DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A...– SUCURSAL EM PORTUGAL, com o número único de identificação de pessoa coletiva ..., sucursal em Portugal do B..., com representação permanente na Rua ..., n.º..., ... Piso, ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do acto tributário de liquidação de IVA n.º 2018..., relativa ao período de tributação de dezembro de 2015, emitido na sequência de um procedimento de inspecção que recusou a declaração de substituição pela qual manifestou a dedução de imposto no montante de € 246.635,22.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
No âmbito da sua atividade, no decurso do ano de 2015, a Requerente praticou operações sujeitas a IVA com direito a dedução e operações que não conferiam o direito à dedução, sendo considerado um sujeito passivo misto.
Em 10 de dezembro de 2016, submeteu a declaração periódica da IVA em que apurou um pro rata de dedução de 3%, e, tendo concluído que ocorreu um erro de cálculo, em 1 de fevereiro de 2018, apresentou uma declaração periódica de substituição, referente ao período 2015/12, de que resultou um total de imposto a deduzir a favor do sujeito passivo de € 246.635,22, correspondente a uma diferença, para mais, de € 138.440,18 em relação ao imposto inicialmente apurado.
A Autoridade Tributária e Aduaneira considerou indevida a alteração da percentagem de dedução do imposto, por considerar que o n.º 6 do artigo 23.º não consente a alteração retroactiva do método de dedução utilizado, prevendo apenas que as correcções sejam efectuadas na declaração periódica do último período do ano, e que não se verificam os pressupostos da regularização previstos nos artigos 24.º a 26.º, 78.º e 98.º do Código do IVA, havendo apenas lugar, caso o sujeito passivo discorde da liquidação de IVA, à apresentação de reclamação graciosa ou impugnação judicial.
Entende a Requerente que a correção do IVA deduzido pelos sujeitos passivos mistos pode ocorrer não apenas nos termos do artigo 23.º, n.º 6, do Código do IVA, mediante a regularização a efectuar na declaração do último período do ano a que respeita, mas também por via da correcção de erros materiais ou de cálculo, no prazo de dois anos a contar do nascimento do direito à dedução, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 6, do Código do IVA, ou através do exercício do direito à dedução no prazo de quatro anos em aplicação do estabelecido no artigo 98.º do mesmo Código.
Não tendo sido possível à Requerente regularizar a liquidação de imposto superior ao devido na última declaração periódica do ano, por não ter ainda constatado a existência do erro, haveria de ter-se em consideração o prazo de caducidade de dois anos do Código para a correcção de erros materiais e de cálculo, nos termos do n.º 6 do artigo 78.º ou o prazo de caducidade de quatro anos para a correção de erros de direito, segundo o disposto no n.º 2 do artigo 98.º.
Acresce que o entendimento expresso no ofício-circulado n.º 30.082, de 2005, correspondendo a uma orientação genérica, apenas vincula a própria Administração, como prevê o artigo 68.º-A da LGT, não podendo prevalecer sobre a correcta interpretação da lei.
A negação do direito à dedução por incumprimento de meras obrigações formais viola o princípio da neutralidade fiscal em matéria de IVA e, a atender-se que a declaração de substituição não era o meio adequado para corrigir o pro rata definitivo de dedução, cabia à Autoridade Tributária e Aduaneira convolar o procedimento em reclamação graciosa, em aplicação do disposto no artigo 59.º, n.º 5, do CPPT. O acto de liquidação viola ainda o princípio da proporcionalidade previsto nos artigos 7.º do CPA e 266.º da CRP, porquanto cabe à Administração utilizar os meios que, permitindo alcançar eficazmente o objetivo de luta contra a fraude e evasão fiscal, ofendam o menos possível os objectivos e os princípios impostos pela regulamentação da União, e, entre estes, o princípio fundamental do direito a dedução do IVA (acórdão do TJUE de 10 de junho de 2008, Processo C-25/07).
A Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua resposta, pronunciou-se no sentido da improcedência do pedido arbitral, remetendo para o Relatório de Inspecção Tributária, que, em síntese conclusiva, considerou a lei não permite a alteração retroactiva do método de dedução utilizado, e, no caso, não se verificam os pressupostos da regularização a que se referem os artigos 24.º a 26.º, 78.º e 98.º do Código do IVA, pelo que cabia ao sujeito passivo efectuar a correcção através da declaração periódica do último período do ano ou deduzir reclamação graciosa ou impugnação judicial contra o acto tributário de liquidação de IVA
2. No seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e ordenada a notificação das partes para produzirem alegações.
