento da Segurança Social como empregadores, o legislador tenha privilegiado a arrecadação de receita consignada ao mesmo sistema.
E, tal como se concluiu relativamente ao propósito de promoção das estruturas económicas, também a esta luz a nova tributação satisfaz as exigências do princípio da proporcionalidade. Mostra-se adequada à finalidade visada – propicia o aumento de receitas -, é necessária – a diversificação e acréscimo das fontes de financiamento da Segurança Social é condição da sua sustentabilidade – e não se mostra desmedida, seja em função das taxas aplicáveis, designadamente às pessoas coletivas (artigo 135.º-J do CIMI), seja porque o imposto pago é dedutível à matéria tributável em IRC (artigo 135.º-J do CIMI).”
À face do exposto, improcede o erro de direito alegado pela Requerente relativamente à interpretação e aplicação do artigo 135.º-A do Código do IMI subjacente ao ato de liquidação de AIMI impugnado, ou à alegada inconstitucionalidade que não se verifica, concluindo-se que o âmbito de incidência subjetiva deste imposto se projeta à generalidade das pessoas coletivas, independentemente da atividade por estas desenvolvida.
Nestes termos, os dois imóveis que, de acordo com a informação constante das matrizes cadastrais e da certidão do registo predial junta ao processo, eram, à data dos factos [01.01.2018], classificados como “terrenos para construção”, e que constituem o objeto da liquidação de AIMI impugnada [2018], são passíveis de tributação, para efeitos deste imposto, na esfera da Requerente, conquanto se verifique estarem reunidos os demais pressupostos de incidência, designadamente objetiva, analisados no ponto seguinte.
2.2. A TRIBUTAÇÃO DOS TERRENOS PARA CONSTRUÇÃO COM AFETAÇÃO A SERVIÇOS
A título subsidiário, a Requerente propugna a invalidade parcial das liquidações de AIMI sustentada na interpretação extensiva da cláusula de exclusão do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI e, caso assim não se entenda, na sua inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva (artigos 13.º e 104.º, n.º 3, ambos da CRP), quando interpretada no sentido de que a exclusão do âmbito de incidência do AIMI abrange os prédios urbanos classificados como comerciais, industriais ou para serviços e não já os terrenos para construção que se destinem a esses mesmos fins.
A este respeito interessa notar que o artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI dispõe que “[s]ão excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.”, operando, desta forma, uma remissão expressa para o artigo 6.º que visa caracterizar o que se entende por prédios urbanos «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» para efeitos da exclusão do âmbito de incidência do adicional ao imposto.
Ora, como refere a Decisão Arbitral no processo n.º 664/2017-T:
“É a todos os títulos evidente que o legislador, ao definir a delimitação negativa da incidência do imposto por referência aos prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º» do Código do IMI, está precisamente a remeter para essa tipologia de prédios de acordo com a própria caracterização que o Código lhe atribui. […]
De facto, o artigo 135.º-B do Código do IMI limitou-se a excluir do adicional ao imposto os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros», remetendo para a caracterização que é efetuada no artigo 6.º desse Código quanto a essas espécies de prédios urbanos.
Como vimos, esse preceito distingue, no seu n.º 1, entre prédios “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços”, “terrenos para construção” e “outros” e define nos números subsequentes os critérios normativos de que depende a classificação de um prédio urbano em qualquer uma dessas espécies. Os terrenos para construção são, como resulta do n.º 3 desse artigo 6.º, os terrenos que tenham sido abrangidos por operação de loteamento ou licença de construção e não se destinem a outros fins de natureza urbanística, e não se confundem com os prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, que são aqueles que se encontrem licenciados para esses fins ou, na ausência de licença, tenham como destino normal cada um desses fins.
Tendo o legislador definido uma cláusula de exclusão por referência expressa e precisa a certas espécies de prédios urbanos, que são imediatamente identificáveis no contexto da lei, não é possível efetuar uma interpretação extensiva de modo a aí incluir outras tipologias que o legislador manifestamente não quis considerar. Não podendo sequer chegar-se a esse resultado interpretativo com base em meras considerações de ordem pragmática ou de identidade teleológica.
