Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma e Dr.ª Filipa Barros (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 12-09-2017, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., portadora do número de identificação de pessoa colectiva..., com sede no Edifício ... sito na ..., em ... (doravante “Requerente”) veio, ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 2,º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou ”RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade das seguintes liquidações adicionais de IVA:
– n.º..., respeitante ao período 201404;
– n.º..., respeitante ao período 201405;
– n.º..., respeitante ao período 201406;
– n.º..., respeitante ao período 201407;
– n.º ..., respeitante ao período 201408;
– n.º..., respeitante ao período 201409;
– n.º..., respeitante ao período 201410;
– n.º..., respeitante ao período 201411;
– n.º..., respeitante ao período 201412;
– n.º..., respeitante ao período 201501;
– n.º..., respeitante ao período 201502;
– n.º..., respeitante ao período 201503;
– n.º..., respeitante ao período 201504;
– n.º..., respeitante ao período 201505;
– n.º..., respeitante ao período 201506;
– n.º..., respeitante ao período 201507;
– n.º..., respeitante ao período 201508;
– n.º ..., respeitante ao período 201509;
– n.º..., respeitante ao período 201510;
– n.º..., respeitante ao período 201511;
– n.º ..., respeitante ao período 201512;
– n.º..., respeitante ao período 201601;
– n.º ..., respeitante ao período 201602;
– n.º ..., respeitante ao período 201603;
– n.º..., respeitante ao período 201604;
– n.º..., respeitante ao período 201605;
– n.º..., respeitante ao período 201606;
– n.º..., respeitante ao período 201607;
– n.º..., respeitante ao período 201610;
– n.º ..., respeitante ao período 201611.
A Requerente pretende ainda ver apreciada a legalidade das liquidações de juros compensatórios, de juros de mora e das demonstrações de acerto de contas associadas a estas liquidações.
A Requerente pede ainda que, caso o Tribunal entenda que subsistem dúvidas seja efectuado o reenvio prejudicial para o TJUE nos termos e moldes previstos nos artigos 313.º a 321.º do pedido de pronúncia arbitral.
Pede ainda a Requerente que, caso se considere que a Requerente deve ser enquadrado no regime de isenção de IVA durante os anos de 2014 a 2016, a devolução por parte da AT à Requerente do IVA indevidamente liquidado e pago ao Estado, no valor de € 2.308.274,14.
A Requerente pede ainda a devolução do IVA que considera indevidamente pago e indemnização pela prestação de garantia bancária.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 28-06-2017.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 14-08-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 12-09-2017.
Em 17-10-2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que suscitou a excepção da incompetência material da jurisdição arbitral, por entender, em suma, ter o «legislador optado por não contemplar (no RJAT) a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária».
A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou a questão da suspensão da instância nos termos do artigo 272.º do CPC, por a Requerente ter pedido em acção pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de ... «anulação do acto administrativo de alteração oficiosa do enquadramento em sede de IVA da impugnante, com efeitos a 1 de Outubro de 2012, cuja proposta de alteração foi notificada à impugnante a 7 de Outubro de 2014, através do Ofício nº..., de 3 de Outubro de 2014, da Direcção de Finanças de..., tendo-se convertido em definitiva a 23 de Outubro de 201, e cumulativamente, de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a adoptar os actos e operações necessários à reconstituição da situação que existiria se o acto cuja anulação se requer não tivesse sido praticado, i.e., a reenquadrar a impugnante no regime normal de IVA, como praticando apenas operações tributadas em IVA que conferem o direito à dedução, com efeitos a 1 de Outubro de 2012», do que a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que «a Requerente vem formular o mesmo pedido já que num e noutro pretende lhe seja permitido o direito à renúncia à isenção de IVA consagrado na alínea b) do nº 1 do artigo 12.º do Código do IVA e consequentemente a anulação das liquidações adicionais que lhe foram efectuadas por não ter sido reconhecido esse direito».
Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente e que «deve ser ordenado o reenvio do processo ao TJUE, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE, para efeitos de definir o recorte da renúncia ao regime de isenção nos termos do artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA».
Por despacho de 20-10-2017,
– foi indeferido o requerimento de declarações de parte formulado pela Requerente;
– notificada a Autoridade Tributária e Aduaneira para juntar documentos;
– notificada a Requerente para se pronunciar sobre a questão prévia e excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
– notificada a Autoridade Tributária e Aduaneira para explicitar as concretas questões que pretende que sejam objecto de reenvio prejudicial para o TJUE, com indicação das normas de direito da União Europeia que entende que carecem de interpretação para aplicação ao caso em apreço.
Em 03-11-2017, a Requerente pronunciou-se sobre a questão prévia e excepções, defendendo a sua improcedência.
Em 10-11-2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio indicar as questões que pretende que sejam colocadas em reenvio e juntou documentos, não juntando uma informação solicitada pela Requerente, invocando que não existe neste sentido ficheiros da Autoridade Tributária e Aduaneira com o número indicado pela Requerente.
As questões sobre as quais a Autoridade Tributária e Aduaneira pretende que seja efectuado reenvio para o TJUE são as seguintes:
«1ª) - Se uma entidade como a Requerente deve ser considerada como exercendo a sua actividade em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos de direito público, nos termos do artigo 132º nº1 – b) da Directiva 2006/112/CE, de 28 de Dezembro.
2ª) – Se, em caso afirmativo, pode renunciar à isenção prevista no artigo 12º, nº 1 – b) do Código do IVA, contrariando o disposto no artigo 13º-A b) da Sexta Directiva e no artigo 132º da Directiva 2006/112/CE, violando os princípios da igualdade e da não-discriminação, da neutralidade interna e distorção da concorrência, face aos consumidores/utilizadores dos serviços prestados e aos sujeitos passivos que sejam organismos de direito público, respectivamente».
Por despacho de 17-11-2017, foi indeferido a pretensão da Autoridade Tributária e Aduaneira de suspensão da instância, por se entender que é manifestamente inconveniente.
Por despacho da mesma data foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.
Em 27-11-2017, a Requerente veio pedir a ampliação do pedido «de modo a abranger a apreciação da legalidade da liquidação adicional de IVA n.º 2017..., da liquidação de juros compensatórios n.º 2017... e das demonstrações de acerto de contas associadas a estas liquidações», referentes ao período 2015/07.
A Requerente apresentou alegações.
Em 15-12-2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou o processo administrativo e um requerimento com a designação de «alegações» em que deu «por integralmente reproduzido o teor da Resposta, e, bem assim, do processo administrativo, uma vez que nada de novo foi trazido à contenda» e formula um pedido de «ser revogado o despacho de 17-11-2017 e suspensa a causa».
Sobre o requerimento de ampliação do pedido, a Autoridade Tributária e Aduaneira nada veio dizer.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, línea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Importa apreciar a questão da incompetência e os pedidos de reenvio prejudicial e também, tomar posição sobre o insólito pedido de revogação do despacho de 17-11-2017.
Quanto aos requerimentos de reenvio ao prejudicial para o TJUE, que implica um considerável atraso na tramitação e se reconduz sempre à inobservância do prazo para decisão previsto no artigo 21.º do RJAT, só deverá ser efectuado se tal se mostrar necessário para a decisão da causa e se não houver já jurisprudência do TJUE suficientemente clara sobre as questões de direito da União Europeia que importe apreciar, como decorre dos pontos 11 e 12 das Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais, emitidas pelo TJUE (Informação n.º 012/C 338/01, publicada no Jornal Oficial da União Europeia, C 338, de 06-11-2012).
Por isso, tomar-se-á posição sobre o reenvio depois da análise das questões que são colocadas no processo.
2. Pedido de revogação do despacho de 17-11-2017 e de «suspensão da causa».
Pelo despacho de 17-11-2017 foi apreciado o requerimento da A¬utoridade Tributária e Aduaneira de suspensão da instância até decisão do processo pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de ... .
Explicou-se aí, com o apoio da melhor doutrina processualista, em linguagem simples e facilmente compreensível por quem possua os conhecimentos jurídicos exigíveis para intervenção em processos jurisdicionais, que a suspensão da instância prevista nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do CPC não é obrigatória, como resulta linearmente da sua redacção («... pode ordenar a suspensão»), e que «a existência de prejudicialidade não impõe a suspensão da instância no Tribunal competente para apreciar a causa dependente, pelo que a decisão de suspensão terá de assentar num juízo sobre a conveniência ou não da suspensão».
São também facilmente compreensíveis as razões por que, num Estado de Direito, há interesse público na celeridade da apreciação jurisdicional dos litígios, o que é particularmente evidente em matéria tributária, em que a demora na decisão dos litígios prejudica, no caso de improcedência da pretensão anulatória, o interesse da rápida disponibilidade de recursos para afectação à satisfação das necessidades públicas que justificam a tributação, e implica, no caso de procedência da pretensão, uma forte lesão patrimonial para o erário público, a nível de juros indemnizatórios ou indemnizações por garantias indevidas, que também afecta o interesse público e, em última análise, atinge todos contribuintes.
Neste contexto, é óbvio que os Árbitros, que possuem o «sentido de interesse público» exigido para o exercício das funções (artigo 7.º, n.º 1, do RJAT), têm de agir, no exercício destas, de forma a proteger o interesse público e não a prejudicá-lo.
E, sendo ao Tribunal Arbitral, e não à Autoridade Tributária e Aduaneira ou aos sujeitos passivos, que aquele artigo 272.º, n.º 1, do CPC atribui o poder discricionário de decidir se o processo deve ou não ser suspenso, é a decisão do Tribunal que tem de ser cumprida, num Estado de Direito em que «as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades» (artigo 205.º, n.º 2, da CRP).
Por outro lado, é manifesto que o pedido de revogação da decisão não tem qualquer fundamento legal, pois, proferida uma decisão por um Tribunal, «fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa» (artigo 613.º, n.º 1, do CPC), o que é aplicável aos despachos (n.º 3 do mesmo artigo), só sendo lícito ao Tribunal que proferiu a decisão «retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes» (n.º 2 do mesmo artigo) e não é invocada qualquer situação destes tipos.
Aliás, mesmo que, erradamente, se vislumbrasse neste artigo 613.º do CPC e nos artigos seguintes alguma possibilidade de este Tribunal Arbitral revogar o decidido, sempre se teria de concluir que o requerimento da Autoridade Tributária e Aduaneira seria intempestivo, pois o despacho que indeferiu o pedido de suspensão da instância foi-lhe notificado por correio electrónico em 17-11-2017 e só em 15-12-2017 a Autoridade Tributária e Aduaneira veio formular este anómalo pedido, muito para além do termo do prazo geral supletivo de 10 dias, previsto no aro 29.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
Nestes termos, por ser manifestamente intempestivo o requerimento da Autoridade Tributária e Aduaneira e ser inadmissível a apreciação da sua pretensão de revogação da decisão de não suspensão da instância, não se toma conhecimento da questão e fundamentos que invoca.
3. Questão da incompetência material
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar o pedido de pronúncia arbitral por, em suma, para apreciar a legalidade das liquidações, ser necessário, previamente, decidir sobre a legalidade dos pressupostos do direito de renúncia à isenção que a Requerente exerceu, ao abrigo do previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IVA, pelo que «os actos de liquidação adicional de IVA efectuados deverão ser qualificados como actos consequentes».
A Autoridade Tributária e Aduaneira diz que «devem ser qualificados como actos consequentes os que foram produzidos, ou dotados de certo conteúdo, em razão da existência de actos anteriores supostamente válidos que lhes servem de causa, base ou pressuposto» e entende que «os actos de liquidação adicional de IVA, pendentes de apreciação nesta instância arbitral, estão numa relação de dependência do reconhecimento ou não do direito por parte da ora Requerente à renúncia da isenção de IVA, nos termos do artigo 12.º, nº 1, alínea b), do Código do IVA».
Por isso, entende a Autoridade Tributária e Aduaneira que «a presente instância arbitral é materialmente incompetente para conhecer de um dos vários pedidos formulados nos presentes autos, a saber, se a ora Requerente tem ou não o direito de renúncia à isenção prevista nos termos da alínea 2) do artigo 9º, conforme disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código do IVA».
A Requerente formula um pedido principal de anulação das liquidações e um pedido subsidiário de que, «caso se considere que a Requerente deve ser enquadrada no regime de isenção de IVA durante os anos de 2014 a 2016, a devolução por parte da AT à Requerente do IVA indevidamente liquidado e pago ao Estado».
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
A Portaria n.º 112-A/2011, relativamente aos actos enquadráveis indicados no artigo 2.º, apenas afastou do âmbito da vinculação da Administração Tributária, em matéria não aduaneira, as pretensões relativas a actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa e as pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão.
É manifesto que não se está perante qualquer das situações em que a Portaria n.º 112-A/2011 afasta a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, pelo que a competência tem de ser aferida apenas à face do RJAT.
Como se vê pelo artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foi definida pelo RJAT apenas tendo em atenção o tipo de actos que são objecto das pretensões dos contribuintes e não em função do tipo de questões que é necessário apreciar para decidir se os actos são legais ou ilegais.
Não há, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas à verificação dos pressupostos do direito de renúncia à isenção de IVA ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT. Uma liquidação de imposto que parta da desconsideração de uma isenção ou de uma renúncia a isenção não deixa de ser um acto tributário de liquidação. E a pretensão de apreciação da legalidade ou da ilegalidade dessa desconsideração subjacente a um acto de liquidação não deixa, portanto, de ser a apreciação de uma pretensão relativa à declaração de ilegalidade de actos de liquidação, em que se materializa essa desconsideração.
Assim, no processo arbitral, à semelhança do que sucede no processo de impugnação judicial, pode, em regra, ser imputada aos actos de liquidação qualquer ilegalidade, como decorre do artigo 99.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
Aliás, mesmo quando o conhecimento do objecto do processo de impugnação depende, no todo ou em parte, da decisão de uma ou mais questões da competência de tribunal pertencente a outra jurisdição, a suspensão do processo para até decisão do tribunal competente é meramente facultativa, como decorre do n.º 1 do artigo 15.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT], ao dizer que «... pode o juiz sobrestar na decisão...» (o que é um afloramento da regra geral da extensão da competência à decisão de questões prejudiciais, que é enunciada no artigo 92.º do CPC).
Por isso, os tribunais arbitrais tributários, para apreciarem as questões de legalidade de actos de liquidação que se inserem nas suas competências, têm competência para apreciar, com efeitos restritos ao processo e à pronúncia sobre a legalidade daqueles actos, as questões prejudiciais de qualquer natureza que seja necessário decidir para levarem a cabo tal apreciação, mesmo que sejam de direito civil, ou direito comercial, ou direito administrativo ou, obviamente, de direito tributário, tendo apenas a faculdade, e não o dever, de «sobrestar na decisão sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie».
Por outro lado, sendo os actos de liquidação manifestamente actos lesivos dos interesses da Requerente, ao ponto de, no caso em apreço, as quantias liquidadas até estarem pendentes de cobrança coerciva em processo de execução fiscal, por força do disposto nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP, tem de ser reconhecido à Requerente o direito de os impugnar contenciosamente, independentemente de a esses actos estar ou não subjacente o reconhecimento de direitos em matéria tributária.
É certo que, quando os actos de liquidação são meros actos consequentes de actos impugnáveis autonomamente, designadamente quando sejam actos consequentes de acto administrativo que seja seu pressuposto, limitando-se os actos de liquidação a dar-lhe execução, a apreciação da legalidade dos actos de liquidação ficará afastada na medida em que tiverem essa natureza meramente executiva, só sendo os actos de liquidação impugnáveis por vícios próprios e não pelos que afectem o acto exequendo, como se infere do artigo 182.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 2015 (na linha do n.º 4 do artigo 151.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991).
Mas, como bem diz a Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 15.º da sua Resposta, «só devem ser qualificados como actos consequentes os que foram produzidos, ou dotados de certo conteúdo, em razão da existência de actos anteriores supostamente válidos que lhes servem de causa, base ou pressuposto».
No caso em apreço, embora haja nos autos informação de que foi praticado um «acto administrativo de alteração oficiosa do enquadramento em sede de IVA» da Requerente, que é objecto de impugnação na acção administrativa especial n.º .../15...BECBR, não há qualquer sinal de que esse acto administrativo tenha sido «causa, base ou pressuposto» das liquidações impugnadas, pois nem no Relatório da Inspecção Tributária nem nas liquidações se faz qualquer referência a esse acto administrativo como fundamento das liquidações.
