DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A...- Sucursal em Portugal, contribuinte fiscal n.º..., com sede no ..., Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a autoliquidação da contribuição sobre o sector bancário referente ao ano de 2016, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é sucursal em Portugal da instituição financeira B..., com sede efectiva na República da Irlanda, e encontra-se sujeito à supervisão do C..., tendo pago nesse país um montante de € 9.7 milhões a título de contribuições para o sector bancário reguladas pela respectiva legislação.
Em virtude das alterações à regra de incidência subjetiva constante do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do Regime da CSB introduzidas pelo artigo 185.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, a Requerente procedeu à entrega da declaração Modelo 26 da CSB referente ao ano de 2016, tendo apurado um montante a pagar a título de CSB de € 200.218,64, resultante da aplicação da taxa de 0,11% sobre o valor do passivo apurado e aprovado (€ 194.597.025,07) deduzido dos passivos resultantes de reavaliações de investimentos financeiros derivados e das receitas com rendimento diferido.
A Requerente apresentou entretanto, junto do Serviço de Finanças de Lisboa –..., uma reclamação graciosa contra a autoliquidação da contribuição para o sector bancário (CSB) relativa a esse ano, que foi indeferida por despacho do Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, de 26 de novembro de 2018.
A liquidação é ilegal por força da aplicação retroativa da lei fiscal, porquanto a CSB não pode ser aplicada às sucursais de instituições de crédito sediadas noutro Estado-Membro da União Europeia, no que se refere a factos ocorridos até 31 de dezembro de 2015 porque a essa data essas entidades não estavam sujeitas à CSB.
Com efeito, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, da Portaria n.º 121/2011, a base de incidência da CSB “é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas aprovadas no próprio ano em que é devida a contribuição”, o que significa que a CSB exigida às sucursais de instituições sediadas na União Europeia no ano de 2016 se reporta, necessariamente, a factos tributários ocorridos e cristalizados até 31 de dezembro de 2015. Pelo que a cobrança de um tributo novo sobre factos verificados na sua totalidade em momento anterior ao início da sua vigência implica a retroatividade autêntica da lei fiscal, o que é vedado pelo artigo 103.º, n.º 3, da Constituição e pelo artigo 12.º, n.º 2, da LGT.
A CSB é também ilegal por violação do princípio da igualdade, na vertente do princípio da equivalência, porquanto o pagamento da contribuição por parte da Requerente, enquanto sucursal em Portugal de uma instituição financeira sediada na República da Irlanda, não representa a contrapartida de qualquer encargo ou benefício por ela provocado ou aproveitado, nem esta é participante obrigatório do Fundo de Resolução a quem é destinada a receita da CSB, nem está legalmente sujeita à supervisão prudencial do Banco de Portugal.
A liquidação viola ainda a regra da não consignação de receitas e enferma, de ilegalidade qualificada por violação de lei com valor reforçado.
Nos termos do artigo 153.º-F, n.º 1, alínea a), do RGICSF, a receita da CSB está consignada ao Fundo de Resolução, contrariando a norma do artigo 16.º, n.º 2, alínea f), da Lei de Enquadramento Orçamental, pela qual “[não] pode afetar-se o produto de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas”. De entre as excepções à regra da não consignação estão as receitas que sejam, por razão especial, afectas a determinadas despesas por expressa estatuição legal ou contratual, implicando que essas normas tenham carácter excepcional e temporário, sendo que, no caso, a CSB consubstancia um regime-regra que se destina a “aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera o resto da economia”, o que denota a intenção de criar um novo regime tributário para um determinado sector da economia.
O regime legal da CSB também se não harmoniza com a Directiva n.º 2014/59/UE, que visou estabelecer um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento no contexto da União Europeia, criando mecanismos nacionais de financiamento de resolução. Com efeito, a CSB foi criada em 2011, antes da aprovação da Directiva e, nos seus traços essenciais, permaneceu inalterada com a transposição para o ordenamento jurídico interno por via da Lei n.º 23-A/2015, de 26 de março, tendo como consequência que a CSB não se enquadra em nenhum dos tipos de contribuição previstos pelo legislador europeu.
Por outro lado, a aplicação da contribuição a uma sucursal de uma instituição bancária residente noutro Estado Membro da União Europeia viola o princípio da proibição de discriminação e a liberdade de estabelecimento, uma vez que as regras de incidência da contribuição preveem a tributação das sucursais sobre o seu passivo «bruto», sem qualquer dedução, enquanto que em relação às entidades com sede em território português a tributação incide sobre o seu passivo «líquido», permitindo a dedução, designadamente relacionada com os seus capitais próprios.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita a excepção da incompetência do tribunal arbitral para conhecer do pedido, porquanto nos termos do disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, a Administração Tributária vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD no que se refere à apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida que se encontrem referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro, com excepção de pretensões elencadas nas diversas alíneas desse artigo, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição e não imposto.
Em sede de impugnação, a Administração sustenta que a base de incidência é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas aprovadas no próprio ano em que é devida a contribuição, pelo que, em relação a 2016, a contribuição é devida por referência às contas aprovadas nesse mesmo ano, não ocorrendo a invocada violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal.
Importa ainda reter que o objectivo que presidiu à criação da contribuição para o sector bancário foi o de criar um tributo com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados, assim se evitando que sejam os contribuintes a suportar as perdas e os encargos gerados pelo sector bancário, não havendo motivo para considerar verificada a violação do princípio da equivalência, entendido como um meio de impedir que se introduzam nos tributos comutativos diferenciações alheias ao custo ou ao benefício.
