SUMÁRIO:
“O artigo 63. ° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
Em 12 de fevereiro de 2019, A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de identificação fiscal português ..., com sede em ..., Alemanha, (doravante designado de “Requerente”), representado por B... GMBH, na qualidade de sociedade gestora, com sede na mesma morada, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em conjugação com os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.
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Objeto do pedido:
O Requerente intentou a presente ação arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e a consequente anulação dos atos de retenção na fonte de IRC referentes aos anos de 2015 e de 2016, no valor global de € 34 305,31, por vício de violação de lei, dado que, no seu entender, as normas nacionais aplicáveis violam frontalmente o disposto no artigo 63.º, do TFUE, assim como o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, ínsito no artigo 18.º, do TFUE.
B. Síntese da posição das Partes
a. Do Requerente:
A fundamentar o pedido, o Requerente invoca os seguintes factos e argumentos:
Os dividendos são considerados proveitos resultantes de rendimentos financeiros, nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 20.º do Código do IRC.
De acordo com os normativos nacionais, sempre que são pagos dividendos por uma entidade residente a um sujeito passivo também residente em Portugal, tais rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte por conta do imposto devido a final a uma taxa de 25%.
Contudo, no caso dos OIC constituídos de acordo com a legislação nacional, os mesmos estavam, à data dos factos tributários, isentos de IRC sobre os dividendos obtidos, nos termos do n.º 3 do artigo 22.º do EBF, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, aplicável aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015.
A constituição de um fundo de investimento de acordo com a ordem jurídica nacional (Regime Geral dos OIC, aprovado pela Lei n.º 16/2015, alterada pelo Decreto-Lei n.º 124/2015, de 7 de julho) implica a sua residência em Portugal, estando, assim, vedada a possibilidade de um OIC residente noutro EM da UE estar constituído de acordo com a legislação nacional e beneficiar da norma de isenção prevista no artigo 22.º do EBF.
A constituição de um OIC em Portugal carece de autorização prévia da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do Regime Geral dos OIC, ficando aquele adstrito ao cumprimento de múltiplos requisitos, sob a supervisão da CMVM, o que não sucede no caso de um OIC constituído ao abrigo de legislação de um outro EM da UE e aí sujeito aos poderes de supervisão da respetiva entidade reguladora.
Um OIC constituído ao abrigo do Regime Geral dos OIC, aquando da distribuição de dividendos provenientes de sociedades sediadas em Portugal, estava sujeito, nos anos de 2015 (a partir de julho) e 2016, a um regime fiscal mais favorável do que o aplicável a um OIC constituído de acordo com a legislação de um qualquer outro EM da UE, aquando da distribuição de dividendos de fonte portuguesa.
Tal facto assume maior gravidade no caso do Requerente, que não consegue recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu estado de residência (Alemanha), em virtude do seu estatuto de entidade isenta de tributação.
A distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal ao Requerente é passível de ser qualificada como movimento de capitais na aceção do artigo 63.º do TFUE e da Diretiva 88/361/CEE, de 24 de junho, como se concluiu no Acórdão Verkooijen do TJUE no Processo n.º C-35/98.
De acordo com a jurisprudência do TJUE, o conceito relevante de discriminação à luz do Direito da União Europeia significará que:
(i) Situações semelhantes não deverão ser tratadas de forma diferenciada a não ser nos casos em que tal tratamento diferenciado possa ser objetivamente justificado e seja proporcional ao objetivo prosseguido pela legislação nacional (Caso Ruckdeschel, Proc. n.º 16/77, ECR 1753; Caso Bachmann, Proc. N.º 204/90);
(ii) Uma aparência de discriminação na forma poderá corresponder a uma ausência de discriminação em substância (Proc. n.º 13/63, Refrigeradores Italianos, ECR 165);
(iii) A discriminação em razão da nacionalidade é proibida, pois restringe liberdades fundamentais previstas no TFUE, devendo a proibição abranger toda e qualquer forma de discriminação ou critérios de diferenciação que possam conduzir ao mesmo resultado (Acórdão Commerzbank, Proc. n.º C-330/91);
(iv) Para efeitos de determinar se uma norma interna é discriminatória, não será necessário que a mesma atinja um número relevante de nacionais de outros EM´s (Caso O’Flynn, Proc. n.º C-237/94, 1996, ECR 2617).
Da jurisprudência comunitária resulta que a proibição geral prevista no artigo 63.º do TFUE cobre quer as restrições diretas, quer as restrições indiretas, incluindo as medidas administrativas e orientações administrativas em relação a qualquer tipo de investimento.
No caso concreto, poderíamos ser levados a sustentar que, por não ser uma entidade constituída em Portugal, o Requerente não estaria em condições semelhantes a um OIC nacional; contudo, o que está em causa é um tratamento discriminatório na liberdade de circulação de capitais e no próprio acesso ao mercado de capitais, baseado exclusivamente no critério da nacionalidade, sendo que, para esse efeito, o Requerente e os OIC estabelecidos em Portugal estão em situações comparáveis.
A legislação nacional, embora não vise estabelecer qualquer medida antiabuso, impede que o Requerente possa beneficiar da isenção de IRC, uma vez que este está legalmente impedido de constituir um Fundo em Portugal, pois a respetiva sociedade gestora não é domiciliada neste país.
Daqui resulta um tratamento discriminatório e uma clara restrição da liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE e pelo artigo 1.º da Diretiva 88/361, pois o ora Requerente está sujeito a tributação em Portugal sobre os dividendos aqui obtidos, ao passo que os OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa estão isentos sobre os mesmos rendimentos (cfr. a decisão do TJUE nos Processos C-338/11 a C-347/11 – Caso Santander Asset Management SGIIC, S.A. e no Processo C-480/16 – Caso Fidelity Funds).