Assim, os actos de liquidação impugnados não podem ser considerados actos consequentes do acto administrativo referido, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira baseou-se, para os praticar, em fundamentos autónomos, inclusivamente posteriores ao acto administrativo referido, e não no facto de este acto ter sido praticado. ( )
Por isso, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar «qualquer ilegalidade» dos actos de liquidação (artigo 99.º do CPPT), inclusivamente as questões prejudiciais cuja apreciação seja necessária para apreciar a sai legalidade.
No entanto, o mesmo não sucede relativamente ao pedido subsidiário de, «caso se considere que a Requerente deve ser enquadrada no regime de isenção de IVA durante os anos de 2014 a 2016, a devolução por parte da AT à Requerente do IVA indevidamente liquidado e pago ao Estado, no valor de €2.308.274,14».
Na verdade, a questão de saber se, no caso de se concluir no sentido da aplicação à Requerente do regime de isenção, lhe deve ser reconhecido o direito a devolução do IVA que liquidou e pagou ao Estado é uma questão que se pode colocar após um juízo sobre a sua legalidade ou ilegalidade e, por isso, não é uma questão que seja necessário apreciar para o tribunal arbitral se pronunciar sobre essa legalidade ou ilegalidade.
Por isso, não se inclui nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a competência para apreciar se a Requerente tem o não direito à referida devolução.
Nestes termos, procede parcialmente a excepção da incompetência material suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto ao pedido subsidiário, e improcede quanto ao pedido principal de anulação das liquidações.
4. Matéria de facto
4.1. Factos provados
Com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, consideram-se provados os seguintes factos:
A) A Requerente é uma sociedade por quotas de capitais privados, com fins lucrativos, cujo objecto social consiste na gestão e exploração de unidades de saúde, prestação de serviços médicos, de meios complementares de diagnóstico, radiologia, análises clínicas, enfermagem e fisioterapia (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
B) A Requerente está enquadrada, de acordo com a Classificação Portuguesa de Actividades Económicas - CAE Rev 3, no Código de Actividade 86 100 que se caracteriza por “actividades dos estabelecimentos de saúde com internamento”;
C) A Requerente exerce actualmente a sua actividade económica através da exploração de cinco estabelecimentos de saúde:
(i) B... (em ...);
(ii) C...– Clínica ...;
(iii) D...– Clínica ...;
(iv) E...– Clínica ... (na ...), e
(v) F...– Unidade Hospitalar de ...;
D) A Requerente presta, nas suas várias unidades de saúde, um conjunto vasto de cuidados de saúde;
E) A Requerente a celebrou diversos acordos e convenções com entidades públicas e privadas a operar no âmbito dos seguros de saúde, inclusivamente os seguintes subsistemas de saúde públicos:
– ADSE - Direcção-Geral de Protecção Social aos Trabalhadores em Funções Pública (doravante “ADSE”) (convenção datada de 21-09-2012);
– Serviço de Assistência na Doença da GNR ADSE (doravante “SAD/GNR”) (convenção datada de 08-07-2014);
– Serviço de Assistência na Doença da PSP (doravante “SAD/PSP”) (convenção datada de 18-11-2013);
– Administração Regional de Saúde do ..., no âmbito do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (doravante “ARS-SIGIC”) (convenção datada de 24-09-2013);
– a Assistência na Doença aos Militares das Forças Armadas, no âmbito do Instituto de Acção Social das Forças Armadas (doravante “ADM-IASFA”) (convenção com efeitos a partir de 01-06-2015) (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
F) Os preços dos serviços de saúde prestados pela Requerente ao abrigo dos acordos e convenções referidos, em ambulatório ou em internamento, encontram-se pré-definidos, sendo sempre esses os preços a pagar independentemente de a Requerente liquidar ou não IVA nos serviços médicos prestados;
G) Os serviços prestados pela Requerente aos utentes desses subsistemas públicos de saúde têm o mesmo preço que os praticados a esses utentes por quaisquer outros hospitais que tenham igualmente celebrado acordos ou convenções com aqueles entes públicos;
H) Desde 2014 a Junho de 2016, e por força do exercício das actividades afectas ao seu objecto social, a Requerente apresentou o seguinte volume de faturação líquida:
I) Durante os anos de 2014 (Abril a Dezembro) a 2016 (até Junho), a Requerente liquidou, nas prestações de serviços que realizou, IVA no montante total de € 2.678.449,72 (sendo € 2.308.274,14 alusivos a prestações de serviços médicos), assim discriminados (conforme declarações periódicas que junta ao pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 7):
J) Em 28-07-201, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IVA n.º 2017 ... e a liquidação de juros compensatórios n.º 2017 ..., ambas relativas ao período 2015/07 (documentos apresentados pela Requerente em 27-11-2017, cujos teores se dão como reproduzidos);
K) A Requerente entregou a sua declaração de início de actividade no dia 06-01-2012, declarando o início em 01-01-2012, optando por ficar enquadrada em IVA no regime de tributação «Normal Trimestral por Opção», passando a periodicidade mensal a partir de 01-01-2014 (documentos n.ºs 7 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
L) Em resultado dessa opção, desde o início da sua atividade, a Requerente liquidou IVA sobre:
(i) Os serviços médicos por si prestados, à taxa reduzida de imposto, conforme verba 2.7, da Lista I anexa ao Código do IVA;
(ii) Os demais serviços por si realizados (prestações de serviços de cedência de espaço e gestão de parque de estacionamento), à taxa normal de 23%;
M) A Requerente deduziu o IVA suportado na aquisição de bens e serviços necessários à prossecução da sua actividade;
N) A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a uma acção inspectiva externa à Requerente ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2016..., OI2016... e OI2016...), de âmbito parcial – IVA – para os períodos de 2014.04M a 2016.06M;
O) Nessa acção inspectiva foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável
Imposto sobre o valor acrescentado
llI.1 IVA indevidamente deduzido - artigo 9.º n.º 2 do Código do IVA
III.1.1 Enquadramento, em sede de IVA, da atividade desenvolvida
Como referido no ponto ll.4 do presente relatório, a atividade desenvolvida pela A..., SA consiste na gestão e exploração de unidades de saúde; prestação de serviços de saúde, médicos, de meios complementares de diagnóstico, radiologia, análises clínicas, enfermagem e fisioterapia, estando enquadrada no CAE 86100 - Atividades dos estabelecimentos de saúde com internamento.
No âmbito da sua atividade, a empresa celebrou ainda, com diversas entidades que operam no setor da saúde, contratos de "cedência de espaço e de prestação de serviços” na F... que explora. Por outro lado, a F... dispõe ainda de um parque de estacionamento subterrâneo, que também se encontra a ser explorado pela A..., SA.
Desde o início declarado da atividade, em 2012-01-01, que a sociedade se encontra no regime normal de IVA.
Nos termos do n.º 2 do artigo 9.º do Código do IVA estão isentas de imposto "as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares". Trata-se de uma isenção simples ou incompleta, uma vez que o operador económico não está obrigado a liquidar imposto nas transmissões de bens e nas prestações de serviços que efetua, não podendo, no entanto, deduzir o imposto que suporta na aquisição de bens e serviços.
Em simultâneo, e de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IVA, o legislador nacional previu a possibilidade de renúncia à isenção, optando pela aplicação de imposto às suas operações "os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensados e similares, não pertencentes a pessoas coletivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efetuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas".
Recentemente esta norma foi objeto de alteração. Na verdade, com a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Orçamento de Estado para 2016), com entrada em vigor em 31 de março de 2016, a alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IVA passou a ter a seguinte redação:
“Podem renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações os sujeitos passivos referidos no n.º 2) do artigo 9.º, que não sejam pessoas coletivas de direito público, relativamente às prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas, que não decorrem de acordos com o Estado, no âmbito do sistema de saúde, nos termos da respetiva lei de bases”.
Assim, a atividade principal desenvolvida pela A..., SA (prestação de serviços médicos) enquadra-se na isenção prevista no n.º 2 do artigo 9.º do Código do IVA, sendo concedida aos estabelecimentos hospitalares privados, que não se encontrem integrados no sistema nacional de saúde, a opção de renúncia a isenção de imposto.
Neste sentido, as entidades hospitalares privadas que estejam integradas no sistema nacional de saúde não podem renunciar à isenção de IVA, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IVA. A partir de 31 de março de 2016, a impossibilidade de renúncia à isenção de imposto apenas se verifica nas prestações de serviços médicos que decorrem de acordos com o Estado no âmbito do sistema de saúde.
Isto mesmo consta do Oficio Circulado n.º 30180, de 2016-03-31, da Área de Gestão Tributária – IVA que estabelece: "afastando as pessoas coletivas de direito público, a nova redação permite que as entidades privadas que reúnam os requisitos da alínea 2) do n.º 9 renunciem a esta isenção, efetuem, ou não, operações resultantes de acordos ou convénios com o Estado, restringindo, no entanto, os efeitos da renúncia às operações que não resultem de tais acordos.
Em suma, a nova redação da norma não permite a renúncia à isenção relativamente às prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas que resultem de acordos ou convénios com 0 Estado no âmbito do sistema nacional de saúde.
Dado que o legislador não atribuiu à nova redação da norma um carácter interpretativo, os sujeitos passivos referidos na alínea 2) do n.º 9 que realizem, em simultâneo, prestações de serviços médicos e sanitários e operações com ela estreitamente conexas que decorrem de acordos com o Estado, nas condições previstas na lei, e operações que não decorram de tais acordos, apenas podem renunciar à isenção, relativamente às que não decorram de acordos com o sistema nacional de saúde, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março”.
Por outro lado, a prestação de serviços de cedência de espaço na F... efetuada pela A..., SA é uma atividade sujeita e não isenta de imposto.
A cedência de exploração é considerada uma prestação de serviços, nos termos do artigo 4.º do Código do IVA, encontrando-se excluída da isenção a que se refere a alínea c) do n.º 29 do artigo 9.º do mesmo diploma, que considera que não estão abrangidas pela isenção "a locação de máquinas e outros equipamentos de instalação fixa, bem como qualquer outra locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial”. Trata-se, então, de uma prestação de serviços sujeita e não isenta de IVA.
Na verdade na informação n.º 1294, de 10 de abril de 2003, a DSIVA considerou que a cedência a médicos de espaços situados num estabelecimento hospitalar era uma operação sujeita a tributação, uma vez que "o(s) espaços cedidos aos médicos encontram-se devidamente equipados para o exercício desta atividade”. Neste âmbito, foi ainda entendimento desta Direção de Serviços, na informação n.º 2626, de 15 de dezembro de 1995, que quando uma atividade médica seja exercida em consultórios devidamente equipados, cedidos por outros sujeitos passivos com atividades conexas, que tal estaria subjacente um contrato de cessão de exploração, excluído da isenção.
No mesmo sentido, a exploração do parque de estacionamento subterrâneo por parte da entidade e também uma atividade sujeita e não isenta de imposto. Em ambas as situações, e conforme a alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IVA, estas prestações de serviços são tributadas à taxa normal, ou seja, 23% no período em análise.
Verificou-se, então, que a A..., SA procedeu à liquidação de imposto, à taxa reduzida de 6%, nas operações ativas que realizou referentes à prestação de cuidados médicos.
Em relação à prestação de serviços de cedência de espaço e exploração do parque de estacionamento, liquidou imposto à taxa normal de 23%. Por sua vez, procedeu à dedução da totalidade do imposto suportado na aquisição de bens e serviços para a realização destas operações.
III.1.2 Impossibilidade de renúncia à isenção nas prestações de serviços médicos e operações estreitamente conexas
Períodos de imposto de 2014 04 a 2016,03
A regulamentação comunitária
O imposto sobre o Valor Acrescentado tem a sua génese no direito comunitário, implicando a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia (CEE), a adoção do sistema comum do IVA, regulado por várias diretivas do Conselho das Comunidades Europeias. Entre elas, assume especial relevo a chamada Sexta Diretiva (Diretiva 77/388/CEE, de 17 de maio de 1977), que procedeu a uniformização da base tributável do imposto a aplicar em todos os Estados Membros da CEE.
Posteriormente, a Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (doravante designada de Diretiva IVA), veio reformular e substituir a Sexta Diretiva.
Neste sentido, a interpretação das normas nacionais deve ser efetuada em consonância com o sistema comum do IVA constante da Diretiva IVA e com o ordenamento jurídico nacional.
De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva IVA, os Estados-Membros isentam as prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas.
Por sua vez, nos termos da alínea b) da norma citada, encontram-se isentas “a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas as que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”.
Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), o critério a tomar em consideração para delimitar o âmbito de aplicação destas duas isenções de imposto está menos ligado à natureza da prestação, do que ao local da sua realização. Com efeito, “o artigo 13.º, A, n.º 1, alínea b), da Sexta Diretiva' isenta prestações que compreendem um conjunto de serviços de assistência médica em estabelecimentos que têm finalidades sociais, como a proteção da saúde humana, ao passo que o mesmo número, alínea c), visa a isenção de prestações efetuadas fora de organismos hospitalares, seja no domicilio privado do prestador, no domicilio do paciente ou em qualquer outro local” - acórdão L.u.P, processo C-106/05, de 2006-06-08, n.º 22 (neste sentido ver acórdão Dornier, processo C-45/01, de 2003-11-06, n.º 47).
Decorre, então, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a isenção consagrada na alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva IVA visa os estabelecimentos devidamente reconhecidos com fins sociais como a salvaguarda da saúde humana (acórdão CopyGene, processo C-262/08, de 2010-06-10, n.º 58).
Quanto ao conceito de "outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos", a alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva IVA, à semelhança do artigo 13.º, A, n.º 1, alínea b), da Sexta Diretiva, não especifica as condições e modalidades desse reconhecimento. Neste âmbito, no acórdão Dornier (n.ºs 66 e 67) é referido que não tem que existir um processo formal de reconhecimento destes estabelecimentos, nem este tem que estar expressamente previsto nas disposições nacionais de natureza fiscal.
A Diretiva IVA consagra, assim, um regime de isenção de imposto (simples ou incompleta) para estas prestações serviços, quando sejam realizadas por organismos de direito público e por estabelecimentos hospitalares em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos públicos.
No caso específico de Portugal, o artigo 377.º da Diretiva IVA prevê um regime de exceção. Segundo este regime, o Estado Português pode continuar a isentar, entre outras, as operações enumeradas no n.º 7 da Parte B do Anexo X, ou seja, "operações efetuadas pelos estabelecimentos hospitalares não referidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 132º.
No entanto, nos termos do artigo 391.º do diploma citado, Portugal pode conceder aos sujeitos passivos a faculdade de optarem pela tributação das referidas operações.
Segundo Laires (2012, pp. 150-151) "(...) em matéria de serviços de saúde, nos termos do artigo 391º da Diretiva do IVA, os Estados membros só podem conceder a possibilidade de renúncia à isenção às entidades não abrangidas pela alínea b) do n.º 1 do seu artigo 132.º, ou seja, só podem autorizar a opção pela tributação as entidades abrangidas pela alínea 7) da Parte B do seu Anexo X”.
O âmbito da aplicação da renúncia depende, então, da natureza dos sujeitos passivos, ou seja, aplica-se estritamente àqueles que não sejam organismos de direito público ou que, não tendo essa natureza, não exerçam a sua atividade em condições sociais análogas a estes organismos.
Pode-se, então, concluir, de acordo com a Diretiva IVA relativa ao Sistema Comum deste imposto, que os estabelecimentos hospitalares públicos e os privados que desenvolvam a sua atividade em condições sociais análogas as previstas para os organismos de direito público, encontram-se isentos de imposto, sem possibilidade de renunciar a esta isenção.
Importa, então, aferir, à luz do direito comunitário, o que se entende pela expressão "condições sociais análogas" constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva IVA.
O TJUE tem vindo a estabelecer algumas linhas de orientação, no sentido de determinar quando é que um estabelecimento privado pode ser considerado "devidamente reconhecido" como praticando condições análogas as existentes para os organismos de direito público.
Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para determinar se estabelecimentos de direito privado podem ser "reconhecidos" para efeitos da aplicação da isenção prevista do artigo 13.º, A, alínea b), da Sexta Diretiva “(...) as autoridades nacionais podem, em conformidade com o direito comunitário e sob fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais, tomar em consideração, nomeadamente, além do carácter de interesse geral das atividades do sujeito passivo em causa e o facto de os outros sujeitos passivos que têm as mesmas atividades beneficiaram já de um reconhecimento semelhante, o facto de os custos das prestações em questão serem eventualmente assumidos em grande parte por caixas de seguro de doença ou por outros organismos de segurança social” - n.º 53 do já citado acórdão L.u.P.
