Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 189/2019-T
Data da decisão: 2019-11-28  Selo  
Valor do pedido: € 498,13
Tema: Imposto do Selo – Doação. Verba 1.1 da TGIS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Dr. Henrique Nogueira Nunes designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 29 de Maio de 2019, acorda no seguinte:

 

I – Relatório

 

1.1. A..., com o número de identificação fiscal..., doravante designada por “Requerente”, requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

 

1.2. O pedido de pronúncia arbitral, tal como configurado, tem por objecto a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de imposto de selo referente ao ano de 2018 com o n.º ... e a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada relativamente ao referido acto de liquidação.

 

1.3. A fundamentar o seu pedido imputa o Requerente, em síntese, os seguintes vícios:

 

(i) Vem impugnar o ato tributário de liquidação de Imposto de Selo com o n.º ... atinente à doação tendo por objeto três prédios da freguesia de ... e ... (...; ... e ...) dos quais foi donatário por documento particular autenticado lavrado em 2018-11-26, com o fundamento de que tal ato deve ser anulado nos termos e com os fundamento previstos na alínea a) do artigo 99.º do CPPT, porquanto alega que o acto de doação não se consolidou na ordem jurídica, pois os doadores deviam ter declarado se eram titulares doutros prédios rústicos contíguos àqueles que eram objecto do contrato e não o fizeram.

 

(ii) E que a sanação do vício implicava a formalização de um novo documento particular autenticado ou pelo menos duma adenda ao mesmo e um novo depósito eletrónico que tinha que ser realizado no dia da formalização do instrumento jurídico.

 

(iii) E que tendo um dos doadores falecido em 2018-11-26, tal já não era possível, e só pelo facto de na ocasião ainda não ter sido percebida esta realidade é que o seu mandatário realizou a participação de imposto de selo posteriormente.

 

(iv) E que como desistiu do pedido de registo da doação não consegue fazer prevalecer na ordem jurídica o direito de propriedade decorrente da doação uma vez que o instrumento legal que titulou a mesma padece de vícios insanáveis e por isso é insuscetível de ser registada, sendo o registo obrigatório nos termos dos artigos 2.º e 8.º-A do Código do Registo Predial.

 

 

1.4. A Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, respondeu, em síntese, como segue:

 

(i) Vem defender-se por excepção, alegando a extemporaneidade do pedido arbitral.

 

(ii) Por Impugnação vem alegar que no caso dos autos, o imposto do selo foi liquidado por um facto tributário que ocorreu com Doação outorgada por Documento Particular Autenticado em 26.11.2018.

 

(iii) E que em regra a liquidação de imposto do selo deve efectuar-se em momento anterior à ocorrência do acto ou facto translativo de bens, sendo que, no caso dos autos, foi emitida em 30.11.2018, por conseguinte posteriormente à transmissão por doação dos imóveis, ocorrida em 26.11.2018.

 

(iv) E que é o acto de doação, lavrado por Documento Particular autenticado, que está sujeito à incidência de imposto do selo (Verba 1.1 da TGIS).

 

(v) Que a doação é um contrato de eficácia real (“quod effectum”) no sentido de que transferência da propriedade ou da titularidade do direito se verifica em consequência do próprio contrato.

 

(vi) Que no caso de uma doação de imóvel (negócio jurídico translativo de propriedade imobiliária, com eficácia real) sustenta que o momento da aquisição ou da transferência do direito de propriedade é o da celebração da escritura ou do Documento Particular autenticado que o formaliza, por via do qual a propriedade efectivamente se transfere e que esse acto produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos fiscais, independentemente de o donatário vir desistir posteriormente do pedido de registo e independentemente de vir a ser lavrado Registo Provisório Por dúvidas, que tem lugar quando o conservador verifique algum impedimento legal ou tabular que impeça que o registo possa ser definitivamente lavrado.

 

(vii) Nessa medida, diz, o facto translativo gerador da obrigação de imposto de selo concretizou-se.

 

(viii) Pelo que pugna pela improcedência do pedido.

 

 

1.5. Entendeu o Tribunal dispensar a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral conforme despacho arbitral notificado às partes de acordo com o disposto no artigo 18.º do RJAT.

 

Por Despacho Arbitral datado de 01-07-2019 foi o Requerente notificado para, querendo, responder à matéria de excepção invocada pela Requerida, o que fez.

 

Por Despacho Arbitral datado de 23-10-2019, ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar Alegações, não tendo ambas optado por fazê-lo. Para efeitos de prolação da decisão arbitral a mesma foi fixada até ao fim do prazo legal.

