DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Marisa Almeida Araújo, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 28 de fevereiro de 2019, decide:
I. Relatório
A..., contribuinte fiscal n.º ... e B..., contribuinte fiscal n.º..., casados, residentes na Rua ..., ...– ...-... ... (adiante apenas “Requerentes”) vieram, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante apenas designado por RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer a constituição de tribunal arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada apenas por “Requerida” ou “AT”).
Os Requerentes pretendem que seja apreciada e declarada a caducidade das liquidações de Imposto em sede de IRS e IVA dos anos de 2010 e 2011. Considerando ilegais as liquidações as mesmas sejam as mesmas anuladas nos termos peticionados: para efeitos de IRS e em consequência da pronúncia do Tribunal Arbitral sejam anuladas as liquidações emitidas e sejam substituídas por outras no valor de € 7.817,68 para 2010 e € 17.064,15 para 2011 num valor global de € 24.881,83, bem como dos respetivos Juros Compensatórios; para efeitos de IVA que sejam anuladas todas as notificações de IVA e sejam substituídas por outras no valor € 994,68 para o ano de 2010 e de 2.135,12 para o ano de 2011, no valor global de 3.129,80, bem como dos respetivos Juros Compensatórios.
Consideram os Requerentes que o direito da Autoridade Tributária e Aduaneira liquidar o imposto referente ao ano 2010 e 2011, considera-se caducado, quer por não ter sido validamente notificado à Requerente o correspondente acto de liquidação no prazo de 4 anos consagrado no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4 da Lei Geral Tributária (“LGT”), ainda, por não ter ocorrido a suspensão do prazo de caducidade prevista no artigo 46.º, n.º 1 do mesmo diploma.
Os Requerentes foram notificados do início da inspeção tributária relativamente ao ano de 2010 em 15.03.2016 e a de 2011 iniciou-se em 16.03.2016.
Em 2015 foi aberto inquérito criminal com o número .../15...T... e o sujeito passivo A... foi constituído arguido e dele teve conhecimento em 2016, mais concretamente em 6 de Abril.
Segundo interpretação da AT e do que resulta do elenco do artigo 45.º n.º 5 da LGT a instauração do inquérito criminal suspende o prazo de caducidade e alarga-o até ao trânsito da sentença. Todavia tal interpretação não pode merecer acolhimento segundo os Requerentes.
Nos termos do artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT) o direito de liquidar tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos.
Estes prazos de caducidade contam-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu. Da posição assumida estaria igualmente prescrito o procedimento criminal, por se encontrar ultrapassado o prazo de caducidade da liquidação, dado que, segundo os Requerentes, o prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
Por impugnação, os Requerentes suscitam que,
Entre 1/4/2008 e 16/3/2010, o Requerente marido encontra-se registado pelo exercício da atividade de “Fabricação Artigos Joalharia e Outros Artigos de Ourivesaria” a que corresponde o CAE 32122 1) Desde 16/3/2010 encontra-se registado pelo exercício da atividade principal de “Fabricação de Artigos de Joalharia Outros Artigos de Ourivesaria” – CAE 32122 e pela atividade secundária de “Comércio a Retalho Rel. E Artigos Ourivesaria e Joalharia, Estab. Espec.” A que corresponde o CAE 47770. 2). Desde 10/3/2011 encontra-se registado com uma 2ª. atividade secundária de “Formadores” a que corresponde o CAE IRS 8011. Para efeitos de IVA enquadra-se no regime normal com periodicidade trimestral desde 1/4/2008. Em sede de IRS enquadra-se no regime simplificado desde 1/1/2008.
A AT alega que houve faturas de aquisições (compras de mercadorias) que não foram objeto de faturação (vendas).
As faturas emitidas pelo Requerente e, conforme consta do Relatório de Inspeção a folhas 7/35, são relativas à revenda de ouro para fundir e reciclar, moedas, moedas para reciclar, alguma prata e prata para reciclar, nas quais é feita a referência a “Bens em Segunda mão com IVA à taxa legal em vigor”. O S.P. exerce a atividade de compra e venda de bens em 2.ª mão e o IVA é liquidado de acordo com o DL 199/96 de 18 de Outubro – artigo 2º - alínea a). As faturas relativas à aquisição de diversos artigos em ouro, nomeadamente anéis, moedas, fios, pulseiras, medalhas, argolas, brincos, bem como algumas peças em prata, fazem todas referência ao IVA liquidado pela margem – “Bens em segunda mão com IVA à taxa legal em vigor”. 15) Portanto, se o S.P. adquire bens em 2ª mão, vende também bens em 2ª mão, pelo que o regime do IVA a aplicar nestas transações será o mesmo regime da compra, ou seja, regime especial de tributação pela margem.