Ainda que se justificasse, numa perspetiva de política fiscal, conferir aos terrenos para construção destinados a edificações para fins comerciais, industriais ou para serviços o mesmo estatuto que veio a ser atribuído aos prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, o certo é não foi essa a opção legislativa, que se limitou a excluir do âmbito de incidência do imposto esses tipos de prédios e não aqueles outros que potencialmente pudessem ser utilizados para esses mesmos fins.”
Esta posição, com a qual se concorda inteiramente, é reiterada em múltipla jurisprudência arbitral supra referenciada, improcedendo a posição da Requerente no sentido de a cláusula de exclusão do AIMI (dever) ser interpretada extensivamente por forma a abranger os terrenos para construção com finalidade não habitacional, o que, como se viu, não tem sequer suporte gramatical no texto da lei.
Quanto à invocada inconstitucionalidade da norma na sua interpretação literal, adere-se de novo ao entendimento sufragado no Acórdão n.º 299/2019 do Tribunal Constitucional, que conclui pela não inconstitucionalidade, no que é secundado pela jurisprudência ulterior . Extraem-se deste aresto, com relevância para a questão em análise, os seguintes fundamentos:
“ 17. […] Efetivamente, o n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI contém norma de não sujeição tributária (ou de desagravamento fiscal stricto sensu), na modalidade de exclusão tributária, espécie acolhida no n.º 2 do artigo 4.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, alterado por último pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro), e definida como medida estrutural de caráter normativo que estabelece delimitações negativas expressas da incidência.
Em virtude dessa norma, excluem-se do âmbito de incidência objetiva do AIMI – a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos de que o sujeito passivo seja titular – os prédios urbanos classificados pela lei fiscal como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros», o que introduz, como é próprio da tipologia normativa, uma desigualdade de tratamento entre os sujeitos passivos do tributo: enquanto os titulares de prédios urbanos habitacionais e de terrenos para construção (referidos nas alíneas a) e c) do artigo 6.º do CIMI) são obrigados ao AIMI, os titulares dos prédios com fins comerciais, industriais, para serviços ou outros, cujo destino normal não seja a habitação ou construção (referidos nas alíneas b) e d) do artigo 6.º do CIMI), não estão obrigados a tal adicionamento.
Pode dizer-se que, enquanto exceção à regra geral da incidência do correspondente imposto, tais normas vivem «numa permanente relação de tensão com o princípio da distribuição dos encargos tributários segundo o princípio da capacidade contributiva», o que as vincula a uma especial legitimação: «a obtenção de um certo objetivo económico de especial importância» (SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Ed., 3.ª Ed., 2007, pp. 457-458).
Sem embargo, a relação de igualdade pressuposta na norma de incidência não tem o mesmo conteúdo que a relação de igualdade exigida pela norma de não incidência. Aquela norma, porque descreve o facto gerador da obrigação tributária, não pode deixar de atender à força económica que o contribuinte tem para suportar o imposto; já a norma de não incidência, porque define um elemento negativo do tipo legal do facto tributário, deve atender ao critério escolhido pelo legislador na delimitação desse elemento negativo. Ou seja, as normas diferenciam-se tanto pelos seus efeitos quanto pelas suas finalidades: enquanto a norma de incidência representa uma interferência na esfera patrimonial do contribuinte, referindo-se à retirada da prestação pecuniária do contribuinte para o Estado, a norma de exclusão tributária projeta efeitos económicos mais abrangentes, de que a mitigação do impacto negativo na esfera patrimonial do contribuinte é instrumento; enquanto a norma de incidência tem por objetivo a arrecadação de receita, a norma de não incidência funcionaliza o tributo a outras finalidades.