Termos em que o Requerente considera que a norma do artigo 22.º, do EBF, se mostra contrária ao Direito da União Europeia, uma vez que colide com as disposições do TFUE relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como relativas à livre circulação de capitais previstas no seu artigo 63.º.
b. Da Requerida
Notificada por despacho arbitral de 24 de abril de 2019, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou Resposta na qual veio defender a legalidade e a manutenção dos atos de retenção na fonte objeto do pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:
O Requerente omite dois aspetos de grande relevância para a definição completa do quadro fiscal dos OIC:
O primeiro, tem a ver com a opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, subtraindo à base tributável dos rendimentos típicos dos OIC, isto é, dos rendimentos de capitais (artigo 5.º do Código do IRS), prediais (artigo 8.º do Código do IRS) e das mais-valias (artigo 10.º do Código do IRS), conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, e ainda prevendo a isenção de derrama municipal e de derrama estadual, nos termos do n.º 6 do artigo 22.º do EBF, deslocando a tributação para a esfera do Imposto do Selo (foi aditada, à TGIS, a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos e que apenas incide sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira).
A outra omissão respeita à tributação autónoma, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º, do Código do IRC e do n.º 8 do artigo 22.º, do EBF, à taxa de 23%, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
No que respeita ao regime fiscal dos Fundos de Investimento constituídos na Alemanha até 31.12.2017, vem a Requerida, com base na informação extraída do site Deloitte tax@hand, acessível através de: www.taxathand.com/article/9698/Germany/2018/Taxation-of-investment-fund-income-revised, dizer que:
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Os Fundos de Investimento constituídos ao abrigo da legislação alemã, até àquela data, eram geralmente tratados como veículos de investimento transparentes, sendo o rendimento gerado tributado na esfera dos seus investidores na Alemanha, independentemente de distribuição;
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O rendimento distribuído e o rendimento imputado (assim como os ganhos intercalares) eram geralmente classificados como rendimentos de capital e tributados a uma taxa fixa de 25%, acrescida de uma sobretaxa de solidariedade e, se aplicável, um imposto da igreja, a uma taxa máxima de 28,625%, ficando o Fundo responsável pela publicação de relatórios diários e anuais com informações fiscalmente relevantes.
Assim, conclui a AT que os regimes fiscais aplicáveis aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional e dos OIC constituídos e estabelecidos na Alemanha não são genericamente comparáveis, pois que a tributação dos primeiros compreende uma tributação em IRC sobre um lucro tributável que integra rendimentos marginais e assenta sobretudo no Imposto do Selo, ao passo que os segundos estavam isentos de tributação no imposto sobre o rendimento e, aparentemente, também de outros impostos.
E que não está demonstrado que embora o Requerente não consiga recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu estado de residência (Alemanha), devido ao seu estatuto de entidade isenta de tributação, a parte do imposto não recuperado pelo Fundo não venha a ser recuperado pelos investidores.
O artigo 63.º, do TFUE, visa assegurar a liberalização da circulação de capitais dentro do mercado interno europeu e entre este e países terceiros, proibindo qualquer restrição ou discriminação resultante do tratamento fiscal diferenciado concedido pelas disposições da lei nacional a entidades de EM´s ou de países terceiros, que crie condições financeiras mais desfavoráveis a estes últimos e seja suscetível de os dissuadir de investir em Portugal.
No caso concreto, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelo Requerente.
O que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, mas a que não corresponde uma discriminação em substância.
O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros EM´s que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.
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Estando em causa a interpretação de normas de direito da União Europeia, foi colocada pelas Partes a questão da necessidade de ser efetuado reenvio prejudicial para o TJUE (artigo 124.º, e pedido subsidiário ii), do PPA), a que a AT se não opôs (artigo 55.º e conclusão b), da Resposta).
O artigo 267.º, do TFUE, prevê que o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE” ou “Tribunal de Justiça”) é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos Tratados (primeiro parágrafo, alínea a)) e estatui a obrigatoriedade de reenvio, sempre que uma questão de tal natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um Estado-Membro (“EM”), quando as decisões desse órgão jurisdicional sejam insuscetíveis de recurso nos termos do respetivo Direito Interno (terceiro parágrafo).
No entanto, ainda que não decida em última instância, o órgão jurisdicional nacional pode proceder ao reenvio prejudicial se considerar imprescindível ao julgamento da causa uma decisão sobre tal questão (segundo parágrafo do artigo 267.º, do TFUE). Apenas no caso de a solução ser clara ou ter já sido apreciada na jurisprudência do TJUE, em caso idêntico ou análogo, é dispensável o reenvio, nos termos do acórdão do Caso Cilfit, Processo n.º C-283/81.
As decisões dos Tribunais Arbitrais a funcionar sob a égide do CAAD são passíveis de recurso em casos muito limitados, previstos na lei: (i) serem suscitadas questões de inconstitucionalidade (artigo 25.º, n.º 1, do RJAT) e/ou (ii) verificar-se oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (artigo 25.º, n.º 2, do RJAT, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 119/2019, de 18/09).
À data da constituição do Tribunal Arbitral e da Resposta da Requerida, anteriores à alteração introduzida ao artigo 25.º, do RJAT, pela Lei n.º 119/2019, de 18/09, não sendo conhecida jurisprudência dos Tribunal Superiores (nem dos Tribunais Arbitrais) sobre a temática em análise e não se afigurando estarem reunidas as condições de dispensa do reenvio prejudicial, foram as Partes notificadas pelo Despacho Arbitral de 05/06/2019 para, no prazo de 15 dias, se pronunciarem, querendo, sobre o teor das questões concretas a colocar ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
Ambas as Partes remeteram aos autos a sua contribuição, com base na qual foram formuladas as questões colocadas ao TJUE na decisão de reenvio prejudicial datada de 9 de julho de 2019, que deu origem à abertura do processo C-545/19, com a consequente suspensão da instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões referidas.