Portanto, segundo os Requerentes estas transmissões são tributadas ao abrigo do regime especial de bens em segunda mão previsto no D.L. 199/96 de 18 de Outubro.
A alínea c) do nº 2 do D.L: 199/96 define sujeito passivo revendedor, o que é o caso do Sr. A..., que se encontra inclusivamente registado pela atividade de comércio a retalho de artigos de ourivesaria e relojoaria – constante a folhas 9/35 do referido relatório. No entanto, posteriormente, vem o Técnico da AT considerar que aquelas vendas devem ser tributadas à taxa normal de IVA. A transmissão de ouro em 2.ª mão tem como regime normal de tributação, o regime geral, à taxa normal.
O regime especial de bens em 2.ª mão é optativo e, para o aplicar o S.P. revendedor deverá cumprir com as condições já referidas e delas fazer prova, tendo na sua posse os seguintes elementos: - fatura de aquisição das peças de ouro usado E - fatura de venda que permita comprovar inequivocamente a liquidação de IVA sobre a margem, e onde consta a menção de “bens em 2.ª mão ao abrigo do regime da margem”. As faturas de venda do S.P. identificam o documento da compra e fazem menção ao regime de “Bens em Segunda Mão com IVA à taxa legal em vigor”.
O Requerente marido admitiu que não emitiu duas facturas quer em 2010 quer em 2011.
Em 20 de dezembro de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT.
Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro do Tribunal Arbitral, aqui signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes, notificadas dessa designação em 21 de março de 2019, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 28 de fevereiro de 2019.
Em 3 de abril de 2019, a Requerida apresentou Resposta, bem como juntou aos autos o respectivo processo administrativo, na responde à matéria de exceção e se defende por impugnação, pugnando pela improcedência do pedido e consequente absolvição.
Foi marcada, por despacho de 17 de junho de 2019 – depois de ter sido dada sem efeito datas anteriormente designadas – foi agendada a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT para dia 1 de julho de 2019 pelas 10:30, que se realizou, com inquirição das testemunhas arroladas e determinou-se o prosseguimento do processo para alegações escritas facultativas sucessivas, fixando-se o prazo de 15 dias.
Os Requerentes apresentaram alegações fora de prazo tendo sido, nessa esteira, consideradas extemporâneas; também juntou um documento tendo sido considerada a sua junção extemporânea. Foi posteriormente suscitado – para justificou da junção tardia, - justo impedimento por requerimento de 22/10/2019. As questões foram decididas por despacho de 7 de novembro de 2019 e indeferidas nos termos aí descritos.
A Requerida não apresentou alegações.
Entretanto, por despacho de 29 de outubro de 2019, face à tramitação dos autos, tornou-se justificado e necessário o uso da faculdade prevista no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT e, consequentemente, determinar a prorrogação por 2 (meses) desse prazo.
Designou-se o dia 20 de dezembro de 2019 para o efeito de prolação da decisão arbitral.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A cumulação de pedidos é admissível, em conformidade com o preceituado no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, atendendo a que a está em causa a apreciação de idênticas circunstâncias de facto porquanto a referida liquidação de tributos foi efetuada sobre as mesmas circunstâncias de facto e sobre a mesma interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
III. Fundamentação
III.I. Matéria de facto
A. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
1. O Requerente marido é arguido no âmbito de inquérito n.º .../15...T....
2. Foram instaurados os autos de inquérito com o NUIPC .../2015... T..., tendo os autos tido origem na certidão extraída do processo de Inquérito n.º .../12...T….
3. A 01/04/2015 foram abertas as ordens de serviço n.os 2015... e 2015..., referentes aos anos de 2010 e 2011, para a realização das ações inspetivas externas de âmbito geral.