Estas diferenças projetam-se no parâmetro constitucional em face do qual deve ser aferida a justificação normativa. A norma de incidência, porque consubstancia uma onerosidade para o património dos contribuintes, encontra-se vinculada a repartir o encargo tributário em função da capacidade que cada um tem para pagar o tributo – princípio da capacidade tributária; já a norma de exclusão tributária, porque cria situações de favorecimento fiscal, para além da necessidade de assegurar o respeito pelo princípio da proporcionalidade, em função dos fins que se propõe atingir, deve assegurar que o critério do desagravamento fiscal se aplique a realidades que se mostrem iguais à luz desse critério – princípio da igualdade. Assim, na primeira tipologia, a relação de igualdade estabelece-se através de um juízo de comparação dos contribuintes à luz do critério da capacidade contributiva; na norma de não incidência, a relação de igualdade estabelece-se através do confronto das pessoas ou situações à luz do critério distintivo ou tertium comparationis de que o legislador se serviu por razões extrafiscais. Nesta última, considerando os efeitos de desoneração ou mitigação que a exclusão tributária provoca no património dos contribuintes, não se coloca propriamente um problema de tributação sem correspondência na capacidade contributiva do sujeito passivo; desse modo, por não eleger os factos sobre os quais incide o tributo, o problema não reside na observância do princípio da capacidade contributiva, enquanto pressuposto da tributação.
[…]
21. Para além da crítica mais ampla à incidência objetiva do AIMI que se vem de apreciar, a recorrente problematiza especificamente a situação dos terrenos para construção. Aponta o facto de o sentido normativo impugnado comportar a tributação de terrenos para construção com afetação estabelecida a fins de comércio, indústria, serviços ou outros, quando a sujeição a AIMI é excluída relativamente aos prédios edificados para essas mesmas finalidades, independentemente da sua efetiva utilização. Considera que se está perante situações jurídico-subjetivas merecedoras do mesmo tratamento, sem que exista uma razão material que legitime constitucionalmente a diferença. Também neste ponto não lhe assiste razão, pois coloca em confronto realidades materialmente distintas, à luz do facto tributário e do pressuposto económico do AIMI.
Na verdade, a incidência do imposto sobre «terrenos para construção», tal como definidos no n.º 2 artigo 6.º do Código de IMI, decorre de nele se terem constituído direitos de construção ou de proceder a operações de loteamento, quer por via de por via de ato administrativo de concessão de licença ou autorização, quer pelo reconhecimento tácito resultante da admissão de comunicação prévia, quer, ainda, pela resposta favorável a pedido de informação prévia ou emissão de informação prévia favorável a operação de loteamento ou de construção. Acessoriamente, o legislador também acolheu, como critério de afetação à construção do terreno, que este seja adquirido expressamente para esse efeito e que possua viabilidade construtiva.
E, de acordo com o funcionamento normal do mercado, a titularidade de direitos sobre um terreno relativamente ao qual já se constituíram direitos a construir ou a lotear, ou reconhecidamente reúne condições de viabilidade construtiva, configura uma riqueza suscetível de avaliação autónoma do que venha a ser edificado, por força da expetativa juridicamente fundada que passa a incorporar a esfera jurídico-subjetiva do seu titular. Como refere JOSÉ PIRES (Lições de Impostos sobre o Património..., p. 140):
«No mercado, o valor de um terreno para construção não depende apenas das suas características intrínsecas, como sejam a sua área e a sua localização ou a sua orografia. Mais importante que isso é um fator que lhe é extrínseco e que depende dos poderes público, que é o seu potencial de construção, nomeadamente a volumetria autorizada e as características de uma realidade que ainda não existem, que é o prédio urbano que nele se vai poder construir.
O valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor. É essa expectativa de produção de riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza dos proprietários do terreno para construção, logo que o terreno passa a ser considerado como sendo para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor dos prédios a construir, maior é o valor do terreno para construção.
Devemos ter em conta que no terreno ainda nada está construído, mas a mera constituição de um direito de nele se vir a construir faz aumentar imediatamente o seu valor. Para além disso, a medida desse valor depende também, sempre, do valor do prédio que nele virá a ser construído. É assim que funcionam os mecanismos de mercado e foi também assim que o legislador concebeu o modelo de avaliação de terrenos para construção».