Em 23 de julho de 2020, após audição das Partes, foram prestados pelo órgão jurisdicional de reenvio os esclarecimentos complementares solicitados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.
O Tribunal de Justiça da União Europeia proferiu Acórdão no processo n.º C-545/19, em 17 de março de 2022.
Pelo despacho arbitral de 18 de março de 2022, declarou-se cessada a suspensão da instância na presente ação arbitral e, por estar em causa matéria de direito, não haver factos controvertidos, não terem sido suscitadas exceções e não ter sido requerida a produção de prova adicional, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, bem como a produção de alegações escritas, dado que as posições das Partes foram claramente expostas e desenvolvidas, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta e na colaboração subsequente.
Foram ainda as Partes notificadas de que a decisão arbitral seria proferida dentro do prazo estabelecido pelo n.º 1 do artigo 21.º, do RJAT, advertindo-se o Requerente para, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral remanescente
II. SANEAMENTO
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O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 23 de abril de 2019, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;
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As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março;
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O processo não padece de vícios que o invalidem;
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Não foram invocadas exceções que cumpra apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1 MATÉRIA DE FACTO
Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (PPA) e do processo administrativo (PA), fixa-se como segue:
A – Factos provados:
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O Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo constituído sob a forma contratual, de acordo com a legislação alemã, com sede na Alemanha e gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, com sede na Alemanha, sendo também sujeito passivo de IRC, não residente e sem estabelecimento estável em Portugal (Docs. n.ºs 1 e 2 juntos ao PPA);
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Trata-se de um fundo aberto autónomo baseado num contrato entre a entidade gestora, os investidores e o banco responsável pela guarda dos valores mobiliários, que tem exclusivamente por objeto a administração, gestão e investimento do seu património (Doc. n.º 3 junto ao PPA);
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Não revestindo forma societária, o Requerente não se encontra sujeito a qualquer obrigação de registo no Registo Comercial alemão, não podendo ser titular de direitos ou obrigações (Doc. n.º 4 junto ao PPA);
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Ao abrigo das regras de direito alemão a que está sujeito, os ativos pertencentes ao Fundo estão num regime de compropriedade com os investidores, sendo o capital investido pela sociedade gestora, em seu próprio nome (Doc. n.º 5 junto ao PPA);
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As unidades de participação adquiridas pelos investidores não lhes conferem direito de voto ou de dispor dos ativos do Requerente, o que apenas compete à entidade gestora, ficando os direitos dos investidores limitados à perceção dos dividendos e ao resgate das unidades de participação, a qualquer momento (Doc. n.º 5 junto ao PPA);
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Tanto o Requerente como a sua entidade gestora estão sujeitos a supervisão do Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht (BaFin) (Doc. n.º 6 junto ao PPA);
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O Requerente é uma entidade fiscalmente residente na Alemanha, ali sujeito a imposto sobre as pessoas coletivas, embora dele isento, nos termos da Secção 1 parágrafo 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades Alemão – “German Corporate Income Tax Act” – e da secção 11 parágrafo 1,2 do Código Fiscal de Investimento Alemão – “German Investment Tax Act”), o que o impede de recuperar os impostos suportados no estrangeiro, a título de crédito por dupla tributação internacional, ou formular qualquer pedido de reembolso (Doc. n.º 4 junto ao PPA);
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Nos anos de 2015 e de 2016, o Requerente era detentor de lotes de participações sociais em diversas sociedades residentes em Portugal, sendo entidade responsável pela custódia dos títulos detidos em Portugal a C... (Docs. n.ºs 6 e 7 juntos ao PPA);
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Os dividendos recebidos pelo Requerente no decorrer dos anos de 2015 e 2016 foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25% prevista no artigo 87.º, número 4, alínea c) do Código do IRC, pelo valor total de 39 371,29, entregue nos cofres do Estado através das guias n.º ... (dezembro de 2015) e n.º ... (maio de 2016) - (Docs. n.ºs 6 e 7 juntos ao PPA);
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O Requerente obteve o reembolso da quantia de € 5 065,98, ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha, no qual se prevê a taxa de 15% para a tributação dos dividendos (facto não contestado);
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Em 29 de dezembro de 2017, o Requerente apresentou reclamação graciosa dos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2015 e 2016, na qual solicitou a anulação dos mesmos por violação direta do Direito Comunitário, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal (Doc. n.º 9 junto ao PPA);
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A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada ao Requerente em 15 de novembro de 2018 (Doc. n.º 10 junto ao PPA);
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O pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 12 de fevereiro de 2019;
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O Requerente pretende a anulação dos atos de retenção na fonte pela quantia remanescente, de € 34 305,31.
B – Factos não provados:
Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.
C – Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.
Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos dados como provados decorrem da análise crítica dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral e da posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados, face princípio da livre valoração da prova (artigo 110.º, n.º 7, do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
III.2 DO DIREITO
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A(s) questão(ões) a decidir
Tendo por base as propostas formuladas pelas Partes, decidiu o órgão jurisdicional de reenvio colocar à apreciação do TJUE, nos termos e para o efeito do disposto no artigo 267.º, segundo parágrafo, do TFUE, as seguintes questões prejudiciais:
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O artigo 56.º [CE] (atual artigo 63.º TFUE), relativo à livre circulação de capitais, ou o artigo 49.º [CE] (atual artigo 56.º TFUE), relativo à livre prestação de serviços, opõem-se a um regime fiscal como o que está em causa no litígio no processo principal, constante do artigo 22.º do EBF, que prevê a retenção na fonte de imposto com caráter liberatório sobre os dividendos recebidos de sociedades portuguesas a favor de OIC não residentes em Portugal e estabelecidos noutros países da UE, ao mesmo tempo que os OIC constituídos ao abrigo da legislação fiscal portuguesa e residentes fiscais em Portugal podem beneficiar de uma isenção de retenção na fonte sobre tais rendimentos?
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Ao prever uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção de retenção na fonte, a regulamentação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes, uma vez que a estes últimos não lhes é dada qualquer possibilidade de aceder a semelhante isenção?
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O enquadramento fiscal dos detentores de participações dos OIC será relevante para efeitos de apreciação do caráter discriminatório da legislação portuguesa, tendo presente que esta prevê um tratamento fiscal autónomo e distinto (i) para os OIC (residentes) e (ii) para os respetivos detentores de participações dos OIC? Ou, tendo presente que o regime fiscal dos OIC residentes não é, de todo, alterado ou afetado pela circunstância de os respetivos participantes serem residentes ou não residentes em Portugal, a apreciação da comparabilidade das situações para fins de determinar o caráter discriminatório da referida regulamentação deve ser realizada apenas por referência à fiscalidade aplicável ao nível do veículo de investimento?
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Será admissível a diferença de tratamento entre OIC residentes e não residentes em Portugal, tendo em conta que as pessoas singulares ou coletivas residentes em Portugal, que sejam detentoras de participações de OIC (residentes ou não residentes) são, em ambos os casos, igualmente sujeitas (e, em regra, não isentas) a tributação sobre os rendimentos distribuídos pelos OIC, sujeitando os detentores de participações em OIC não residentes a uma fiscalidade mais elevada?
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Tendo em consideração que a discriminação em análise no presente litígio diz respeito a uma diferença na tributação do rendimento relativamente a dividendos distribuídos pelos OIC residentes aos respetivos detentores de participações nos OIC, é legítimo, para efeitos da análise da comparabilidade da tributação sobre o rendimento considerar outros impostos, taxas ou tributos incorridos no âmbito dos investimentos efetuados pelos OIC? Em particular, é legítimo e admissível, para efeitos da análise de comparabilidade, considerar o impacto associado a impostos sobre o património sobre despesas ou outros, que não estritamente o imposto sobre o rendimento dos OIC, incluindo eventuais tributações autónomas?
Está, assim, em causa nos presentes autos aferir da compatibilidade entre os normativos nacionais que isentam de tributação, em sede de IRC, os dividendos pagos por entidades com sede em Portugal a OIC com sede neste país, constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa, tributando por retenção na fonte a título definitivo, os dividendos distribuídos por entidades residentes a OIC com sede em outro Estado Membro (EM) da União Europeia (EU), no caso, a Alemanha e, portanto, não constituídos de acordo com a legislação nacional, com as disposições do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), máxime, com os seus artigos 56.º e 63.º que, respetivamente, consagram as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais.
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Da legislação nacional aplicável
Para apreciação das questões prejudiciais suprarreferidas, foi disponibilizado ao TJUE o seguinte quadro legislativo, na redação em vigor à data dos factos:
- Estatuto dos Benefícios Fiscais:
“Artigo 22.º- Organismos de Investimento Coletivo
1 - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento
mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
(…)
3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos
referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.
(…)
6 - As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.
7 - Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.
8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.
(…)
10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.
(…)
14 - O disposto no n.º 7 aplica-se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.
15 - As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente
responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.
(…)”.
- Código do IRC
“Artigo 3.º - Base do imposto
1 - O IRC incide sobre:
(…)
d) Os rendimentos das diversas categorias, consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, os incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito por entidades mencionadas na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior que não possuam estabelecimento estável ou que, possuindo-o, não lhe sejam imputáveis.
(…)”
“Artigo 4.º - Extensão da obrigação de imposto
(…)
2 - As pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam:
c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado:
3) Outros rendimentos de aplicação de capitais;
(…)”
“Artigo 87.º - Taxas
(…)
4 - Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%,
(…).”
“Artigo 88.º - Taxas de tributação autónoma
(…)
11 - São tributados autonomamente, à taxa de 23 %, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
(…)”
“Artigo 94.º - Retenção na fonte
1 - O IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português:
(…)
c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade;
(…)
3 - As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, exceto nos seguintes casos em que têm carácter definitivo:
(…)
b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis.
(…)
5 - Excetuam-se do disposto no número anterior as retenções que, nos termos do n.º 3, tenham carácter definitivo, em que são aplicáveis as correspondentes taxas previstas no artigo 87.º
6 - A obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código do IRS ou, na sua falta, na data da colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas e essa entrega ser feita nos termos estabelecidos no Código do IRS ou em legislação complementar.
(…)”
- Código do Imposto do Selo – Tabela Geral
“29 - Valor líquido global dos organismos de investimento coletivo abrangidos pelo artigo 22.º do EBF:
29.1 - Organismos de investimento coletivo que invistam, exclusivamente, em instrumentos do mercado monetário e depósitos - sobre o referido valor, por cada trimestre: 0,0025 %
29.2 - Outros organismos de investimento coletivo - sobre o referido valor, por cada trimestre: 0,0125 %.”.
