Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 145/2019-T
Data da decisão: 2019-10-16  IRC  
Valor do pedido: € 33.576,26
Tema: IRC – Dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR); artigos 27.º a 34.º do Código Fiscal do Investimento.
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DECISÃO ARBITRAL  (consultar versão completa no PDF)

 

                I. RELATÓRIO

1. No dia 04 de março de 2019, A..., S. A., NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ..., ..., (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:

- Declaração de ilegalidade e anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2018..., da liquidação de juros compensatórios n.º 2018 ... e da demonstração de acerto de contas n.º 2018..., no montante de € 33.576,26, atinentes ao ano de 2014;

- Declaração de ilegalidade e anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018...;

- Restituição do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento até à data do seu integral reembolso.

 

A Requerente juntou 11 (onze) documentos e arrolou 2 (duas) testemunhas, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), a Requerente faz assentar a impugnação dos atos tributários controvertidos, sumariamente, no seguinte:

Apresentou, tempestivamente, a declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, referente ao ano de 2014, tendo deduzido o valor de € 10.000,00 a título de benefício fiscal de dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR).

Em 31.05.2016, apresentou declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, referente ao ano de 2014, de substituição, tendo deduzido no quadro 10 e campo 355 – benefícios fiscais, o valor de € 28.908,47, respeitante ao benefício fiscal de DLRR.

Assim, deduziu à coleta de IRC do ano de 2014, o valor de € 28.908,47, em conformidade com os artigos 27.º a 34.º do Código Fiscal do Investimento, anexo ao Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro.

Posteriormente, a Requerente foi objeto de uma ação de inspeção tributária, na sequência da qual foram efetuadas correções à matéria tributável de IRC do ano de 2014, tendo então sido emitidos os atos de liquidação controvertidos.

 Por não concordar com aquelas liquidações, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra as mesmas, a qual foi indeferida.

Contrariamente ao alegado pela inspeção tributária, a reserva criada em 2015, para efeitos de aplicação do regime de DLRR, foi de € 289.084,72 – a qual se mantém atualmente no capital próprio da empresa –, pelo que a dedução efetuada (€ 28.908,47) enquadra-se no limite legal de 10% da reserva criada, tornada indisponível e contabilizada de forma autónoma como é legalmente exigido; ademais, foram efetuados os investimentos subjacentes.

Entende, pois, a Requerente que foram cumpridos todos os requisitos previstos na lei para a atribuição do benefício de DLRR: lucros retidos, investimento e percentagem do benefício.

Assim, o lucro real, a matéria coletável real e as reservas reais são as que constam da declaração de substituição de IRC, atinente ao ano de 2014, que foi apresentada.

A Requerente afirma, ainda, que a AT não colocou em causa a sua contabilidade e não aplicou métodos indiretos, o que é sinal da correção técnica dos respetivos elementos contabilísticos que, por isso, devem ser tidos em conta no apuramento do lucro tributável da Requerente; deve, pois, a Requerente ser tributada de acordo com a sua contabilidade, em conformidade com o princípio da tributação das empresas pelo lucro real, tal como previsto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP. 

Por outro lado, a liquidação adicional de IRC impugnada viola o princípio da legalidade fiscal, pois os benefícios fiscais estão abrangidos pelo artigo 103.º, n.º 2, da CRP que consagra aquele princípio; desta forma, sustenta a Requerente que os benefícios fiscais só podem ser restringidos ou reduzidos por meio de lei, não o podendo ser por mera decisão da AT.

A Requerente sustenta, em conclusão, que as liquidações impugnadas padecem de vício de violação de lei e violação do princípio da legalidade fiscal.

Noutra ordem de considerações, alega a Requerente que não resulta do relatório de inspeção tributária qualquer fundamentação para a conclusão de que só deveria ser aceite como DLRR o valor de € 10.000,00 e não de € 29.908,47, uma vez que a Requerente cumpriu os requisitos previstos na lei.

Com efeito, diz a Requerente que o relatório de inspeção tributária não refere em momento algum que não foi cumprido algum ou alguns dos requisitos legalmente previstos quanto à DLRR, pelo que se verifica um vício de fundamentação, nos termos do artigo 77.º da LGT.

 Mais afirma a Requerente que compulsada a fundamentação tecida pela AT, não se pode deixar de concluir que as correções em apreço não se encontram devidamente fundamentadas, apresentando traços característicos de uma manifestação de arbítrio.

 A finalizar, a Requerente alega que está a proceder ao pagamento do imposto liquidado, pelo que requer que lhe sejam pagos juros indemnizatórios à taxa legal a contar do pagamento, nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 07 de março de 2019.

               

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 22 de abril de 2019, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 14 de maio de 2019.

 

5. No dia 14 de junho de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente e concluiu pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

 

A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).

 

6. A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, nos seguintes argumentos:

                Conforme previsto pela alínea a) do artigo 89.º do CIRC, a Requerente procedeu à liquidação do IRC relativamente ao período de tributação de 2014 mediante a entrega da declaração periódica de rendimentos modelo 22, no dia 22 de maio de 2015.

Nesta declaração de rendimentos, na parte que aqui importa considerar, a Requerente declarou um resultado liquido de € 392.605,49, matéria coletável na importância de € 511.064,70, coleta total no montante de € 116.644,88 e deduziu à coleta a titulo de benefícios fiscais o montante de € 10.000,00, concretamente a título de dedução por lucros retidos e reinvestidos pelas PME (artigos 27.º a 34.º do CFI) conforme declarado no campo 727 do quadro 075 do anexo D à declaração periódica de rendimentos modelo 22.

                Em 14 de julho de 2015, a Requerente procedeu à entrega da declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES), nos termos do artigo 121.º do CIRC, em que, relativamente à matéria objeto dos presentes autos, declarou no respetivo quadro 07, referente à deliberação de aprovação de contas, que as contas foram aprovadas em assembleia universal e que a deliberação de aprovação de contas está devidamente titulada, nos termos previstos pelo artigo 63.º do CSC, tendo ainda indicado mais especificamente com referência à aplicação dos resultados, conforme deliberação que aprovou as contas do período, que os resultados líquidos do ano de 2014, previamente transferidos para resultados transitados no montante de € 392.605,49, seriam aplicados da seguinte forma (ata n.º 39 de 31/03/2015, constante do livro de atas da sociedade): DLRR – € 100.000,00; reserva legal – € 14.630,27; distribuição de resultados – € 160.933,03; reservas livres – € 117.042,20.             

                Vem, posteriormente, a Requerente mencionar a existência de outra ata (avulsa), não numerada e que não consta do livro de atas da sociedade, alterando a aplicação dos resultados do ano de 2014, nomeadamente quanto à alteração do montante dos lucros de 2014 a reter para serem reinvestidos nos termos e condições previstas nos artigos 27.º a 34.º do CFI, dos € 100.000,00 deliberados anteriormente para € 289.084,72.

Em 31 de maio de 2016, a Requerente procedeu à entrega de declaração periódica de rendimentos de substituição relativa ao mesmo período de tributação, em que somente aumentou o valor da dedução à coleta a título de benefícios fiscais para o montante de € 28.908,47, tendo sido emitida pela AT, consequentemente a correspondente liquidação de IRC (reembolso) nº 2016..., de 06/06/2016.

A Requerente não procedeu à entrega de outra IES (de substituição) referente ao período de tributação de 2014.

Relativamente à referida ata avulsa, a Requerida salienta que uma ata que não esteja exarada no livro de atas não tem qualquer valor legal enquanto prova documental das deliberações dos sócios, atribuindo-lhe a lei apenas o valor de princípio de prova (cf. artigo 63.º, n.º 7, do CSC), não servindo para efetuar qualquer registo.

A Requerida afirma, ainda, que se verifica que, tendo a Requerente, relativamente ao período de tributação de 2014, obtido lucros de € 392.605,49, dos quais distribuiu aos acionistas € 117.042,20 e reforçado a reserva legal em € 5.387,04, apenas restam € 270.176,25 para efeitos de reforço da reserva especial DLRR e nunca o montante de € 289.084,72 alegadamente retido para efeitos de DLRR.

A Requerida salienta também que a Requerente entregou a IES referente a 2014 em14 de julho de 2015, declarando, para todos os efeitos legais, ter deliberado em assembleia universal a retenção de lucros de 2014 no montante de € 100.000,00, e não € 289.084,72, para efeitos de reinvestimento nos termos e condições previstas nos artigos 27.º a 34.º do CFI e para que pudesse usufruir, em 2014, de uma dedução à coleta de IRC correspondente a 10% daquele montante; ora, decorre da norma fiscal que, no ano de 2014 (ano da dedução à coleta), embora a reserva especial não figure do balanço respeitante a 31de dezembro de 2014, deve constar da respetiva IES/DA que, ao serem aprovadas as contas de 2014, foi deliberada a aplicação em reserva especial de uma parcela dos lucros apurados nesse ano. No caso concreto, a IES nunca foi corrigida pela Requerente.