No que se refere à alegada violação da regra da não consignação, a argumentação da Requerente parte da premissa errónea de que a CSB tem a natureza de um verdadeiro imposto. Ora, a regra não tem consagração constitucional, sendo conhecidas múltiplas excepções que derivam da existência de situações de autonomia financeira, em que as receitas de determinados organismos são afectas à cobertura das suas despesas e, também, de expressa determinação da lei quanto a despesas só podem ser efectuadas se forem cobradas receitas que as cubram. Tratando-se de uma contribuição financeira destinada a fazer face a situações de crise financeira, de que os seus sujeitos passivos são potenciais causadores e beneficiários, não pode encarar-se a finalidade da tributação como meramente reditícia e visando a satisfação de necessidades financeiras do Estado em sentido amplo, não sendo posto em causa o referido princípio da não consignação de receitas.
No tocante à desconformidade do regime da CSB com a Directiva, cabe notar que o n.º 6 do artigo 100.º abre a possibilidade de um Estado-Membro, mediante autorização, criar mecanismos de financiamento através de contribuições obrigatórias das instituições autorizadas no seu território, e, por outro lado, nenhuma disposição da Directiva impõe a revogação das contribuições já existentes à data da sua entrada em vigor, nem impõe um prazo para a sua eliminação, pelo que nada obstava a que a legislação nacional pudesse manter em vigor a contribuição nos termos anteriormente previstos.
Acresce que o cálculo da base de incidência da contribuição sobre o sector bancário não toma como ponto de partida o valor total do passivo deduzido do valor dos capitais próprios - como se pretende fazer crer - , mas antes o valor do passivo deduzido do valor dos elementos que, embora fazendo parte integrante do passivo que figura no balanço, têm características de capital próprio, sendo assim de refutar a ideia de que há um alargamento da base tributável das sucursais.
E, nestes termos, não se detecta nos normativos que constituem o regime jurídico da contribuição sobre o sector bancário qualquer tratamento desfavorável das sucursais de instituições de crédito com sede em Estados Membros da União Europeia susceptível de violar a liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
2. O processo prosseguiu para alegações escritas, também destinadas a permitir à Requerente exercer o contraditório quanto à matéria de excepção, que veio a pronunciar-se, por remissão para o articulado na petição inicial, nos seguintes termos.
A referência a impostos no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em contraste com o termo tributos que consta da regra definidora da competência dos tribunais arbitrais – o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT –, podendo ser vista como uma restrição da vinculação dos tribunais arbitrais a litígios que versassem sobre impostos, consubstancia uma violação do princípio da hierarquização das fontes normativas consagrada no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, na medida em que não pode ser efectuada, por via regulamentar qualquer delimitação do âmbito da jurisdição definido em diploma legislativo.
A Portaria n.º 112-A/2011, interpretada como restringindo as competências dos tribunais arbitrais, será também organicamente inconstitucional, na parte em que excede a vinculação à jurisdição arbitral definida pelo artigo 2.º do RJAT, por regular inovatoriamente matéria incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
Por outro lado, de entre as atribuições da Autoridade Tributária está “assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo, dos direitos aduaneiros e demais tributos que lhe incumbe administrar” (artigo 2.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 118/2011), constituindo a contribuição sobre o sector bancário um dos tributos cuja administração lhe está cometida, sendo que o procedimento de liquidação e cobrança dessas contribuições em nada se distingue, na sua natureza e estrutura, do dos impostos.
Acresce que, nos moldes em que se encontra prevista, a CSB configura uma imposição pecuniária unilateral com as características de um imposto, tendo tido “o propósito de aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera o resto da economia e de o fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos, protegendo também, assim, os trabalhadores do sector e os mecanismos de segurança social”.
Aquando da sua introdução, a receita proveniente da CSB não era especificamente destinada à cobertura de determinada despesa gerada por um grupo, mas, à semelhança dos impostos em geral, destinada à satisfação das necessidades financeiras gerais do Estado, e apenas com a autorização legislativa constante da Lei n.º 75-A/2014, de 30 de setembro, passou a estar consignada ao Fundo de Resolução, sendo que a consignação tem particular relevo para a qualificação jurídico-tributária da CSB como imposto.
Uma sucursal de uma instituição de crédito com sede noutro Estado-Membro, tal como a Requerente, não é participante obrigatória do Fundo de Resolução, nem pode ser alvo de uma medida de resolução, pelo que não lhe pode ser coativamente imposta a obrigação de financiar prestações de que não é causadora ou beneficiária, não sendo possível estabelecer, nesse condicionalismo, um nexo entre o pressuposto (a prestação administrativa) e a finalidade remuneratória ou compensatória de uma contribuição.
Sucede que o artigo 185.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, alterou a redação do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do Regime da CSB, com efeitos a partir de 31 de março de 2016, passando a incluir no âmbito de incidência subjetiva dessa contribuição todas as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efectiva fora do território nacional, com a implicação de o tributo se ter convertido numa imposição pecuniária, coativa e unilateral, com as características de um imposto, que, como tal, deve ser apreciada pelos tribunais arbitrais tributários.
E mesmo que, por hipótese, se entenda que a CSB, na situação concreta, não é de qualificar como um imposto, trata-se de um tributo cuja administração compete à Autoridade Tributária e que se insere no âmbito da vinculação à jurisdição arbitral para os efeitos do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011.