4. A ação inspetiva do ano de 2010 iniciou-se em 15/03/2016 e a de 2011, em 16/03/2016.
5. A 03/11/2017 foram concluídos os atos de inspeção.
6. Em 21/12/2017, foram os Requerentes notificados do Relatório Final, através do ofício n.º..., sancionado por despacho de 21/12/2017 apurando-se correções aritméticas em sede de IRS e IVA, referente aos anos de 2010 e 2011, conforme quadros que se seguem:
7. Os Requerentes apresentaram reclamação graciosa, que foi indeferida por despacho de 19/09/2018.
8. Entre 01-04-2008 e 16-03-2010, o Requerente encontrou-se registado pelo exercício da atividade de “FABR. ARTIGOS JOALHARIA E OUTROS ARTIGOS OURIVESARIA” a que correspondeu o CAE 32122. Desde 16-03-2010, que se encontra registado pelo exercício da atividade principal de FABRICAÇÃO DE ARTIGOS DE JOALHARIA E OUTROS ARTIGOS DE OURIVESARIA, a que corresponde o CAE 32122 e pela atividade secundária de COM. RET. REL. E ART. OURIVESARIA E JOALHARIA, ESTAB. ESPEC, a que corresponde o CAE 47770. Desde 10-03-2011 que se encontra registado com uma segunda atividade secundária, FORMADORES, a que corresponde o código IRS 8011.
9. Desde 01-06-2010 a Requerente mulher encontra-se registada pelo exercício da atividade de OUTRAS ACTIVIDADES DE SERVIÇOS PESSOAIS DIVERSAS, N.E., a que corresponde o CAE 96093.
10. Durante os anos de 2010 e 2011, a Requerente não se encontrou registada pelo exercício de qualquer comercial industrial ou agrícola; em sede de IVA encontra-se enquadrada no regime especial de isenção previsto no artigo 53.º do CIVA desde 01-06- 2013; em sede de IRS encontra-se enquadrada no regime simplificado, previsto nos artigos 28.º e 3.1º do CIRS, desde 01-01-2015.
11. Na declaração de rendimentos modelo 3 de IRS referente ao ano de 2010, os Requerentes declararam:
Categoria B - Vendas e prestações de serviços, relativos à atividade empresarial exercida pelo Requerente marido:
Anexo B da Modelo 3 Valor
Vendas Quadro 4 - linha 401 € 34.329,70
Prestações de serviços Quadro 4 - linha 403 € 26.772,74
Total € 61.102,44
12. Relativamente ao ano de 2010, o Requerente marido apresentou declarações periódicas de IVA, tendo declarado bases tributáveis no montante total de € 26.994,35.
13. Há uma diferença de € 34.108,09, entre o volume de negócios declarado na declaração de rendimentos modelo 3 e o somatório das bases tributáveis declaradas nas declarações periódicas apresentadas.
14. C..., NIF..., declarou no anexo P da respetiva declaração anual, ter realizado compras ao Requerente marido no montante de € 32.446,00, sem que este tenha declarado qualquer venda no seu anexo O.
15. Na declaração de rendimentos modelo 3 de IRS referente ao ano de 2011, os Requerentes declararam:
Categoria A
Quadro II-3.5.2.1
Rendimentos Entidade pagadora NIF
SP A 1.762,40 D... Lda ...
SP B 1.762,40 D... Lda ...
16. Relativamente ao ano de 2011, o Requerente marido apresentou declarações periódicas de IVA, tendo declarado bases tributáveis no montante total de € 27.201,16.
17. Há uma diferença de € 31.430,45, entre o volume de negócios declarado na declaração de rendimentos modelo 3 e o somatório das bases tributáveis declaradas nas declarações periódicas apresentadas.