                Nesta sequência, a Requerida conclui que a mencionada ata avulsa foi elaborada depois de as contas de 2014 estarem encerradas e apenas com o intuito de conformar o benefício fiscal DLRR de 2014, já declarado para efeitos legais e fiscais, ao montante do investimento efetuado em 2015 que, alegadamente, é elegível para efeitos de DLRR, procedimento totalmente oposto ao que as normas legais aplicáveis preveem.

Os Serviços de Inspeção Tributária, na sequência do aludido procedimento inspetivo, corrigiram esta dedução à coleta (€ 28.908,47), a título de benefícios fiscais DLRR, reduzindo-a para o valor declarado pela Requerente na autoliquidação de IRC, € 10.000,00, por violação das normas que regem aquele benefício fiscal, nomeadamente do disposto pelos artigos 29.º e 30.º do Código Fiscal do Investimento, conforme fundamentação constante do relatório de inspeção tributária que lhe foi notificado.

No tocante à arguida falta de fundamentação, a Requerida sustenta que, como decorre do teor do pedido, assim como de toda a atuação da Requerente, tendo em conta que deitou mão aos meios procedimentais ao seu dispor e agora, em sede processual, discute todos os argumentos utilizados pela AT, seja de facto ou de direito, é por demais evidente que conhece e compreende o porquê da decisão ter sido no sentido em que foi e não noutro qualquer.

Com efeito, se a Requerente vem discutir toda a argumentação constante no RIT e na decisão da reclamação graciosa é porque compreendeu a mesma plenamente, seja a fundamentação de facto ou a fundamentação de direito. Tal como é evidente ter compreendido os seus efeitos, designadamente no que diz respeito ao enquadramento legal das suas falhas e consequências, isto é, as correções efetuadas ao seu IRC no exercício de 2014, ou por outras palavras os seus efeitos no apuramento da matéria coletável de imposto no exercício de 2014.

Portanto, ao colocar em crise os atos tributários, tanto a nível factual como a nível de enquadramento jurídico, a Requerente demonstra que tem pleno conhecimento da fundamentação de facto e de direito que subjazem à liquidação adicional aqui em apreço.

                Assim, esta liquidação está devidamente fundamentada de facto e de direito em cumprimento do disposto pelo artigo 77.º da LGT, tanto mais que, caso existisse alguma insuficiência na fundamentação legalmente exigida, sempre poderia a Requerente ter requerido a notificação dos requisitos omitidos ou a passagem de certidão que os contivesse nos termos do n.º 1 do artigo 37.º do CPPT, o que no presente caso não ocorreu.

 

7. Por despacho de 04 de julho de 2019, foram as partes notificadas da designação da data para a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e para a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente.

 

8. No dia 20 de setembro de 2019, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT – na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por inteiramente reproduzida, tendo sido, então, fixado o dia 14 de novembro de 2019 como data limite para a prolação da decisão arbitral –, tendo-se, ainda, procedido à produção de prova testemunhal.

 

9. A Requerente apresentou alegações escritas, de facto e de direito, nas quais reiterou a posição anteriormente assumida no pedido de pronúncia arbitral.    

***

                II. SANEAMENTO

10. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO 

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

11. Consideram-se provados os seguintes factos:

a) A Requerente é uma sociedade comercial que está inscrita, desde 07.10.1997, para o exercício da atividade de comércio a retalho de eletrodomésticos em estabelecimento específico, a que corresponde o CAE 47540. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]  

b) A atividade principal efetivamente exercida pela Requerente é a venda de material elétrico e seus afins para o setor industrial, comercial e residencial, tendo em 2008 aberto uma loja a retalho, denominada “...”, para a venda de material elétrico, iluminação, bricolage, proteção e segurança, casa e jardim. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]

c) No dia 31 de março de 2015, reuniu a Assembleia Geral da Requerente, na qual foi deliberado aprovar quer o Relatório de Gestão e as contas do exercício de 2014, quer a seguinte aplicação do resultado líquido do exercício de 2014, no montante de € 392.605,49: lucros retidos (DLRR) - € 100.000,00; reserva legal - € 14.630,27; distribuição de resultados - € 160.933,02; e reservas livres - € 117.042,20. [cf. PA]

d) As referidas deliberações constam da Ata n.º 39, lavrada a fls. 45 e 45 verso do respetivo livro de actas da assembleia geral da Requerente. [cf. PA]

e) Em 22 de maio de 2015, a Requerente entregou a declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao período de tributação de 2014, identificada com o n.º..., na qual, além do mais e tendo apenas por referência a matéria em causa nestes autos, declarou um resultado líquido de € 392.605,49, matéria coletável no montante de € 511.064,70, coleta total no montante de € 116.644,88 e deduziu à coleta a título de benefícios fiscais – concretamente, dedução por lucros retidos e reinvestidos pelas PME (doravante, DLRR) – o montante de € 10.000,00, conforme declarado no campo 727 do quadro 075 do respetivo anexo D. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]

f) Esta declaração Modelo 22 de IRC, atinente ao ano de 2014, foi confirmada pela AT e, sequentemente, foi emitida a liquidação de IRC n.º 2015..., de 09.07.2015. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]

g) Em 14 de julho de 2015, a Requerente procedeu à entrega da declaração anual de informação contabilística e fiscal (doravante, IES/DA), relativa ao exercício de 2014, identificada com o n.º 2014..., na qual, além do mais e tendo apenas por referência a matéria em causa nestes autos, declarou no quadro 07 referente à deliberação de aprovação de contas, que estas foram aprovadas em assembleia universal e que a respetiva deliberação de aprovação está devidamente titulada, nos termos previstos no artigo 63.º do CSC, tendo ainda indicado com referência à aplicação dos resultados, conforme deliberação que aprovou as contas do período, que os resultados líquidos do ano de 2014, previamente transferidos para resultados transitados, no montante de € 392.605,49, seriam aplicados da seguinte forma [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]:   

 

h) Em 31 de maio de 2016, a Requerente entregou uma declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC de substituição, relativa ao período de tributação de 2014, identificada com o n.º..., na qual aumentou o valor da dedução à coleta a título de benefícios fiscais (DLRR) para € 28.908,47. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]

i) Sequentemente, a AT emitiu a liquidação de IRC n.º 2016..., de 06.06.2016. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]    

j) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2017..., a Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, de âmbito geral e com extensão ao ano de 2014, efetuado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., tendo em vista proceder à análise do cumprimento das respetivas obrigações tributárias. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]

k) No âmbito desse procedimento inspetivo, concretamente em 02.02.2018, a Requerente remeteu aos respetivos Serviços de Inspeção Tributária um documento intitulado “Acta Avulsa (Alteração da Acta n.º 39)” que aqui se dá por inteiramente reproduzido e em que é feita referência a uma reunião da Assembleia Geral da Requerente, ocorrida em 31 de maio de 2015, tendo por ordem de trabalhos “Ponto Único: Alteração da deliberação de aplicação e distribuição de resultados deliberada em 31 de Março de 2015” e na qual foi apresentada a proposta e tomada a deliberação seguintes [cf. PA]:

“De imediato tomou a palavra o Presidente do Conselho de Administração, B..., que expôs à Assembleia que, face aos projetos de investimento necessários ao desenvolvimento da empresa, propunha à Assembleia que fosse alterada a deliberação tomada na Assembleia Geral de Aprovação de contas de 31 de março de 2015, propondo que fosse reforçada a verba a cativar como reserva nos termos dos artigos 27.º a 34.º do Código de Investimentos.

Assim propôs que fosse anulada a deliberação tomada na Assembleia Geral de 31 de Março de 2015 e apresentou uma nova proposta de distribuição de resultados transitados, no montante de 411.513,96 € (quatrocentos e onze mil quinhentos e treze euros e noventa e seis cêntimos) da seguinte forma:

* Lucros Retidos em Reserva Especial (DLRR) — Eur.: 289.084,72 € (duzentos e oitenta e nove mil e oitenta e quatro euros e setenta e dois cêntimos)

* Reserva Legal - Eur.: 5.387,04 € (Cinco mil trezentos e oitenta e sete euros e quatro cêntimos)

* Distribuição de Dividendos - Eur.: 117.042,20 € (cento e dezassete mil e quarenta e dois euros e vinte cêntimos).