Concluiu no sentido que o tribunal arbitral tributário é materialmente competente para apreciar a legalidade da autoliquidação da CSB e da subsequente decisão da reclamação graciosa que recaiu sobre aquele acto primário.
Quanto à matéria de fundo as partes, em alegações, mantiveram as suas anteriores posições.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 14 de Maio de 2019.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.
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A Requerente é a sucursal em Portugal da instituição financeira B..., com sede e direcção efectiva em ..., República da Irlanda, e encontra-se sujeito à supervisão da entidade competente do seu país de residência, o C...;
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Na sequência da alteração introduzida no regime da contribuição sobre o sector bancário pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, a Requerente autoliquidou a contribuição sobre o sector bancário referente ao passivo do ano de 2016, através da entrega da declaração Modelo 26 da CSB, no valor de € 200.218,64;
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A Requerente procedeu ao pagamento da contribuição devida;
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Em 29 de Junho de 2018, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra a autoliquidação da contribuição sobre o sector bancário;
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Por despacho do chefe de divisão director do Serviço Central, de 26 de Novembro de 2018, praticado com delegação de competência, a reclamação graciosa foi indeferida.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária.
Matéria de direito
Incompetência do tribunal arbitral
5. A Autoridade Tributária suscitou a excepção da incompetência do tribunal arbitral para conhecer do presente pedido, tendo como objecto a contribuição sobre o sector bancário, baseando-se no sentido interpretativo a atribuir ao artigo 2.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março - que estabelece a vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição do CAAD -, fazendo notar que, nos termos desse preceito, o objecto da vinculação se cinge à apreciação de pretensões relativas a impostos, com a necessária exclusão das contribuições financeiras.
Em sentido oposto, a Requerente defende que a Portaria n.º 112-A/2011, interpretada no sentido de que opera uma restrição da vinculação dos tribunais arbitrais a pretensões relativas a impostos, viola o princípio da hierarquização das fontes normativas consagrada no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, na medida em que efectua, através de regulamento, uma delimitação do âmbito da jurisdição arbitral definido em diploma legislativo, além de que é organicamente inconstitucional, na parte em que regula inovatoriamente matéria incluída na reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República.
Acrescenta que o artigo 185.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, ao alterar a redacção do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do Regime da Contribuição sobre o Sector Bancário, passou a incluir no âmbito de incidência subjectiva da contribuição as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efectiva fora do território nacional, convertendo-a numa imposição pecuniária com as características de um imposto, visto que uma sucursal com sede noutro Estado-Membro não é participante obrigatória do Fundo de Resolução, nem pode beneficiar de prestações compensatórias que possam resultar da consignação das suas receitas. E, sendo assim. a pretensão da Requerente enquadra-se no âmbito da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais.
E ainda que se entenda que a CSB não é qualificável como um imposto, constitui, em todo o caso, um tributo cuja administração compete à Autoridade Tributária e que se insere no âmbito da vinculação à jurisdição arbitral para os efeitos do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011.
Passando à apreciação da questão, deve começar por dizer-se que não há uniformidade na jurisprudência arbitral quanto à competência de pedidos que tenham como objecto a contribuição sobre o sector bancário.
No acórdão proferido no Processo n.º 312/2015-T, respeitante à contribuição extraordinária sobre o sector energético - depois seguido pelas decisões arbitrais tiradas nos Processos n.ºs 139/2017-T e 437/2017-T, estes referentes à contribuição sobre o sector bancário – entendeu-se que se “algum sentido se pode atribuir à interpretação literal-sistemática dos preceitos é o de que a referência a «impostos» em vez de «tributos» no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, seguida da remissão expressa para o n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e da enunciação expressa de um conjunto de excepções, indicia que o autor da Portaria não teve a intencionalidade restritiva quanto ao âmbito de vinculação e, se assim fosse, teria feito alusão expressa a essa restrição no leque das alíneas que contemplam as excepções”. E mesmo que consideremos a contribuição sobre o sector bancário inserida na categoria jurídica de “contribuições” em nada se distingue, na sua natureza e estrutura, da dos “impostos”, já que a Administração Tributária actua como se de impostos se tratasse.
Ao contrário, o acórdão proferido no Processo n.º 347/2017-T – seguido pelo acórdão tirado no Processo n.º 182/2019-T -, considera que o teor verbal do artigo 2.º da Portaria de vinculação, mediante a referência específica a impostos, sendo um elemento irremovível de toda a interpretação, afasta qualquer interpretação extensiva que permita enquadrar nesse conceito qualquer outra figura (taxa ou contribuição) que pertença à categoria mais ampla de tributos, sendo que um tal entendimento, não tendo o mínimo apoio na letra da lei, esvaziaria de conteúdo o enunciado restritivo e a intenção delimitativa da Portaria.
No presente caso, a questão que primeiramente cabe analisar é a da inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por violação do princípio da hierarquia das normas estabelecido no artigo 112.º, n.º 5, da Constituição. RP, quando interpretada no sentido de restringir a delimitação do âmbito da jurisdição arbitral definida no artigo 2.º do RJAT.
Em vista a enfrentar essa questão, cabe delimitar, a título introdutório, o âmbito aplicativo de cada uma dessas disposições.
A competência contenciosa dos tribunais arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do falado artigo 2.º do RJAT, compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.
O artigo 4.º, n.º 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.
E o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objecto de vinculação”, dispõe o seguinte:
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
A referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram entretanto extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa por conseguinte um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral. Tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos tribunais arbitrais, mas poderia estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo.