Neste mesmo sentido, vão os acórdãos CopyGene, n.º 65, Dornier, C-45/01, n.º T2 e Ines Zimmermann, C-17411 1, n.º 31.
Pela análise da jurisprudência do TJUE, não nos parece que isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva IVA não possa abranger as entidades comerciais privadas que prossigam fins lucrativos, quando estas desenvolvem a sua atividade em condições sociais análogas às dos estabelecimentos públicos. Na verdade, no já citado acórdão CopyGene, consta que:
“(...) o simples facto de um sujeito passivo como a CopyGene ser um estabelecimento de direito privado não tem como consequência automática que as atividades desse sujeito passivo não possam ser abrangidas pela isenção prevista no artigo 13.º, A, n.º 1, alínea b), da Sexta Diretiva. Com efeito, quando o legislador comunitário quis reservar a concessão das isenções previstas no artigo 13.º, A, n.º 1, da Sexta Diretiva a determinadas entidades que não prosseguem fins lucrativos ou não tem um carácter comercial, indicou-o de maneira expressa, como resulta das alíneas I), m) e q) desta disposição (.. .)” n.º 72.
No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça já declarou, relativamente ao conceito de “organismos reconhecidos de carácter social pelo Estado-Membro em causa" à luz do artigo 13.º, A, n.º 1, alínea 9), da Sexta Diretiva, "que este é, em princípio, suficientemente amplo para incluir igualmente pessoas singulares e entidades privadas que prosseguem fins lucrativos" (acórdão Ines Zimmermann, n.º 57).
Refira-se ainda, a título meramente informativo, que o Tribunal Tributário Federal Alemão também se pronunciou sobre esta matéria, tendo entendido que a isenção de imposto, consagrada na alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva IVA, também se aplica aos estabelecimentos hospitalares privados com fins lucrativos, se os seus serviços forem prestados em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos de direito público. Neste contexto, este Tribunal decidiu que, no caso de 30% dos utentes destas entidades privadas serem beneficiários do seguro nacional de saúde alemão, estas encontravam-se abrangidas pela isenção estabelecida na alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva IVA.
Também no já citado acórdão L.u.P. a propósito da norma alemã que fazia depender a isenção, nas clínicas privadas (com fins lucrativos) especializadas em exames de despistagem, de diagnóstico ou de exames médicos, da condição das prestações serem fornecidas sob controlo médico, e de pelo menos 40% dessas prestações terem sido prestadas, no ano anterior, a utentes inscritos num organismo de segurança social e beneficiários de apoio social [§ 4, n.º 16, alínea c), da Umsatzsteuergesetz 1993 (UStG)], o Tribunal de Justiça considerou que o artigo 13.º, A, n.º 1, alínea b), da Sexta Diretiva não se opunha a uma regulamentação nacional que exigisse "para efeitos do reconhecimento como laboratório de direito privado para a aplicação da referida isenção, que as análises clinicas efetuadas pelos laboratórios em causa sejam, pelo menos 40% de entre elas, destinadas a inscritos num organismo de segurança social (.. .)" - n.º 54.
Neste mesmo sentido, e nas conclusões do Advogado Geral M. Poaires Maduro, no âmbito deste processo, este refere que quanto a condição de "(...) pelo menos 40% das prestações serem prestadas, no ano civil transacto, a beneficiários de um organismo de segurança social (...) apesar de não estar explicitamente prevista na Sexta Diretiva, pode considerar-se instrumental relativamente à condição facultativa prevista no artigo 13.º, A, n.º 2, alínea a), terceiro travessão, nos termos da qual, para poderem beneficiar do regime de isenção, os organismos que não sejam de direito público «devem praticar preços homologados pela Administração Pública, ou que não excedam os preços homologados». Com efeito, se uma parte dos utentes da entidade em causa forem beneficiários da segurança social, isto permitirá eventualmente assegurar que os preços praticados por essa entidade sejam compatíveis com os preços homologados pela Administração Pública"- n.º 43.
Neste contexto, La Feria (2015, pág. 66) refere que no caso de a maioria das atividades dos estabelecimentos hospitalares privados serem subcontratadas pelo Estado, “(...) como tal limitando a sua independência económica e a medida em que exercem a prestação de serviços de assistência médica em condições de mercado, a prossecução dos fins lucrativos e em concorrência direta com outras instituições privadas, haverá certamente argumento para concluir que essas mesmas atividades são praticadas em condições análogas às que vigoram para organismos de direito público”.
Por sua vez, no Acórdão Ines Zimmermann (Processo C-17411 1, de 2012-11-15), o TJUE entendeu que uma atividade que é em cerca de dois terços assumida por organismos de segurança social constitui “um elemento que pode ser tomado em consideração para determinar os organismos cujo «carácter social», na aceção do artigo 13. º, A, n.º 1, alínea g), da Sexta Diretiva, deve ser reconhecido para efeitos desta disposição" - n.º 35.
Refira-se que este último acórdão citado aborda a questão na perspetiva do normativo alemão [§ 4, n.º 16, alínea e), da USIG 1993] que, à data dos factos, previa que estavam isentos de IVA, os organismos que prestassem cuidados ambulatórios a doentes quando os custos dos cuidados médicos “tenham sido suportados, na totalidade ou na maior sua parte, em, pelo menos dois terços dos casos, pelas instituições legais do seguro social ou da assistência social, no ano civil anterior".
Em resumo, se um estabelecimento hospitalar privado exercer a sua atividade em condições sociais análogas às que existem para os organismos de direito público, as prestações de serviços médicos que realiza encontram-se, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva IVA, isentas de imposto, sem possibilidade de renúncia à isenção.
Assim, importa analisar, com maior detalhe, a atividade de prestação de cuidados médicos, desenvolvida pela A..., SA. Retira-se que esta análise apenas releva para os períodos de imposto até 2016 03 (inclusive), uma vez que com a recente redação da alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IVA, a renúncia a isenção de imposto, por parte dos estabelecimentos hospitalares privados, é sempre possível, com exceção das operações realizadas resultantes de acordos com o Estado, no âmbito do sistema de saúde.
Tendo em conta os elementos relativos à faturação (e ao seu respetivo detalhe) dos anos de 2014, 2015 e 2016 (até ao mês de junho) disponibilizados pela A..., SA, conclui-se que, do total dos seus utentes, cerca de 69,09% em 2014, 70,71% em 2015 e 69,37% em 2016 (até junho) são beneficiários de subsistemas de saúde públicos ou usufruíram de serviços prestados no âmbito de convenções celebrados com o Estado, através da ARS. Nos quadros seguintes apresenta-se um resumo destes dados e em anexo n.º 1 uma listagem dos utentes, por ano, agrupados por subsistema de saúde (público, privado ou utentes sem qualquer subsistema de saúde).
Pela análise efectuada, conclui-se que, no período em causa, mais de dois terços dos utentes da A..., SA são beneficiários de subsistemas de saúde públicos, com os quais esta entidade celebrou um acordo ou convenção, ou usufruíram de cuidados médicos prestados ao abrigo da convenção com o Estado, através da ARS.
Outro elemento, considerado relevante nesta análise, é a própria atividade desenvolvida, na área da saúde, ou seja, o número de atos médicos realizados pela A..., SA no âmbito dos acordos e convenções celebrados com o Estado e com os seus subsistemas de saúde.
Mais uma vez, tendo em conta os elementos relativos a faturação (e ao respetivo detalhe) disponibilizados pela A..., SA, no âmbito do presente procedimento de inspeção, conclui-se que os atos médicos realizados ao abrigo das convenções celebradas com o Estado, através da ARS ou de subsistemas de saúde público, representam cerca de 71,28% em 2014, 73.38% em 2015 e 74,58% em 2016 (até ao mês de junho) do total da atividade médica exercida pela empresa. Esta percentagem apurada, encontra-se em linha com a percentagem determinada no que respeita ao número de utentes e acima evidenciada.
Nos quadros seguintes apresenta-se um resumo dos cálculos efetuados e em anexo n.º 2, evidencia-se, por entidade comparticipante (pública, privada ou utentes sem qualquer subsistema de saúde) e por ano, o número de atos médicos realizados pela A..., SA.
No que respeita à faturação para o Estado e respetivos subsistemas públicos de saúde, incluindo os montantes faturados aos respetivos utentes beneficiários, esta representa cerca de 55,60% em 2014, 54,50% em 2015 e 57,04% entre os meses de janeiro e junho de 2016.
Retira-se que esta percentagem foi determinada considerando a faturação líquida (prestação de serviços deduzida dos descontos e abatimentos) dos períodos em causa relativa à prestação de serviços médicos. Por outro lado, foi incluída, quer a faturação à entidade comparticipante, quer ao respectivo utente beneficiário do subsistema público de saúde, uma vez que o que está em causa é a prestação do serviço médico, que, em regra, dá origem ao pagamento por parte de dois operadores distintos: o utente beneficiário do sistema de saúde e a entidade pública que comparticipa essa mesma prestação de serviço.
Não foi tida em consideração a faturação respeitante à cedência de espaço e outras prestações serviços, bem como a faturação referente à exploração do parque de estacionamento, uma vez não se tratam de prestações de serviços médicos e sanitários ou operações com elas estreitamente conexas, não se enquadrando na isenção consagrada no n.º 2 do artigo 9.º do Código do IVA.
Nos quadros seguintes apresenta-se um resumo dos valores apurados.
Pelo exposto, verifica-se que, no período em inspeção, mais de dois terços dos utentes da A..., SA são beneficiários de subsistemas públicos de saúde, com os quais esta entidade celebrou convenções, ou são utentes no âmbito do acordo celebrado com a ARS (Estado). No mesmo sentido, e no que respeita aos atos médicos realizados pela sociedade, também aqui mais de dois terços foram efetuados ao abrigo das convenções celebradas com o Estado (ARS) e com subsistemas de saúde públicos (ADSE, SAD PSP, SAD GNR e ADM-IASFA).
Assim, pode-se concluir que uma grande parte da atividade médica exercida A..., SA (quer no que respeita ao número de utentes, quer ao número de atos médicos) resulta de convenções celebradas com o Estado e com subsistemas públicos de saúde.
Por sua vez, quando se analisa o valor dos serviços prestados (faturação), o montante relativo às prestações de serviços médicos efetuadas ao abrigo das convenções com o Estado e subsistemas públicos de saúde, representa mais de metade da faturação da A..., SA relativa à prestação de cuidados de saúde.
A legislação nacional
Na esfera do direito nacional, e como referido, a alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do Código IVA apenas prevê a possibilidade de renúncia à isenção das prestações de serviços médicos por parte dos estabelecimentos hospitalares privados que não se encontrem integrados no sistema nacional de saúde.
É entendimento da AT que as entidades privadas que celebrem acordos ou convénios com o Serviço Nacional de Saúde ou com os seus respetivos subsistemas, se encontram integradas no sistema nacional de saúde (prestando serviços em condições sociais análogas às pessoas coletivas de direito público). Deste modo, estas entidades encontram-se impossibilitadas de renunciar à isenção de imposto, a partir do momento em que celebram tais convenções, a luz do estabelecido na já citada alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IVA, conjugada com a Base XII da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto (Lei de Bases da Saúde).
De facto, na Informação n.º 1746, de 20 de outubro de 2007, da DSIVA, foi entendimento desta Direção de Serviços que não podem aproveitar da renúncia à isenção constante do n.º 2 do artigo 9.º, as entidades que, face à Lei de Bases da Saúde (Base XII da Lei n.º 48/90), sejam de considerar integradas no sistema nacional de saúde e a partir do momento em que o sejam.
A Lei n.º 48/90, de 24 de agosto (lei que aprovou a chamada Lei de Bases da Saúde) consagra que "o sistema de saúde é constituído pelo Serviço Nacional de Saúde e por todas as entidades públicas que desenvolvem atividades de promoção e tratamento na área da saúde, bem como por todas as entidades privadas e por todos os profissionais livres que acordam com a primeira a prestação de todas ou de algumas atividades” (n.º 1).
O n.º 4 da lei citada dispõe ainda que "rede nacional de prestação de cuidados de saúde abrange os estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde e os estabelecimentos privados e os profissionais em regime liberal com quem sejam celebrados contratos".
Assim, a interpretação preconizada é a de que o conceito de "sistema nacional de saúde” abrange as entidades públicas integradas no Serviço Nacional de Saúde (SNS), bem como as entidades privadas que, nos termos da lei vigente, tenham celebrado acordos ou convénios com o SNS ou com um dos subsistemas de saúde públicos para prestação de cuidados de saúde.
Em resumo, de acordo com o entendimento da Administração fiscal, as entidades privadas que acordam com o Estado a prestação de atividades de promoção, prevenção e tratamento na área da saúde encontram-se integradas no sistema nacional de saúde. Pelo facto, estas entidades não estão em condições de renunciar à isenção de IVA, devendo estar enquadradas no regime de isenção previsto no n.º 2 do artigo 9.º do Código do IVA.
Neste mesmo âmbito refere Laires (2012, página 150):
"De harmonia com o entendimento que, tanto quanto se sabe, vem sendo adoptado pela administração tributária, a impossibilidade de renúncia à isenção abrange, quer as entidades públicas integradas no Serviço Nacional da Saúde (SNS), quer as entidades privadas que celebrem acordos ou convénios com aquele, incluindo os respetivos subsistemas, para a prestação de cuidados de saúde. Neste último domínio há razões para crer que a inviabilização da possibilidade de renúncia à isenção aos organismos privados que tenham celebrado acordos ou convénios com o SNS esteja em conformidade com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA, uma vez que esta norma parece determinar a obrigatoriedade dos estados membros isentarem, sem possibilidade de conferirem a renúncia à isenção, quer as instituições públicas, quer as instituições privadas a que cada Estado atribua funções consideradas de interesse público na área da saúde".
Este autor conclui que “(...) na medida em que as entidades privadas que celebram acordos ou convénios com o SNS já estariam abrangidas pela isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA, o sistema comum do IVA não permitiria que a disposição interna contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do CIVA fosse interpretada no sentido de que a possibilidade de renúncia à isenção al consignada abrangeria tais entidades” (Laires, 2012, página 151).
Pelo exposto, e considerando que a A..., SA, no período em inspeção, tinha acordos e convenções com o Estado e com diversos subsistemas públicos de saúde, não poderia estar enquadrada no regime normal de IVA no que respeita a atividade principal de prestação de cuidados médicos.
Este entendimento é reforçado pelo facto de, como já evidenciado, uma parte bastante significativa dos utentes deste estabelecimento hospitalar (mais de dois terços) serem beneficiários desses subsistemas de saúde e também da maioria das atividades médicas desenvolvidas (novamente mais de dois terços) serem realizadas no âmbito de acordos ou convenções celebradas com o Estado.
Assim, e até ao período de imposto de 2016 03, inclusive, a A..., SA, no âmbito das prestações de serviços médicos, encontra-se isenta de imposto, nos termos do n.º 2 do artigo 9.º do Código do IVA, sem possibilidade de renunciar a esta isenção.
Período de 2016 04 a 2016 06
Como referido, com alteração promovida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, a alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IVA passou a prever que os estabelecimentos hospitalares privados possam renunciar à isenção de imposto nas prestações de serviços médicos, com exceção das que decorrem de acordos com o Estado, no âmbito do sistema de saúde, nos termos da respetiva lei de bases.
Neste sentido, as prestações de serviços na área da saúde efetuadas pela A..., SA ao abrigo dos acordos ou convenções celebradas com o Estado e com os subsistemas públicos encontram-se isentas de IVA, não sendo possível renunciar à isenção de imposto. Em relação às restantes prestações de serviços realizadas pela entidade, estão sujeitas (e não isentas) a imposto à taxa reduzida de 6%, tal como previsto na verba 2.7 da lista l anexa ao Código do IVA. Recorde-se que esta última analise apenas se aplica aos períodos de imposto de 2016 04 e seguintes.
III.1.3 Direito à dedução: artigos 20.º e 23.º do Código do IVA
Para além da prestação de serviços médicos, faz ainda parte da atividade da A..., SA a cedência de espaço na F... a outras entidades e profissionais que operam no setor da saúde e a exploração do parque de estacionamento subterrâneo, também no estabelecimento hospitalar, operações estas que se encontram sujeitas e não isentas de imposto.
Pode-se, então, concluir que a A..., SA desenvolve, no âmbito da sua atividade, operações sujeitas a imposto e dele não isentas e operações sujeitas, mas isentas. Pelo facto, estamos perante o que comummente se designa por sujeito passivo misto. Neste sentido, e na determinação do quantum do imposto contido na aquisição de bens e serviços a deduzir observam-se as regras estabelecidas, entre outros, nos artigos 20.º e 23.º do Código do IVA.