Depois de discutida a proposta de aplicação de resultados líquidos foi posta à votação, tendo sido aprovada por unanimidade.”       

l) Posteriormente, foi elaborado o respetivo projeto de Relatório de Inspeção Tributária (doravante, RIT) no qual, além do mais e tendo apenas por referência a matéria em causa nestes autos, foram propostas as seguintes correções em sede de IRC [cf. PA]:  

“III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.1. Correções em sede de IRC

(…)

III.1.2. CORREÇÕES AO CÁLCULO DO IMPOSTO

III.1.2.1. BENEFÍCIOS FISCAIS

Conforme referido no ponto II.4.8, o SP deduziu no quadro 10, campo 355 — Benefícios fiscais, da declaração modelo 22 do ano de 2014, o montante de 28.908,47 EUR, respeitante ao benefício fiscal da Dedução por Lucros Retidos e Reinvestido. Saliente-se que este valor foi o constante da declaração de substituição Modelo 22 entregue em 2016-05-31, sendo que na primeira declaração, entregue em 2015-05-22 o valor constante deste campo era de 10.000,00 EUR.

Analisando o Anexo D, verifica-se que este benefício fiscal resulta da Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos pelas PME (DLRR), sendo que na primeira declaração entregue constava o valor de 10.000,00 EUR e na declaração de substituição o SP alterou esse montante para 28.908,47 EUR, conforme os valores inscritos no quadro 075, do referido anexo:

Quadro 15 - Valores declarados no Anexo D – ano de 2014 (declaração de substituição)

 

Este incentivo fiscal consta do Capítulo IV - artigo 27.º ao 34.º do novo Código Fiscal do Investimento, anexo ao Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro.

O benefício fiscal da DLRR permite uma dedução à coleta de IRC, até ao limite de 25% da mesma, correspondente a 10% dos lucros retidos, que sejam reinvestidos em ativos elegíveis nos dois anos seguintes ao do termo do período de tributação a que correspondam os lucros retidos.

A dedução à coleta de IRC a efetuar por aplicação do benefício fiscal da DLRR é efetuada no período em que os lucros obtidos são retidos, através da criação de uma reserva especial prevista no artigo 32.º do Código Fiscal do Investimento.

Na ata n.º 39 de 2015-03-31, em que foram aprovadas as contas do ano de 2014, consta que:

 

Tendo sido aprovada a seguinte aplicação dos resultados líquidos do ano de 2014, no montante de 392.605,49 EUR, em:

DLRR - 100.000,00 EUR

Reserva legal - 14.630,27 EUR

Distribuição de resultados — 160.933,03 EUR

Reservas Livres - 117.042,20 EUR

Verifica-se que na declaração IES/DA, entregue em 2015-07-14, o SP declarou a seguinte aplicação de resultados:

Quadro 16 — Valores declarados na IES

 

Conforme já referido e disposto no artigo 29.º do CFI os sujeitos passivos que reúnam as condições para usufruir do DLRR, podem deduzir à coleta do IRC, nos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2014, até 10% dos lucros retidos que sejam reinvestidos em aplicações relevantes nos termos do artigo 30.0, no prazo de dois anos contado a partir do final do período de tributação a que correspondam os lucros retidos.

Tendo o SP considerado uma reserva no montante de 100.000,00 EUR de lucros retidos para investimento, de acordo com o disposto no artigo 29.º o montante a deduzir à coleta será de 10.000,00 EUR (10%).

Da análise à documentação suporte deste benefício fiscal, verificou-se que no ano de 2015 o SP efetuou investimentos no montante de 289.084,70 EUR, suportados pelos seguintes documentos:

Quadro 17 — Investimentos realizados ano de 2015

 

Perante estes investimentos efetuados no ano de 2015, o SP alterou o valor do benefício fiscal em 2016-05-30, submetendo uma nova declaração modelo 22 para o ano de 2014 onde considerou 10% do valor investido, como benefício fiscal. Ou seja, apesar de ter considerado no ano de 2014 uma reserva de lucros retidos para investimento no montante de 100.000,00 EUR, considerou como benefício fiscal, o montante 28.908,47 EUR, com base no investimento já efetuado, mediante a submissão de uma declaração modelo 22 de substituição.

Sendo que este procedimento por parte do SP contraria o disposto no artigo 29.º, uma vez que para usufruir deste benefício fiscal, o SP tem obrigatoriamente de criar uma reserva por conta de lucros retidos para investimentos, para ser utilizada em investimentos no período de 2 anos. O SP efetuou primeiro os investimentos e depois corrigiu o benefício fiscal. A modelo 22 de substituição foi submetida em 31-05-2016.

Confrontado com a irregularidade, o SP no dia 02 de fevereiro do ano de 2018, enviou via correio eletrónico, uma ata avulsa, datada de 31 de maio de 2015, que altera a ata n.º 39 (disponibilizada anteriormente pelo SP), onde considera um valor para reserva de lucros retidos para investimento de 289.084,72 EUR, valor exatamente igual ao valor do investimento ocorrido no final do ano de 2015 (a grande parte das faturas do investimento foram emitidas no mês de dezembro do ano de 2015). Esta ata não se encontra numerada nem consta do livro de Atas.

Perante a divergência entre a ata de aprovação das contas de 2014 (de 31-03-2015), da aplicação de resultados declarados pelo SP na IES, submetida em 2015-07-17 e dos valores constantes da referida “ata avulsa”, cuja data é supostamente anterior àquela (2015-05-31), conclui-se aquela foi elaborada com o intuito de ajustar o benefício fiscal de 2014 ao investimento efetuado em 2015.

Contudo, decorre da norma fiscal que no ano de 2014 (ano da dedução à coleta), embora a reserva especial não figure do balanço respeitante a 31 de dezembro de 2014, deve constar da respetiva IES/DA que, ao serem aprovadas as contas de 2014, foi deliberada a aplicação em reserva especial de uma parcela dos lucros apurados nesse ano.

No caso em apreço, da IES de 2014, consta a aplicação em reserva especial do montante de 100.000,00 respeitante a lucros retidos de 2014

Quadro 18 — Comparação das propostas de distribuição de resultados

 

                Em face do quadro acima, verifica-se que estamos em face de uma Ata avulsa, que retifica à posteriori a Ata de distribuição de resultados aprovada em Assembleia Geral. Da referida Ata avulsa, o SP propõe anular a deliberação tomada na Assembleia Geral de 31 de março de 2015, aprovando uma nova proposta de distribuição de resultados transitados e não de distribuição do Resultado Líquido do exercício de 2014. Da IES consta a constituição de uma reserva especial de 100.000,00 em conformidade com a Ata aprovada em 31-03-2015 e não com a Ata avulsa datada de 31-05-2015, ambas com data anterior à submissão da IES.

Assim, conforme o exposto anteriormente, constata-se que o SP deduziu indevidamente à coleta o montante de 18.908,47 EUR.

(…)

III.3. Resumo correções propostas

III.3.1. Correções em sede de IRC

(…)

III.3.1.2. Cálculo do Imposto

Em conclusão, são propostas as seguintes correções à declaração de rendimentos modelo 22 do IRC, no quadro 10 – Cálculo do Imposto:

Quadro 21- Correções ao cálculo do imposto

 

m) Por ofício, datado de 19.02.2018, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., a Requerente foi notificada do projeto de RIT e para, querendo, exercer o direito de audição, o que fez, por escrito, nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos. [cf. PA]

n) Nessa sequência, foi elaborado o respetivo RIT, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual foram apreciados os argumentos aduzidos pela Requerente, em sede de direito de audição, tendo sido mantidas as projetadas correções ao IRC da Requerente, atinente ao ano 2014, supra referidas no facto provado l) e com a mesma fundamentação ali igualmente referenciada. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA] 

o) A Requerente foi notificada do RIT por ofício, datado de 21.03.2018, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... . [cf. PA] 

p) Posteriormente, foram emitidas a liquidação adicional de IRC n.º 2018 ..., a liquidação de juros compensatórios n.º 2018 ... e a demonstração de acerto de contas n.º 2018 ..., da qual resultou o montante total a pagar de € 33.576,26, referentes ao ano de 2014. [cf. documentos n.ºs 4, 5 e 6 anexos ao PPA] 

q) Em 10 de maio de 2018, a Requerente efetuou o pagamento tempestivo e integral do aludido montante de € 33.576,26. [cf. documento n.º 11 anexo ao PPA]

r) Em 06 de setembro de 2018, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra os atos tributários mencionados no facto provado p), nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, a qual foi autuada sob o n.º ...2018... e correu termos na Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de ... . [cf. documento n.º 7 anexo ao PPA e PA]

s) No âmbito daquele procedimento de reclamação graciosa, foi elaborado o projeto de decisão que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no sentido do respetivo indeferimento, com base na seguinte fundamentação [cf. PA]:

“Análise do pedido

Após consultado o processo de evidência de trabalho do procedimento inspetivo e respetivo relatório de inspeção (RIT), e tendo em conta as disposições legais, verifica-se que:

- A reclamante, submeteu a declaração de rendimentos do ano 2014, em 2015-05-22, na qual efetua dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR) no valor de €10.000,00 (campo 727 do anexo D);

- Em 2016-05-31 entrega uma declaração de substituição ao exercício de 2014, alterando o campo 727 do anexo D de €10.000,00 para €28.908,47;

- A declaração anual de informação empresarial simplificada (IES), apresentada em 2015-07-14, menciona o montante de €100.000,00 de outras aplicações dos resultados conforme deliberação que aprovou as contas do exercício (campo A0808);

- Os investimentos relevantes, para efeitos da DLRR, foram efetuados em 2015 e no montante de €289.084,72.