Nesse sentido, a Portaria de vinculação tem uma finalidade semelhante à que decorre do n.º 2 do artigo 187.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos para a arbitragem administrativa. Nos termos desta disposição, a partir do momento em que cada ministério assume, por portaria, a sua vinculação à jurisdição dos centros de arbitragem, ele fica vinculado a submeter-se a uma decisão arbitral, relativamente aos tipos de litígios compreendidos no âmbito da portaria. Trata-se de um instrumento colocado na livre disponibilidade dos ministérios, que são livres de assumirem, por portaria, a sua vontade de se submeterem à arbitragem dos centros institucionalizados relativamente a certos tipos de litígios e dentro de certos limites, sendo essa opção da Administração que confere aos interessados o direito potestativo de se dirigirem a um centro de arbitragem para dirimirem litígios que possam ser submetidos aos tribunais arbitrais (cfr., Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Coimbra, pág. 1340).
Ainda a este propósito, o acórdão proferido no Processo n.º 48/2012-T, depois seguido por diversos outros arestos, consignou o seguinte:
“A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT].
Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».
Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”.
No caso, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais, e a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária. Haverá de concluir-se, nestes termos, que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos - com a exclusão de outros tributos - e a impostos que sejam geridos pela a Autoridade Tributária - o que conduz ao afastamento dos que sejam administrados pelas Regiões Autónomas ou consignados a outras entidades públicas.
Não parece, em todo o caso, que esse segundo nível de delimitação da competência dos tribunais arbitrais se confronte com o disposto no artigo 112.º, n.º 5, da Constituição.
Em primeiro lugar, a norma constitucional, ao estabelecer que uma lei não pode “conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”, não proíbe os chamados reenvios normativos, designadamente nos casos em que a lei remete para a administração a edição de normas complementares da disciplina por ela estabelecida. Nessa circunstância, as normas mantêm a sua natureza e hierarquia e o reenvio da lei para regulamento está também sujeito aos limites constitucionais da reserva de lei, não podendo a lei, no âmbito da reserva de lei, deixar de esgotar toda a regulamentação primária das matérias, só podendo remeter para o regulamento os aspectos secundários (neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, II vol, 4.ª edição, Coimbra, pág. 70).
Ora, o artigo 2.º da Portaria de vinculação não alterou nem restringiu o âmbito de jurisdição arbitral em matéria tributária, o qual continua a encontrar-se definido, nos mesmos precisos termos, no artigo 2.º do RJAT. O que sucede é que é a própria lei que disciplina a arbitragem tributária que, através do seu artigo 4.º, condiciona a vinculação da Administração Tributária aos tribunais arbitrais à emissão de um regulamento que se destina determinar, designadamente o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.
Em primeiro lugar, importa ter presente que a remissão para diploma regulamentar da definição do âmbito da vinculação da Administração à arbitragem tributária teve justamente em vista permitir que fossem os departamentos governamentais com competências administrativas na gestão do sistema fiscal e judiciário que pudessem aferir da viabilidade do regime legal, tendo em consideração o carácter inovador do recurso à arbitragem em matéria tributária e ausência de quaisquer dados experimentais sobre a eficácia do sistema.
Por outro lado, um segundo nível de limitação do âmbito da arbitragem tributária por via regulamentar encontra-se justificado por razões de política legislativa e nada obstava que a Portaria de vinculação viesse a estabelecer critérios mais restritivos do que os legalmente previstos, quer quanto ao elenco de pretensões a que a Administração poderia vincular-se, quer quanto ao valor processual dos litígios que pudessem ser submetidos à arbitragem ou à composição do tribunal arbitral.
Neste contexto, não oferece especial dúvida que a entidade com competência regulamentar pudesse optar por restringir a vinculação às pretensões referidas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que apenas fossem incidentes sobre impostos, e deixasse de fora as questões relacionadas com taxas e contribuições que, além do mais, poderiam gerar uma maior grau de conflitualidade e de incerteza quanto à qualificação jurídica e exigir uma maior especialização por via da especificidade das questões que pudessem suscitar-se.
Em todo o caso, não há uma qualquer violação do princípio da hierarquia das normas, porquanto o regulamento em causa não alterou o âmbito de competência dos tribunais arbitrais que resulta do artigo 2.º do RJAT e limitou-se a definir o regime de vinculação à jurisdição arbitral justamente por efeito da remissão normativa efectuada pela lei.
Por identidade de razão, não se verifica a violação do princípio de reserva de lei. Por um lado – como se explicou -, a Portaria de vinculação não incide sobre matéria de competência dos tribunais que se encontre coberta pela reserva relativa da competência da Assembleia da República; e, por outro lado, a Portaria não regula aspectos primários do regime da arbitragem tributária - como seria o caso se incorporasse regras inovadoras sobre a matéria da competência -, mas visa concretizar o âmbito da vinculação à arbitragem tributária o que apenas poderia ter lugar por via regulamentar, visto que só as entidades com competências administrativas podem tomar opções quanto aos critérios e limites que deverão ser estabelecidos na sujeição da Administração Tributária à jurisdição arbitral.
6. Por outro lado, no mero plano da hermenêutica jurídica, não pode seguir-se o entendimento sufragado na decisão arbitral proferida no Processo n.º 312/2015-T.
A introdução no ordenamento jurídico português da arbitragem em matéria tributária, como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, foi implementada pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no uso de autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo “a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária” (n.º 1) e admitiu o processo arbitral tributário como um “meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (n.º 2).