O n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, na sua alínea a), estabelece que só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviço sujeitas a imposto e dele não isentas.
Por sua vez, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA e do Oficio-Circulado n.º 30 103 "Novas regras para a determinação do direito à dedução pelos sujeitos passivos mistos”, de 2008-04-23, as regras constantes deste artigo- aplicam-se exclusivamente às situações em que os sujeitos passivos pretendem exercer o direito à dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista. De acordo com o ponto l do ofício em questão “entende-se como bens e serviços de utilização mista os que são utilizados conjuntamente no exercício de uma atividade económica (...) que confere direito à dedução com atividades económicas que não conferem esse direito ou, ainda, conjuntamente com operações tora do conceito de atividades económicas”.
Segundo o ponto III.2 do referido ofício “tratando-se de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações com direito a dedução do imposto, apresentando uma relação direta e imediata com essas operações, o respetivo imposto é objeto de dedução integral, nos termos do artigo 20.º do Código do IVA”.
Por outro lado, consagra ainda que “tratando-se de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações sujeitas a imposto mas isentas sem direito à dedução ou a operações que, embora abrangidas pelo conceito de atividade económica estejam fora das regras de incidência do imposto ou ainda de operações não decorrentes de uma actividade económica, o respetivo IVA suportado não pode ser objeto de dedução” (ponto llI.3 do Ofício-circulado 30 103).
Em relação aos bens e serviços afetos a realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica, parte dos quais não conferem direito à dedução, a alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA estabelece que o imposto dedutível seja determinado mediante a utilização de uma percentagem (vulgarmente designada de pro rata).
Não obstante, o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA prevê que o sujeito passivo pode "(...) efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito (. . .)". O ponto lV.2 do oficio-circulado citado aponta, a título exemplificativo, alguns critérios objetivos, entre os quais, se destaca a área ocupada.
Pela análise da contabilidade e das respetivas declarações periódicas de IVA, verificou-se que a A..., SA procedeu, com as exceções enunciados no artigo 21.º do Código do IVA, à dedução da totalidade do imposto suportado na aquisição de bens e serviços afetos, quer à atividade de prestação de cuidados de saúde, quer às operações relativas a cedência de espaço e exploração do parque de estacionamento.
Nos quadros seguintes apresenta-se um resumo do IVA deduzido pela sociedade nos períodos de imposto objeto de inspeção e que consta das respetivas declarações periódicas. O imposto deduzido pela entidade, entre 2014 04 e 2016 06 ascendeu a € 2.779.579,07, tendo as respetivas regularizações de IVA a favor do Estado, neste mesmo período, sido de € 124.836,98.
(...)
Ora, considerando que a A..., SA, no período em inspeção, realiza, nos termos do n.º 2 do artigo 9.º do Código do IVA, operações isentas sem direito a dedução [e sem possibilidade de opção pela renúncia à isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IVA], e operações sujeitas e não isentas, consagradas no artigo 4.º do mesmo diploma, o direito à dedução do imposto suportado é determinado nos termos do artigo 20.º e do artigo 23.º, ambos do Código do IVA.
Assim, para os bens e serviços adquiridos que se encontravam afetos exclusivamente a atividade isenta (prestação de serviços de saúde), o imposto não é dedutível. Por sua vez, o imposto suportado na aquisição de bens e serviços diretamente associados à atividade sujeita e não isenta (cedência de espaço na F... e a exploração do parque de estacionamento) é dedutível na sua totalidade. No que se refere aos bens e serviços que se encontram simultaneamente afetos, no âmbito do exercício de uma atividade económica, a atividades que conferem direito a dedução e a operações que não conferem esse direito, o IVA dedutível é determinado tendo em consideração o disposto no artigo 23.º do Código do IVA.
Realça-se novamente o facto de que, a partir do período de imposto de 2016 04 (inclusive), apenas os serviços médicos prestados pela A..., SA no âmbito das convenções e acordos celebrados com o Estado (ARS) e com os subsistemas públicos de saúde, se encontram isentos de IVA, sem possibilidade de renúncia à isenção, de acordo com 0 disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IVA.
Neste sentido, e a partir do período de 2016 04, os serviços médicos realizados pela sociedade são operações sujeitas e não isentas de imposto, com exceção das prestações de serviços de saúde efetuadas ao abrigo de acordos com o Estado, no âmbito do sistema de saúde, nos termos da respectiva lei de bases (ARS e subsistemas públicos de saúde). Estas últimas traduzem-se em operações isentas, nos termos do n.º 2 do artigo 9.º do Código do IVA, sem que seja possível renunciar a esta isenção.
III.1.4 Métodos de dedução
(...)
III.1.5 IVA não dedutível: artigos 20.º e 23.º do Código do IVA
Pelo exposto nos pontos anteriores e tendo em consideração o IVA deduzido pela A..., SA nos períodos em causa, já evidenciado no ponto III.1.3 deste relatório, o imposto deduzido indevidamente, nos termos dos artigos 20.º e 23.º do Código do IVA ascende a € 822.218,35 em 2014, a € 838.020,79 em 2015 e a € 380.410,70 em 2016, repartido pelos seguintes períodos de imposto.
III.2 Regularizações a favor da entidade: artigo 25.º do Código do IVA
(...)
P) No Relatório da Inspecção Tributária a AT propôs uma correcção a favor da Requerente no montante de € 30.704,89, relativa às regularizações efectuadas ao abrigo do artigo 25.º, n.º 1, do Código do IVA (“Regularizações relativas a bens do activo imobilizado por motivo de alteração da actividade ou imposição legal”), reportada ao período de 2016.04M, pelo que considerou que o IVA em falta, e que foi objecto das liquidações ora impugnadas a € 2.009.944,90 (€ 2.040.649,79 - € 30.704,89);
Q) Na sequência da acção inspectiva, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IVA e juros compensatórios que constam do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
R) Foi instaurada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra pela Requerente uma acção administrativa especial que tem o n.º .../15....BECBR, em que é impugnado «o administrativo de alteração oficiosa do enquadramento em sede de IVA da impugnante, com efeitos a 1 de Outubro de 2012, cuja proposta de alteração foi notificada à Impugnante a 7 de Outubro de 2014, através do Ofício n.º..., de 3 de Outubro de 2014, da Direcção de Finanças de ... (...), tendo-se convertido em definitivo a 23 de Outubro de 2014» (documento junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-11-2017);
S) Em 27-06-2017, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
3. Matéria de direito
No Relatório da Inspecção Tributária em que se fundamentam as liquidações impugnadas, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma:
– a Directiva IVA consagra um regime de isenção de imposto (simples ou incompleta) para as prestações de serviços de hospitalização e assistência médica quando sejam realizadas por organismos de direito público e por estabelecimentos hospitalares em condições análogas às que vigoram para os hospitais públicos;
– à face da jurisprudência do TJUE, uma unidade privada de saúde opera em condições sociais análogas às de um organismo público no caso de, além do carácter de interesse geral das suas actividades e de os outros sujeitos passivos que têm as mesmas actividades beneficiarem já de um reconhecimento semelhante, os custos das prestações em questão serem eventualmente assumidos em grande parte por caixas de seguro de doença ou por outros organismos de segurança social;
– uma grande parte da actividade médica exercida pela Requerente (quer no que respeita ao número de utentes, quer ao número de actos médicos) resulta de convenções celebradas com o Estado e com subsistemas públicos de saúde”, sendo que “o valor dos serviços prestados (facturação) relativo às prestações de serviços médicos efectuadas ao abrigo de convenções com o Estado e subsistemas públicos de saúde, representa mais de metade da facturação da Requerente relativa à prestação de cuidados de saúde;
– as entidades privadas que celebrem acordos ou convénios com o Serviço Nacional de Saúde ou com os seus respectivos subsistemas, se encontram integradas no sistema nacional de saúde (prestando serviços em condições sociais análogas às pessoas colectivas de direito público)” pelo que estão “impossibilitadas de renunciar à isenção de imposto, a partir do momento em que celebram tais convenções”;
– uma vez que a Requerente, no período temporal inspeccionado “tinha acordos e convenções celebrados com o Estado e com diversos subsistemas públicos de saúde (ADSE)”, não poderia, a partir daquele momento, estar enquadrada no regime normal de IVA no que respeita à actividade principal de prestação de cuidados de médicos, a qual dependia numa parte bastante significativa dos “utentes deste estabelecimento hospitalar (mais de dois terços) serem beneficiários desses subsistemas de saúde e também da maioria das actividades médicas desenvolvidas (novamente mais de dois terços) serem realizadas no âmbito de acordos ou convenções celebrados com o Estado”;
– por isso, até ao período de imposto de 2016 03, inclusive, a Requerente, no âmbito das prestações de serviços médicos, encontrava-se isenta de imposto, nos termos do n.º 2 do artigo 9.º do Código do IVA, sem possibilidade de renunciar a esta isenção;
– a partir do período de imposto de 2016.04M, e por via da alteração legislativa promovida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, à alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IVA, os estabelecimentos hospitalares privados “podem renunciar à isenção de imposto nas prestações de serviços médicos, com exceção das que decorram de acordos com o Estado, no âmbito do sistema de saúde, nos termos da respectiva lei de bases”;
– assim, em relação às prestações de serviços na área da saúde efectuadas pela Requerente ao abrigo dos acordos ou convenções celebradas com o Estado e com os subsistemas públicos, estando isentas de IVA, não é possível renunciar à isenção de imposto;
– no que respeita às restantes prestações de serviços realizadas pela Requerente, estão sujeitas (e não isentas) a imposto à taxa reduzida de 6%, tal como previsto na verba 2.7 da lista I anexa ao Código do IVA:
– a Requerente é “sujeito passivo misto” que exerce ao mesmo tempo actividades sujeitas e não isentas de IVA e actividades isentas que não conferem o direito à dedução.
A Requerente sumaria as questões que coloca da seguinte forma:
(i) A AT fez uma errada aplicação do conceito de “sistema nacional de saúde”;
(ii) AT não soube interpretar correctamente o artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA;
(iii) A alteração legislativa imposta pela LOE 2016 ao artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA, não produz os efeitos que a AT pretende;
(iv) Exerce a sua actividade económica em condições sociais diferentes (e não análogas) às que vigoram nos estabelecimentos hospitalares públicos;
(v) É impossível “perder-se o direito à renúncia à isenção”;
(vi) Inexistiu a revogação do acto administrativo que lhe conferiu o direito à renúncia;
(vii) Inexiste a obrigação daquela de regularizar o IVA relativo a bens do activo imobilizado no caso concreto;
(viii) AT se equivoca ao considerar que (supostamente) o IVA indevidamente liquidado e pago pela Requerente é devido ao Estado;
(ix) AT promoveu uma desigualdade de tratamento entre contribuintes.
A questão essencial, subjacente a todas as questões arroladas pela Requerente, é a de saber se a Requerente tem direito a que lhe seja aplicado, nos períodos de tributação a que se referem as liquidações impugnadas, o regime normal de IVA.
Este regime normal de tributação em IVA, que implicou renúncia à isenção prevista no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA, por opção, foi aplicado à Requerente, com aceitação da Autoridade Tributária e Aduaneira, desde o início da actividade, em 01-01-2012, até Setembro de 2012.
A questão da possibilidade de renúncia à isenção por entidades privadas que prestam serviços de saúde e celebram acordos com entidades públicas tem sido apreciada várias vezes por tribunais arbitrais ( ), em termos que, em geral, merecem a concordância deste tribunal arbitral, sem prejuízo de aplicação dessa jurisprudência às especificidades do caso concreto poder não conduzir à mesma solução.
Assim, adoptar-se-á primacialmente a fundamentação do acórdão de 27-01-2017, proferido no processo n.º 227/2015-T, quanto à parte em que é aplicável ao presente processo.
3.1. Isenções de IVA para a saúde
«Foi com a Sexta Directiva que se procurou uniformizar as isenções nas transacções internas que os Estados membros poderiam conceder, dado que na Segunda Directiva esta matéria foi deixada ao critério exclusivo do legislador nacional.
A principal preocupação subjacente ao regime das isenções previsto na Sexta Directiva foi a de estabelecer uma lista comum de isenções de forma a tornar possível, tal como resulta do seu preâmbulo, que os recursos próprios sejam cobrados de modo uniforme em todos os Estados membros.
As isenções, todavia, com excepção das que se relacionam com o comércio exterior, constituem um entrave significativo ao funcionamento neutro do imposto, como é amplamente reconhecido. Com efeito, embora, por motivos de natureza económica e social, ou por motivos de ordem técnica, o sistema tenha de prever exonerações de imposto, é desejável limitar estritamente os casos de isenção e proceder aos aligeiramentos necessários através da aplicação de taxas reduzidas, de forma a permitir, por regra, o exercício do direito à dedução do imposto suportado.
Como é sabido, em IVA, existem duas modalidades de isenções atendendo à possibilidade do exercício do direito à dedução. Por um lado, temos as isenções completas, totais, plenas, ou que conferem o exercício do direito à dedução do IVA suportado.
Nestas isenções, tal como a própria designação o indica, o sujeito passivo beneficiário não liquida imposto nas suas operações activas (transmissões de bens ou prestações de serviços efectuadas) e tem o direito a deduzir o IVA suportado para a respectiva realização. Caso estas isenções sejam estabelecidas em estádios intermédios, não há interrupção da cadeia de deduções, não há efeitos cumulativos e as consequências sobre a receita são nulas, uma vez que as taxas intermédias são “imateriais”. A taxa final (não nula) se encarregará de recuperar a receita — é o conhecido efeito de recuperação positivo. Se forem estabelecidas no estádio final, assistir-se-á à desoneração completa do conteúdo fiscal e o vendedor deduz o IVA que onerou os respectivos inputs, desaparecendo do valor do bem qualquer conteúdo fiscal, ostensivo ou oculto. Contrariamente às isenções simples, estas isenções não alteram as qualidades de neutralidade do IVA e têm o efeito de proteger totalmente do imposto o consumo do bem ou serviço a que essa isenção completa se aplica, pelo que se afiguram como a solução indicada para prosseguir objectivos de equidade na tributação do consumo, quando tais objectivos exijam uma completa exoneração dos encargos fiscais relativamente a certos bens e serviços. ( )
Nas denominadas isenções incompletas, simples, parciais, ou que não conferem o exercício do direito à dedução do IVA suportado, como é o caso das isenções relativas à saúde que aqui nos ocupam, o sujeito passivo beneficiário não liquida imposto nas suas operações activas, mas não tem o direito a deduzir o IVA suportado para a respectiva realização. ( )
Nas isenções incompletas, o operador encontra-se, assim, fora do mecanismo do imposto, sendo tratado como um consumidor final, ao passo que nas isenções completas, ou nas situações de tributação à taxa zero, o operador faz parte integrante do mecanismo do imposto, podendo deduzi-lo nos termos gerais.
Assim sendo, facilmente se conclui que a isenção simples pode ser desvantajosa para os operadores produtivos e até prejudicar a sua capacidade de concorrência. A não liquidação de IVA nas vendas ou prestações de serviços por eles efectuadas pode não compensar a impossibilidade de obter crédito do imposto suportado, sobretudo daquele que incide sobre investimento em bens duradouros.
Isto é, as isenções simples adulteram as propriedades de neutralidade do tributo. Se atribuídas a operadores "intermediários" no circuito económico de bens e de serviços, originam tributação em cascata, deixando o encargo fiscal de proporcionar-se exactamente ao valor do consumo. É por isso que, idealmente, tais isenções devem ser previstas com parcimónia, estão harmonizadas no sistema comum europeu do IVA e as regras que as prevêem são interpretadas restritivamente.
Por este motivo, o legislador comunitário veio permitir, em casos excepcionais, que os Estados membros concedessem o direito à renúncia de certas isenções, passando os sujeitos passivos a aplicar o imposto nos termos gerais, i.e., a liquidar e deduzir o IVA suportado, de forma a não encarecer o preço das suas operações. Entre estes casos encontra-se, precisamente, a isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva IVA, entre nós transposta no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA.