O reconhecimento pelo legislador de que o terreno para construção traduz uma posição patrimonial do seu detentor e um valor de mercado próprio, torna imprestável a convocação da finalidade e do valor correspondentes ao prédio que nele venha a ser construído: terreno para construção e prédio construído não são realidades económicas equivalentes ou assimiláveis, no domínio da tributação do património imobiliário urbano. Assim foi afirmado pelo Tribunal, com destaque para a pronúncia do Plenário no já referido Acórdão n.º 378/2018, doutrina inteiramente transponível para a norma do AIMI aqui sindicada […].
Também no âmbito de incidência do AIMI, mesmo que norteada por uma ótica pessoal, não pode deixar de se reconhecer que os terrenos para construção são bem distintos dos prédios urbanos já construídos e afetos a uma finalidade específica por via de licenciamento ou utilização normal. Na verdade, e assentando, como se viu, a razão da não tributação dos prédios urbanos, comerciais, industriais, para serviços ou outros no propósito de promover o bom funcionamento das atividades económicas – o que implica a criação de estímulos à reafectação de recursos a fins produtivos, de forma a incrementar o crescimento económico -, os terrenos para construção apenas podem contribuir para esse desiderato em potência, num futuro hipotético e condicional, pois mesmo que se tenha formado um direito a construir, nada impede a mudança de vontade do seu titular relativamente ao destino a dar ao prédio. Para além de que o que releva para efeitos da tributação anual em AIMI é o valor patrimonial tributário do prédio existente e constante da matriz, pois não se pode tributar uma capacidade contributiva futura e eventual, mas apenas a capacidade contributiva atual e efetiva. Os terrenos para construção constituem um ativo económico com valor patrimonial, em si mesmo revelador de capacidade contributiva do seu titular, estando, por isso, constitucionalmente legitimada a sua inclusão no acervo patrimonial globalmente sujeito a AIMI, independentemente do que neles venha a ser efetivamente implantado.
[…]
22. […] Mas, para além dessa discussão sobre o direito ordinário, argumenta a recorrente que «constitui um tratamento discriminatório e arbitrário a tributação em AIMI de um “terreno para construção” com uma utilização potencial para [fins de comércio, indústria, serviços ou outros], enquanto não é tributado neste mesmo Adicional um prédio edificado com esta mesma utilização potencial», afirmação que radica na ponderação dos coeficientes de afetação (Ca) e de localização (Cl) tanto no cálculo do valor patrimonial tributário dos prédios construídos, como dos terrenos para construção (artigo 45.º do Código do IMI), Esta visão assenta no pressuposto, que já vimos incorreto, de que a ratio do imposto impõe que a incidência seja recortada em função de uma avaliação casuística da afetação do imóvel a uma atividade económica. Ao invés, o legislador mobilizou os mesmos critérios normativos objetivos de que depende a classificação de um prédio urbano em qualquer uma das espécies previstas no artigo 6.º do Código do IMI, para o que é irrelevante que o titular do prédio utilize em toda a sua latitude, ou não utilize de todo – por razões de oportunidade ou outros - a aptidão do mesmo para a finalidade para que está licenciado ou a que se destina normalmente. Uma tal ponderação seria relevante num outro modelo de tributação do património e de cálculo do respetivo valor, no qual fosse atendido o rendimento-produto, que não aquele que veio a ser positivado na reforma operada em 2003. Nesta, vingou o critério do valor real ou de mercado para apurar o respetivo valor, a partir das categorias rígidas previstas no artigo 6.º (sobre os vários modelos de tributação do património e a sua evolução em Portugal, cfr. CASALTA NABAIS, «A respeito do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis», cit., pp. 32-45; e JOSÉ PIRES, Lições de Impostos sobre o Património ..., pp.16-32, e O Adicional ao IMI..., pp. 29-38).