O Decreto-Lei n.º 10/2011 (RJAT) concretizou a mencionada autorização legislativa com um âmbito mais restrito do que o inicialmente previsto, não tendo contemplado a competência para a acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária e limitou a arbitragem tributária às matérias elencadas no seu artigo 2.º, excluindo diversas das competências dos tribunais tributários referidas no artigo 97.º, n.º 1, do CPPT que são exercidas através do processo de impugnação judicial.
Acresce que – como se viu - a vinculação da Administração Tributária aos tribunais arbitrais ficou condicionada à emissão de portaria dos membros do Governo das áreas da justiça e das finanças, que veio a limitar o âmbito da vinculação a pretensões relativas a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária.
Como não pode deixar de reconhecer-se - revertendo agora à análise do caso -, a letra da lei é o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe uma função negativa destinada a eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou correspondência com o enunciado verbal, e uma função positiva que se traduz em escolher de entre os sentidos possíveis da norma aquele que corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico jurídico.
E, por outro lado, a interpretação da lei fiscal rege-se pelos critérios que resultam do artigo 9.º do Código Civil e “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei” (artigo 11.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).
É assim evidente que se o legislador recorre ao conceito amplo de tributos na norma legal que define a competência dos tribunais arbitrais (artigo 2.º, n.º 1, do RJAT) e utiliza o conceito mais restrito de impostos na Portaria de vinculação (proémio do artigo 2.º), isso só pode significar que a expressão verbal tem, em qualquer dos casos, o sentido técnico jurídico que lhe corresponde e, por conseguinte, não pode extrair-se a conclusão de que a lei e o diploma regulamentar pretendem referir-se à mesma realidade jurídica quando se referem a tributos ou a impostos. Aliás, dificilmente se poderia compreender que as leis fiscais devessem ser interpretadas, sem qualquer particularismo, segundo os citérios de interpretação consagrados no direito civil, mormente quando estivessem em causa “termos próprios de outros ramos de direito”, e já não houvesse que aplicar esse princípio quando estejam em causa termos próprios do direito fiscal.
E mesmo numa interpretação sistemática da lei, o intérprete deve dar prevalência ao sentido que permita garantir a concordância material com outras disposições do sistema, e, no contexto significativo da norma que está em causa, essa concordância terá de ser estabelecida em relação ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que define o âmbito de competência dos tribunais por referência a tributos, e no artigo 3.º, n.º 2, da LGT, que inclui no conceito amplo de tributos os impostos, as taxas e as contribuições financeiras. Tendo usado o autor da portaria de vinculação um conceito com um significado jurídico preciso para delimitar o âmbito da vinculação (pretensões relativas a impostos), não faria sentido, mesmo numa interpretação baseada no elemento sistemático, que se atribuísse a esse enunciado linguístico um sentido não consentâneo com a unidade do sistema.
E não pode ignorar-se - como ficou dito – que o elemento literal constitui o limite da interpretação e condiciona a ulterior actividade do intérprete, pelo que só poderá partir-se para uma interpretação ampla se o preceito não contiver um sentido literal inequívoco que se enquadre com a finalidade que se pretendeu atingir (sobre estes últimos aspectos, Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 7.ª edição, págs. 457-458).
E é no sentido acabado de expor que se tem posicionado a doutrina: Sérgio Vasques/Carla Castelo Trindade, “O âmbito material da arbitragem tributária”, “Cadernos de Justiça Tributária”, n.º 00 (Abril/Junho 2013), págs. 24-25; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Coimbra, 2016, pág. 78; Serena Cabrita Neto/ Carla Castelo Trindade, Contencioso tributário, vol. II, Coimbra, 2017, págs. 439 e seguintes.
Natureza jurídica da contribuição sobre o sector bancário
7. A Requerente alega ainda que, por efeito do alargamento do âmbito de incidência subjetiva do tributo às sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede fora do território nacional, operado pelo artigo 185.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, a contribuição sobre o sector bancário passou a assumir as características de unilateralidade próprias de um imposto, na medida em que incide sobre entidades que não participam no Fundo de Resolução, nem beneficiam das medidas que possam ser implementadas por esse Fundo no quadro da prevenção do risco sistémico do sector bancário.
Tal como vem colocada, a questão remete-nos para a indagação quanto à natureza jurídica desse tipo de contribuição, não podendo deixar de ter-se em consideração o recente acórdão do STA de 19 de Junho de 2019 (Processo n.º 02340/13), que, com desenvolvida fundamentação, caracterizou a contribuição sobre o sector bancário (CBS) como uma contribuição financeira.
A CSB foi criada pelo artigo 141.º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011), como uma contribuição extraordinária, tendo como sujeitos passivos as instituições de crédito com sede principal e efectiva da administração situada em território português, as filiais em Portugal de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efectiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efectiva fora da União Europeia (artigo 2.º). Tem como âmbito de incidência objectiva o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido dos fundos próprios de base (Tier 1) e complementares (Tier 2) e dos depósitos abrangidos pelo Fundo da Garantia de Depósitos, e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos (artigo 3.º).
Entretanto, a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Lei do Orçamento de Estado para 2016), alargou o âmbito de incidência subjectiva, passando a incluir “as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efectiva fora do território português” e alterou a incidência objetiva, tomando por referência “o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do D... ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido”.
A liquidação é efectuada pelo próprio sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, que deve ser enviada anualmente por transmissão electrónica de dados, até ao último dia do mês de Junho (artigo 5.º) e paga até ao último dia do prazo estabelecido para o envio da declaração, sendo o pagamento efectuado nos termos do n.º 1 do artigo 40.º da Lei Geral Tributária (artigo 6.º).