O benefício fiscal da DLRR permite uma dedução à coleta de IRC, até ao limite de 25% da mesma, correspondente a 10% dos lucros retidos, que sejam reinvestidos em ativos elegíveis nos dois anos seguintes ao do termo do período de tributação a que correspondam os lucros retidos.

A reclamante, aprovou em 2015-03-31 o relatório de contas do ano de 2014 (ata n.º 39), onde consta:

 

Tendo sido aprovada a seguinte aplicação dos resultados líquidos do ano de 2014, no montante de €392.605,49, em:

DLRR - €100.000,00

Reserva legal - €14.630,27

Distribuição de resultados - €l60.933,03

Reservas Livres - € 17.042,20

Esta é também a aplicação de resultados mencionada na IES de 2014, entregue em 2015-07-14.

Assim, de acordo com o n.º 1 do artigo 29.º do CFI “os sujeitos passivos (...) podem deduzir à cateta do IRC, nos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2014, até 10 % dos lucros retidos que sejam reinvestidos em aplicações relevantes nos termos do artigo 30.º, no prazo de dois anos contado a partir do final do período de tributação a que correspondam os lucros retidos.

Tendo o SP considerado uma reserva no montante de €100.000,00 de lucros retidos para investimento, de acordo com o disposto no artigo 29.º, o montante a deduzir à coleta será de €10.000,00 (10%).

Perante estes investimentos efetuados no ano de 2015, o SP alterou o valor do benefício fiscal em 2016-05-31, submetendo uma nova declaração modelo 22 para o ano de 2014 onde considerou 10% do valor investido, como benefício fiscal. Ou seja, apesar de ter considerado no ano de 2014 uma reserva de lucros retidos para investimento no montante de €100.000,00, considerou como benefício fiscal, o montante €28.908,47.

Assim, independentemente do valor do investimento relevante o benefício fiscal será de 10% da reserva efetuada para o efeito, o que de acordo com a ata n.º 39 de 2015-03-31, é de €100.000,00.

Como referido no RIT, este procedimento por parte do SP, contraria o objetivo deste benefício fiscal, ou seja a retenção de lucros na empresa para posterior reinvestimento. Sendo que no caso do SP efetuou primeiro o reinvestimento e posteriormente corrigiu o montante da reserva de lucros retidos para reinvestimento, de forma a poder usufruir de um benefício fiscal maior.

Portanto, não assiste razão à reclamante na sua pretensão de anulação da correção efetuada ao benefício fiscal de DLRR.

Quanto ao vício de falta de fundamentação, também aqui a reclamante não tem razão, uma vez que a correção é fundamentada com o plasmado no n.º 1 do artigo 29.º do CFI.

No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, e, tendo em conta que a liquidação está de acordo com as disposições legais referentes a este benefício, não haverá lugar ao pagamento dos mesmos.

(…)

Pelo exposto, propõe-se o indeferimento do pedido.”

t) Por ofício, datado de 06.11.2018, da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de ..., a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa e para, querendo, exercer o direito de audição, o que fez, por escrito, nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos. [cf. PA]

u) Posteriormente, por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de ... (por delegação de competências), datado 29 de novembro de 2018, foi proferida decisão de indeferimento da reclamação graciosa, com a fundamentação constante da informação datada de 27.11.2018 e que reproduz integralmente a supra referenciada no facto provado s). [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e PA] 

v) A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa por ofício, datado de 30.11.2018, da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de ..., recebido em 03.12.2018. [cf. documentos n.ºs 1 e 2 anexos ao PPA e PA] 

w) No Balanço e no Balancete Geral da Requerente, ambos reportados a 31.12.2015, está inscrita a verba de € 289.084,72, respetivamente, como “Reserva especial DLRR”, no âmbito do “Capital Próprio”, e na conta 55.2.9 “Reservas Especiais – Lucros Retidos DLRR”, a qual se mantém atualmente inscrita no capital próprio da Requerente. [cf. documentos n.ºs 4, 8 e 9 anexos ao PPA] 

x) No ano de 2015, a Requerente efetuou investimentos no montante de € 289.084,72, suportados pelos seguintes documentos [cf. PA]:

 

y) Em 04 de março de 2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

12. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultou provado que, em 31 de maio de 2015, tenha sido realizada a Assembleia Geral da Requerente, a que alude o documento intitulado “Acta Avulsa (Alteração da Acta n.º 39)”, referido no facto provado k).

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

13. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório de natureza documental (incluindo o processo administrativo) e testemunhal carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

Relativamente ao depoimento prestado pela única testemunha inquirida (a Requerente prescindiu da outra testemunha arrolada), C...– Revisor Oficial de Contas e sócio da SROC da Requerente, o qual depôs de forma objetiva e isenta sobre os factos aos quais foi inquirido, pelo que o seu depoimento nos mereceu credibilidade –, o mesmo corroborou, no essencial, a factualidade alegada pela Requerente, sobre a qual depôs (factos vertidos nos artigos 18, 19 e 25 a 35 do PPA), nada tendo aportado de substancialmente novo, designadamente face à documentação junta aos autos.

 

No tocante à factologia não provada, a mesma foi assim considerada atenta a ausência de quaisquer elementos probatórios que indubitavelmente a comprovassem.

 

Ainda neste conspecto, é certo que a Requerente remeteu aos respetivos Serviços de Inspeção Tributária o documento intitulado “Acta Avulsa (Alteração da Acta n.º 39)”, referido no facto provado k); no entanto, importa termos presente o seguinte, na esteira das palavras de J. M. Coutinho de Abreu (in Jorge M. Coutinho de Abreu (Coord.), Código das Sociedades Comerciais Em Comentário, Volume I (Artigos 1.º a 84.º), Almedina, Coimbra, 2010, pp. 713 e 719), em anotação ao artigo 63.º do CSC:

“Com respeito às deliberações dos sócios, a acta é definível como o registo em documento escrito das deliberações tomadas pelos sócios em assembleia ou por voto escrito e ainda de outros dados do respectivo procedimento deliberativo.

(…)

As actas têm essencialmente uma função certificativa. Atestam o que mais releva da actividade deliberativa, promovendo assim maior segurança no funcionamento societário e informação mais certa dos sócios. Nesta linha, mas exagerando, prescreve o n.º 1 do art. 63.º que as deliberações dos sócios tomadas em assembleia (…) “só podem ser provadas pelas actas” respetivas.

A acta particular em livro de actas tem o valor de prova bastante, cedendo perante contraprova (cfr. art. 346.º do CCiv.); a acta em documento particular avulso constitui “princípio de prova” (art. 63.º, 7, do CSC); a acta notarial tem força probatória plena, ilidível com base na sua falsidade (cfr. os arts. 371.º - 372.º do CCiv.).” 

 

Ainda segundo o mesmo autor (ibidem, pp. 713):

“Por regra, as actas particulares são lançadas em livro de actas (cfr. os arts. 31.º, 1, e 37.º do CCom.). (…)

No entanto, as actas particulares podem também constar de documentos particulares avulsos (art. 63.º, 4, 7, do CSC). (…) Embora não constando do livro de actas, é dever do órgão de administração inscrever nele (depois) menção de existência das mesmas (n.º 4 do art. 63.º).”

 

Assim, no tocante às designadas atas avulsas temos então que as mesmas apenas “constituem princípio de prova”, ou seja, “a prova em causa não é suficiente para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova” (Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex, Lisboa, 1995, pp. 200-204); são tais elementos de prova adicionais, quanto ao momento temporal em que foi realizada aquela assembleia geral, que aqui faltaram e que conduziram à não comprovação da mencionada factualidade.

 

Tanto mais que resulta incompreensível que aquela assembleia geral da Requerente tenha efetivamente ocorrido em 31 de maio de 2015 – tendo como ponto único da respetiva ordem de trabalhos a “Alteração da deliberação de aplicação e distribuição de resultados deliberada em 31 de Março de 2015” – e que a Requerente tenha indicado na IES/DA, entregue em 14 de julho de 2015, a aplicação do resultado líquido do ano de 2014 que foi aprovada na assembleia geral anual realizada em 31 de março de 2015, designadamente quanto ao montante a considerar para efeitos de DLRR (cf. factos provados c), g) e k)).