Posteriormente, a solicitação do TJUE, foram prestados, após audição das partes, os seguintes esclarecimentos complementares, quanto às terceira, quarta e quinta questões prejudiciais e ao regime de tributação dos OIC e dos titulares das respetivas Unidades de Participação (UP):
- Estatuto dos Benefícios Fiscais
“Artigo 22.º-A - Rendimentos pagos por organismos de investimento coletivo aos seus participantes
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3, os rendimentos de unidades de participação ou participações sociais em entidades a que se aplique o regime previsto no artigo anterior, são tributados em IRS ou IRC, nos seguintes termos:
a) No caso de rendimentos distribuídos a titulares residentes em território português, ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território, por retenção na fonte:
i) À taxa prevista no n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRS, quando os titulares sejam sujeitos passivos de IRS, tendo a retenção na fonte caráter definitivo quando os rendimentos sejam obtidos fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola;
ii) À taxa prevista no n.º 4 do artigo 94.º do Código do IRC, quando os titulares sejam sujeitos passivos deste imposto, tendo a retenção na fonte a natureza de imposto por conta, exceto quando o titular beneficie de isenção de IRC que exclua os rendimentos de capitais, caso em que tem caráter definitivo;
(…)
c) No caso de rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário e de participações sociais em sociedades de investimento imobiliário de que sejam titulares sujeitos passivos não residentes, que não possuam um estabelecimento estável em território português ao qual estes rendimentos sejam imputáveis, por retenção na fonte a título definitivo à taxa de 10 %, quando se trate de rendimentos distribuídos ou decorrentes de operações de resgate de unidades de participação ou autonomamente à taxa de 10 %, nas restantes situações;
d) No caso de rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário ou de participações sociais em sociedades de investimento mobiliário a que se aplique o regime previsto no artigo anterior, incluindo as mais-valias que resultem do respetivo resgate ou liquidação, cujos titulares sejam não residentes em território português sem estabelecimento estável aí situado ao qual estes rendimentos sejam imputáveis, os mesmos estão isentos de IRS ou de IRC;
e) Nos restantes casos, nos termos previstos no Código do IRS ou no Código do IRC.
2 - O disposto na subalínea i) da alínea a) e na alínea b) do número anterior não prejudica a opção pelo englobamento quando os rendimentos sejam obtidos por sujeitos passivos de IRS fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, caso em que o imposto retido tem a natureza de imposto por conta, nos termos do artigo 78.º do Código do IRS.
3 - (redação do D. L. n.º 7/2015) O disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1 não é aplicável, sendo os rendimentos tributados nos termos das alíneas a), b) ou e) do mesmo número, quando:
a) Os titulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças;
b) Os titulares sejam entidades não residentes que sejam detidas, direta ou indiretamente, em mais de 25 % por entidades ou pessoas singulares residentes em território nacional.
3 - (redação da Lei n.º 7-A/2016, de 30.03) O disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1 não é aplicável quando:
a) Os titulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, caso em que os rendimentos são tributados:
i) Por retenção na fonte a título definitivo à taxa prevista no n.º 12 do artigo 71.º do Código do IRS ou na alínea i) do n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC, consoante o caso, tratando-se de rendimentos distribuídos ou decorrentes do resgate de unidades de participação;
ii) Nos termos da alínea e) do n.º 1, nos restantes casos.
b) Os rendimentos sejam pagos ou colocados à disposição em contas abertas em nome de um ou mais titulares mas por conta de terceiros não identificados, caso em que, exceto quando seja identificado o beneficiário efetivo, os rendimentos são tributados, por retenção na fonte a título definitivo à taxa prevista no n.º 12 do artigo 71.º do Código do IRS ou na alínea h) do n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC, consoante o caso;
c) Os titulares sejam entidades não residentes que sejam detidas, direta ou indiretamente, em mais de 25 % por entidades ou pessoas singulares residentes em território nacional, exceto quando essa entidade seja residente noutro Estado membro da União Europeia, num Estado membro do Espaço Económico Europeu que esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia ou num Estado com o qual tenha sido celebrada e se encontre em vigor convenção para evitar a dupla tributação que preveja a troca de informações, caso em que os rendimentos são tributados nos termos da alínea e) do n.º 1.
(…)
13 - Para efeitos da aplicação deste regime, os rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário e as participações sociais em sociedades de investimento imobiliário, incluindo as mais-valias que resultem da respetiva transmissão onerosa, resgate ou liquidação, são considerados rendimentos de bens imóveis.”.
- Código do IRC
“Artigo 20.º - Rendimentos e ganhos
1 - Consideram-se rendimentos e ganhos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente:
(…)
c) De natureza financeira, tais como juros, dividendos, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, prémios de emissão de obrigações e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;
(…)”.
“Artigo 51.º - Eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos (redação em vigor a partir de 01.04.2016)
1 - Os lucros e reservas distribuídos a sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português não concorrem para a determinação do lucro tributável, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a) O sujeito passivo detenha direta ou direta e indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, uma participação não inferior a 10 % do capital social ou dos direitos de voto da entidade que distribui os lucros ou reservas;
b) A participação referida no número anterior tenha sido detida, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à distribuição ou, se detida há menos tempo, seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período;
c) O sujeito passivo não seja abrangido pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º;
d) A entidade que distribui os lucros ou reservas esteja sujeita e não isenta de IRC, do imposto referido no artigo 7.º, de um imposto referido no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, ou de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC e a taxa legal aplicável à entidade não seja inferior a 60 % da taxa do IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º;
e) A entidade que distribui os lucros ou reservas não tenha residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.
(…)
9 - Nos casos em que os requisitos previstos nos números anteriores não se encontrem preenchidos, os lucros e reservas distribuídos ao sujeito passivo podem ainda beneficiar de crédito de imposto por dupla tributação internacional, nos termos do disposto nos artigos 91.º e 91.º-A.