À liquidação, cobrança e pagamento da contribuição aplica-se subsidiariamente o disposto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário (artigo 7.º).
A base de incidência, as taxas aplicáveis, bem como as regras de liquidação, de cobrança e de pagamento da contribuição foram regulamentadas pela Portaria nº 121/2011, de 30 de Março.
Importa ainda notar que a CSB constitui receita do Fundo de Resolução, criado mediante a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro, ao Regime das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (artigo 153.º-F, alínea a)) e definido como pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, que funciona junto do Banco de Portugal (artigo 153.º-B). O Fundo tem por objecto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas (artigo 153.º-C) e nele participam obrigatoriamente, entre outras entidades, as instituições de crédito com sede em Portugal (artigo 153.º-D).
O próprio Relatório do Orçamento de Estado para 2011 explica a génese da contribuição sobre o sector bancário em termos suficientemente elucidativos quanto aos objectivos que se pretendiam atingir.
Aí se afirma (pág. 73):
«A Proposta do Orçamento do Estado para 2011 procede ainda à criação de uma contribuição sobre o sector bancário na linha daquelas que foram já́ introduzidas noutros Estados Membros, com o propósito de aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera o resto da economia e de o fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos, protegendo também, assim, os trabalhadores do sector e os mecanismos de segurança social.
A contribuição incide, assim, sobre as instituições de crédito com sede principal e efectiva da administração situada em território português, sobre as filiais de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efectiva da administração em território português e sobre as sucursais, instaladas em território português, de instituições de crédito com sede principal e efectiva da administração em Estados terceiros».
As modificações introduzidas pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, são ainda justificadas, no Relatório do Orçamento de Estado para 2016, pela “necessidade de, por um lado, assegurar uma repartição de risco mais adequada entre os contribuintes e o sector bancário e, por outro, num contexto de aumento das responsabilidades do Fundo de Resolução, estabelecer um nível de contribuições que assegure a sua solvência inequívoca. Adicionalmente, neste Orçamento introduz-se, pela primeira, uma lógica de tratamento igualitário de todos os participantes no mercado, independentemente do seu estatuto”.
Face ao regime jurídico sucintamente descrito, a CSB tem por base uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto dos regulados à respectiva entidade ou agência de regulação.
Não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a Administração dirija aos respectivos sujeitos passivos, nem se caracteriza como um imposto, pois que não se verifica o requisito de unilateralidade: não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita, antes se pretendendo que o sector financeiro contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua actividade.
E a sua natureza não é afastada pela circunstância de as receitas provenientes da CSB serem consignadas ao Fundo de Resolução, porquanto o Fundo tem por objecto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas pelo Banco de Portugal e visa a prevenção dos riscos sistémicos do sector bancário. Esse mesmo objectivo é assinalado na nota preambular da Portaria nº 121/2011, onde se refere que os elementos essenciais da CSB são definidos “em termos semelhantes aos de contribuições já introduzidas por outros Estados membros da União Europeia, com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados”.
Como se conclui no citado acórdão do STA de 19 de Junho de 2019, a motivação legislativa constante dos diplomas que regularam a contribuição para o sector bancário e o Fundo de Resolução legitima a ilação de que a contribuição visou, em primeiro lugar e desde o início, atenuar as consequências resultantes das intervenções públicas no sector financeiro, face à situação de crise financeira então desencadeada no âmbito desse mesmo sector, reconduzindo-se a um instrumento de apoio na prevenção dos inerentes riscos do sistema, não se destinando a colmatar necessidades genéricas de financiamento do Estado.
Trata-se, nestes termos, de um tributo que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efectiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades financeiras das entidades desse sector, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira.
E nesse mesmo sentido se pronunciaram as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.º 347/2017-T e 182/2019-T.
8. A constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.
A LGT, aprovada em 1998, passou a incluir entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente artigo 4.º.
A doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas colectivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade pública a um certo conjunto ou categoria de pessoas. Como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas” (ob. cit., I vol., pág. 1095). Neste sentido, as contribuições são tributos com uma estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efectivas (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 287).
Outros Autores sublinham que as contribuições financeiras assentam no princípio da equivalência (e não no princípio da capacidade contributiva), como forma de legitimação e parâmetro de distribuição dos encargos tributários, destacando que “neste tipo de tributos, há características homogéneas de certos sujeitos passivos (homogeneidade de grupo) que justificam que a tributação incida especialmente sobre eles, quer pela ligação especial do grupo ao fim público cuja tributação pretende especificamente concretizar (responsabilidade de grupo), quer pelo aproveitamento potencial pelo grupo daquele tributo, diferente do dos outros membros da comunidade (aproveitamento de grupo)” (Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra, pág. 53).
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias, designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa, admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar desde que observada a lei-quadro (cfr., entre outros, o acórdão n.º 365/2008).
Em todo o caso, não há dúvida que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos, que se caracterizam como sendo uma prestação pecuniária unilateral, imposta coactivamente pelo Estado ou por uma entidade pública, visando a obtenção de receitas para a satisfação de necessidades e fins públicos.
A Requerente refere, no entanto, que, no que respeita às sucursais de instituições de crédito com sede fora do território nacional, a contribuição para o sector bancário tem as características próprias de um imposto, visto que essas entidades não contribuem para o agravamento do risco sistémico do sector financeiro português nem beneficiam de quaisquer prestações compensatórias que possam ser instituídas com o objectivo de mitigar esse risco.