 

Ademais, não resultou apreensível – o que, naturalmente, teve influência na formação da nossa convicção no sentido da não comprovação da mencionada factualidade – a razão subjacente ao facto de se ter optado por uma ata avulsa, ao invés de a mesma ter sido exarada no respetivo livro de atas, uma vez que nada é alegado que o explique/justifique, designadamente que se desconhecia o paradeiro do livro de atas ou que o mesmo não foi disponibilizado aos membros da mesa da assembleia geral.    

 

III.2. DE DIREITO

§1. O THEMA DECIDENDUM

14. A questão de mérito submetida à apreciação deste Tribunal consiste, nuclearmente, em determinar se a correção efetuada pela AT, consubstanciada na redução em € 18.908,47 do valor deduzido pela Requerente à coleta de IRC, atinente ao exercício de 2014, a título de dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR), passando de € 28.908,47 para € 10.000,00, padece de vício de violação de lei, por errada interpretada e aplicação das normas legais que regem aquele benefício fiscal, designadamente do disposto nos artigos 28.º, 29.º, n.ºs 1, 2 e 3, 32.º e 33.º do Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro. 

 

As posições das partes quanto a esta questão já foram acima enunciadas sendo que, quanto à posição da AT, importa ter presente a fundamentação das correções que a AT efetuou ao IRC do exercício de 2014, subjacentes aos atos de liquidação (imposto e juros compensatórios) impugnados, vertida no RIT (cf. factos provados l) e n)) e que, no essencial, foi reiterada na fundamentação da decisão de indeferimento da aludida reclamação graciosa (cf. factos provados s) e u)).

 

A Requerente suscita, também, o vício de falta de fundamentação porque da “litura atenta de todo o relatório de inspeção constata-se que em momento algum a inspeção fundamentou a conclusão de que só deveria ser aceite como DLRR o valor de 10.000 € e não de 28.908,47 €” e porque o “relatório de inspeção não refere em momento algum que a Requerente não cumpriu algum ou alguns dos requisitos previstos e exigíveis na lei”; por isso, entende a Requerente que “[c]ompulsada toda a fundamentação tecida pela AT, não pode deixar de concluir-se que as correções em questão não se encontram devidamente fundamentadas, apresentando traços característicos de uma manifestação de arbítrio”.  

 

O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre os pedidos de reembolso do montante de imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

15. A Requerente argui a existência de diversos vícios invalidantes dos atos tributários controvertidos, quer materiais – violação das sobreditas normas legais que regem o benefício fiscal DLRR e violação dos princípios constitucionais da legalidade fiscal (artigo 103.º, n.º 1, da CRP) e da tributação das empresas pelo rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP) –, quer formais – falta de fundamentação dos atos de liquidação –, sem que entre eles tenha estabelecido uma relação de subsidiariedade.

 

O artigo 124.º do CPPT (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT) estatui o seguinte:

Artigo 124.º

Ordem do conhecimento dos vícios da sentença

1.            Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

2.            Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

a)            No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b)           No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.

 

Esta norma estabelece uma prioridade para o conhecimento dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

 

As regras emanadas desta norma legal sobre a ordem de conhecimento de vícios destinam-se a tutelar o interesse do impugnante com a máxima economia processual, omitindo pronúncia sobre vícios invocados quando o vício ou vícios já reconhecidos impedem a renovação do ato com o mesmo sentido. Efetivamente, o estabelecimento desta ordem de conhecimento dos vícios pressupõe que, conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do ato impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao ato, seria indiferente a ordem de conhecimento. Isto significa, pois, que o reconhecimento da existência de um vício implica que se considere prejudicado o conhecimento dos restantes vícios.

 

A tutela dos interesses ofendidos é mais estável quando a decisão impede a renovação do ato lesivo dos interesses do impugnante e será mais eficaz quando permitir ao interessado, em execução de julgado, obter uma melhor satisfação dos seus interesses, ofendidos pelo ato anulado. Assim sendo, é tendo em consideração a execução do julgado anulatório e a influência que nela tem o tipo de vício que fundamentou a anulação que se justifica o estabelecimento de uma ordem de conhecimento dos vícios do ato impugnado.

 

Revertendo para o caso dos autos, temos que nenhum dos vícios invocados pela Requerente pode ser considerado como proveniente de situações que possam determinar a nulidade dos atos tributários impugnados à luz dos critérios legais que os caracterizam; por outro lado, como foi dito, a Requerente não estabeleceu qualquer ordem de prioridade para esse conhecimento.

 

Destarte, as máximas estabilidade e eficácia na tutela dos interesses da Requerente impõem que comecemos pela apreciação dos citados vícios materiais – e, dentre estes, pelo de violação das sobreditas normas legais que regem o benefício fiscal DLRR, pois, a verificar-se, impedirá definitivamente a renovação dos atos tributários controvertidos –, após o que, caso se revele necessário, apreciaremos o vício de forma.

 

 

§2. A DEDUÇÃO POR LUCROS RETIDOS E REINVESTIDOS (DLRR)

 

§2.1. EVOLUÇÃO DO REGIME LEGAL

15. Até alcançar os seus atuais contornos, o regime legal da DLRR conheceu uma evolução legislativa de que, seguidamente, daremos conta; naturalmente que a apreciação jurídico-tributária da situação sub judice será efetuada tendo em consideração a redação das respetivas normas legais que estava em vigor à época dos factos.

 

O regime da DLRR foi instituído pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE para 2014), que aditou os artigos 66.º-C a 66.º-L ao Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

 

Posteriormente, a Lei n.º 44/2014, de 11 de julho, concedeu “ao Governo autorização legislativa para aprovar um novo Código Fiscal do Investimento, revogando o Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, e adaptando os regimes de benefícios fiscais ao investimento e à capitalização das empresas às novas regras europeias aplicáveis em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, tendo em vista a promoção da competitividade da economia portuguesa e a manutenção de um contexto fiscal favorável ao investimento, à criação de emprego e ao reforço dos capitais próprios das empresas, bem como para alterar o Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho” (artigo 1.º).

 

O sentido e extensão da referida autorização legislativa concedida ao Governo visou, além do mais, “alterar o benefício ao reinvestimento de lucros e reservas previsto nos artigos 66.º-C a 66.º-L do EBF, transferindo-o para o novo Código Fiscal do Investimento”, a fim de o mesmo passar “a estar integralmente estabelecido e regulado no novo Código Fiscal do Investimento” (artigo 2.º, n.ºs 1, alínea d), e 4, alínea e), da Lei n.º 44/2014).

 

Nessa sequência, foi publicado o Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, que aprovou um novo Código Fiscal do Investimento (CFI) e procedeu “à revisão dos regimes de benefícios fiscais ao investimento produtivo, e respetiva regulamentação, tendo em vista a promoção da competitividade da economia portuguesa e a manutenção de um contexto fiscal favorável ao investimento, à criação de emprego e ao reforço dos capitais próprios das empresas” (artigo 1.º).      

 

No respetivo preâmbulo é, além do mais, aduzido o seguinte que aqui importa respigar:

“Na sequência da reforma do IRC e com o objetivo de intensificar o apoio ao investimento, favorecendo o crescimento sustentável, a criação de emprego, e contribuindo para o reforço da estrutura de capital das empresas, o Governo propõe-se agora promover a revisão global dos regimes de benefícios ao investimento e à capitalização.

Neste contexto, o Governo considerou premente a revisão do Código Fiscal do Investimento de modo a, por um lado, adaptá-lo ao novo quadro legislativo europeu aplicável aos auxílios estatais para o período 2014-2020 e, por outro lado, reforçar os diversos regimes de benefícios fiscais ao investimento, em particular no que se refere a investimentos que proporcionem a criação ou manutenção de postos de trabalho e se localizem em regiões menos favorecidas.”

 

Por via deste diploma legal, foi, então, aprovado o novo CFI e foram revogados os artigos 66.º-C a 66.º-L do EBF, tendo o regime legal da DLRR passado a constar do Capitulo IV (Dedução por lucros retidos e reinvestidos) do CFI, composto pelos artigos 27.º a 34.º ; estas normas do CFI foram objeto de duas alterações legislativas introduzidas pelos artigos 284.º da Lei n.º 114/2017 (LOE para 2018), de 29 de dezembro e pelo artigo 301.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro (LOE para 2019).

 

No que a esta decisão interessa, as citadas normas do CFI, à data dos factos, estatuíam o seguinte:

Artigo 27.º

Objeto

A DLRR constitui um regime de incentivos fiscais ao investimento em favor de micro, pequenas e médias empresas nos termos do RGIC.

 

Artigo 28.º

Âmbito de aplicação subjetivo

Podem beneficiar da DLRR os sujeitos passivos de IRC residentes em território português, bem como os sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável neste território, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, que preencham, cumulativamente, as seguintes condições:

a) Sejam micro, pequenas e médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003;

b) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade;

c) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos;

d) Tenham a situação fiscal e contributiva regularizada.