Em alegações as partes reiteram as suas anteriores posições, tendo a Requerente requerido a final a anulação do acto de liquidação e a restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, contados desde a data do pagamento indevido e até à data da efectiva e integral restituição do imposto.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 16 de Maio de 2019.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente foi alvo de um procedimento de inspecção que teve por objecto a dedução de IVA relativamente ao período de tributação de dezembro de 2015.
B) Na sequência, foi notificada do ato tributário de liquidação de IVA n.º 2018... .
C) A Requerente é uma sucursal do B... UK, com sede e direcção efectiva no Reino Unido, exercendo actividade, como instituição de crédito, no âmbito do comércio bancário, designadamente a prestação de serviços de banca comercial, de banca de investimento e a atividade de leasing.
D) No âmbito da sua atividade, no decurso do ano de 2015, a Requerente praticou operações sujeitas a IVA com direito a dedução e operações sujeitas a IVA sem direito à dedução, sendo considerado um sujeito passivo misto.
E) Em 10 de Fevereiro de 2016 a Requerente apresentou declaração periódica da IVA em que apurou a dedução de 3% pelo método pro rata relativamente ao exercício de 2015.
F) A Requerente constatou que incorreu em erro na afetação de despesas sujeitas e não isentas de IVA, e em 1 de fevereiro de 2018, apresentou uma declaração periódica de IVA de substituição, referente ao período 2015/12, de que resultou um total de imposto a favor do sujeito passivo de € 246.635,22 correspondente à diferença de € 138.440,18 relativamente ao valor inicialmente apurado de € 108.195,04;
G) A Autoridade Tributária e Aduaneira com base no Relatório de Inspecção Tributária elaborado no âmbito da acção inspectiva, considerou a regularização da dedução de IVA indevida e fixou em € 138.440,18 o montante do imposto a pagar;
H) O Relatório de Inspecção Tributária fundamentou a decisão, em síntese, nos seguintes termos:
“As regularizações a favor do sujeito passivo ou do Estado, que se mostrem devidas devem ser incluídas na declaração do último período do ano a que respeita.
Parece assim evidente que decorre deste preceito (n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA) que quaisquer correcções no cálculo da percentagem de dedução utilizada durante um determinado ano civil, devem ser a priori efetuadas no final desse ano, tendo por base os valores definitivos das operações efetuadas pelo sujeito passivo.
As demais situações de regularização do imposto encontram-se previstas do Código do IVA nos artigos 24.º a 26.º e no artigo 78.º, abrangendo, naqueles primeiros artigos, as regularizações decorrentes da alteração de utilização dos bens do ativo imobilizado e no artigo 78.º, as situações de regularização da dedução inicialmente efetuada, nomeadamente por alteração dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante da dedução.
Assim, o artigo 23.º do Código do IVA não prevê a possibilidade de um sujeito passivo que, no momento em que se constitui o direito à dedução do IVA, tenha optado por um método de cálculo do direito à dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista possa alterar retroativamente o método utilizado, recalculando a dedução inicial feita.
(…)
Da mesma forma, o artigo 24.º contempla situações de regularização do IVA deduzido inicialmente, quando se verifique nos anos subsequentes a variação das percentagens de utilização dos bens do activo face à que tenha sido apurada no ano de aquisição desses bens tendo subjacente que o método utilizado para o direito à dedução nesses ativos não é alterado.
As regularizações previstas nos artigos 25.º e 26.º, ambos do Código do IVA, não podem igualmente constituir suporte para qualquer alteração do método de dedução utilizado inicialmente.
(…)
Excluída que está a possibilidade de alterar retroactivamente o método de cálculo de dedução relativamente a bens de utilização mista, bem como de poderem ser corrigidos retroactivamente os cálculos relacionados com a determinação da percentagem de dedução ou da dedução efectuada com base em critérios objectivos (método de afectação real) com fundamento nos artigos 23.º a 26.º, importa analisar o conteúdo do n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA.