Mas não é assim.
Como se deixou esclarecido, a contribuição sobre o sector bancário foi instituída, não apenas para aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da dos restantes sectores da economia, mas também para assegurar o apoio financeiro à aplicação de medidas pelo Banco de Portugal na prevenção dos riscos inerentes do sistema. E, sendo assim, não pode deixar de entender-se que as medidas que venham a ser implementas com esse objectivo aproveitam ao sistema financeiro no seu conjunto, independentemente de certas instituições bancárias poderem não ser participantes do Fundo de Resolução e não beneficiarem directamente das operações financeiras que foram desenvolvidas com os recursos disponíveis do Fundo.
O certo é que as sucursais em Portugal de instituições de crédito não sediadas no território nacional integram o sistema financeiro e retiram vantagem de medidas que, ainda que não lhes sejam dirigidas, visam a prevenção do risco sistémico do sector financeiro, encontrando-se preenchido, nessa medida, o requisito da bilateralidade genérica que caracteriza as contribuições financeiras.
De resto, como resulta do Relatório do Orçamento de Estado para 2016, há pouco citado, a extensão da incidência subjectiva da contribuição sobre o sector bancário, operada pela Lei n.º 7-A/2016, teve a intencionalidade de sujeitar a tributação “todos os participantes no mercado, independentemente do seu estatuto”, desligando o encargo tributário da estrita qualidade de instituição participante no Fundo de Resolução. Além de que – como também se concluiu – a lógica dos tributos paracomutativos é a de incidir sobre um grupo de sujeitos passivos que possam beneficiar de uma contraprestação homogénea de cariz colectivo, e não necessariamente de uma contraprestação individualizada.
9. A Requerente alega, por último, que ainda que não possa ser qualificada como um imposto, a CSB constitui um tributo cuja administração compete à Autoridade Tributária e, como tal, se insere no âmbito da vinculação à jurisdição arbitral para os efeitos do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011.
O argumento é obviamente improcedente.
O referido preceito da Portaria n.º 112-A/2011 delimita o âmbito de vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição arbitral por referência a litígios que preencham cumulativamente dois seguintes requisitos: (a) tenham por objecto a apreciação de pretensões relativas a impostos; (b) e se trate de impostos cuja administração lhe esteja cometida.
Tendo-se concluído que o CSB constitui uma contribuição financeira está necessariamente afastada a possibilidade de serem submetidos à jurisdição arbitral os litígios que tenham por objecto esse tipo de tributo. Por outro lado, a exigência de que os impostos em causa sejam administrados pela Autoridade Tributária tem unicamente em vista excluir as pretensões relativas a impostos cujo lançamento, liquidação e cobrança não se encontre atribuída à Autoridade Tributária, o que poderá suceder relativamente a impostos administrados pela Região Autónoma da Madeira no âmbito do poder tributário próprio (Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro). Esta segunda limitação, sendo cumulativa, não pode ser lida como respeitando a todas as espécies de tributos já que o se pretende é circunscrever a vinculação à arbitragem tributária às pretensões relativas a impostos que a Autoridade Tributária administra.
Em conclusão: tendo o presente pedido arbitral como objecto a contribuição sobre o sector bancário que reveste a natureza jurídica de contribuição financeira, o tribunal arbitral é incompetente ratione materiae para a apreciação do litígio.
III – Decisão
Termos em que se decide declarar a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria e, em consequência, em absolver a Requerida da instância.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 200.218,64, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, que fica a cargo da Requerente.
Notifique.
Lisboa,14 de Outubro de 2019
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
Paulo Nogueira da Costa
O Árbitro vogal
João Taborda da Gama
(Vencido com declaração e voto em anexo)
Declaração de voto
Votei vencido o presente Acórdão por entender que a Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), criada com uma natureza extraordinária, incidente sobre partes do balanço dos bancos, e com o principal motivo assumido de “aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera o resto da economia e de o fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas”[1], tem a natureza jurídica de imposto, eventualmente com um fim extrafiscal. Tratando-se de um imposto, o CAAD teria competência para julgar o presente litígio. Sem esconder que se trata de uma figura complexa e singular, retiro a natureza jurídica de imposto de um conjunto de elementos e indícios que, de modo muito sucinto, passo a elencar.
No que respeita à Contribuição, o vislumbre de sinalagmaticidade existente – i.e., a oneração de um determinado setor com os custos adicionais que este pode vir a gerar para a sociedade – não é critério suficiente para desconsiderar a CSB enquanto imposto. Ainda para mais dado que sempre tenho defendido que o “imposto será assim, nos casos patológicos, um tipo-residual (…)”[2]. O caráter unilateral da CSB é, de facto, particularmente vincado tendo em conta a inexistência de uma prestação administrativa efetiva ou mesmo presumida, bem como a ausência de custos específicos despoletados por cada um dos sujeitos passivos da Contribuição.
Importa salientar que, sem prejuízo de se identificar comummente nas contribuições uma determinada categoria ou grupo de contribuintes que, por gerarem maiores custos ou obterem maiores proveitos, justificam a aprovação de tributos específicos sobre a forma de contribuições (um sinalagma grupal), os traços identificadores do grupo não podem ser meramente presumidos. Ou seja, se os maiores custos ou maiores proveitos não se verificam relativamente a todos os sujeitos passivos, ou se existir uma disparidade na sua medida, o tributo em causa não é uma contribuição, já que, nesse caso, não se procura responder às necessidades específicas de um grupo (que não existe por falta de uniformidade), mas às necessidades genéricas de um país.