 

Artigo 29.º

Dedução por lucros retidos e reinvestidos

1 - Os sujeitos passivos referidos no artigo anterior podem deduzir à coleta do IRC, nos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2014, até 10% dos lucros retidos que sejam reinvestidos em aplicações relevantes nos termos do artigo 30.º, no prazo de dois anos contado a partir do final do período de tributação a que correspondam os lucros retidos.

2 - Para efeitos da dedução prevista no número anterior, o montante máximo dos lucros retidos e reinvestidos, em cada período de tributação, é de (euro) 5 000 000,00, por sujeito passivo.

3 - A dedução prevista no número anterior é feita, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, até à concorrência de 25% da coleta do IRC.

(…)

 

Artigo 30.º

Aplicações relevantes

1 - Consideram-se aplicações relevantes, para efeitos do presente regime, os ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de:

a) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em projetos de indústria extrativa;

b) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo quando afetos a atividades produtivas ou administrativas;

c) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, barcos de recreio e aeronaves de turismo;

d) Artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística;

e) Ativos afetos a atividades no âmbito de acordos de concessão ou de parceria público-privada celebrados com entidades do setor público.

2 - Considera-se investimento realizado em aplicações relevantes o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso.

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, não se consideram as adições de ativos que resultem de transferências de investimentos em curso.

(…)

5 - As aplicações relevantes em que seja concretizado o reinvestimento dos lucros retidos devem ser detidas e contabilizadas de acordo com as regras que determinaram a sua elegibilidade, por um período mínimo de cinco anos.

(…)

 

Artigo 31.º

Não cumulação

1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a DLRR não é cumulável, relativamente às mesmas aplicações relevantes elegíveis, com quaisquer outros benefícios fiscais ao investimento da mesma natureza.

2 - A DLRR é cumulável com o regime de benefícios contratuais e com o RFAI, nos termos e condições previstos nos artigos 13.º e 25.º, respetivamente.

 

Artigo 32.º

Reserva especial por lucros retidos e reinvestidos

1 - Os sujeitos passivos que beneficiem da DLRR devem proceder à constituição, no balanço, de reserva especial correspondente ao montante dos lucros retidos e reinvestidos.

2 - A reserva especial a que se refere o número anterior não pode ser utilizada para distribuição aos sócios antes do fim do quinto exercício posterior ao da sua constituição, sem prejuízo dos demais requisitos legais exigíveis.

 

Artigo 33.º

Outras obrigações acessórias

1 - A dedução prevista no artigo 29.º é justificada por documento a integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC, que identifique discriminadamente o montante dos lucros retidos e reinvestidos, as aplicações relevantes objeto de reinvestimento, o respetivo montante e outros elementos considerados relevantes.

2 - A contabilidade dos sujeitos passivos de IRC beneficiários da DLRR deve evidenciar o imposto que deixe de ser pago em resultado da dedução a que se refere o artigo 29.º, mediante menção do valor correspondente no anexo às demonstrações financeiras relativa ao exercício em que se efetua a dedução.

 

§2.2. NATUREZA, ÂMBITO E REQUISITOS DA DLRR   

16. A DLRR integra, inequivocamente, a panóplia de “medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem” e, nessa medida, consubstancia um benefício fiscal (artigo 2.º, n.ºs 1 e 2, do EBF).

 

Configura um benefício fiscal dinâmico, também designado incentivo ou estímulo fiscal, em que a causa do benefício é a adoção (futura) do comportamento beneficiado ou o exercício (futuro) da atividade fomentada; integra-se numa política extrafiscal, de prossecução de objetivos económicos e sociais por via fiscal, visando, concretamente, “a promoção da competitividade da economia portuguesa e a manutenção de um contexto fiscal favorável ao investimento, à criação de emprego e ao reforço dos capitais próprios das empresas” (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 162/2014).

 

Por outro lado, segundo a classificação decorrente do EBF, trata-se de um benefício fiscal automático porque, desde que verificados os respetivos pressupostos, resulta direta e imediatamente da lei, não dependendo de atos de reconhecimento da Administração.

 

17. O âmbito subjetivo de aplicação da DLRR está circunscrito aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português ou que, não sendo residentes, aqui tenham estabelecimento estável, e que:

(i) exerçam, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola;

(ii) preencham, cumulativamente, as seguintes condições: 

                - sejam micro, pequenas e médias empresas;

                - disponham de contabilidade regularmente organizada, em conformidade com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade;

                - o seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos;

                - tenham a situação fiscal e contributiva organizada.

 

                18. A DLRR opera em sede de IRC, permitindo uma dedução à coleta deste imposto, nos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2014, nos seguintes termos:

(i) até 10% dos lucros retidos que sejam reinvestidos em aplicações relevantes nos termos do artigo 30.º do CFI ;

(ii) o reinvestimento deve ser feito no prazo de dois anos contado a partir do final do período de tributação a que correspondam os lucros retidos;

(iii) o montante máximo dos lucros retidos e reinvestidos, em cada período de tributação, é de € 5.000.000,00, por sujeito passivo;

(iv) a dedução é feita, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC , até à concorrência de 25% da coleta do IRC.

 

A DLRR não é cumulável, relativamente às mesmas aplicações relevantes elegíveis, com quaisquer outros benefícios fiscais ao investimento da mesma natureza, sem prejuízo de ser cumulável com os benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo e com o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), nos termos e condições estatuídos, respetivamente, nos artigos 13.º e 25.º do CFI.

 

19. Os sujeitos passivos que beneficiem da DLRR:

(i) devem constituir, no balanço, uma reserva especial correspondente ao montante dos lucros retidos e reinvestidos;

(ii) não podem utilizar aquela reserva especial para distribuição aos sócios antes do fim do quinto exercício posterior ao da sua constituição, sem prejuízo dos demais requisitos legais exigíveis;

(iii) devem justificar a dedução em apreço por documento a integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC, que identifique discriminadamente o montante dos lucros retidos e reinvestidos, as aplicações relevantes objeto de reinvestimento, o respetivo montante e outros elementos considerados relevantes;

(iv) devem evidenciar na respetiva contabilidade o imposto que deixe de ser pago em resultado da dedução em apreço, mediante menção do valor correspondente no anexo às demonstrações financeiras relativas ao exercício em que se efetua a dedução.

 

O momento em que se efetiva o benefício decorrente da DLRR é quando se determina a constituição da sobredita reserva especial, isto é, a dedução à coleta efetua-se no exercício em que são apurados os lucros que se decide reter e reinvestir. O reinvestimento é, pois, uma obrigação que se assume e que é comprovada nos dois períodos de tributação seguintes. As aplicações relevantes em que seja concretizado o reinvestimento dos lucros retidos devem ser detidas e contabilizadas de acordo com as regras que determinaram a sua elegibilidade, por um período mínimo de cinco anos.

 

20. Atenta a obrigatoriedade de os sujeitos passivos beneficiários da DLRR constituírem, no balanço, uma reserva especial correspondente ao montante dos lucros retidos e reinvestidos, importa convocar as seguintes normas do Código das Sociedades Comerciais (CSC):

(i) o artigo 65.º (Dever de relatar a gestão e apresentar contas) que estatui que os membros da administração devem elaborar e submeter aos órgãos competentes da sociedade o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos a cada exercício anual (n.º 1), sendo que a elaboração do relatório de gestão, das contas do exercício e dos demais documentos de prestação de contas deve obedecer ao disposto na lei, podendo o contrato de sociedade complementar, mas não derrogar, essas disposições legais (n.º 2); ademais, o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas devem ser apresentados ao órgão competente e por este apreciados, salvo casos particulares previstos na lei, no prazo de três meses a contar da data do encerramento de cada exercício anual (n.º 5);

(ii) o artigo 66.º (Relatório da gestão), do qual decorre que o relatório da gestão deve conter, pelo menos, uma exposição fiel e clara da evolução dos negócios, do desempenho e da posição da sociedade, bem como uma descrição dos principais riscos e incertezas com que a mesma se defronta (n.º 1), devendo indicar, em especial e além do mais, uma proposta de aplicação de resultados devidamente fundamentada (n.º 5, alínea f)); e      

(iii) o artigo 376.º (Assembleia geral anual) que determina que a assembleia geral dos acionistas deve reunir no prazo de três meses a contar da data do encerramento do exercício para, além do mais, deliberar sobre o relatório de gestão e as contas do exercício (n.º 1, alínea a)) e deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados (n.º 1, alínea b)).