Na selecção das operações isentas do imposto sobre o valor acrescentado, o legislador comunitário inspirou-se, aquando da adopção da Sexta Directiva, por um lado, nas isenções já existentes nos Estados membros, por outro lado, tentou limitar o número de isenções, dado as mesmas consubstanciarem uma excepção ao princípio geral de que todas as prestações de serviços e transmissões de bens efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo estão sujeitas a IVA e porem em causa o princípio da proporcionalidade. ( )
Assim, essencialmente por motivos de ordem social, cultural e política, a Directiva IVA, na senda da Sexta Directiva, prevê uma série de isenções, que, todavia, se aplicam a um conjunto restrito de serviços, dada a base de incidência alargada do IVA.
3.2. As regras da Directiva IVA
Na Directiva IVA a regulamentação das isenções encontra-se sistematizada distinguindo “isenções em benefício de certas actividades de interesse geral”, “isenções em benefício de outras actividades” (isenções internas), “isenções relacionadas com as operações intracomunitárias e isenções na importação”, “isenções na exportação”, “isenções aplicáveis aos transportes internacionais”, “isenções aplicáveis a determinadas operações assimiladas a exportações”, “isenções aplicáveis a prestações de serviços efectuadas por intermediários” e “isenções aplicáveis a operações relacionadas com o tráfego internacional de bens”.
As prestações de serviços no domínio da saúde, quer as prestadas directamente pelos profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, paramédicos) quer as referentes a hospitalização e cuidados médicos prestados por organismos de direito público ou entidades privadas trabalhando em condições sociais análogas, são, em princípio, isentas de imposto. É o que se conclui das alíneas b) e c) do artigo 132º da Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.
A solução de isentar estas ( ) prestações de serviços tem origem na Sexta Directiva IVA, antecessora da actualmente vigente Directiva IVA.
No âmbito das prestações de serviços de saúde, a harmonização conduziu à isenção de IVA para "hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos" (alínea b) do artigo 13 A, 1da Sexta Directiva, que corresponde ao artigo 132.º, alínea b) da Directiva IVA) e também para "as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado membro em causa" (alínea c) do artigo 13 A, da Sexta Directiva, que corresponde ao artigo 132.º, alínea c) da Directiva IVA).
Contudo, o sistema comum permite, em regime transitório ou derrogatório, que os Estados membros isentem os estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza, mesmo que não sejam reconhecidos como praticando condições sociais análogas às dos organismos de direito público. É o que actualmente consta do ponto 7 da parte B do Anexo X à Directiva IVA ("Operações que os Estados-membros podem continuar a isentar") – Anexo que corresponde ao Anexo F da Sexta Directiva, onde a isenção que nos ocupa estava prevista no respectivo n.º 10.
As disposições da Directiva IVA são, no essencial, idênticas às disposições correspondentes da Sexta Directiva.
As isenções de interesse geral na área da saúde estão contempladas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva IVA. Para além da sua frase introdutória, as isenções previstas no artigo 132.º, n.º 1, alíneas b) e c), da Directiva IVA estão redigidas de forma idêntica às do artigo 13.º, A, n.º 1, alíneas b) e c), da Sexta Directiva.
Na alínea b), a Directiva IVA determina que os Estados devem isentar “a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos.”
Por seu turno, a alínea c) manda exonerar de imposto “as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa”.
O objectivo subjacente à concessão destas isenções é o de não onerar as prestações de serviços de saúde, assegurando que o benefício da assistência médica não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resulta da tributação em IVA, i.e, em reduzir os custos médicos para os utentes e promover os cuidados de saúde ( ).
Com efeito, estão em causa isenções em benefício de certas actividades de interesse geral, actividades específicas destinadas a prosseguir fins socialmente úteis, como a assistência médica. É ponto assente que o objectivo comum quer às isenções previstas na alínea b) quer às previstas na alínea c), é reduzir o custo dos cuidados de saúde e tornar esses cuidados mais acessíveis aos particulares. ( )
A fim de determinar quais as prestações susceptíveis de beneficiarem destas isenções, é necessário atender não só ao teor literal dos preceitos, como também à razão de ser dos regimes de isenção de IVA aqui previstos. O problema foi objecto de vários arestos do TJUE, que são assim decisivos para estabelecer os contornos exactos das isenções matéria de prestações de saúde.
A Directiva IVA estabelece o regime de isenção (incompleta, sem direito à dedução) como regime-regra da prestação de serviços de hospitalização e de assistência médica quando esses serviços sejam prestados por organismos de direito público. Adicionalmente, a Directiva isenta tais serviços quando efectuados por estabelecimentos hospitalares e centros de assistência médica e de diagnóstico em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos públicos.
Assim o artigo 132.º, n.º 1 da Directiva IVA determina o seguinte:
“1. Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:
a) (…)
b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;
(…)”
Qual o alcance desta isenção? Para a respectiva aplicação importa verificar do preenchimento simultâneo de requisitos objectivos relativos à natureza das operações e de requisitos subjectivos relativos à qualidade da entidade que as pratica. Quanto aos primeiros, as prestações fornecidas são: (i) a hospitalização ou a assistência médica, ou (ii) operações estreitamente conexas com a hospitalização ou com a assistência médica. Relativamente aos segundos: (iii) o prestador de serviços deve ser um organismo de direito público, ou (iv) deve fornecer as prestações em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos de direito público e, (v) deve tratar-se de um estabelecimento hospitalar ou um centro de assistência médica e de diagnóstico ou outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos.
À face da alínea b) supra, fora das situações em que os prestadores sejam organismos públicos ou que, não o sendo, prestem serviços médicos em condições análogas às destes organismos, a disciplina geral que resulta em primeira linha da Directiva IVA é a da tributação em IVA, à taxa normal, ou à taxa reduzida se os Estados membros exercerem a prerrogativa consagrada no artigo 98.º da Directiva IVA (em conjugação com o Anexo III).
Note-se ainda que, como iremos de seguida analisar, o legislador comunitário permitiu que os Estados membros previssem a faculdade de renúncia à isenção.
3.3. As regras nacionais
As isenções de IVA em matéria de prestações de serviços na área da saúde constam dos n.ºs 1,2,3, 4 e 5 do artigo 9.º do CIVA, os quais, por seu turno, reflectem as disposições correspondentes da Directiva IVA que são as alíneas b), c), d), e) e p) do n.º 1 do artigo 132º.
O n.º1 do artigo 9 manda exonerar de IVA “as prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas” e o nº 2 “as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.
O alcance de algumas dessas isenções, e em especial, no caso que aqui nos ocupa, as previstas nos n.ºs 1 e 2 do referido artigo 9.º, tem suscitado dúvidas, não só entre nós, como em outras jurisdições, e algumas dessas questões têm sido levadas ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), quer em processos de reenvio prejudicial, quer em acções por incumprimento de Estado.
Entre nós, o problema da interpretação dessas normas tem sido sobretudo levantado para determinar a legitimidade da renúncia à isenção por parte de entidades privadas com actividade na área da saúde.
No Tratado de Adesão de Portugal e Espanha às Comunidades Europeias, pode ler-se que a República Portuguesa foi autorizada a isentar de IVA as operações daquele nº 10 do Anexo F da Sexta Directiva.
Decorre da 6ª Directiva, no seu artigo 28º, 3, b), que os Estados-membros podem conceder, em regime transitório, aos sujeitos passivos a faculdade de optarem pela tributação nas condições fixadas no Anexo G, faculdade que a Directiva IVA manteve no respectivo artigo 373.º ( )
O legislador português usou de ambas as faculdades. Assim, no artigo 9.º, n.º 2, do CIVA, acolheu a isenção das "prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares"; e, no artigo 12.º, concedeu aos "estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas" a faculdade de "renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações".
Portugal, ao abrigo de um regime de excepção constante do artigo 377.º da Directiva IVA, usou da faculdade de isentar também estes estabelecimentos hospitalares privados, ou seja, aqueles que não prosseguem a sua actividade em condições sociais análogas aos estabelecimentos hospitalares públicos (cf. artigo 377.º da Directiva IVA).
Atento o que ficou exposto, e fazendo uso da terminologia da Directiva IVA, para efeitos deste artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA, apenas podem ser consideradas como “instituições privadas não integradas no sistema nacional de saúde” com direito à renúncia, os estabelecimentos hospitalares privados que não prossigam a sua actividade em condições sociais análogas às que vigoram para os estabelecimentos hospitalares públicos. Isto é, a Requerente é abrangida pela referida opção de renúncia à isenção se não prosseguir a sua actividade em condições sociais análogas aos mencionados estabelecimentos públicos.
Ora, sucede precisamente que surgiram, ultimamente, dúvidas quanto ao âmbito subjectivo desta renúncia à isenção. Quais são afinal os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares que podem renunciar à isenção? Que significa a fórmula da lei "não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde"?
4. Interpretação das normas de isenção
4.1. Aspectos gerais
O TJUE tem vindo a desenvolver, ao longo destes anos, jurisprudência relevante sobre a matéria das isenções em geral, nomeadamente sobre as respectivas características e objectivos, e, em especial, no tocante às situações concretas acolhidas na Directiva IVA. A jurisprudência do Tribunal sobre as isenções tem-se fundamentado, essencialmente, nos princípios gerais de interpretação que tem desenvolvido, em especial, o princípio da interpretação estrita, o princípio da interpretação sistemática e o princípio da interpretação uniforme, salientando igualmente, em especial, a necessidade de respeitar o princípio da neutralidade.
Mas importa desde logo sublinhar que estamos perante normas de Direito da União Europeia e que, enquanto tal, como nota o TJUE, “Para efeitos de interpretação de uma disposição de direito comunitário, há que ter em conta os seus termos, bem como o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada” ( )
O princípio da interpretação estrita das isenções é aquele que mais frequentemente tem vindo a ser invocado pelo TJUE. É jurisprudência constante que, com alguns matizes, as isenções devem ser objecto de interpretação estrita, quer no que toca aos prestadores de serviços, quer relativamente ao tipo de actividades que devem ser isentas ( )
Segundo o TJUE, dado que a Sexta Directiva desenhou uma base de incidência do IVA muito alargada, abrangendo todas as actividades económicas de produção, comercialização ou de prestação de serviços, é possível enunciar o princípio geral de acordo com o qual o imposto sobre o volume de negócios é cobrado sobre todo e qualquer fornecimento de bens ou qualquer prestação de serviços efectuados a título oneroso por um sujeito passivo ( ). Neste contexto, atendendo a que as isenções consubstanciam derrogações a este princípio, os termos utilizados para designar as isenções visadas pelo artigo 13.º da Sexta Directiva devem ser interpretadas de forma estrita ( ). Para este efeito, dado as disposições daquele preceito terem um carácter exaustivo ( ), e deverem ser expressas e precisas ( ), na sua interpretação deve atender-se sobretudo ao critério de interpretação literal ( ). Como consequência, deverá evitar-se o recurso a interpretações extensivas que alarguem o alcance daquelas disposições cuja redacção é suficientemente precisa, pois tal é incompatível com o seu objectivo que é o de isentar apenas e tão só as actividades nele enumeradas e descritas ( ).
Todavia, a interpretação desses termos deve ser feita em conformidade com os objectivos prosseguidos pelas referidas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA. Assim, esta regra da interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no referido artigo 132.º devam ser interpretados de maneira a privá las dos seus efeitos ( ).
No mesmo sentido, o Advogado geral F. G. Jacobs, distinguindo as noções de interpretação “estrita” e de interpretação “restritiva”, referiu que “as isenções de IVA devem ser estritamente interpretadas, mas não devem ser minimizadas por via interpretativa. […] Como corolário, as limitações das isenções não devem ser interpretadas restritivamente, mas também não devem ser analisadas de forma a irem além dos seus termos. Quer as isenções, quer as suas limitações, devem ser interpretadas de tal forma que a isenção se aplique ao que se pretendia aplicar e não mais.”( )
Posteriormente ao Acórdão Stichting ( ), o TJUE afirmou repetidamente, de modo geral, que “os termos utilizados para designar as isenções visadas no artigo 13.º da Sexta Directiva devem ser interpretados restritivamente dado que constituem derrogações ao princípio geral de acordo com o qual o imposto sobre o volume de negócios é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo”. Por outro lado, esclareceu que não pode ser dado um alcance extensivo às isenções na falta de “elementos interpretativos” que permitam ir para além da letra das disposições que os preveem ( ).
Em síntese, poderá afirmar-se que o TJUE entende que na interpretação das normas de isenção se deve atender sobretudo ao elemento literal, mas que uma interpretação estrita não poderá nunca privar de efeito útil as regras da Directiva IVA.
No que se reporta à interpretação sistemática das isenções, o TJUE tem vindo a afirmar que os conceitos utilizados nas normas das isenções são conceitos independentes de direito comunitário que devem ser situados no contexto geral do sistema comum do IVA ( ). Nestes termos, tem vindo a salientar que o conteúdo das isenções não pode ser livremente alterado pelos Estados membros, dado que estão em causa conceitos autónomos de direito comunitário, excepcionando-se o caso de o Conselho o permitir ( ). Assim, é jurisprudência assente que as isenções previstas no artigo 13.º da Sexta Directiva constituem conceitos autónomos do Direito da União que têm por objectivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado membro para outro ( ).
É habitual ainda, neste contexto, afirmar-se que as isenções em sede de IVA assumem uma natureza objectiva, ou seja, para efeitos da sua concessão releva essencialmente a natureza da actividade prosseguida e não a natureza jurídica da entidade que prossegue a actividade, embora, na realidade, tal não se verifique exactamente nestes termos quanto às isenções que nos interessam para efeitos da nossa análise.
4.2 O âmbito subjectivo da renúncia à isenção na área da saúde
Como vimos, o objectivo do regime de isenção aplicável aos cuidados de saúde consiste em assegurar que o benefício da assistência médica não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resulta da tributação em IVA e, por conseguinte, em reduzir os custos médicos para os utentes e nessa medida promover os cuidados de saúde.
Assim sendo, a concessão da faculdade de renúncia à isenção é uma forma de restaurar o direito a deduzir o imposto que constitui a pedra angular de todo o sistema do IVA, eliminando imposto “oculto” (o IVA não deduzido), que penaliza os sujeitos passivos, mesmo que estes se situem no último estádio da cadeia de produção, em particular em fases de investimento significativo, caracterizadas por aquisições vultuosas, permitindo-lhes serem tributados pelo regime normal (na presente situação à taxa reduzida, constante da verba 2.7, da Lista I anexa ao Código do IVA) e assim recuperarem o IVA incorrido.
Vimos que a alínea b) do n.º 1do artigo 12.º, determina que:
"Podem renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações:
a) ...
b) Os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexa."
Para renunciar à isenção, os estabelecimentos em causa não poderão pertencer a pessoas colectivas de direito público nem a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde.
Assim, não podem renunciar à isenção os hospitais públicos, pertencentes ao Estado ou a quaisquer pessoas colectivas públicas.
O que se entende por estabelecimentos não pertencentes a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde é precisamente o que está em causa no presente processo.
No tocante aos estabelecimentos pertencentes a sociedades comerciais, com escopo lucrativo, entendia a AT até há pouco que não estariam integrados no sistema nacional de saúde, podendo, portanto, renunciar à isenção de IVA, aplicando o imposto às suas operações. E isto sem distinção entre os estabelecimentos de sociedades que celebraram acordos com o Ministério da Saúde ou com Administrações Regionais de Saúde ou outros subsistemas públicos de saúde e os que não tivessem celebrado semelhantes acordos.
A mudança de entendimento por parte da AT baseia-se no conceito de sistema nacional de saúde, constante o texto legal, que determina o âmbito subjectivo do direito à isenção.
Segundo o entendimento da administração fiscal, para a correcta interpretação do artigo 12.º o conceito de sistema nacional de saúde deve ir buscar-se à Lei de Bases da Saúde (Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro). E, de acordo com tal entendimento, o conceito a adaptar na interpretação do artigo 12.º, seria o reflectido no n.º 1da Base XII da citada Lei de Bases:
"O sistema de saúde é constituído pelo Serviço Nacional de Saúde e por todas as entidades públicas que desenvolvam actividades de promoção, prevenção e tratamento na área da saúde, bem como por todas as entidades privadas e por todos os profissionais livres que acordem com a primeira a prestação de todas ou de algumas daquelas actividades. "
Em conformidade com o aludido entendimento, as entidades privadas que acordem com o Estado a prestação de actividades de promoção, prevenção e tratamento na área da saúde ficam a pertencer ao Sistema Nacional de Saúde, o que, em termos de IVA, se traduz no facto de não poderem renunciar à isenção em causa.
Pretende ainda a Administração Tributária que este entendimento decorre da jurisprudência comunitária (...).