O mesmo se diz quando os fundos obtidos com o tributo não são efetivamente alocados à compensação das prestações administrativas geradas ou aos proveitos obtidos por um determinado grupo. Isto porque, nesse caso, a função principal do tributo é angariar receita para fazer face às despesas gerais do Estado. Uma presumível oneração de um grupo, relacionada com uma característica homogénea negativa deste tem de se traduzir no desenho da incidência subjetiva – mas também objetiva – do tributo.
Ora, no caso da CSB, a sua principal base de incidência, o passivo, tal como delimitado nos termos do artigo 3.º, alínea a) do Regime da Contribuição, não demonstra com particular acuidade o risco maior ou menor de uma ou de outra instituição de crédito para o sistema financeiro, o que reforça a ideia de não estarmos perante uma contribuição, mas sim perante um imposto, eventualmente com um fim também extrafiscal. Repare-se que a existência de passivos não é necessariamente indicativa de maiores riscos sistémicos. O facto de (genericamente) apenas ser considerado o volume do passivo é bem elucidativo de não se pretender visar os maiores custos (ainda que presumidos ou potenciais) de cada sujeito passivo, elemento necessário à existência de uma contribuição.
Ao contrário das contribuições para o Fundo de Resolução que têm em conta o perfil de risco dos bancos[3], a incidência da CSB não está desenhada de molde a que consiga distinguir as instituições financeiras com maior ou menor risco, o que naturalmente não pode deixar de pôr em causa a sua qualificação como contribuição. Repare-se que, nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 24/2013, de 19 de fevereiro, a “taxa a aplicar para determinação das contribuições periódicas incide sobre o valor apurado nos termos do artigo anterior, podendo ser ajustada em função do perfil de risco de cada instituição participante, tendo em consideração a sua situação de solvabilidade”.
Por outro lado, o facto de não ter sido feita uma alocação da receita gerada ao Fundo de Resolução reforça as dúvidas sobre a sua qualificação como contribuição.
Mas mais, recuperando os demais elementos distintivos das três categorias tributárias fundamentais acima elencados (i.e., os pressupostos, finalidade e intensidade com que atingem o património dos particulares), sempre será de reiterar que na génese da Contribuição está a ideia de que o esforço fiscal para o erário público exigido ao sector bancário estaria aquém do esforço exigido aos restantes contribuintes, impondo-se, assim, um maior esforço a este setor.
Repetindo, uma vez mais, as palavras do legislador, a finalidade que presidiu à criação da CSB foi a de “aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera o resto da economia e de o fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos, protegendo também, assim, os trabalhadores do sector e os mecanismos de segurança social”[4].
Ou seja, o próprio legislador não esconde que quer criar um imposto sobre os bancos, e não foge a afirmá-lo partindo de um pressuposto fáctico de uma participação orçamental pequena do setor em sede dos tradicionais impostos sobre o rendimento, absolutamente legal e de causas conhecidas tendo em conta as normas de tributação do rendimento e contabilísticas aplicáveis ao longo do tempo, ou instrumentos recentes como os deferred tax assets. Segue depois o legislador com a alegação do risco, e da necessidade de o fazer refletir mais sobre os bancos, mas o ponto de partida é, repetimos: “aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera o resto da economia”, chamando assim os Bancos “a contribuir de forma mais intensa para a consolidação das contas públicas”.
Desta feita, o pressuposto de base e finalidade primeira da Contribuição é a angariação de receita e uma alocação mais justa dos encargos fiscais. Ora, estes são, precisamente, os pressupostos e objetivos constitucionais dos impostos.
Por último, é por demais evidente a intensidade com que a Contribuição atinge o património dos sujeitos passivos. Não se trata de um tributo menor, que implica um esforço diminuto por parte dos contribuintes. Trata-se de um imposto que incide sobre o passivo apurado e aprovado e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos. Trata-se de um imposto capaz de impor um esforço fiscal de dezenas de milhões de euros, sem contemplar, sequer, a capacidade contributiva dos sujeitos passivos criado de resto num contexto de crise da economia e financeira que afecta o próprio negócio dos bancos.
No caso da CSB a existência, à data da aprovação do tributo, de uma prestação administrativa era tão eventual, que mesmo que a aquela fosse uma contribuição, sempre seria totalmente desproporcionada e, como tal, também por isso inconstitucional[5]. Ou seja, se, nas palavras do Tribunal Constitucional as “contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica”, sempre será de referir que a existir um sinalagma, no caso da CSB esse sempre será meramente eventual, e não presumido[6].
Pelas razões sumariamente elencadas teria concluído estarmos perante um imposto e, como tal, teria considerado que o CAAD era competente para julgar o litígio.
Lisboa, 11 de outubro de 2019
João Taborda da Gama
[1] Relatório do Orçamento do Estado para 2011 elaborado pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública (outubro 2010), 73.
[2] J. L. Saldanha Sanches e João Taborda da Gama, “Taxas Municipais pela Ocupação do Subsolo”, Fiscalidade 19/20, 2004, 10.
[3] Artigos 9.º e ss. do Decreto-Lei n.º 24/2013, de 19 de fevereiro, e Lei n.º 23-A/2015 de 26 de março.
[4] Relatório do Orçamento do Estado para 2011 elaborado pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública (outubro 2010), 73.
[5] Relativamente ao critério da proporcionalidade v. José Casalta Nabais, Direito Fiscal10, (Coimbra: 2017), 43.
[6] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 848/2017, de 13.12.2017.