(…)”
“Artigo 14.º - Outras isenções
(…)
3 - Estão isentos os lucros e reservas que uma entidade residente em território português, sujeita e não isenta de IRC ou do imposto referido no artigo 7.º [imposto sobre o jogo] e não abrangida pelo regime previsto no artigo 6.º [transparência fiscal], coloque à disposição de uma entidade que:
a) Seja residente:
1) Noutro Estado membro da União Europeia;
2) Num Estado membro do Espaço Económico Europeu que esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia
3) Num Estado com o qual tenha sido celebrada e se encontre em vigor convenção para evitar a dupla tributação que preveja a troca de informações;
b) Esteja sujeita e não isenta de um imposto referido no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, ou de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC desde que, nas situações previstas na subalínea 3) da alínea anterior, a taxa legal aplicável à entidade não seja inferior a 60 % da taxa do IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º;
c) Detenha direta ou direta e indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, uma participação não inferior a 10 % do capital social ou dos direitos de voto da entidade que distribui os lucros ou reservas;
d) Detenha a participação referida na alínea anterior de modo ininterrupto, durante o ano anterior à colocação à disposição;
4 - Para efeitos da aplicação do regime previsto no número anterior, deve ser feita prova do cumprimento das respetivas condições, perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte, em momento anterior à data da colocação à disposição dos lucros e reservas distribuídos, devendo a prova relativa aos requisitos estabelecidos nas alíneas a) e b) do número anterior ser efetuada através de declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado de que é residente esta entidade, sendo ainda de observar o previsto no artigo 119.º do Código do IRS.
5 - Para efeitos do disposto no n.º 3, considera-se como entidade residente a que, como tal, seja qualificada pela legislação fiscal do respetivo Estado e que, ao abrigo das convenções destinadas a evitar a dupla tributação celebradas por este Estado, não seja considerada, para efeitos fiscais, residente noutro Estado.
6 - O disposto nos n.ºs 3 e 4 é igualmente aplicável aos lucros e reservas distribuídos que uma entidade residente em território português coloque à disposição de um estabelecimento estável situado noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu de uma entidade que cumpra os requisitos estabelecidos nas alíneas a) a d) do n.º 3
7 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por estabelecimento estável qualquer instalação fixa através da qual uma sociedade exerce, no todo ou em parte, a sua atividade e esteja sujeita a imposto, ao abrigo da convenção para evitar a dupla tributação ou, na sua ausência, ao abrigo do direito nacional.
8 - Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3, 4 e 5, estão ainda isentos de IRC os lucros que uma entidade residente em território português coloque à disposição de uma sociedade residente na Confederação Suíça, nos termos e condições referidos no artigo 15.º do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça, que prevê medidas equivalentes às previstas na Diretiva n.º 2003/48/CE, do Conselho, de 3 de junho, relativa à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros, sempre que:
a) A sociedade beneficiária dos lucros tenha uma participação mínima direta de 25% no capital da sociedade que distribui os lucros desde há pelo menos dois anos; e
b) Nos termos das convenções destinadas a evitar a dupla tributação celebradas por Portugal e pela Suíça com quaisquer Estados terceiros, nenhuma das entidades tenha residência fiscal nesse Estado terceiro; e
c) Ambas as entidades estejam sujeitas a imposto sobre o rendimento das sociedades sem beneficiarem de uma qualquer isenção e ambas revistam a forma de sociedade limitada.
9 - A prova da verificação das condições e requisitos de que depende a aplicação do disposto no número anterior é efetuada nos termos previstos na parte final do n.º 4, com as necessárias adaptações.”.
- Código do IRS
“Artigo 71.º - Taxas liberatórias
1 - Estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28 %:
a) Os rendimentos de capitais obtidos em território português, por residentes ou não residentes, pagos por ou através de entidades que aqui tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento e que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada;
b) Os rendimentos de valores mobiliários pagos ou colocados à disposição dos respetivos titulares, residentes em território português, devidos por entidades que não tenham aqui domicílio a que possa imputar-se o pagamento, por intermédio de entidades que estejam mandatadas por devedores ou titulares ou ajam por conta de uns ou outros.
(…)
6 - Os rendimentos a que se refere o n.º 1 podem ser englobados para efeitos da sua tributação, por opção dos respetivos titulares, residentes em território nacional, desde que obtidos fora do âmbito do exercício de atividades empresariais e profissionais.
7 - Feita a opção a que se refere o número anterior, a retenção que tiver sido efetuada tem a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.
(…)”.
“Artigo 40.º-A - Dupla tributação económica
1 - Os lucros devidos por pessoas coletivas sujeitas e não isentas do IRC são, no caso de opção pelo englobamento, considerados em apenas 50 % do seu valor.
2 - O disposto no número anterior é aplicável se a entidade devedora dos lucros ou que é liquidada tiver a sua sede ou direção efetiva em território português e os respetivos beneficiários residirem neste território.
(…)
4 - O disposto no n.º 1 é igualmente aplicável aos lucros distribuídos por entidade residente noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado membro do Espaço Económico Europeu que esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia, desde que tal entidade preencha os requisitos e condições estabelecidos no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados membros diferentes.
5 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo deve dispor de prova de que a entidade cumpre os requisitos e condições estabelecidos no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, efetuada através de declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu de que é residente.”.