[…]
Por outro lado, é claro que, obedecendo a teleologia da norma do n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI ao desiderato de não onerar excessivamente os ativos imobiliários com função intermediária no seio de organização empresarial do sujeito passivo, quanto aos terrenos para construção esse nexo funcional não se encontra ainda estabelecido com suficiente garantia, uma vez que o seu titular não está em absoluto impedido de alterar a finalidade projetada, de modo a destinar à construção de prédios para habitação terrenos inicialmente licenciados para construção com outras destinações. Já no caso dos prédios edificados, com fins de comércio, indústria, serviços ou outros, mesmo que não se possa excluir a possibilidade de vir a existir desconformidade entre a utilização normal e a materializada, mormente nos casos em que não haja licenciamento, ou outra intervenção constitutiva de direitos dos poderes públicos, assume o legislador que a probabilidade de um tal desvio é escassa e, nessa medida, que o risco se mostra insuficiente para colocar em crise a conformação do imposto. Uma tal avaliação empírica, que não se evidencia desrazoável, situa-se na margem de liberdade de conformação do legislador democrático, não cabendo ao Tribunal proceder ao seu escrutínio no âmbito do controlo da igualdade, na sua vertente negativa, aqui convocada.
Assim sendo, nem o termo eleito para comparar as situações jurídico-subjetivas – a utilização potencial dos prédios urbanos – comporta relevo no núcleo problemático em equação, nem os titulares das duas tipologias de prédios urbanos postas em confronto – terrenos para construção com fins de comércio, indústria, serviços ou afins, por um lado, e prédios construídos classificados, de acordo com o artigo 6.º do Código de IMI, como «comerciais, industriais ou para serviços» ou «outros», por outro - estão em posição equiparável, de acordo com o facto tributário e a estrutura de incidência objetiva do AIMI, pelo que não se encontra, também neste ponto, fundamento para suportar um juízo de inconstitucionalidade da norma questionada, na específica hipótese em apreciação.
23. Pelo exposto, a tributação do AIMI não merece censura à luz dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva (artigos 13.º, 18.º, n.º 2 e 104.º, n.º 3, da Constituição).”
À face do exposto, impõe-se concluir que os terrenos para construção, independentemente da sua afetação potencial e futura (designadamente habitacional, a atividades económicas ou a outras finalidades), são abrangidos pela norma de incidência objetiva de AIMI constante do artigo 135.º-B, n.º 1 do Código do IMI e não beneficiam da exclusão prevista no seu n.º 2 por falta de preenchimento dos respetivos pressupostos, i.e., por não consubstanciarem “prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código [do IMI]”, encontrando-se previstos numa outra alínea do n.º 1 do artigo 6.º, a alínea c).
Acresce que esta conclusão, alcançada no patamar infraconstitucional, não enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade conforme decidido pelo Tribunal Constitucional nos moldes enunciados.
2.3. A REALIZAÇÃO DE OBRAS NOS TERRENOS PARA CONSTRUÇÃO
A Requerente veio invocar, em articulado subsequente, que relativamente aos dois imóveis que constituem o objeto de incidência do ato de liquidação de AIMI em discussão nos presentes autos foram iniciadas obras de construção, devidamente licenciadas pela Câmara Municipal de Lisboa, destinadas à edificação de equipamentos coletivos afetos a serviços. No que se refere ao imóvel do ..., a respetiva licença de utilização foi emitida em 29 de junho de 2018. No caso do imóvel da Estrela as obras encontram-se ainda em curso.
Interessa notar que a realização de obras num imóvel classificado na espécie de “terreno para construção” não altera essa classificação enquanto tais obras perdurarem e o imóvel não puder ser enquadrado noutra espécie, nomeadamente como prédio habitacional, comercial ou para serviços, o que, em regra, coincidirá com a obtenção da correspondente licença de utilização (cf. artigo 6.º, n.º 2 do Código do IMI).
Deste modo, encontrando-se a decorrer obras de construção no terreno da Estrela, tal facto não traz qualquer modificação ao respetivo estatuto ou categoria de “terreno para construção” até ao momento em que essas obras sejam concluídas. O facto de se perspetivar que o futuro prédio se irá destinar a uma atividade económica não releva, como acima justificado, para efeitos de aplicação da cláusula de exclusão de incidência (objetiva) de AIMI que, no plano da lei constituída, apenas exclui os prédios classificados nas espécies “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” e não os classificados como “terrenos para construção”, independentemente da projetada afetação futura destes [terrenos] ser para fins comerciais, industriais ou para serviços.