 

* * *

 

1.6. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

2.            QUESTÕES A DECIDIR

 

1. Questão de excepção de intempestividade do pedido arbitral.

 

2. Análise da questão de mérito atinente à legalidade da liquidação em crise nos autos.

 

No entanto, e porque foi pela Requerida na sua Resposta aduzida matéria de excepção, importa desta conhecer primeiro, porquanto a sua procedência implica a absolvição da instância arbitral e o não conhecimento do pedido.

 

3.            MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:

 

a) Por Documento particular outorgado em 26.11.2018, o Requerente recebeu por doação de seus pais, o prédio urbano inscrito sob o artigo ...º e dos prédios rústicos inscritos sob os artigos ... secção B e ... Secção C, todos da matriz predial da União de Freguesias de ... e ..., concelho de ... (cfr. Documento n.º 1 junto pelo Requerente);

 

b) Em 28.11.2018, o mandatário do Requerente foi notificado do e-mail emitido pela ... Conservatória de Registo Predial de ... com o seguinte teor:

“Solicito apresentação complementar para suprimento das deficiências infra indicadas, no prazo de 5 dias (art. 73º, nº2 e 9 do CRP, alteração do DL 125/2013, de 30 de Agosto):

Não foi observado o disposto no art. 1379º do Código Civil (no caso dos doadores terem declarado que não possuem outros prédios rústicos confinantes aos aqui doados, deverá ser feito o averbamento nesse sentido); deverá ser depositado o comprovativo de participação de I. do Selo da Doação; Sob pena do registo ser lavrado Provisório por Dúvidas.” (cfr. Documento n.º 2 junto pela Requerente);

 

c) Em 26.11.2018 ocorre o óbito do pai do Requerente, um dos autores da doação (cfr. Documento n.º 3 junto pelo Requerente);

 

d) Em 30.11.2018, foi efectuada a participação do contrato de Doação, que obteve o n.º de registo ..., na sequência da qual foi emitida a liquidação da verba 1.1. da TGIS, nº..., no montante de € 498,13. (cfr. Documento junto pela Requerente);

 

e) Em 02.12.2018, o Requerente, pelo seu Mandatário, pede, por e-mail dirigido à ... Conservatória de Registo Predial, a desistência do pedido de registo que deu origem à AP ... e a restituição do excesso de emolumentos pagos. (cfr. Documento n.º 4 junto pelo Requerente);

 

f) Desistência que foi acatada pela Conservatória do Registo Predial (cfr. Documento n.º 5 junto pelo Requerente);

 

g) Em 21.01.2019, o Requerente apresenta Reclamação Graciosa da liquidação da referida liquidação da Verba 1.1 da TGIS. (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida);

 

h) Em 15.02.2019, é proferido despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, pelo chefe do SB de ..., de que foram notificados respectivamente, em 18.02.2019 e 19.02.2019, o Requerente e o seu Mandatário, pelos ofícios nºs ... e ..., ambos de 15.02.2019 (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida);

 

i) No dia 19 de Março de 2019, o Requerente apresentou requerimento de constituição do Tribunal Arbitral junto do CAAD – cf. requerimento electrónico no sistema do CAAD.

 

 

4.            FACTOS NÃO PROVADOS

 

                Não existem outros factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.

 

 

5.            FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

                Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

 

                De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo Requerente enquanto autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).

 

                Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

6.            DO DIREITO

               

Da matéria de Excepção: Da Incompetência do Tribunal Arbitral

 

                De acordo com o disposto no artigo 608.º, nº 1 do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29º do RJAT, “(…) a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância (…)”, devendo o juiz “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

 

                Apreciemos, então, a matéria de excepção invocada pela Recorrida, apreciando em primeiro lugar a extemporaneidade do Pedido Arbitral conforme invocado pela Requerida.

 

                Invoca a Requerida que embora o Requerente tenha apresentada Reclamação Graciosa da referida liquidação de Imposto do Selo, e que foi objecto de indeferimento por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ..., o Requerente pede a anulação do acto de liquidação em crise, e não o acto de indeferimento da reclamação graciosa, e que consubstanciam actos diferentes no conteúdo, na forma e nos requisitos legais, e que nessa medida, no caso dos autos, a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral afere-se em relação ao acto de liquidação, verificando-se que o mesmo é manifestamente extemporâneo porque apresentado fora de prazo.

 

                Notificada pelo Tribunal para se pronunciar sobre a matéria de excepção invocada, o Requerente veio aos autos precisar que reagiu contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada de 2019-02-15 e não directamente contra o acto de liquidação pelo que o prazo só terminaria em 2019-05-16, tendo antes dessa data apresentado a presente petição arbitral.