-
O Acórdão do TJUE – processo n.º C-545/19[1]
Com base no quadro factual e legislativo descrito, foi, em 17 de março de 2022, proferido Acórdão do TJUE no processo n.º C-545/19, no qual foram apreciadas conjuntamente as questões prejudiciais acima enunciadas, colocadas ao abrigo do artigo 267. °, do TFUE, decidindo:
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Quanto à liberdade de circulação aplicável
Tendo em conta que as questões prejudiciais foram submetidas à luz tanto do artigo 56.º, como do artigo 63.º, do TFUE, começou o TJUE por esclarecer, de acordo com a jurisprudência assente, que “Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar‑se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.ºs 35 e 36).” (parágrafo 33).
Acrescentando que “Além disso, admitindo que a legislação em causa no processo principal tem por efeito proibir, perturbar ou tornar menos atrativas as atividades de um OIC estabelecido num Estado‑Membro diferente da República Portuguesa, onde presta legalmente serviços análogos, esses efeitos seriam a consequência inevitável do tratamento fiscal de que são objeto os dividendos pagos a esse organismo não residente e não justificam uma análise distinta das questões prejudiciais à luz da livre prestação de serviços. Com efeito, esta liberdade afigura‑se, neste caso, secundária relativamente à livre circulação de capitais e pode estar‑lhe associada (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.º 37).”. (parágrafo 34).
Em face de tais considerações, foram as questões examinadas à luz da liberdade de circulação de capitais, consagrada no artigo 63.º, do TFUE.
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Da liberdade de circulação de capitais
No seguimento da jurisprudência constante dos Acórdãos de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.º 49, decidiu o TJUE que, “Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes”, que “pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.ºs 44, 45 e jurisprudência referida).”, poderá constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais.
Averiguou o TJUE da possibilidade de uma eventual derrogação ao disposto no artigo 63.º, do TFUE, tendo em conta que, nos termos do artigo 65.º, n.º 1, alínea a), do TFUE, aquele não prejudica o direito de os Estados Membros “Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”.
A tal propósito, lembrou o TJUE que, de acordo com a jurisprudência firmada, “a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.º 29 e jurisprudência referida]” e que “para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.º 30 e jurisprudência referida]”.
Quanto à comparabilidade das situações dos OIC residentes e não residentes, bem como dos detentores das respetivas participações sociais, concluiu o TJUE que “Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.º 47 e jurisprudência referida).” (parágrafo 49).
A este respeito, não obstante as alegações do Governo português de que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de OIC (residentes e não residentes) é regulada por diferentes técnicas de tributação – sujeitos a retenção na fonte quando pagos a um OIC não residente e a imposto do selo e à tributação autónoma prevista no n.º 11 do artigo 88.º, do CIRC, se pagos a um OIC residente e que, ficando os dividendos distribuídos pelos OIC residentes a detentores das suas participações sociais, pessoas singulares residentes ou não residentes com estabelecimento estável, sujeitos a IRS à taxa de 28% e, no caso das pessoas coletivas residentes a IRC à taxa de 25%, enquanto os dividendos pagos a detentores de participações sociais não residentes no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, o que leva a uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais, imprescindível à coerência do sistema tributário –, não esquecendo a situação de transparência fiscal do Requerente, que livremente optou por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável e cujos detentores de participações sociais podem imputar ou creditar o imposto retido na fonte em Portugal ao imposto por eles devido no país da sua residência, o TJUE concluiu que um OIC não residente se encontra numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal.
Quanto ao argumento da tributação dos dividendos pagos por sociedades nacionais a OIC residentes e a OIC não residentes por técnicas de tributação diferentes, considerou o TJUE, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que a legislação causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes.
Salienta ainda que embora o imposto do selo, de natureza patrimonial, incidente sobre o rendimento do capital acumulado, pudesse ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente poderia escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, possibilidade que não está aberta a um OIC não residente.
Por outro lado, a tributação autónoma prevista no n.º 11 do artigo 88.º, do CIRC, apenas incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período, só ocorre em casos limitados, não podendo ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes, não colocando estes numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.
Ora, apesar de os OIC residentes poderem ser tributados em sede de imposto do selo, caso optem pela não distribuição de lucros aos titulares das respetivas UP, mas antes pela sua acumulação, bem como pela tributação autónoma prevista no n.º 11 do artigo 88.º, do CIRC, apenas se reunidas as condições ali indicadas, impostos que a que não estão sujeitos os OIC não residentes, estes estão sempre sujeitos a IRC, por retenção na fonte a título definitivo, sem possibilidade de beneficiar de qualquer isenção deste imposto.
Deste modo, não pode o Tribunal Arbitral deixar de concluir com o TJUE que os OIC não residentes, beneficiários de dividendos pagos por sociedades residentes, estão colocados, deste ponto de vista, numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente.
No que concerne à opção do Requerente por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, observa o TJUE que, de acordo com a resposta dada pela Comissão em resposta às perguntas escritas que lhe foram dirigidas, “no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado‑Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado‑Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias” (parágrafo 58), apenas sendo relevantes na apreciação da comparabilidade das situações transfronteiriças os critérios que tenham em conta o objetivo, bem como o objeto e o conteúdo das disposições nacionais controvertidas.
Quanto ao objetivo das disposições nacionais de tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes a OIC residentes, defendeu a AT, como aliás resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, que estabeleceu o atual regime, introduzindo, entre outras, alterações ao Estatuto dos Benefícios Fiscais e ao Código do Imposto do Selo, que este assenta num sistema de tributação “à saída”, nos termos do qual os investidores não residentes continuam a beneficiar de uma isenção de imposto sobre os rendimentos pagos por tais organismos, assim evitando, por um lado a dupla tributação económica internacional e, por outro, aproximando a tributação da que ocorreria se os mesmos fossem diretamente obtidos pelos participantes desses OIC, passando a tributar em IRS e em IRC os rendimentos auferidos pelos investidores.