18. Duas entidades declararam, no anexo P das respetivas declarações anuais, terem realizado compras ao Requerente marido, sem que este tenha declarado qualquer venda no seu anexo O:
Quadro II-3.5.2.3
NIF Denominação do cliente Valor Anexo P
... E... € 52.409,00
... F..., S.A. € 82.922,00
Total € 235.331,00
19. Em 2010 os valores declarados no campo 403 do Anexo B da modelo 3 de IRS, coincidem com os valores da base tributável das faturas emitidas e declaradas nas declarações periódicas de IVA, resultando uma diferença de € 222,20 referente à base tributável (margem) relativa à venda de bens em segunda mão:
Quadro III-1.1
Período D.P.s (1) Faturação (2) Diferença (3)=(1)-(2) 1003T 8.005,59 8.005,59 0,00
1006T 5.603,85 5.492,65 111,20
1009T 4.604,95 4.493,95 111,00
1012T 8.780,55 8.780,55 0,00
Total 26.994,94 26.772,74 222,20
20. No ano de 2011 o somatório das faturas emitidas referentes à atividade de cravador joalheiro totaliza € 16.694,95, acrescido do somatório dos recibos emitidos referentes à atividade de formador, totalizam o montante de € 23.082,30, superior ao valor declarado no campo 403 do anexo B da modelo 3 de IRS (€23.031,61).
21. As facturas são relativas à revenda de ouro para fundir e reciclar, moedas, moedas para reciclar, alguma prata e prata para reciclar, nas quais é feita a referência a “Bens em segunda mão com IVA à taxa legal em vigor”.
22. As faturas de venda emitidas a C..., NIF ... e às firmas F..., SA, NIPC ... e G..., Lda., nos seguintes montantes:
Quadro III-2.2
Cliente 2010 2011
C... 32.210,00 0,00
F..., S.A. 2.119,70 185.572,10
G..., Lda. 0,00 319,80
Total 34.329,70 185.891,90
23. Nas faturas de compra apresentadas pelo Requerente e fornecidas pelo senhor H... a sequência numérica das facturas utilizadas não é coincidente com a sequência cronológica da sua emissão; as Faturas onde consta o número do bilhete de identidade do vendedor, e outras em que tal elemento de identificação não foi colocado. As Faturas são relativas à aquisição de diversos artigos em ouro, nomeadamente, anéis, moedas, fios, pulseiras, medalhas, argolas, brincos, bem como algumas peças em prata.
24. Em todas as faturas é feita referência ao IVA liquidado pela margem “Bens em segunda mão com IVA à taxa legal em vigor”.
25. Das faturas não permite identificar e isolar, para cada artigo, a sua compra e respetivo preço de compra bem como a sua venda e respetivo preço de venda, a fim de validar a correta aplicação do regime da margem, sendo que na maioria das faturas (quer de venda quer de compra), não identifica os bens transacionados, mencionando apenas as quantidades e referindo-se a ouro para reciclar, excetuando a fatura de venda n.º 4 e faturas de compra n.º 7, 8 e 9.
26. Nos anos de 2010 e 2011 A... omitiu vendas enquadráveis na categoria B de IRS no montante de € 197.400,91 e € 555.358,68, respetivamente e resultam correções ao rendimento tributável no montante de € 39.480,18 e € 111.071,74, respetivamente.
27. Em 2011 é omitida a prestação de serviços no montante de € 50,69, que resulta uma correção ao rendimento tributável no montante de € 35,48.
B. Factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.
Não se provou que a fixação da matéria tributável subjacente às liquidações em apreço nos autos tenha resultado de factos que chegaram ao conhecimento da AT através do processo de Inquérito Criminal, nem que os factos tenham nele, eventualmente, sido objecto de investigação.
Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
C. Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes e nos documentos juntos pelas Partes ao presente Processo.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados e as testemunhas arroladas pela Requerida que o corroboraram. Quanto à matéria factual as testemunhas dos Requerentes não permitiram afastar a convicção do tribunal face aos factos dados como provados.
Da matéria de facto dada como não provada teria que ser feita com base em prova documental que não consta dos autos, nem resulta concretamente do depoimento das testemunhas.
III.II Matéria de Direito (fundamentação)
São questões decidendas nos presentes autos a caducidade do direito à liquidação e a legalidade das correções efetuadas em sede de IRS e IVA, nos anos de 2010 e 2011.
Cumpre apreciar.
A. Da Caducidade do direito à liquidação
Conforme resulta do pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes manifestam a sua inconformidade com os actos de liquidação impugnados, arguindo, em primeiro lugar, a execpção peremptória de caducidade do direito à liquidação.
Cumpre apreciar:
É dado como provado que, conforme consta do relatório de inspecção, foram iniciadas as duas ações inspetivas, referentes aos anos de 2010 e 2011 em sede de IRS e IVA, desencadeadas por um pedido de intervenção formulado pelo Núcleo de Investigação Criminal, no âmbito de inquérito n.º .../15...T..., no qual é arguido o Requerente marido.