 

                E parece-nos que o Requerente tem razão. Uma simples leitura do artigo 13.º da sua petição arbitral leva-nos ao entendimento de que se insurgiu contra o entendimento da AT proferido no processo de Reclamação Graciosa nº ...2019... .

 

                Razão pela qual se decide pela improcedência da excepção dilatória invocada pela Requerida.

 

                Apreciando agora a questão de mérito.

 

                O Requerente vem sustentar que o indeferimento da Reclamação Graciosa e a consequente falta de anulação do acto de liquidação de imposto do selo é ilegal, porquanto desistiu do pedido de registo da doação, não conseguindo fazer prevalecer na ordem jurídica o direito de propriedade decorrente da doação uma vez que o instrumento legal que titulou a mesma padece de vícios insanáveis e por isso é insuscetível de ser registada, sendo o registo obrigatório nos termos do artigo 2.º e 8.º-A do Código do Registo Predial, razão pela qual não se realizou qualquer transmissão gratuita de bens.

 

                Deste entendimento discorda a Requerida invocando que a doação é um contrato de eficácia real (quod effectum), no sentido de que a transferência da propriedade ou da titularidade do direito se verifica em consequência do próprio contrato, e que no caso de uma doação de imóvel (negócio jurídico translativo de propriedade imobiliária, com eficácia real), o momento da aquisição ou da transferência do direito de propriedade é o da celebração da escritura ou do Documento Particular autenticado que o formaliza, por via do qual a propriedade efectivamente se transfere.

 

                E que esse acto produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos fiscais, independentemente de o donatário vir desistir posteriormente do pedido de registo ou independentemente de vir a ser lavrado Registo Provisório Por dúvidas, que tem lugar quando o conservador verifique algum impedimento legal ou tabular que impeça que o registo possa ser definitivamente lavrado.

 

                Nessa medida entende que o facto translativo gerador da obrigação de imposto de selo chegou a concretizar-se, não tendo sequer lugar à aplicação do artigo 44º do CIMT, que, sob a epígrafe “Anulação por acto ou facto que não se realizou”, dispõe que “a anulação da liquidação de imposto pago por acto ou facto translativo que não chegou a concretizar-se pode ser pedida a todo o tempo, com o limite de um ano após o termo do prazo de validade previsto no nº 4 do artigo 22º, em processo de reclamação ou de impugnação judicial”.

 

                E desde já diga-se que a Requerida tem toda a razão.

 

                Com efeito compulsado o n.º 1 do artigo 408.º do Código Civil sob a epígrafe “Contratos com eficácia real” podemos verificar que a “A constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei.”.

 

                Por seu turno, dispõe o artigo 4.º do Código do Registo Predial que:

 

“Eficácia entre as partes

1 - Os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados entre as próprias partes ou seus herdeiros.

2 - Excetuam-se os factos constitutivos de hipoteca cuja eficácia, entre as próprias partes, depende da realização do registo.”

               

                Sucede, como facilmente se descortina, que a Requerida não é parte no acto de doação em causa nos autos pelo que eventuais vícios registrais quanto ao processo de registo lhe não são oponíveis para efeito de anular o facto gerador de imposto que, in casu, se deu com a transmissão gratuita – doação.

               

                Outra podia ser a conclusão caso a doação tivesse sido objecto de resolução ou revogação, conquanto legalmente válidas, mas tal não ocorreu.

               

                Sendo assim, o acto de doação estava sujeito a incidência de imposto de selo (artigo 1.º, nº 1 do respectivo Código).

               

                Pelo que documento particular autenticado que titulou a doação produziu os seus efeitos, nomeadamente para efeitos fiscais. Deste modo, o facto translativo chegou a concretizar-se pelo que não pode sequer ser aplicado o disposto no artigo 44.º, n.º 1 que, expressamente, prevê o caso de acto ou facto translativo que não chegou a concretizar-se.

               

                Daqui resulta que o acto produziu efeitos fiscais não tendo sido sequer resolvido ou revogado, pelo que falece de razão o invocado pelo Requerente.

 

7.            DECISÃO

 

                Em face do exposto acorda este Tribunal Arbitral Singular em:

 

               

                - Julgar improcedente o pedido arbitral.

 

* * *

 

                Fixa-se o valor do processo em Euro 498,13, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC. 

 

                Condena-se o Requerente em custas no montante de Euro 306,00 ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

               

Notifique-se.

Lisboa, 28 de Novembro de 2019.

 

O Árbitro,

 

(Henrique Nogueira Nunes)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.