 

§3. O CASO CONCRETO: SUBSUNÇÃO NORMATIVA

                21. Como decorre da factualidade provada, está assente, além do mais, o seguinte:

(i) a Requerente tem por objeto uma atividade comercial (factos provados a) e b));

(ii) conforme consta da Ata n.º 39, lavrada no respetivo livro de atas da assembleia geral da Requerente, a assembleia geral anual desta reuniu em 31 de março de 2015, tendo ali sido deliberado aprovar quer o Relatório de Gestão e as contas do exercício de 2014, quer a seguinte aplicação do resultado líquido do exercício de 2014, no montante de € 392.605,49: lucros retidos (DLRR) - € 100.000,00; reserva legal - € 14.630,27; distribuição de resultados - € 160.933,02; e reservas livres - € 117.042,20 (factos provados c) e d));

(iii) em 22 de maio de 2015, a Requerente entregou a declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao período de tributação de 2014, na qual, além do mais, declarou um resultado líquido de € 392.605,49, matéria coletável no montante de € 511.064,70, coleta total no montante de € 116.644,88 e deduziu à coleta a título de benefícios fiscais (DLRR), o montante de € 10.000,00 (facto provado e));

(iv) em 14 de julho de 2015, a Requerente procedeu à entrega da IES/DA, na qual, além do mais, declarou no quadro 07 referente à deliberação de aprovação de contas, que estas foram aprovadas em assembleia universal e que a respetiva deliberação de aprovação está devidamente titulada, nos termos previstos no artigo 63.º do CSC, tendo ainda indicado com referência à aplicação dos resultados, conforme deliberação que aprovou as contas do período, que os resultados líquidos do ano de 2014, previamente transferidos para resultados transitados, no montante de € 392.605,49, seriam aplicados da forma constante do facto provado g).

 

Tendo em consideração, tão somente estes factos, não detetamos qualquer divergência entre as partes quanto à verificação do preenchimento de todos os requisitos e condições legalmente estatuídos para que a Requerente possa beneficiar da DLRR e, consequentemente, deduzir à coleta de IRC, atinente ao exercício de 2014, o valor de € 10.000,00, correspondente a 10% do montante de lucros retidos e reinvestidos (€ 100.000,00).

 

Com efeito, o dissidio entre as partes emerge da seguinte factualidade que resultou, igualmente, comprovada:

(i) em 31 de maio de 2016, a Requerente entregou uma declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC de substituição, relativa ao período de tributação de 2014, na qual aumentou o valor da dedução à coleta a título de benefícios fiscais (DLRR) para € 28.908,47 (facto provado h));

(ii) no Balanço e no Balancete Geral da Requerente, ambos reportados a 31.12.2015, está inscrita a verba de € 289.084,72, respetivamente, como “Reserva especial DLRR”, no âmbito do “Capital Próprio”, e na conta 55.2.9 “Reservas Especiais – Lucros Retidos DLRR”, a qual se mantém atualmente inscrita no capital próprio da Requerente (facto provado w));

(iii) no ano de 2015, a Requerente efetuou investimentos no montante de € 289.084,72, suportados pelos documentos identificados no facto provado x);

(iv) a Requerente remeteu aos Serviços de Inspeção Tributária um documento intitulado “Acta Avulsa (Alteração da Acta n.º 39)”, em que é feita referência a uma reunião da Assembleia Geral da Requerente, ocorrida em 31 de maio de 2015, tendo por ordem de trabalhos “Ponto Único: Alteração da deliberação de aplicação e distribuição de resultados deliberada em 31 de Março de 2015” e na qual foi apresentada a proposta e tomada a deliberação citadas no facto provado k).   

 

A que acresce, necessariamente, a não comprovação de que, em 31 de maio de 2015, tenha sido realizada a Assembleia Geral da Requerente, a que alude o referido documento intitulado “Acta Avulsa (Alteração da Acta n.º 39)”.

 

A este propósito, importa relembrarmos o que é dito pela Requerida:

             No RIT (factos provados l) e n)):

“Tendo o SP considerado uma reserva no montante de 100.000,00 EUR de lucros retidos para investimento, de acordo com o disposto no artigo 29.º o montante a deduzir à coleta será de 10.000,00 EUR (10%).

Da análise à documentação suporte deste benefício fiscal, verificou-se que no ano de 2015 o SP efetuou investimentos no montante de 289.084,70 EUR, (…)

Perante estes investimentos efetuados no ano de 2015, o SP alterou o valor do benefício fiscal em 2016-05-30, submetendo uma nova declaração modelo 22 para o ano de 2014 onde considerou 10% do valor investido, como benefício fiscal. Ou seja, apesar de ter considerado no ano de 2014 uma reserva de lucros retidos para investimento no montante de 100.000,00 EUR, considerou como benefício fiscal, o montante 28.908,47 EUR, com base no investimento já efetuado, mediante a submissão de uma declaração modelo 22 de substituição.

Sendo que este procedimento por parte do SP contraria o disposto no artigo 29.º, uma vez que para usufruir deste benefício fiscal, o SP tem obrigatoriamente de criar uma reserva por conta de lucros retidos para investimentos, para ser utilizada em investimentos no período de 2 anos. O SP efetuou primeiro os investimentos e depois corrigiu o benefício fiscal. A modelo 22 de substituição foi submetida em 31-05-2016.

(…)

Perante a divergência entre a ata de aprovação das contas de 2014 (de 31-03-2015), da aplicação de resultados declarados pelo SP na IES, submetida em 2015-07-17 e dos valores constantes da referida “ata avulsa”, cuja data é supostamente anterior àquela (2015-05-31), conclui-se aquela foi elaborada com o intuito de ajustar o benefício fiscal de 2014 ao investimento efetuado em 2015.

(…) verifica-se que estamos em face de uma Ata avulsa, que retifica à posteriori a Ata de distribuição de resultados aprovada em Assembleia Geral.”

 

             Na decisão da reclamação graciosa (factos provados s) e u)):

“Tendo o SP considerado uma reserva no montante de €100.000,00 de lucros retidos para investimento, de acordo com o disposto no artigo 29.º, o montante a deduzir à coleta será de €10.000,00 (10%).

Perante estes investimentos efetuados no ano de 2015, o SP alterou o valor do benefício fiscal em 2016-05-31, submetendo uma nova declaração modelo 22 para o ano de 2014 onde considerou 10% do valor investido, como benefício fiscal. Ou seja, apesar de ter considerado no ano de 2014 uma reserva de lucros retidos para investimento no montante de €100.000,00, considerou como benefício fiscal, o montante €28.908,47.

Assim, independentemente do valor do investimento relevante o benefício fiscal será de 10% da reserva efetuada para o efeito, o que de acordo com a ata n.º 39 de 2015-03-31, é de €100.000,00.

Como referido no RIT, este procedimento por parte do SP, contraria o objetivo deste benefício fiscal, ou seja a retenção de lucros na empresa para posterior reinvestimento. Sendo que no caso do SP efetuou primeiro o reinvestimento e posteriormente corrigiu o montante da reserva de lucros retidos para reinvestimento, de forma a poder usufruir de um benefício fiscal maior.”

 

Importa, ainda, respigar o seguinte argumento aduzido pela Requerida no artigo 53.º da sua Resposta:

“Além disso, verificamos que, tendo a R, relativamente ao período de tributação de 2014, obtido lucros de €392.605,49, dos quais distribuiu aos acionistas €117.042,20 e reforçou a reserva legal em €5.387,04 apenas restam €270.176,25 para efeitos de reforço da reserva especial DLRR e nunca o montante de €289.084,72 alegadamente retido para efeitos de DLRR.”  

 

Adiantamos, desde já, que consideramos que a posição da AT carece de respaldo quer de facto, quer de direito e, portanto, terá inevitavelmente de soçobrar, pelas razões que passamos a expor. 

 

22. Começando pelo último argumento da AT que citámos, vertido no seu articulado de resposta, para além de só agora (no âmbito deste processo) ser invocado, o mesmo não tem em consideração o documento contabilístico constante de fls. 149 do PA que aqui damos por inteiramente reproduzido e no qual a Requerente explicita o cálculo conducente aos valores constantes da deliberação exarada na referida “ata avulsa”; esse mesmo documento, há que frisá-lo, não foi nem questionado, nem desconsiderado quer pelos Serviços de Inspeção Tributária, quer no âmbito do procedimento de reclamação graciosa. 

 

No tocante à deliberação constante da mencionada “Acta Avulsa (Alteração da Acta n.º 39)”, importa começar por dizer que nada obsta a que os sócios/acionistas de uma sociedade comercial tomem uma determinada deliberação e, posteriormente, por vicissitudes várias, a venham a retificar ou alterar (parcial ou totalmente) ou, até mesmo, a revogar, desde que, obviamente e em qualquer caso, o façam nos termos legalmente previstos no CSC para as deliberações dos sócios.

  

Acresce que, apesar de não ter resultado provado que aquela mesma deliberação foi tomada numa assembleia geral realizada em 31 de maio de 2015, tal não significa, nem permite concluir que os acionistas da Requerente não a tenham tomado, de forma válida e ainda no decurso do ano de 2015.