(…)
Entende-se que a expressão “erros materiais ou de cálculo” nos registos ou nas declarações periódicas se reporta primordialmente a erros de transposição dos dados dos documentos de suporte para a contabilidade ou desta para a declaração periódica ou erros aritméticos cometidos na contabilidade ou nas declarações.
Refira-se que esta interpretação encontra também sustentação nas notas explicativas do Código do IVA que (…) evidenciam que “aqui estão em causa erros que não alteram o direito à dedução do cliente; trata-se pois de um erro interno da empresa, que resultará normalmente em erros de transcrição das facturas para os registos ou dos registos para a declaração”.
Decorre do que antecede não existir suporte legal que permita ser autorizada uma alteração retroactiva do método do cálculo do direito à dedução inicial referente a bens e serviços de utilização mista, com fundamento no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA, já que esta escolha (…) só pode ser feita para a cada aquisição de bens ou serviços no momento em que se constitui o direito à dedução nas condições previstas no n.º 1 do artigo 20.º, no n.º 1 do artigo 22.º e no artigo 23.º do Código do IVA.
Com efeito, decorre da redacção do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA que as correcções do cálculo da percentagem de dedução, assim como as correcções ao cálculo da dedução efectuada com base em critérios objectivos (método da afectação real), devem ser concretizadas no final do ano em causa e devem ser reflectidas na declaração periódica referente ao último período do ano em causa.
O n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA não constitui base legal para qualquer correcção retroactiva do cálculo da percentagem da dedução ou cálculo da dedução efetuada com base em critérios objectivos (método da afectação real).
Consequentemente, discordando da liquidação de IVA, e passado o prazo previsto no n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, podia o sujeito passivo na data em que ocorram os factos reclamar dessa liquidação ou impugná-la judicialmente com os fundamentos e nos termos previstos no artigo 131.º do Código de Procedimento e Processo Tributário”.
I) No âmbito do procedimento inspectivo foi solicitado à Requerente a indicação da percentagem de dedução de IVA utilizada ao longo do ano de 2015, bem como a percentagem de dedução definitiva, tendo a Requerente informado, em resposta, que durante o ano de 2015 foi utilizada provisoriamente a percentagem de 3% para efeitos de dedução do IVA incorrido e a percentagem de dedução definitiva cifrou-se em 4%.
J) Na sequência da correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária, a Requerente foi notificada, por despacho exarado em 4 de Dezembro de 2018, da liquidação adicional de IVA n.º 2018... .
K) Da notificação referida em J) consta a menção de que se poderá deduzir, no prazo de 120 dias, reclamação graciosa a apresentar no competente Serviço de Finanças, ou, no prazo de três meses, impugnação judicial, a apresentar nos competentes Tribunal Tributário ou Serviço de Finanças, nos termos dos artigos 70.º e 102.º e seguintes do CPPT.
L) A notificação referida em J) foi enviada com aviso de recepção em 4 de Dezembro de 2018.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira e na alegação de factos não questionados.
Matéria de direito
5. A Requerente apresentou, em 1 de fevereiro de 2018, uma declaração de substituição para corrigir a percentagem de dedução de IVA relativamente a bens de utilização mista, por referência ao período 2015/12, da qual resultaria um montante de imposto a deduzir superior ao apurado na declaração periódica mensal enviada, relativamente a esse período de tributação, em 10 de fevereiro de 2016.
A Autoridade Tributária não admitiu a alteração da percentagem de dedução do imposto por considerar que a regularização das deduções efectuadas devem constar da declaração periódica do último período do ano a que respeitam, segundo o disposto no n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, e que não havia lugar, nas circunstâncias do caso, à regularização a que se referem os artigos 24.º a 26.º, 78.º, n.º 6, e 98.º, n.º 2, desse diploma. E, assim sendo, decorrido o prazo previsto naquela disposição, competia ao sujeito passivo reagir contra o acto de liquidação de IVA por via da reclamação graciosa ou da impugnação judicial nos termos do artigo 131.º do CPPT.