Foram abertas, a 01/04/2015, as ordens de serviço n.os 2015... e 2015..., referentes aos anos de 2010 e 2011, para a realização das ações inspetivas externas de âmbito geral. A ação inspetiva do ano de 2010 iniciou-se em 15/03/2016 e a de 2011, em 16/03/2016 e a 03/11/2017 foram concluídos os atos de inspeção tendo os Requerentes sido notificados do Relatório final a 21/12/2017.
A AT sustenta a sua tempestividade alegando que,
O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.
No caso vertente, encontramo-nos perante IVA e IRS dos anos de 2010 e de 2011, logo o prazo de caducidade da liquidação conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, o que que significa que, o dies a quo era o dia 1 de janeiro de 2010 e 1 de janeiro de 2011, logo o dies ad quem era o dia 31/12/2014 e 31/12/2015.
A ação inspetiva do ano de 2010 iniciou-se em 15/03/2016 e a de 2011, em 16/03/2016, com a assinatura das notas de serviço e, em 21/12/2017, foram os Requerentes notificados do Relatório Final, através do ofício n.º..., sancionado por despacho de 21/12/2017 do Diretor de Finanças de ..., apurando-se correções aritméticas em sede de IRS e IVA, referente aos anos de 2010 e 2011.
Com efeito, o citado artigo art. 45.º, n.º 5, da LGT, veio consagrar um mecanismo de alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, quando o ato tributário em causa derivar de factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal.
Assim, no enquadramento legal da questão em causa nos presentes autos arbitrais importa ter presente o disposto nos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 45.º da LGT que têm o seguinte teor:
“1 – O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.”
“4 – O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
5 – Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.”
O prazo geral de exercício do direito de liquidação de IVA é de quatro anos a contar do termo do ano em que se verificou o facto tributário, de acordo com o disposto no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT.
É posição do Supremo Tribunal Administrativo – proferida no âmbito do proc. n.º 01477/13 proferida a 21/10/2015 que:
“I - O n.º 5 do art. 45.º da LGT, aditado pela Lei n.º 65-A/2005, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2006), veio estabelecer que, quando o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 daquele artigo é alargado até ao arquivamento ou ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.
II - Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 57.º da Lei n.º 65-A/2005 (que consagra solução que resultaria já do art. 12.º do CC e 12.º da LGT), essa extensão do prazo é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data de entrada em vigor daquela lei, ou seja, em 1 de Janeiro de 2006.
III - A aplicação imediata do n.º 5 do art. 45.º do LGT, determinada pelo n.º 2 do art. 57.º da Lei n.º 65-A/2005, não consubstancia uma aplicação retroactiva daquela disposição legal, pois o facto extintivo do direito a liquidar não é instantâneo, uma vez que o efeito extintivo do direito de liquidar apenas opera no termo do prazo e este estava ainda em curso à data da entrada em vigor da lei nova; só assim não seria caso determinasse a aplicação da nova regra os prazos já findos.
IV - A data relevante para os efeitos da aplicação do n.º 5 do art. 45.º da LGT é a da instauração do inquérito criminal e não aquela em que o contribuinte tomou conhecimento dessa instauração”.
As causas de suspensão e interrupção do prazo de caducidade têm presente interesses de ordem pública em contraponto com as garantias de que as situações jurídicas – decorrido determinado período de tempo – se tornem certas e intocáveis. Neste balanço impõe-se o preenchimento escrupuloso dos requisitos previstos na lei para aqueles efeitos.
No n.º 5 do art. 45.º da LGT, o alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação só é de admitir se houver coincidência entre os factos objecto da investigação em processo de inquérito e os que constituem fundamento para as liquidações.
Conforme resulta do ac. do STA de 01 de outubro de 2014 – Proc. 0178/14, “a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos, nos termos do art. 45.º, n.º 5 da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos”, acrescentando que nem sequer é possível apreciar tal questão caso “não se encontrarem fixados nos autos os concretos factos que motivaram a liquidação oficiosa impugnada, nem aqueles que são alvos da investigação criminal”.