 

Porquanto, desde logo, em qualquer tipo de sociedade, os sócios podem “tomar deliberações unânimes por escrito e bem assim reunir-se em assembleia geral, sem observância de formalidades prévias, desde que todos estejam presentes e todos manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto” (artigo 54.º, n.º 1, do CSC); sendo que as “deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas atas das assembleias ou, quando sejam admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem” (artigo 63.º, n.º 1, do CSC). No entanto, como esclarece J. M. Coutinho de Abreu (ob. cit., p. 717), “uma deliberação adoptada pelos sócios em forma apropriada é, apesar da falta de acta, de facto e juridicamente existente”, pois “a acta não é modo ou meio pelo qual os sócios exprimem ou exteriorizam a sua vontade deliberativa, não é forma nem formalidade ad substantiam; por isso, e também pelas balizas fixadas no art. 56.º do CSC, não é nula a deliberação sem acta” e “a falta de acta, além de não inquinar o conteúdo da deliberação, também não vicia o procedimento deliberativo – este fica completo antes e independentemente da sua narração por acta; não há lugar, portanto, para a anulabilidade da deliberação (cfr. o art. 58.º)”. Este mesmo autor remata dizendo que “a acta é meio – substituível – de prova, não condição de eficácia das deliberações” (ibidem, p. 720). 

 

Acresce que, como resultou provado – e, há que sublinhar, nunca foi questionado pela AT –, no Balanço e no Balancete Geral da Requerente, ambos reportados a 31.12.2015, está inscrita a verba de € 289.084,72, respetivamente, como “Reserva especial DLRR”, no âmbito do “Capital Próprio”, e na conta 55.2.9 “Reservas Especiais – Lucros Retidos DLRR”, a qual se mantém atualmente inscrita no capital próprio da Requerente (facto provado w)), o que faz pressupor – segundo critérios de normalidade e de lógica – a existência de prévia deliberação dos acionistas da Requerente, nesse exato sentido.  

 

Ademais, como também ficou comprovado – e, mais uma vez, nunca foi contestado pela AT –, a Requerente efetuou investimentos no montante de € 289.084,72, suportados pelos documentos identificados no facto provado x), não tendo sido carreado para os autos qualquer elemento probatório que permita firmemente sustentar a afirmação de que a Requerente “efetuou primeiro o reinvestimento e posteriormente corrigiu o montante da reserva de lucros retidos para reinvestimento, de forma a poder usufruir de um benefício fiscal maior”.

 

Os elementos probatórios carreados para os autos permitem, isso sim, concluir que a Requerente, tendo em vista beneficiar da DLRR, constituiu, no balanço, a predita reserva especial no valor de € 289.084,72 e que se mantém atualmente inscrita no capital próprio da Requerente, tendo realizado, logo no ano de 2015, investimentos, naquele montante, em aplicações relevantes nos termos do artigo 30.º do CFI.

 

Em face disto, em 31 de maio de 2016, a Requerente apresentou tempestivamente (cf. artigos 120.º, n.º 1 e 122.º, n.º 2, do Código do IRC) uma declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC de substituição, relativa ao período de tributação de 2014, na qual aumentou o valor da dedução à coleta a título de benefícios fiscais (DLRR) para € 28.908,47 (facto provado h)).

 

Como estatui o n.º 1 do artigo 75.º da LGT, presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal; destarte, “nestes casos, se a administração tributária não demonstrar a falta de correspondência entre o teor de tais declarações, contabilidade ou escrita e a realidade, o seu conteúdo terá de se considerar como verdadeiro” (Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 664). Como explicita Cristina Flora (“A Prova no Processo Tributário”, Revista do CEJ, 2.º semestre 2016, número 2, Almedina, Coimbra, pp. 220 e 221): “Quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (art. 350.º, n.º 1 do CC), apenas tem de provar o facto que lhe serve de base, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, art. 74.º, n.º 1 da LGT.                

O facto que serve de base à presunção do art. 75.º da LGT, no caso das declarações, é o das declarações terem sido apresentadas nos termos da lei e tratando-se de dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, o facto que serve de base à presunção é o da organização em conformidade com a legislação comercial e fiscal, factos a provar pelo contribuinte nos termos do n.º 1 do art. 74.º da LGT para que a presunção legal se verifique.

Portanto, verificando-se a presunção legal prevista no n.º 1 do art. 75.º da LGT o contribuinte não tem de provar a veracidade e a boa-fé das declarações, nem dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita como sucederia da aplicação da regra geral do ónus da prova previsto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, caso não existisse presunção legal. Verificando-se a presunção legal, esta poderá ser ilidida pela Administração Tributária mediante prova em contrário.”

 

No caso concreto, a AT não produziu qualquer prova que lograsse ilidir essa presunção legal de veracidade e boa-fé da aludida declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC de substituição, relativa ao exercício de 2014, e dos ditos dados inscritos na contabilidade da Requerente, o que sempre teria de fazer mediante prova em contrário (cf. artigo 350.º, n.º 2, do CC).  

   

Por último, há ainda a salientar que não se descortina que o procedimento adotado pela Requerente haja, de alguma forma, contrariado o objetivo do benefício fiscal em apreço, o qual – como acima já foi referido – constitui um benefício fiscal ao investimento produtivo, tendo em vista, além do mais, a manutenção de um contexto fiscal favorável ao investimento e ao reforço dos capitais próprios das empresas (cf. artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro); com efeito, no caso concreto, resulta do que acima foi dito quer a realização de investimentos produtivos por parte da Requerente, quer o reforço do seu capital próprio.         

 

23. Nestes termos, conclui-se que a correção efetuada pela AT ao IRC da Requerente, referente ao exercício de 2014, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação das normas legais que regem o benefício fiscal DLRR, designadamente do disposto nos artigos 28.º, 29.º, n.ºs 1, 2 e 3, 32.º e 33.º do CFI, o que implica a declaração da ilegalidade e sequente anulação da liquidação adicional de IRC controvertida.

 

24. No tocante à liquidação de juros compensatórios impugnada, determina o artigo 35.º, n.º 1, da LGT que estes são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”. No caso concreto, concluiu-se que a liquidação adicional de IRC impugnada é inválida por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, gerador de anulabilidade; assim, não se verifica o pressuposto constitutivo de qualquer obrigação de juros compensatórios, pois não foi retardada a liquidação de imposto (IRC) que fosse devido.

 

Nestes termos, a liquidação de juros compensatórios deve também ser anulada por vício de violação de lei.

 

25. O mesmo vício invalidante fulmina a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., a qual manteve as liquidações controvertidas, o que determina igualmente a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.

 

26. Atenta a procedência da peticionada declaração de ilegalidade dos atos tributários controvertidos, por vício que impede a renovação desses mesmos atos, fica prejudicado, por inútil o conhecimento dos restantes vícios invocados pela Requerente (cf. artigo 130.º do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

§4. REEMBOLSO DO MONTANTE DE IMPOSTO PAGO, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

27. A Requerente peticiona, ainda, o reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios pagos – no valor total de € 33.576,26 (cf. factos provados p) e q)) –, acrescidos de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais; sendo que resultou comprovado que a Requerente procedeu ao pagamento integral dos valores resultantes dos atos tributários controvertidos (cf. facto provado q)).

 

O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

 

Isto posto, cumpre, então, apreciar os pedidos de reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

§4.1. DO DIREITO AO REEMBOLSO DOS MONTANTES PAGOS

28. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação controvertidos, há lugar a reembolso do imposto e dos juros compensatórios pagos indevidamente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se os mencionados atos tributários não tivessem sido praticados.

 

Destarte, procede o pedido de reembolso do montante de € 33.576,26.

 

§4.2. DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

29. O artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos”.

               

No caso concreto, a Requerente pagou os montantes de IRC e de juros compensatórios liquidados e, por os mesmos serem indevidos, tem direito ao reembolso do montante total de € 33.576,26.

 

Ademais, verifica-se que a ilegalidade da liquidação adicional de IRC controvertida e da inerente liquidação de juros compensatórios é imputável à AT por, naquelas liquidações, ter incorrido em vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pelo que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar, calculados desde a data em que efetuou o pagamento – 10 de maio de 2018 (cf. facto provado q)) – até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos, à taxa legal supletiva, nos termos estatuídos nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.     

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30. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

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IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

a)            Declarar ilegais e anular, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito:

(i)           A liquidação adicional de IRC n.º 2018..., a liquidação de juros compensatórios n.º 2018... e a demonstração de acerto de contas n.º 2018..., no montante de € 33.576,26, atinentes ao ano de 2014, com as legais consequências;

(ii)          A decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., com as legais consequências;

b)           Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar o montante de € 33.576,26 (trinta e três mil quinhentos e setenta e seis euros e vinte e seis cêntimos) à Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais;

c)            Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 33.576,26 (trinta e três mil quinhentos e setenta e seis euros e vinte e seis cêntimos).

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CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

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Notifique.

 

Lisboa, 16 de outubro de 2019.

 

O Árbitro,

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)