Argumenta a Requerente que a correcção do IVA deduzido pelos sujeitos passivos mistos, pode ocorrer não apenas nos termos do artigo 23.º, n.º 6, do Código do IVA, mediante a rectificação a efectuar na declaração do último período do ano a que respeita, mas também por via da correcção de erros materiais ou de cálculo no prazo de dois anos a contar do nascimento do direito à dedução, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 6, do Código do IVA, ou através do exercício do direito à dedução no prazo de quatro anos quando haja imposto entregue em excesso como prevê o artigo 98.º, n.º 2, do mesmo Código.
E, desse modo, a Requerente entende que, não tendo sido possível regularizar a liquidação de imposto superior ao devido na última declaração periódica do ano, haveria de ter-se em consideração o prazo de caducidade de dois anos para a correcção de erros materiais e de cálculo (artigo 78.º, n.º 6) ou o prazo de caducidade de quatro anos para a correcção de erros de direito (artigo 98.º, n.º 2), vindo a concluir que a negação do direito à dedução por incumprimento de meras obrigações formais, viola o princípio da neutralidade fiscal em matéria de IVA, bem como o princípio da proporcionalidade, e ainda a obrigação da convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa, em aplicação do disposto no artigo 59.º, n.º 5, do CPPT.
Para um melhor enquadramento das questões que vêm colocadas, interessa ter presente as disposições que estabelecem mecanismos de correcção do imposto que tenha sido objecto de dedução.
O artigo 23.º do Código do IVA estabelece os “métodos de dedução relativa a bens de utilização mista”, contemplando o método de afectação real, pelo qual o sujeito passivo efectua a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados (n.º 1, alínea a)), e o método de dedução pro rata em que o sujeito passivo efectua a dedução na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução (n.º 1, alínea b))). O n.º 2 define os critérios através dos quais pode ser efectuada a dedução segundo a afectação real e o n.º 4 estipula que a percentagem de dedução pro rata resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica.
O n.º 6 desse mesmo artigo prevê ainda que a “percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efectuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objectivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afectação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efectuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita”.
Por sua vez, o artigo 78.º, referindo-se a “Regularizações”, no seu n.º 6, estabelece o seguinte:
A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 55.º nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.
E, por fim, o artigo 98.º, sob a epígrafe “Revisão oficiosa e prazo do exercício do direito à dedução”, na parte que mais interessa considerar, dispõe nos seguintes termos:
1- Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária.
2- Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente.
O âmbito aplicativo de qualquer destes preceitos não parece ser de difícil compreensão e tem sido objecto de análise jurisprudencial.
Nos termos do n.º 6 do artigo 23.º, a percentagem de dedução, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, será corrigida de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reporta, havendo lugar à correspondente regularização das deduções na declaração do último período do ano a que respeita. Assim, se o sujeito passivo utilizou um pro rata provisório de 3% ao longo do exercício e constatou que o pro rata definitivo era de 4%, irá proceder, nessa declaração, à regularização a seu favor de 1% sobre o montante total do IVA dedutível.
O artigo 78.º contempla ainda possibilidade de regularização do imposto nas situações aí previstas, com reflexo nas deduções que tenham sido efectuadas pelos sujeitos passivos, e, de entre elas, a correcção de erros materiais ou de cálculo (n.º 6). Como resulta do preceito, por efeito da remissão para os artigos 44.º e 51.º, por um lado, e para o artigo 41.º, por outro, as correcções podem incidir sobre erros ocorridos nos registos contabilísticos ou nas declarações periódicas. Haverá de tratar-se, em todo o caso, de lapsos materiais ou de cálculo que o artigo 95.º-A, n.º 2, do CPPT especifica, por referência à correcção de erros cometidos pela administração tributária, como sendo “os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexatidão ou lapso”.
Por outro lado, a correcção, em aplicação desse dispositivo, só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, se conta a partir do momento em que o imposto dedutível se torna exigível.
No artigo 98.º prevê-se ainda a possibilidade de revisão do acto tributário por iniciativa da Administração quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido (n.º 1), fixando o n.º 2 um prazo de quatro anos para o exercício do direito à dedução após o momento em que a dedução poderia ocorrer.