No tocante ao imóvel do ..., a obtenção da licença de utilização que viabiliza o enquadramento do imóvel noutra espécie não é suficiente para identificar a afetação do prédio, pois refere somente “1 (Uma) fração para Equipamento Coletivo com área de […]”, não sendo percetível com base nesta informação a finalidade, qualquer que ela seja, a que o dito equipamento se destina. Para além de que a referida licença foi emitida em 29 de junho de 2018, ou seja, em momento ulterior ao do facto gerador do AIMI referente a 2018.
Na verdade, ao contrário do IMI, cujo facto gerador se reporta a 31 de dezembro (cf. artigos 8.º, n.º 1 e 113.º, n.º 1 do Código do IMI), a incidência de AIMI é determinada por referência a 1 de janeiro do ano a que o imposto respeita, como estipulado nos artigos 135.º-A, n.º 3 , 135.º-C , n.º 1 e 135.º-G, n.º 1 do mesmo Código.
É, pois, com referência ao dia 1 de janeiro de 2018 que tem de aferir-se a titularidade do prédio urbano sobre o qual vai incidir a tributação, a sua categoria classificatória e o respetivo valor tributável, não relevando, por conseguinte, vicissitudes ou modificações que venham a ocorrer posteriormente, como, por exemplo, a mudança de proprietário ou a alteração da espécie de imóvel, caso em que ficaria comprometida (e mesmo impedida) a consolidação do facto tributário de AIMI, sendo atribuídos efeitos retroativos desprovidos de qualquer suporte legal, o que não se equaciona defensável.
Tendo em conta ser inequívoco que em 1 de janeiro de 2018 o imóvel do ... ainda estava em construção e que a sua classificação era, a essa data, a de “terreno para construção”, classificação correspondente à realidade reportada à data dos factos, conclui-se ser correta e válida a sua tributação a esse título, para efeitos de AIMI.
As alterações ocorridas em momento ulterior podem produzir efeitos em período(s) tributário(s) subsequente(s), se se mantiverem no dia 1 de janeiro do ano em questão, mas não são aplicáveis com efeitos pretéritos e, portanto, ao AIMI de 2018, pelo que também neste ponto improcede a pretensão da Requerente, concluindo-se pela validade do ato tributário de liquidação de AIMI aqui impugnado.
3. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
O direito a juros indemnizatórios alicerça-se no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da determinação de que houve erro imputável aos Serviços, do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida.
Tendo-se concluído pela validade do ato de liquidação de AIMI controvertido, não se encontram reunidos os pressupostos subjacentes à constituição da obrigação de juros indemnizatórios: o pagamento de uma prestação superior à devida e o erro imputável aos Serviços, pelo que improcede o pedido dependente de juros indemnizatórios.
* * *
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
* * *
EM SÍNTESE,
À face do exposto, conclui-se que o ato tributário de liquidação de AIMI não enferma do vício de erro nos pressupostos de facto e de erro de direito suscitado pela Requerente, mantendo-se válido na ordem jurídica, com a consequente improcedência, in totum, do pedido de pronúncia arbitral, quer quanto ao pedido principal, quer no que se refere aos pedidos subsidiários e ao pedido dependente de juros indemnizatórios.
Salienta-se que não há que proceder à notificação ao Ministério Público da presente decisão arbitral, por não se verificarem as condições de que depende o correspondente recurso para o Tribunal Constitucional, pois não foi recusada a aplicação das normas em apreciação (artigos 135.º-A, n.º 1 e 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI) por inconstitucionalidade ou ilegalidade, nem se verificam os demais pressupostos previstos no artigo 72.º, n.º 3 da LTC.
V. DECISÃO
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar totalmente improcedente o pedido arbitral e, em consequência, manter na ordem jurídica a liquidação de AIMI parcialmente impugnada, referente ao ano 2018, com as legais consequências, nomeadamente de improcedência do pedido dependente de juros indemnizatórios.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 124.508,38 correspondente ao valor impugnado da liquidação de AIMI em crise – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. CUSTAS
Custas no montante de € 3.060,00, a cargo da Requerente, em razão do decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 30 de dezembro de 2019
O Tribunal Arbitral Coletivo,
Alexandra Coelho Martins
Paulo Jorge Nogueira da Costa
Hélder Faustino