Ora, não se nos afigura que a correcta definição do âmbito subjectivo da renúncia à isenção possa ser determinada por um alegado conceito de Sistema Nacional de Saúde constante da Lei de Bases da Saúde e que a jurisprudência comunitária tenha esse significado que a AT pretende agora vir atribuir.
Desde logo, a Lei de Bases da Saúde não define Sistema Nacional de Saúde. A Base XII, cuida do "sistema de saúde" e não do Sistema Nacional de Saúde.
O âmbito subjectivo da isenção em apreço não pode ser determinado por simples remissão para a Lei de Bases. Não existe um conceito legal de sistema nacional de saúde, ínsito na referida Lei de Bases. Ao disciplinar, no seu Capítulo II, as "entidades prestadoras dos cuidados de saúde em geral", a Lei define, pelo menos, três conjuntos: o sistema de saúde (nº 1 da Base XXII), o Serviço Nacional de Saúde (nº 2) e a "rede nacional de prestação de cuidados de saúde" (nº 4).
O Serviço Nacional de Saúde tem uma definição unívoca, na Base XII, nº 2: é constituído pelos organismos do Estado que operam na área da saúde. As suas características estão elencadas na Base XXIV:
"O Serviço Nacional de Saúde caracteriza-se por:
(...)
f) Ser universal quanto à população abrangida;
g) Prestar integradamente cuidados globais ou garantir a sua prestação;
h) Ser tendencialmente gratuito para os utentes, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos;
i) Garantir a equidade no acesso dos utentes, com o objectivo de atenuar os efeitos das desigualdades económicas, geográficas e quaisquer outras no acesso aos cuidados;
j) Ter organização regionalizada e gestão descentralizada e participada."
É sabido que a Lei Geral Tributária, no seu artigo 11.º, n.º 2, determina que "sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei." Todavia, são diversos os elementos que demonstram, neste caso, que a lei fiscal não empregou serviço nacional de saúde em sentido técnico, mesmo ignorando que a expressão "serviço nacional de saúde" não tem correspondência exacta na Lei de Bases da Saúde.
Desde logo, o CIVA é muito anterior à Lei de Bases da Saúde, e o artigo 12.º não sofreu qualquer modificação no que se reporta à utilização daquela expressão.
Como refere o Professor Xavier de Basto (...)
“O legislador do CIVA - posso afirmá-lo com segurança - não tomou como paradigma qualquer conceito do direito nacional ao delinear o conjunto de estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares a que queria atribuir o direito a renunciar à isenção do imposto. Usou nesta norma a noção de serviço nacional de saúde com um sentido paralelo àquele em que, na regra de isenção de IVA para os serviços de educação, usou a noção Serviço Nacional de Educação. Aí como aqui, o direito de referência não foi o direito nacional, mas antes o direito comunitário.
Tratava-se de legislar respeitando a directiva comunitária. No caso da saúde, a norma de referência, a verter para o direito fiscal nacional, era a disposição da então 6.ª directiva IVA (hoje directiva 2006/112) que delimita o alcance da isenção de IVA para os estabelecimentos não pertencentes a organismos de direito público e, reflexamente, como vimos, determina também o âmbito subjectivo da isenção.
(…)
O legislador nacional usou a expressão "instituições privadas não integradas no sistema nacional de saúde" para abranger, como resulta do direito comunitário, entidades privadas, que trabalham na área dos serviços médicos e sanitários e outros com estes conexos em condições sociais diferentes das que são praticadas nos estabelecimentos públicos. Esta é a boa interpretação, a nosso ver, do artigo 12º quanto ao alcance subjectivo do direito à renúncia.”
E se queremos ainda melhor segurança de que é assim - e que a expressão "não integradas no sistema nacional de saúde" não tem de entender-se no sentido aproximado que resulta da Lei de Bases da Saúde - basta que atentemos que o próprio legislador do CIVA não foi unívoco na definição do que sejam as entidades privadas que podem renunciar à isenção. Na verdade, quando se tratou, na "verba" 2.7 da Lista I anexa ao CIVA, de estabelecer a taxa reduzida aplicável às prestações de serviços médicos e operações conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares que, nos termos do artigo 12º do CIVA, podem renunciar à isenção, o legislador usou a expressão "Serviço Nacional de Saúde" (com letras maiúsculas), e não a alternativa sistema nacional de saúde (com letras minúsculas), que usara no artigo 12º, nº 1. E a norma constante daquela "verba" até foi introduzida posteriormente à publicação do CIVA, que inicialmente não previa taxa reduzida para aquelas prestações de serviço.”
Assim sendo, concluímos que a lei fiscal não utilizou estas expressões em sentido técnico no sentido que elas têm no ramo de direito a que pertencem.
Não existindo um reconhecimento expresso e casuístico dos estabelecimentos que praticam as tais "condições sociais análogas" de que fala a directiva, a correcta delimitação deve atender ao escopo das pessoas jurídicas implicadas, e à forma como os serviços são prestados. O legislador nacional, tomando como paradigma a norma relevante da 6ª directiva, só excluiu da renúncia à isenção os hospitais, clínicas, dispensários e similares pertencentes a pessoas colectivas públicas e a instituições privadas que se integrem na chamada "economia social". Nestes termos, as normas do CIVA (n.º 1do artigo 12.º e verba 2.7 da Lista 1) não excluem do direito à renúncia sociedades comerciais que tenham celebrado com o Serviço Nacional de Saúde acordos de prestação de serviços médicos. Não é a existência desses acordos que integra, sem mais, essas entidades no sistema nacional de saúde, para efeitos do CIVA, transformando-as em operadores do sector social da economia.
Acresce que tal entendimento, ao contrário do invocado pela AT, não é posto em causa pela jurisprudência do TJUE sobre a matéria, antes pelo contrário.
Não obstante não existirem decisões jurisprudenciais do TJUE que tratem especificamente sobre a questão de saber quando é que um estabelecimento hospitalar privado efectua prestações em condições sociais análogas às que vigoram para os “organismos de direito público” o Tribunal tem-se pronunciado em diversas ocasiões sobre os requisitos que se devem verificar para que uma entidade privada possa ser considerada como “outro estabelecimento da mesma natureza [a estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico] devidamente reconhecido” praticando condições análogas às impostas às pessoas colectivas de direito público, para efeitos do artigo 132.º, n.º 1, alínea b) da Directiva IVA e consequente aplicação do regime de isenção.
Neste contexto vejam-se os Acórdãos Dornier ( ), o Acórdão L.u.P. ( ), e mais recentemente, o Acórdão Copy Gene ( ). Nos três casos, estava em causa o conceito de "organismo devidamente reconhecido" pelo Estado membro como praticando condições análogas às impostas pelos organismos similares de pessoas colectivas de direito público, Mesmo não havendo reconhecimento expresso, o Tribunal forneceu critérios para a determinar em que condições deve uma entidade privada ser considerada "outro estabelecimento da mesma natureza devidamente reconhecido", para efeitos do artigo 132.º n.º 1, alínea b) da Directiva IVA. No Caso Copy Gene o Tribunal, recordando o que já havia afirmado em processos anteriores, veio estabelecer os seguintes critérios para aquele efeito:
"A este respeito, para determinar os estabelecimentos que devem ser «reconhecidos» na acepção da referida disposição, cabe às autoridades nacionais, em conformidade com o direito da União e sob a fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais, tomar em consideração vários elementos, entre os quais figuram o carácter de interesse geral das actividades do sujeito passivo em causa, o facto de outros sujeitos passivos que têm as mesmas actividades beneficiarem já de um reconhecimento semelhante, bem como o facto de os custos das prestações em questão serem eventualmente assumidos em grande parte por caixas de seguro de doença ou por outros organismos de segurança social (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Kügler, n.ºs 57 e 58; Dornier, n.º 72 e 73; e L.u.P., n.º 53). ". ( )
Um dos critérios apontados é o de quem suporta os custos das prestações. O Tribunal admite que a contratação com caixas de seguro ou organismos de segurança social - supostamente organismos públicos - seja um indício a ter em conta para que prestador tenha a qualificação de organismo reconhecido como praticando condições análogas às dos organismos públicos - portanto isento de IVA para os efeitos da Directiva (e, consequentemente, impossibilitado de renunciar à isenção). Mas é claro que só o admite se os custos das prestações forem "assumidos em grande parte por caixas de seguro de doença ou por outros organismos de segurança social", pois só assim as condições sociais análogas poderão estar verificadas.
O Acórdão Ines Zimmermann vai ainda mais longe ao confirmar que uma actividade que é em cerca de dois terços assumida por organismos de segurança social constitui “um elemento que pode ser tomado em consideração para determinar os organismos cujo «carácter social», na acepção do artigo 13.º, A, n.º 1, alínea g), da Sexta Directiva [actual 132.º, n.º 1, b) da Directiva IVA], deve ser reconhecido para efeitos desta disposição”.( )
Essencialmente no mesmo sentido, diz-se no acórdão arbitral proferido no processo n.º 278/2013-T:
“O legislador português optou pela formulação de um requisito negativo aplicável às “instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde” (aquelas que não podem renunciar à isenção). O sentido desta expressão não pode deixar de corresponder ao de entidades que prestem serviços em condições sociais análogas às dos organismos públicos, pois esse é o conceito definidor da Directiva IVA subjacente à norma interna de transposição como acima explicitado.
(…)
Este paralelismo ou colagem à Lei de Bases da Saúde não se justifica por múltiplas razões.
Desde logo, a locução “sistema nacional de saúde” não consta de nenhum dos conceitos da Lei de Bases da Saúde.
Na verdade, não existe uma definição legal de “sistema nacional de saúde” na legislação portuguesa e do ponto de vista linguístico a expressão contém duas palavras comuns, quer ao “sistema de saúde”, quer ao “Serviço Nacional de Saúde”, sendo que este último conceito exclui os estabelecimentos privados.
Por outro lado, a Lei de Bases da Saúde, que introduz o conceito de sistema de saúde é posterior à redacção do Código do IVA (surgiu em 1990 e o Código remonta a 1984), pelo que cronologicamente este não lhe poderia fazer referência e, no que toca ao uso da expressão empregue no artigo 12.º, n.º 1, alínea b) do citado Código, até hoje não sofreu qualquer modificação.
Já o conceito de Serviço Nacional de Saúde existia à data da publicação do Código do IVA, e estava em vigor desde 1979, através da Lei n.º 56/79, de 15 de Setembro, que criou o Serviço Nacional de Saúde, que, refira-se, apenas abrange os órgãos e serviços públicos na dependência do Ministério da Saúde, excluindo, portanto, os estabelecimentos privados.
Assim, atendendo aos elementos histórico e sistemático o único conceito existente na lei portuguesa e para o qual o Código do IVA poderia remeter à data da sua publicação era o conceito de “Serviço Nacional de Saúde” (e não o conceito de sistema de saúde cujo recorte surge seis anos após a publicação do Código do IVA).
Acresce que a Lei do Orçamento do Estado para 1999 (Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro), que foi promulgada quando já estão legalmente definidos e assentes ambos os conceitos de “Serviço Nacional de Saúde” e “sistema de saúde”, faz uma referência explícita à renúncia à isenção prevista no artigo 12.º, n.º 1, alínea b) aqui em análise, indicando que, em relação a esta, estão em causa as instituições privadas integradas no Serviço Nacional de Saúde.
Esta indicação consta da nova redacção da verba 2.7 da Lista I anexa ao Código do IVA, que vem clarificar a aplicação da taxa reduzida de imposto às prestações de serviços médicos realizadas por sujeitos passivos que optaram pela renúncia à isenção, e estabelece uma conexão expressa entre a renúncia à isenção e o Serviço Nacional de Saúde (e não com o “sistema de saúde”) como se ilustra infra:
(…)
Afigura-se, porém, que em rigor o Código do IVA não pretende fazer qualquer remissão ou reenvio para um conceito jurídico de direito interno.
É certo que a questão decidenda versa sobre o exercício de um poder discricionário atribuído ao legislador nacional: o de isentar (ou não) determinadas operações (de cuidados de saúde) e o de conceder (ou não) a possibilidade de opção pela tributação relativamente às mesmas.
No entanto, essa margem de liberdade do legislador refere-se a um regime de isenção delimitado por conceitos autónomos de direito comunitário, de entre os quais se destaca o de “condições sociais análogas” às dos organismos públicos.
(…)
Porém, a partir do momento em que o legislador decidiu conceder-lhes (àquelas entidades) essa faculdade (de tributação), o âmbito subjectivo da renúncia não pode ser distinto daquele que está subtraído ao regime obrigatório de isenção, sob pena de violação do parâmetro da neutralidade. Existe uma liberdade de escolha de regime (isenção com ou sem eventual renúncia à isenção), mas não existe a liberdade de conformação do âmbito subjectivo dessa escolha.
Com isto queremos dizer que todas as entidades que não prestem os seus serviços em condições sociais análogas às dos organismos públicos, e que o legislador português optou por isentar, (pelo regime-regra da Directiva IVA seriam tributadas) devem poder beneficiar da faculdade de tributarem as suas operações, se o legislador em simultâneo decidir instituir a faculdade de renúncia à isenção (como sucedeu no caso português).
Segundo o TJUE “no quadro da isenção prevista no artigo 13.º, A, n.º 1, alínea g), da Sexta Directiva, tal como decorre dos n.ºs 43 e 52 do presente acórdão, não é em relação aos organismos de direito público que o princípio da neutralidade fiscal exige a igualdade de tratamento em matéria de reconhecimento do carácter social, mas em relação a todos os outros organismos [leia-se, que não sejam de direito público] entre si” – cf. Acórdão de 15 de Novembro de 2012, C-174/11, Ines Zimmermann, ponto 53.
Importa, por conseguinte, determinar o sentido e alcance da expressão “condições sociais análogas” às aplicáveis no sector público, por forma a da mesma retirar “pela negativa” o campo de aplicação da renúncia à isenção do IVA contemplada no artigo 12.º, n.º 1, alínea b) do respectivo Código, que deverá abranger todas as entidades que aí se enquadrem.
(…)
Um dos critérios principais reside, pois, em saber quem suporta o custo das prestações. Para este efeito não basta que os custos das prestações sejam assumidos “em parte” por caixas de seguro de doença ou por outros organismos de segurança social. O TJUE exige que para ser um indício atendível (da equiparação ao sector público) os custos das prestações de serviços sejam assumidos em grande parte pelo sector público, só assim se dando as condições análogas por verificadas.
Pelo que se referiu, o regime da isenção e renúncia previsto nos artigos 9.º, n.º 2, e 12.º, n.º 1, alínea b), do CIVA está definido na lei, interpretada nos termos legais, em sintonia com o direito da União Europeia e com a interpretação que dele faz o TJUE, que se impõem aos Tribunais nacionais, como decorre do artigo 8.º, n. 4, da CRP e do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Por isso, a definição deste regime nestes termos, não envolve violação dos princípios da legalidade e da tipicidade tributária, que se extraem dos artigos 102.º, n.ºs 2 e 3, e da CRP e 8.º da LGT, antes concretiza a sua aplicação.
4.3. Aplicação desta jurisprudência ao caso concreto
Nos acórdãos referidos, concluiu-se, em suma, em sintonia com o Acórdão Ines Zimmermann, que o simples facto de serem celebrados acordos com subsistemas públicos de saúde não pode levar a concluir que uma sociedade comercial operando na área da saúde fica qualificada, para os efeitos do IVA, como pertencendo ao sistema nacional de saúde.
Mas, também se entendeu que se os custos das prestações de serviços forem assumidos em grande parte pelo sector público, poderão dar-se por verificadas as «condições sociais análogas» que justificam o afastamento da possibilidade de renúncia à isenção, prevista no artigo 12.º, n.º 1, alínea b) do CIVA, por se poder concluir a entidade prestadora dos serviços se integra no «sistema nacional de saúde», para este efeito.
Nos casos apreciados nesses processos, apenas uma parte reduzida dos custos das prestações de serviços eram suportados por entidades do sector público, o que levou a concluir que não havia obstáculo a renúncia à isenção.