No entanto, precisa o TJUE que, “a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes” (parágrafo 65), pois “é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica” (parágrafo 66).
Crê-se, contudo, que o regime de tributação “à saída”, ao transferir o imposto para a esfera dos detentores das participações sociais dos OIC residentes, não vise apenas evitar a dupla tributação económica dos dividendos de que são beneficiários (existem outros métodos para atingir esse objetivo, designadamente através da isenção dos lucros distribuídos[2]), visando, em simultâneo, evitar a renúncia à receita fiscal que decorreria da isenção de imposto sobre o rendimento dos dividendos pagos a OIC não residentes, no pressuposto de que os titulares das respetivas unidades de participação seriam, exclusivamente, investidores não residentes, relativamente aos quais a República Portuguesa não poderia exercer o seu poder de tributar.
Quanto ao primeiro destes objetivos, considerou o TJUE que “o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes” (parágrafo 66) e que “Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentejs em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal” (parágrafo 67).
Quanto ao segundo objetivo, recorda o TJUE que nada impedindo que os detentores de unidades de participação de um OIC não residente sejam fiscalmente residentes em Portugal, o OIC não residente encontra-se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal.
Por outro lado, não podendo Portugal exercer o poder de tributar sobre os detentores não residentes de unidades de participação em OIC não residentes e sendo o único critério de distinção entre estes e os OIC residentes o do local da respetiva sede (parágrafo 73), fica reforçada a comparabilidade objetiva das situações destas duas categorias de OIC.
Não obstante declarar que os OIC não residentes se encontram em situação objetivamente comparável à dos OIC residentes, sob qualquer dos pontos de vista indicados, analisou ainda o TJUE a eventual existência de uma razão imperiosa de interesse geral invocada pela AT, com fundamento na necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.
Relativamente à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, entendeu o Tribunal de Justiça, na esteira dos Acórdãos de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10 e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, que “para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal” (parágrafo 78).
No caso dos autos, não estando a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes “sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte”, não se verifica “uma relação direta (…) entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo” que permita invocar a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional como justificação para a restrição à liberdade de circulação de capitais.
Por outro lado, entendeu também o TJUE que não é de acolher a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre Portugal e a Alemanha, pois, tal como já decidido, entre outros, no seu Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, “quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos.”.
Face à análise do caso concreto, concluiu o Tribunal de Justiça que “O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”.
Como corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia têm carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, ao permitirem a uniformidade na aplicação do direito da União no território dos Estados-Membros em aplicação do princípio do primado ou prevalência do direito da União sobre o direito nacional, acolhido pelo n.º 4 do artigo 8.º, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.”.
Em conformidade, concluindo-se pela incompatibilidade do artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, com o disposto no artigo 63.º, do TFUE, na medida em que limita o regime nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia, impõe-se a não aplicação do referido normativo nacional, bem como a declaração de ilegalidade, por vício de violação de lei, dos atos de retenção na fonte objeto do pedido de pronúncia arbitral, com a sua consequente anulação, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, ex vi artigos 2.º, da Lei Geral Tributária (LGT), 2.º, do CPPT e 29.º, do RJAT .
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Dos pedidos de restituição do indevido e juros indemnizatórios
Dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, que a AT fica vinculada a, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.
De igual modo, o n.º 1 do artigo 100.º da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, estabelece que “1 - A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.
Assim, tendo o processo arbitral tributário sido concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte), da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), deverão entender-se incluídos na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os poderes que, na impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, designadamente a competência para apreciar o direito a juros indemnizatórios.
O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º da LGT, que fixa o momento a partir do qual os mesmos são devidos, por erro imputável aos serviços (n.ºs 1 e 2) ou por “outras circunstâncias” (n.º 3), bem como a respetiva taxa (n.º 4) e a consequência do atraso na execução da sentença transitada em julgado (n.º 5).
Nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º, da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, com entrada em vigor no dia imediato ao da sua publicação e com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2011, “São também devidos juros indemnizatórios (…) d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.
No caso dos autos, estando em causa a declaração de ilegalidade da legislação nacional, maxime, do n.º 1 do artigo 22.º, do EBF, por violação do disposto no artigo 63.º, do TFUE, e, reflexamente, do n.º 4 do artigo 8.º, da CRP, há que reconhecer o direito do Requerente a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT.
IV. DECISÃO
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se:
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Declarar a ilegalidade do artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia, por desconformidade com o artigo 63.º do TFUE;
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Declarar a ilegalidade, com a consequente anulação, dos atos de retenção na fonte de IRC dos anos de 2015 e de 2016, identificados no pedido de pronúncia arbitral:
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Condenar a Requerida na restituição do imposto indevidamente pago pelo Requerente, no valor de € 34 305,31;
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Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre a referida quantia de € 34 305,51, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 34 305,31 (trinta e quatro mil, trezentos e cinco e trinta e um cêntimos).
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 836,00 (mil, oitocentos e trinta e seis euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifiquem-se as Partes, bem como Digno Representante do Ministério Público, nos termos e para os efeitos dos artigos 280.º, n.º 3, da Constituição e 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional e 185.º-A, n.º 2, do CPTA, subsidiariamente aplicável.
Lisboa, 17 de junho de 2022.
O Árbitro,
/Mariana Vargas/
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.
[1] Disponível para consulta em https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=AED083FA8FA02CE95E7517CE8B347E6D?text=&docid=256021&pageIndex=0&doclang=pt&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=422856
[2] Sobre os métodos de eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos, que operam ao nível da sociedade que distribui os lucros e ao nível dos sócios, cfr. Freitas Pereira, “Fiscalidade”, Almedina, 2014, págs. 107 e ss.