Por efeito da remissão efectuada na parte final do n.º 1 do artigo 98.º, esta disposição carece, no entanto, de ser interpretada conjugadamente com o artigo 78.º da LGT, que, no seu n.º 1, admite que a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou “possa ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”. E, por outro lado, o n.º 3 esclarece que a revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1 tem lugar “independentemente de se tratar de erro material ou de direito”. E como decorre ainda do n.º 7 desse artigo, a lei abre a possibilidade de a revisão oficiosa, com fundamento em erro imputável aos serviços, ser efectuada a pedido do contribuinte (cfr., neste sentido, acórdãos do STA de 14 de Março de 2012, Processo n.º 01007/11, e de 13 de Março de 2013, Processo n.º 01183/12).
À luz de todas estas disposições, é possível reter o seguinte conjunto de regras: (a) a correcção de erros materiais ou de cálculo pode ser efectuada no prazo de dois anos que, no caso do direito à dedução, se conta a partir do momento em que é possível exercer o direito; (b) há lugar à revisão oficiosa quando se verifique um erro material ou um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da Administração Tributária e que o erro seja imputável a esses serviços, e, como tal, não decorra de uma errada informação ou declaração que seja atribuível do contribuinte; (c) a revisão oficiosa pode ser desencadeada no prazo de quatro anos após a liquidação (ou a todo o tempo se o imposto não tiver sido pago), por iniciativa da Administração ou a pedido do contribuinte; (d) o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso, só pode ser exercido no prazo de quatro anos, a contar do momento em que o direito poderia ser exercido ou do pagamento do imposto.
O limite temporal estabelecido para o pedido de revisão e para o exercício do direito de dedução ou de reembolso do imposto pago em excesso, encontra-se justificado por razões de segurança jurídica (cfr. citado acórdão do STA de 13 de Março de 2013). Por outro lado, quando o erro de liquidação for da responsabilidade do contribuinte o meio procedimental adequado será a apresentação de reclamação graciosa no prazo de 120 dias, a contar de qualquer dos factos mencionados no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, como prevê o artigo 70.º, n.º 1, desse diploma (cfr. JESUÍNO ALCÂNTARA MARTINS, Código do IVA e do RITI. Notas e Comentários, coordenação de Clotilde Celorico Palma, Coimbra, 2014, pág. 505).
6. Revertendo ao caso concreto, importa desde já extrair algumas conclusões face à matéria de facto dada como assente.
Em primeiro lugar, no presente pedido arbitral, a Requerente impugnou o acto de liquidação adicional de IVA resultante da não aceitação da declaração de substituição, e não qualquer outro acto tributário de indeferimento de um pedido de correcção de erros materiais ou de cálculo, que pudesse ser accionado ao abrigo do artigo 78.º, n.º 6, do Código do IVA, ou de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa que tivesse sido requerido nos termos dos artigos 78.º, n.º 1, da LGT e 98.º, n.º 2, do Código do IVA.
Em segundo lugar, a declaração de substituição apresentada pela Requerente baseia-se num erro de quantificação do pro rata, que poderia ser corrigida na declaração periódica referente ao último período do ano, em aplicação do disposto no artigo 23.º, n.º 6, do Código do IVA. Com efeito, a correcção não foi determinada por erro material ocorrido nos registos contabilísticos ou por um erro de cálculo sobre a percentagem a considerar, mas por um erro de direito resultante de, na autoliquidação do imposto, ter sido deduzido menos imposto do que o devido, por incorrecta aplicação do pro rata. Como se reconhece no acórdão do STA de 28 de Junho de 2017, Processo n.º 01427/14, a especificidade do método pro rata consiste no facto de o direito à dedução ser proporcional ao valor das operações tributáveis e isentas com direito à dedução sobre o total do volume de negócios, pelo que a quantificação do imposto a deduzir, corresponde a uma operação juridicamente complexa, de tal modo que o erro na percentagem aplicável não pode ser reconduzido a um mero lapso material ou de cálculo, mas a um erro de direito (neste mesmo sentido, o Acórdão do TCA Sul de 28 de Setembro de 2017, Processo n.º 263/16).
Estando em causa um erro de direito imputável ao contribuinte, a Requerente não poderia recorrer ao mecanismo de regularização previsto no artigo 78.º, n.º 6, nem ao pedido de revisão a que se refere o artigo 98.º, que, como se viu, são aplicáveis às situações em que ocorre um erro material ou de cálculo ou um erro de direito imputável à Administração.