O mesmo não sucede, porém, no caso em apreço, pois, como se refere no Relatório da Inspecção Tributária:
– «do total dos seus utentes, cerca de 69,09% em 2014, 70,71% em 2015 e 69,37% em 2016 (até junho) são beneficiários de subsistemas de saúde públicos ou usufruíram de serviços prestados no âmbito de convenções celebrados com o Estado, através da ARS»;
– «os atos médicos realizados ao abrigo das convenções celebradas com o Estado, através da ARS ou de subsistemas de saúde pública, representam cerca de 71,28% em 2014, 73,38% em 2015 e 74,58% em 2016 (até ao mês de junho) do total da atividade médica exercida pela empresa»;
– «no que respeita à faturação para o Estado e respetivos subsistemas públicos de saúde, incluindo os montantes faturados aos respetivos utentes beneficiários, esta representa cerca de 55,60% em 2014, 54,50% em 2015 e 57,04% entre os meses de janeiro e junho de 2016» (...) «percentagem foi determinada considerando a faturação líquida (prestação de serviços deduzida dos descontos e abatimentos) dos períodos em causa relativa à prestação de serviços médicos. Por outro lado, foi incluída, quer a faturação à entidade comparticipante, quer ao respectivo utente beneficiário do subsistema público de saúde».
Assim, conclui-se que se está perante uma situação em que mais metade dos custos das prestações de serviços são assumidos pelo sector público, o que, à face daquela jurisprudência do TJUE, designadamente o acórdão Ines Zimmermann, e da citada jurisprudência arbitral, constitui um indício de que Requerente, nos períodos a que se referem as liquidações em causa, exerceu a sua actividade em «condições sociais análogas» às que vigoram para os organismos de direito público, para efeitos da isenção a que se refere a alínea b) do n.º 1, do artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE.
É certo que, como bem refere a Requerente, à face da referida jurisprudência do TJUE, o facto de as fontes de receita serem maioritariamente proporcionadas por entidades de natureza pública é apenas um indício de que a actividade é desenvolvida em condições que devem considerar-se análogas às dos organismos de direito público.
Mas, no caso em apreço verificam-se outros indícios que corroboram essa analogia e apontam no sentido de a Requerente ser considerada uma das «instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde» a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do CIVA na redacção anterior à Lei n.º 7-A/2016, como são:
– o facto de mais de 69% dos utentes serem beneficiários de subsistemas de saúde públicos ou usufruírem de serviços prestados no âmbito de convenções celebrados com o Estado, através da ARS;
– o facto de mais de 71% dos actos médicos praticados pela Requerente terem sido realizados ao abrigo das convenções celebradas com o Estado, através da ARS ou de subsistemas de saúde pública;
– o facto de o número de utentes ao abrigo das convenções ser da ordem de várias dezenas de milhares (74.045 em 2014, 93.112 em 2015 e 51.173 até Junho de 2016) que permite concluir pelo grande interesse público geral da actividade desenvolvida pela Requerente e pela sua grande relevância social;
– a maior parte da actividade da Requerente é desenvolvida com preços controlados por organismos de direito público, que são fixados nas convenções celebradas, e não a preços de mercado, formados em situação de concorrência.
Por outro lado, se é certo que o artigo 133.º da Directiva n.º 2006/112/CE permite que o legislador nacional faça depender a concessão das isenções de uma ou mais das condições aí arroladas, também o é que nenhuma delas foi incluída na lei nacional e que a limitação da isenção a entidades sem fins lucrativos, que foi inicialmente proposta ( ), não veio a ser adoptada na Sexta Directiva. Para além disso, como se refere no n.º 72 do acórdão do TJUE de 10-06-2010 CopyGene, «quando o legislador comunitário quis reservar a concessão das isenções previstas no artigo 13.º, A, n.º 1, da Sexta Directiva a determinadas entidades que não prosseguem fins lucrativos ou não têm um carácter comercial, indicou o de maneira expressa, como resulta das alíneas l), m) e q) desta disposição (v. acórdão de 26 de Maio de 2005, Kingscrest Associates e Montecello, C 498/03, Colect., p. I 4427, n.º 37)».
Assim, no caso em apreço, há mais factos do que existiam nas situações apreciadas nos referidos processos arbitrais que apontam no sentido de que a Requerente exercer a sua actividade “em condições sociais análogas” às dos organismos de direito público.
Nesta situação, justificar-se-á o reenvio prejudicial para o TJUE, se a solução desta questão for necessária para decidir a questão da legalidade ou ilegalidade das liquidações.
5. Alcance da alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, no artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA
A alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do CIVA passou a ter a seguinte redacção, com a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março:
Artigo 12.º
Renúncia à isenção
1 - Podem renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações:
(...)
b) Os sujeitos passivos referidos no n.º 2) do artigo 9.º, que não sejam pessoas coletivas de direito público, relativamente às prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas, que não decorram de acordos com o Estado, no âmbito do sistema de saúde, nos termos da respectiva lei de bases;
A Requerente defende que esta alteração legislativa não lhe é aplicável, pois se limita a indicar quem pode renunciar à isenção e a Requerente já renunciou em 2012.
Afigura-se correcta a interpretação da Requerente, que resulta do teor literal.
Na verdade, esta norma reporta-se aos actos de renúncia à isenção, que são, por natureza, actos instantâneos, indicando quais os sujeitos passivos que os podem praticar, mas nada dizendo sobre a cessação de efeitos de actos de renúncia anteriormente praticados.
Assim, esta norma aplica-se apenas aos factos posteriores à sua entrada em vigor, como decorre do n.º 1 do artigo 12.º da LGT.
À mesma conclusão se chega por via da regra geral do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil, pois esta nova lei dispõe sobre requisitos para a prática de um facto e não sobre o conteúdo de relações jurídicas criadas por factos anteriores do mesmo tipo.
O facto de se ter mantido em vigor o n.º 3 do mesmo artigo, em que se prevê a obrigação dos sujeitos passivos que tenham exercido o direito de opção permanecerem no regime por que optaram durante um período de, pelo menos, cinco anos, confirma que não se pretendeu eliminar os efeitos de opções anteriormente.
Assim, tem razão a Requerente ao defender que esta nova redacção não lhe é aplicável.
No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira questiona a compatibilidade desta interpretação com princípios do Direito da União, designadamente os princípios da igualdade, da neutralidade e da não distorção da concorrência, que se confrontam com o princípio da protecção de direitos adquiridos ou da confiança legítima subjacentes à tese da Requerente, pelo que é pertinente efectuar reenvio prejudicial sobre esta matéria.
6. Questão da impossibilidade de “perder-se o direito à renúncia à isenção”
O artigo 12.º, n.ºs 1, alínea b), 2 e 3, do CIVA, na redacção do Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de Junho, estabelece o seguinte:
Artigo 12.º
Renúncia à isenção
1 - Podem renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações:
(...)
b) Os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas;
2 - O direito de opção é exercido mediante a entrega, em qualquer serviço de finanças ou noutro local legalmente autorizado, da declaração de início ou de alterações, consoante os casos, produzindo efeitos a partir da data da sua apresentação.
3 - Tendo exercido o direito de opção nos termos dos números anteriores, o sujeito passivo é obrigado a permanecer no regime por que optou durante um período de, pelo menos, cinco anos, devendo, findo tal prazo, no caso de desejar voltar ao regime de isenção:
a) Apresentar, durante o mês de Janeiro de um dos anos seguintes àquele em que se tiver completado o prazo do regime de opção, a declaração a que se refere o artigo 32.º, a qual produz efeitos a partir de 1 de Janeiro do ano da sua apresentação;
b) Sujeitar a tributação as existências remanescentes e proceder, nos termos do n.º 5 do artigo 24.º, à regularização da dedução quanto a bens do activo imobilizado.
O artigo 35.º do CIVA estabelece o seguinte:
Artigo 35.º
Apresentação das declarações
1 - As declarações referidas nos artigos 31.º a 33.º são enviadas por transmissão electrónica de dados ou apresentadas em qualquer serviço de finanças ou noutro local legalmente autorizado, por declaração verbal efectuada pelo sujeito passivo, de todos os elementos necessários ao registo e início da actividade, à alteração dos dados constantes daquele registo e à cessação da actividade, sendo estes imediatamente introduzidos no sistema informático e confirmados pelo declarante, após a sua impressão em documento tipificado.
2 - O documento comprovativo referente às declarações mencionadas no número anterior, apresentadas nos serviços de finanças ou noutros locais autorizados, é entregue ao sujeito passivo, após autenticação pelo funcionário receptor e aposição da vinheta do técnico oficial de contas, se for o caso, que assume a responsabilidade fiscal do sujeito passivo a que respeitam as declarações.
3 – As declarações são informadas no prazo de 30 dias pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que se pronuncia sobre os elementos declarados e quaisquer outros com interesse para a apreciação da situação. (Redacção da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro) ( )
4 – No caso de a Autoridade Tributária e Aduaneira discordar dos elementos declarados, fixa os que entender adequados, disso notificando o sujeito passivo. (Redacção da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro) ( )
5 – As declarações referidas nos artigos 32.º e 33.º produzem efeitos a partir da data da sua apresentação no respeitante às operações referidas nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como às operações que devam ser mencionadas na declaração recapitulativa a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias. (Aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro)
6 – A Autoridade Tributária e Aduaneira pode, disso notificando o sujeito passivo, alterar oficiosamente os elementos relativos à atividade quando verifique alguma das seguintes situações: (Aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro)
a) Qualquer dos factos enunciados no n.º 2 do artigo 34.º; (Aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro)
b) A falsidade dos elementos declarados; (Aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro)
c) A existência de fundados indícios de fraude nas operações referidas; (Aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro)
d) Não terem sido apresentadas as declarações a que se refere o artigo 41.º, bem como aquelas a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias, por um período de, pelo menos, um ano ou, tendo sido apresentadas, não evidenciem qualquer atividade, por igual período. (Aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro)
7 - As alterações oficiosas com fundamento na aplicação das alíneas a), b) ou c) do número anterior produzem efeitos imediatos, devendo as mesmas, em todo o caso, ser posteriormente notificadas ao sujeito passivo no prazo de 10 dias. (Aditado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro)
A Requerente defende, em suma, o seguinte:
– exerceu validamente o direito de renúncia isenção, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do CIVA, pois em Janeiro de 2012 e até Setembro de 2012 era um estabelecimento hospitalar privado não integrado no sistema nacional de saúde (só em Outubro de 2012 celebrou uma convenção com uma entidade pública;
– cumpriu o procedimento burocrático para que o direito possa ser exercido, a saber, a entrega da declaração de alterações, produzindo efeitos a partir da data da sua apresentação;
– estando cumpridos os requisitos de entrada no regime de tributação e uma vez exercida validamente a opção pela renúncia, tal renúncia produz “efeitos a partir da data da (…) apresentação” da declaração de início de atividade (cfr. artigo 12.º, n.º 2, parte final do Código do IVA), sendo “o sujeito passivo (…) obrigado a permanecer no regime por que optou durante um período de, pelo menos, cinco anos” (cfr. artigo 12.º, n.º 3, do Código do IVA);
– não está prevista na lei: (i) qualquer situação de “perda do direito à renúncia” pelo sujeito passivo ou (ii) qualquer mecanismo legal que permita à AT determinar esta “perda” a título oficioso;
– o artigo 12.º, n.º 3, do Código do IVA, o legislador apenas conferiu à própria Requerente (e não à AT) o direito de voltar, de forma voluntária, ao regime de isenção, e após terem decorrido cinco anos;
– nos termos do artigo 35.º, n.º 6, do Código do IVA, que define as situações em que a AT tem o direito de alterar oficiosamente os elementos relativos à actividade, não é conferido qualquer poder à AT de alterar o enquadramento dos sujeitos passivos quando considere que os pressupostos de uma renúncia à isenção se alteraram em momento posterior ao exercício da renúncia;
– ao aplicar o artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA, como se este permitisse que a AT, a título oficioso, faça cessar a produção dos efeitos da renúncia à isenção validamente exercida pela Requerente, em momento posterior ao válido exercício do correspondente direito, a AT está a criar uma isenção de IVA sem previsão legal para o efeito, o que viola os princípios da legalidade e tipicidade tributária ínsitos no artigo 103.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, e no artigo 8.º, da LGT.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta, nada diz especificamente sobre esta questão da não previsão da alteração oficiosa do enquadramento no artigo 35.º.
E, na verdade, afigura-se que a Requerente tem razão quanto a esta questão, pelo menos quanto à manutenção do regime pelo qual optou durante período mínimo de cinco anos, previsto como uma obrigação, mas que tem como corolário um desígnio legislativo de que seja aquela a duração mínima da situação gerada com a renúncia.
Com efeito, se o legislador impõe ao contribuinte a obrigação de se manter no regime por que optou durante pelo menos cinco anos, é necessariamente porque há interesse público nessa manutenção, que se sobrepõe mesmo ao interesse do sujeito passivo.
É certo que, na sequência da apresentação da declaração, a Autoridade Tributária e Aduaneira pode e deve controlar a verificação dos requisitos legais para o sujeito passivo renunciar e não a aceitar nos termos em que foi apresentada, como resulta dos n.ºs 3 e 4 do artigo 35.º do CIVA, em que se prevê que, na sequência da apresentação da declaração de início da actividade é prestada uma informação no prazo de 30 dias e «no caso de a Autoridade Tributária e Aduaneira discordar dos elementos declarados, fixa os que entender adequados, disso notificando o sujeito passivo».
Mas, na falta de indicação de prazo especial para a Autoridade Tributária e Aduaneira manifestar a discordância e fixar os elementos que entende adequados, após o período de 30 dias em que tem de ser prestada informação, a decisão discordante terá de ser proferida no prazo procedimental geral supletivo de 8 dias, previsto no n.º 2 do artigo 57.º da LGT, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, pois não se prevê prazo especial.
Findo esse prazo, fica, em princípio, definido o enquadramento do sujeito passivo, resultando do n.º 3 do artigo 12.º do CIVA, que o regime aplicável tem de ser mantido, pelo menos, durante cinco anos, só podendo ser alterados oficiosamente os elementos relativos à actividade do sujeito passivo se se verificar alguma das situações arroladas no n.º 6 do artigo 35.º do CIVA.
Neste contexto, prevendo-se prazo para fixação do enquadramento em sede de IVA muito inferior ao prazo normal previsto para o procedimento tributário (que é de quatro meses, nos termos do n.º 1 do artigo 57.º da LGT), o prazo tem manifestamente natureza imperativa, o que se justifica por a possibilidade ou não de dedução do IVA incorrido para prestar os serviços de saúde e a correlativa obrigação de liquidar IVA ter normalmente consideráveis implicações a nível da rendibilidade dos investimentos do sujeito passivo alterações ( ), que não se compaginam com a perduração de uma situação de indefinição sobre o dever de o sujeito passivo liquidar IVA nas operações activas e sobre a possibilidade de deduzir o imposto incorrido na aquisição de bens ou serviços.
Por outro lado, a inviabilidade de, após o decurso daquele prazo para fixação do regime de IVA aplicável, ser alterado oficiosamente o enquadramento do sujeito passivo, fora das situações expressamente previstas no n.º 6 do artigo 35.º do CIVA, afigura-se poder encontrar justificação na necessidade de protecção da confiança do sujeito passivo, que é corolário das referidas consequências empresariais negativas que a alteração do enquadramento normalmente implicará.
Para além disso, no específico caso da renúncia à isenção, está-se perante uma opção que legislativamente se pretenderá incentivar e manter, como meio de optimizar o funcionamento do IVA, como explicam CLOTILDE CELORICO PALMA e JOSÉ XAVIER DE BASTO:
A renúncia à isenção, prevista no CIVA, tem de entender-se não como um benefício fiscal, mas como um regime destinado a minimizar os efeitos deletérios das isenções, sem crédito de imposto a montante, e a assegurar a realização plena do princípio da neutralidade.
Para o legislador do CIVA, com efeito, a opção pela tributação não é nenhum benefício fiscal que se dá ao contribuinte. É uma oportunidade que se oferece de melhorar a operação e o funcionamento do IVA, eliminando situações de isenção, que, como se mostrou atrás, são hostis à neutralidade fiscal e provocam efeitos deletérios ao correcto funcionamento de um sistema de tributação do consumo, por implicarem tributação de bens intermediários, instrumentais à produção.
Que é assim mostra-o a circunstância de o legislador do CIVA ter estabelecido, no n.º 3 do artigo 12.º, a renovação automática do período de permanência de cinco anos, em que depois de exercida a opção o contribuinte é obrigado a permanecer: se ele não fizer declaração em contrário, esse período renova-se, continuando o operador a estar no regime de tributação por opção. E observa-se também que o legislador não previu outras situações de cessação do regime de tributação, por renúncia à isenção, para além da vontade expressa do sujeito passivo, validamente declarada.
O legislador do CIVA quis claramente incentivar a opção pela tributação, em direcção a uma melhoria do funcionamento do sistema e quis também que, feita a opção, os contribuintes permanecessem no sistema.