Daí decorre que é sempre necessário que haja uma relação entre a possibilidade de exercício do direito de liquidação e a pendência do processo de inquérito, de forma a poder afirmar-se que o direito de liquidação não poderia ter sido exercido nos termos correctos sem conhecimento dos factos apurados no inquérito.
Do mesmo modo decidiu o TCA-Norte a 18 de janeiro de 2012 – no âmbito do Proc. 00670/08.1BEBRG quando conclui que tal “se compreende, pois não havendo a exigida identidade dos factos investigados no âmbito do processo penal e aqueles que constituem pressuposto da liquidação, não se vislumbra de que forma a pendência daquele processo possa afectar o exercício do direito de liquidação dos tributos.
Posição esta que seguimos e que resulta ainda da sentença proferida no âmbito do processo n.º 633/2017-T do CAAD (in www.caad.org.pt).
Conforme dado como provado o relatório de inspecção socorre-se da garantia da aplicação do n.º 5 do art. 45.º da LGT por se encontrar instaurado processo criminal mas, nada constava do relatório ou do processo qualquer outro elemento factual relativo aos Requerentes que permita concluir – conforme requisito daquele normativo legal – que as liquidações impugnadas respeitam a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal.
No caso em apreço, a AT refere a existência do processo-crime de facto – e que os Requerentes não negam – mas, ainda que alegue que os factos em apreço nos autos e que resultam do relatório de inspecção são, entre o mais, subsumíveis no crime de fraude fiscal, a verdade é que omite, primeiro, a identificação dos factos que determinaram a instauração do inquérito criminal e, em segundo lugar, a invocação – e comprovação que se lhe impunha – de que as liquidações em apreço nos presentes autos estava dependente da investigação no processo criminal fiscal e de que o conhecimento dos factos determinantes da liquidação foi obtido a partir das investigações no âmbito do processo-crime.
A invocação da existência de processo de inquérito não é suficiente, nem o é o exercício, em abstrato, que os factos do relatório podem ser subsumidos num tipo de crime fiscal, para se socorrer o n.º 5 do art. 45.º da LGT.
A AT alega que “os factos objeto de investigação no processo-crime, respeitam a indícios da prática de crime de fraude fiscal logo com correspondências com os factos que fundamentam os atos tributários impugnados” e chega a descrever os factos que do relatório da inspecção, na sua óptica, podem ser subsumíveis no crime de fraude fiscal mas a verdade é que no caso em apreço inexiste qualquer narração de factos – decorrente de elementos do processo-crime – que permita concluir pela correspondência entre os que eventualmente tenham sido objecto de investigação criminal – que, de todo o modo se desconhecem – e que os levaram à fixação da matéria colectável em causa.
Desta forma, era essencial, na esteira da decisão referida, que a AT demonstrasse que as liquidações objecto do presente pedido de pronúncia arbitral respeitam a factos relativamente aos quais tivesse sido instaurado inquérito criminal nos termos do n.º 5 do art. 45.º da LGT.
Pelo exposto é forçoso concluir que, não tendo sido feita a demonstração de que o apuramento da situação tributária estava dependente de factos apurados em inquérito criminal, não podem considerar-se verificados os pressupostos da aplicação do disposto no n.º 5 do art. 45.º da LGT e, nessa esteira, não pode operar o alargamento do prazo geral caducidade.
Desta forma, as liquidações são ilegais.
Nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 29.º do RJAT, este Tribunal Arbitral Singular não está obrigado a apreciar todos os argumentos das Partes, quando a decisão esteja prejudicada pela solução dada, o que no presente processo se traduz na decisão proferida de ilegalidade das liquidações, ficando, assim, prejudicado o conhecimento de outras questões carreadas para os autos.
Fica, assim, prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados por procedência da excepção peremptória de caducidade.
Assim, julga este Tribunal Arbitral Singular procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pelos Requerentes, anulando, em consequência, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e as liquidações impugnadas.
IV. Decisão
De harmonia com o exposto, decide este Tribunal:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa (...2018...) e das liquidações de IRS referente de 2010 e 2011 e de IVA, igualmente 2010 e 2011, anulando-as em conformidade.
b) Julgar prejudicado o demais peticionado.
c) Condenar a Requerida nas custas do processo.
V. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 28.011,63.
VI. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 19 de dezembro de 2019
O Árbitro
(Marisa Almeida Araújo)