A Requerente invoca, no entanto, que a Administração violou o dever de convolação previsto no artigo 59.º, n.º 5, do CPPT.
Dispõe este preceito que, “nos casos em que os erros ou omissões a corrigir decorram da divergência entre o contribuinte e o serviço na qualificação de actos, factos ou documentos invocados, em declaração de substituição apresentada no prazo legal para a reclamação graciosa, com relevância para a liquidação do imposto ou fundada dúvida obre a existência dos referidos actos, factos ou documentos, o chefe das finanças deve convolar a declaração de substituição em reclamação graciosa da liquidação, notificando da decisão o sujeito passivo.” O subsequente n.º 6 acrescenta que “da apresentação das declarações de substituição não pode resultar a ampliação dos prazos de reclamação graciosa, impugnação judicial ou revisão do acto tributário que seriam aplicáveis caso não tivessem sido apresentadas”.
Daqui resulta, com evidência, que a falada convolação apenas tem lugar quando seja apresentada no prazo legalmente previsto para deduzir a reclamação graciosa, prazo esse que se afigura ser de 120 dias a contar da notificação do acto tributário.
De facto, o artigo 102.º, n.º 1, do CPPT, aplicável à reclamação graciosa por remissão do artigo 70.º, n.º 1, do CPPT, fixa como termo a quo do prazo para impugnação judicial, entre outras ocorrências que não interessa considerar, o termo do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária (alínea a)), bem como a notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação (alínea b)). No caso concreto, a declaração periódica de IVA foi apresentada em 10 de Fevereiro de 2016, correspondendo a uma autoliquidação de imposto, e a declaração de substituição foi entregue em 1 de Fevereiro de 2018.
Sendo assim, tendo sido apresentada a declaração de substituição mais de 120 dias depois do momento em que poderia ser exercido o direito à dedução, que ocorreu em 10 de Fevereiro de 2016, não poderia haver lugar à convolação em reclamação graciosa, em aplicação do disposto no artigo 59.º, n.º 5, do CPPT, porquanto a convolação tem como pressuposto que a declaração de substituição seja apresentada dentro do prazo legalmente previsto para a reclamação.
A contagem do prazo a partir da notificação da liquidação justifica-se, por outro lado, porque a correcção baseou-se na não aceitação da declaração de substituição que visava obter a dedução de imposto superior à considerada na declaração periódica inicial. Não há, por isso, imposto a pagar pelo que não é aplicável a regra da alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º.
Sendo assim, tendo sido apresentada a declaração de substituição no dia 1 de Fevereiro de 2018, nada obstava que fosse convolada em reclamação graciosa nos termos do artigo 59.º, n.º 5, do CPPT, visto que nessa data não tinha ainda decorrido o prazo de 120 dias para a reclamação graciosa, contado da notificação do acto tributário de liquidação.
O pedido mostra-se pois procedente com este fundamento, ficando consequentemente prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos invocados.
Reembolso do imposto pago e juros indemnizatórios
Em alegações, a Requerente pede, além da anulação do acto impugnado, a restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, contados desde a data do pagamento indevido e até à data da sua efetiva e integral restituição.
Ainda que o reembolso do imposto pudesse considerar-se, em geral, como um efeito da anulação contenciosa do acto tributário, enquadrável no dever de reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT), a condenação no pagamento de juros indemnizatórios constitui um pedido autónomo que deveria ter sido formulado na petição inicial com a exposição dos factos que constituem a causa de pedir.
Acresce que a procedência do pedido arbitral assenta na violação do artigo 59.º, n.º 5, do CPPT e tem como necessária decorrência a convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa, pelo que só na sequência desse procedimento tributário é que pode considerar-se verificada a situação de pagamento indevido de imposto, por erro imputável aos serviços, que torne justificável o pagamento de juros indemnizatórios e a restituição do imposto.
III – Decisão
Termos em que se decide julgar procedente o pedido arbitral e anular o acto de liquidação impugnado.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 138.440,18, que não foi contestado pela Requerida e que corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00,00 que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 2 de Outubro de 2019
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
Júlio Tormenta
O Árbitro vogal
Nuno Maldonado Sousa