Por isso, mandou renovar automaticamente o regime, estabelecendo uma alternativa de opting out, no fim da cada período de cinco anos.
No mesmo sentido de incentivar a opção, no caso dos serviços de saúde, vai a solução e aplicar as prestações de serviços em causa a taxa reduzida de 6%.
Não há dúvida de que se querem dar todas as condições para que a opção pela tributação seja, nestes casos, uma alternativa conveniente para os operadores. A solução do CIVA mostra pois que, de um ponto de vista sistémico, a tributação por opção é desejável, deve manter-se se possível indefinidamente, a não ser que haja manifestação de vontade expressa do contribuinte em sentido contrário, passado o período de permanência mínima de cinco anos. Quem está no regime de tributação contribui para o bom funcionamento do sistema do IVA, contrariamente a quem está isento. Sendo a neutralidade fiscal garantida pelo direito à dedução, só tendo esse direito se assegura a não incidência do imposto sobre os bens de produção – e esse direito não existe para os operadores isentos.
A situação normal, em IVA, é a de sujeição plena ao imposto, com liquidação do tributo nas operações activas e dedução do imposto suportado nas operações passivas. Anómala e excepcional a situação de isenção.
A renúncia à isenção vai, pois, na direcção da melhoria das qualidades do tributo, pelo que toca à sua neutralidade. O legislador nacional claramente se guiou por essa orientação na regulamentação das renúncias à isenção, dando incentivo aos sujeitos passivos para renunciarem, nos casos previstos na lei, à isenção, penalizadora da neutralidade. Interpretar restritivamente o direito à renúncia, para além de não ter nenhum apoio textual, em nada contribui para melhorar as qualidades do tributo, bem ao invés retira alcance a um instituto, como o da renúncia à isenção, justamente dirigido a aperfeiçoá-las. ( )
Na mesma linha, refere-se no acórdão arbitral proferido no processo n.º 278/2013-T:
Sendo que as isenções, independentemente da sua motivação e razão de ser, revestem sempre carácter excepcional e continuam a ser uma excepção ao regime geral. (...)
Neste quadro, a concessão da faculdade de renúncia à isenção é uma forma de restaurar o direito a deduzir o imposto que constitui a pedra angular de todo o sistema do IVA, eliminando imposto “oculto” (o IVA não deduzido), que penaliza os sujeitos passivos, mesmo que estes se situem no último estádio da cadeia de produção, em particular em fases de investimento significativo, caracterizadas por aquisições vultuosas, permitindo-lhes serem tributados pelo regime normal (na presente situação à taxa reduzida, constante da verba 2.7, da Lista I anexa ao Código do IVA) e assim recuperarem o IVA incorrido.
Como se referiu, uma confirmação de que legislativamente se prefere manter as situações de renúncia em vez de as eliminar, encontra-se no próprio facto de a lei restringir a possibilidade de voltar ao regime de isenção, durante o período mínimo de cinco anos.
Para além disso, subjacente à renúncia à isenção estará, seguramente, o entendimento do sujeito passivo de que, na sua específica situação, lhe é economicamente vantajoso optar pela aplicação do regime geral, com possibilidade de deduzir o IVA em que incorre, apesar de ter de incluir IVA nos preços das prestações de serviços que realiza, com a provável necessidade de redução da margem de lucro. Por isso, a opção pela tributação, diminuindo os custos incorridos pelo prestador dos serviços através da dedução do IVA, sintoniza-se com a intenção legislativa subjacente à isenção de embaratecer os preços dos serviços de saúde, pois aquela melhoria da diminuição dos custos cria condições para acentuar a redução dos preços dos serviços. ( )
No entanto, também neste caso a Autoridade Tributária e Aduaneira questiona a compatibilidade com o Direito da União da manutenção do regime de tributação após a cessação das condições que permitiram renunciar à isenção, pelo que se justifica o reenvio prejudicial sobre a compatibilidade deste regime com os princípios invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, já referidos.
7. Questão da inexistência de revogação do acto administrativo que conferiu o direito à renúncia
A Requerente defende que a Autoridade Tributária e Aduaneira não revogou o acto administrativo que enquadrou a Requerente no regime geral de IVA, tendo apenas “decretado” a perda do direito à renúncia.
No entanto, não se encontra demonstrado nos autos que tenha sido praticado qualquer acto administrativo que tenha enquadrado a Requerente no regime geral de IVA, nem a Requerente o identifica (quando foi praticado, quem o praticou).
Por outro lado, nem o artigo 12.º, n.º 2, do CIVA nem o artigo 35.º do mesmo Código prevêem a emissão de que acto administrativo para determinar o enquadramento em IVA de sujeitos passivos que renunciem à isenção, prevendo-se apenas a prática de um acto administrativo no caso de a Autoridade Tributária e Aduaneira discordar dos elementos declarados (n.ºs 1 a 5 do artigo 35.º).
Pelo exposto, não tem razão a Requerente ao imputar este vício às liquidações impugnadas.
8. Da inexistência de obrigação de regularizar o IVA relativo a bens do activo imobilizado no caso concreto
A Requerente defende o seguinte, em suma:
– das liquidações efectuadas, o apuramento do valor de € 2.040.649,79 tem por base regularizações das deduções a favor do Estado, nos termos dos artigos 20.º a 23.º, do Código do IVA (cfr. págs. 31 e seguintes do Relatório);
– não existe qualquer norma prevista no Código do IVA ou em legislação avulsa que obrigue a Requerente a regularizar as deduções de IVA anteriormente realizadas em resultado das mudanças de enquadramento em IVA determinadas oficiosamente pela AT, designadamente não estando prevista esta possibilidade nas normas referidas e a AT não faz referência aos artigos 24.º a 26.º daquele Código;
–a AT parte de um pressuposto errado ao inferir que o IVA liquidado e pago ao Estado pela Requerente é devido aos cofres do Estado porquanto, no caso dos autos, não se está perante uma circunstância de fraude, pelo que a sua situação nunca seria enquadrável no escopo da alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 2 do artigo 27.º, ambos do Código do IVA;
– nas situações indicadas no artigo 12.º, n.º 3, e 24.º, n.º 6, alínea b), do CIVA, prevê-se a obrigatoriedade de os sujeitos passivos efectuarem regularizações das deduções anteriormente efectuadas a propósito de bens em existências e do activo imobilizado, quando cessa a aplicação do regime de tributação de que aqueles gozavam por aplicação da renúncia à isenção, mas tal cessação tem de ocorrer opção expressamente assumida pelo sujeito passivo, após o término do período de 5 anos em que o mesmo esteve enquadrado no âmbito do regime de tributação;
– a aplicação dos artigos 20.º a 23.º, do Código do IVA, no caso concreto leva assim a que a liquidação de imposto, na parte relativa à regularização, no valor de €2.040.649,79, seja materialmente inconstitucional, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, na parte em que este dita que ninguém pode pagar impostos cuja liquidação se não faça nos termos da lei e ilegal.
Os artigos 24.º a 26.º do CIVA reportam-se a regularizações de deduções que foram legalmente, mas que devem ser corrigidas, com fundamento em factos ulteriores.
Não é esse o caso dos autos, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou terem sido efectuadas deduções ilegais, nos períodos a que se referem as liquidações impugnadas, isto é entendeu que se está perante «imposto deduzido indevidamente, nos termos dos artigos 20.° e 23.º».
Por isso, não se está perante situação a que sejam aplicáveis os artigos 24.º a 26.º do CIVA, mas, antes, uma situação enquadrável no artigo 87.º do mesmo Código, que prevê a liquidação adicional nos casos em que nas declarações é efectuada dedução superior à devida.
Por isso, não ocorre o alegado vício do preceituado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, por falta de previsão legal para as liquidações efectuadas, no pressuposto de que sejam ilegais as deduções.
Assim, a questão de legalidade que se coloca é apenas a da existência ou não do direito à dedução, que é abordada nos pontos anteriores, e não de regularizações efectuadas sem previsão legal.
9. Questão da «errada consideração que o IVA indevidamente pago pela Requerente é devido ao Estado»
A Requerente defende, em suma, que,
– «ainda que a Requerente tivesse “perdido” o direito de renúncia à isenção a partir de uma determinada data não materializada pela AT», «na medida em que no caso em apreço não está em causa, como resulta dos autos, qualquer ato de fraude», nem «se está perante qualquer caso de dedução indevida do IVA cobrado nos serviços médicos (este IVA, pela sua natureza, não é dedutível pelos utentes)», «não existiria base para a AT considerar que o IVA liquidado pela Requerente é devido ao Estado, nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 2.º, do Código do IVA».;
– «a única forma de garantir a neutralidade fiscal e aplicar justiça, caso se verificasse o cenário acima descrito, seria (em contraponto a reconhecer a dedução do IVA realizada em excesso pela Requerente) reconhecer que o valor do IVA liquidado e pago a mais pela Requerente ao Estado deveria ser regularizado pelo Estado a favor daquela e restituído por esta aos seus utentes»;
– «o que não se pode aceitar é que, a verificar-se a situação acima referida, a AT atue em "venire contra factum proprium" arrecadando imposto sobre operações que a própria AT declara isentas de IVA»;
– «a serem mantidos os actos de liquidação aqui em causa com esta base os mesmos não representariam uma correção do enquadramento da Requerente, mas antes uma verdadeira punição desta, a qual é inadmissível, por inconstitucional, face aos princípios que subjazem ao sistema fiscal, consagrados no artigo 103.º, da CRP».
Como se referiu, a questão de saber se, no caso de serem legais as liquidações, por a Requerente dever ser enquadrada no regime de isenção de IVA durante os anos de 2014 a 2016, deve ser considerado indevido o IVA que a Requerente liquidou aos seus utentes e entregou ao Estado, não tem a ver com declaração de ilegalidade de actos de liquidação, pelo que não se insere na competência deste Tribunal Arbitral.
10. Da desigualdade de tratamento entre contribuintes
A Requerente invoca violação do princípio da igualdade por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter não ter decidido na «Informação n.º 1746, de 20.10.2007, da Direção de Serviços de IVA, mencionada no Relatório) em que estava em causa a prestação de serviços médicos por parte de um sindicato, tal aplicação retroativa decorrente da perda do direito à renúncia à isenção foi excluída pela AT, com despacho concordante do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais».
A Requerente defende que «será inconstitucional a interpretação e aplicação do artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA, por parte da AT em moldes tais que conduza a que a Requerente seja mais gravosamente penalizada (aplicação retroativa da perda do direito à renúncia à isenção com obrigatoriedade de regularizações de IVA e entrega ao Estado do IVA liquidado) do que o sindicato, no caso que esteve na génese da Informação n.º 1746, de 20.10.2007, aludida no Relatório (perda do direito à renúncia à isenção apenas aplicável para futuro)».
A Informação n.º 1476, datada de 10-10-2007 (junta pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-11-2017) não permite a conclusão que a Requerente dela retira, antes refere a perda da renúncia à isenção em Janeiro de 2000, não esclarecendo se dela resultou «obrigatoriedade de regularizações de IVA e entrega ao Estado do IVA liquidado».
Por outro lado, no que concerne à «Informação n.º 1295, de 18-02-1993», a que a Requerente alude nas alegações, nada se provou quer quanto à sua existência quer quanto ao seu conteúdo.
Por isso, na se demonstra que tenha ocorrido esta invocada a violação do princípio da igualdade.
11. Reenvio prejudicial
Ambas as Partes requerem reenvio prejudicial para o TJUE.
Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia ( ).
Quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.
No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81.
Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º14).
Porém, no caso em apreço, está em causa a interpretação de normas do Direito da União Europeia sobre a qual existem dúvidas interpretativas e não se conhece jurisprudência do TJUE que decida de forma clara sobre as questões essenciais que são colocadas no presente processo, designadamente sobre o preenchimento do conceito de «condições sociais análogas», usado no artigo 132.º, n.º 1, alínea b), da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, em situação em que a maior parte da actividade do sujeito passivo se reporta a entidades de direito público e sobre a possibilidade de ao sujeito passivo que renunciou à isenção, optando pelo regime de tributação, quando não se encontrava a assegurar serviços em «condições sociais análogas» às que vigoram para os «organismos de direito público», com a obrigação de se manter durante pelo menos cinco anos nesse regime, ser imposto o regime de isenção, por passar a actuar nessas «condições sociais análogas» ou por uma nova lei passar a impedir a renúncia à isenção.
Nomeadamente, podendo a alteração do regime aplicável fortes consequências a nível da rendibilidade dos investimentos e prevendo-se na lei a obrigação de o sujeito passivo que optou pelo regime de tributação permanecer nesse regime durante pelo menos cinco anos, afigura-se duvidosa, à face dos princípios dos direitos adquiridos ou, pelo menos, da protecção da confiança, a possibilidade de ser alterado o regime antes do decurso daquele prazo, contra a vontade do sujeito passivo, quer por decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira quer por força de uma nova lei.
Mas, por outro lado, a permanência de um sujeito passivo no regime de tributação quando a outros sujeitos passivos em situações idênticas é imposto o regime de isenção poderá não se compaginar com os princípios da igualdade, da não discriminação, da neutralidade e da não distorção da concorrência em relação aos utilizadores e aos sujeitos passivos que sejam organismos de direito público (como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira).
O TJUE tem pacificamente admitido reenvio prejudicial em processos arbitrais tributários (como se vê pelo acórdão de 11-06-2015, proferido no processo n.º C-256/14).
Assim, não havendo possibilidade de recurso relativamente às questões colocadas, é de entender que é obrigatório o reenvio prejudicial, à face do preceituado no artigo 267.º do TFUE, que estabelece que «sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal».
Nestes termos, formulam-se as seguintes questões em
Reenvio prejudicial
1) O artigo 132.º, n.º 1, alínea b) da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro, relativa ao Sistema Comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“Directiva do IVA”), opõe-se a que se entenda que um estabelecimento hospitalar pertencente a uma sociedade comercial de direito privado, que celebrou convenções para a prestação de serviços de assistência médica com o Estado e pessoas colectivas de direito público, passa a actuar em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos de direito público previstos naquela norma quando se verificam as seguintes condições:
– mais de 54,5 % da facturação é efectuada com serviços do Estado e subsistemas públicos de saúde;
– mais de 69% dos utentes são beneficiários de subsistemas de saúde públicos ou usufruem de serviços prestados no âmbito de convenções celebrados com serviços do Estado;
– mais de 71% dos actos médicos foram realizados ao abrigo das convenções celebradas com subsistemas de saúde públicos e com serviços do Estado; e
– é grande interesse público geral da actividade desenvolvida?
2) Tendo Portugal optado, ao abrigo do artigo 377.º da Directiva do IVA, por continuar a isentar de IVA as operações efectuadas pelos estabelecimentos hospitalares não referidos no artigo 132.º, n.º 1, alínea b) desta Directiva e tendo concedido a estes sujeitos passivos, ao abrigo do artigo 391.º da Directiva, a faculdade de optarem pela tributação das referidas operações, com a obrigação de se manterem no regime de tributação por um período mínimo de cinco anos e prevendo apenas a possibilidade de voltarem ao regime de isenção se manifestarem tal intenção, este artigo 391.º e/ou os princípios da protecção de direitos adquiridos e da confiança legítima, da igualdade, da não discriminação, da neutralidade e da não distorção da concorrência em relação aos utilizadores e aos sujeitos passivos que sejam organismos de direito público, opõem-se a que a Autoridade Tributária e Aduaneira imponha o regime de isenção, antes do decurso daquele prazo, a partir do período em que entende que o sujeito passivo passou a prestar serviços em condições sociais análogas aos organismos de direito público?
3) O referido artigo 391.º da Directiva e/ou os princípios referidos opõem-se a que a uma nova lei imponha o regime de isenção aos sujeitos passivos que anteriormente optaram pelo regime de tributação, antes do decurso daquele prazo de cinco anos?
4) O referido artigo 391.º e/ou os referidos princípios referidos opõem-se a um regime legal à face do qual um sujeito passivo que optou pela aplicação do regime de tributação, por no momento em que formulou a opção não prestar serviços de saúde em condições sociais análogas aos organismos de direito público, pode permanecer em tal regime se passar a prestar esses serviços em condições sociais análogas aos organismos de direito público?
Termos em que acordam em suspender a instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões referidas, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à daquele, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias do presente acórdão, do pedido de pronúncia arbitral, da resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira e das alegações das Partes, bem como cópia do processo administrativo e dos documentos juntos com as peças processuais.
Lisboa, 16-01-2018
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(Clotilde Celorico Palma)
(Filipa Barros)