Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 456/2019-T
Data da decisão: 2019-11-14  IVA  
Valor do pedido: € 703.670,13
Tema: IVA; Direito à dedução; Pro rata; Locação financeira; Circular. – Reforma da decisão arbitral (anexa à decisão).
*Substitui a decisão arbitral de 14 de novembro de 2019
* Decisão arbitral anulada por acórdão do STA de 23 de março de 2022, proferido no Processo nº139/21.9BALSB
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. João Pedro Rodrigues e Dra. Cristina Aragão Seia (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 18-09-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A., doravante abreviadamente designada por "Requerente", anteriormente denominada B..., com o número de identificação fiscal ... e sede na Rua ..., n.º..., Lisboa, vem, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária doravante designado como "RJAT"), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a pronúncia sobre a (i)legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa da autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), respeitante ao último período de 2016, com o n.º..., no montante de € 703.670,13, e a consequente declaração de (i)legalidade parcial daquele acto de (auto)liquidação de IVA

A Requerente pede ainda a restituição da quantia que considera indevidamente paga e juros indemnizatórios.

Subsidiariamente, a Requerente pede reenvio prejudicial para o TJUE.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-07-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 29-08-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 18-09-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência dos pedidos e suscitando a questão da incompetência do Tribunal Arbitral para condenar a AT na devolução do concreto montante de € 703.670,13.

Por despacho de 26-10-2019 as Partes foram notificadas para comprovarem qual a percentagem definitiva para o ano 2016 que foi aplicada para determinar o IVA dedutível quanto a recursos de utilização mista.

As Partes apresentaram esclarecimentos.

A Requerente veio responder à excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Por despacho de 11-11-2019, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

Em 14-11-2019 foi proferida decisão arbitral em que se julgou improcedente a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira e se decidiu:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação parcial da autoliquidação de IVA respeitante ao mês de Dezembro de 2016 consubstanciada na declaração periódica n.º...;

b)           Anular a referida autoliquidação, na parte em que foi deduzido IVA em montante inferior ao que resulta do cálculo do pro rata nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, com inclusão do valor total das rendas de locação financeira;

c)            Julgar procedente o pedido de restituição da quantia paga em excesso, a determinar em execução do presente acórdão, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o respectivo pagamento;

d)           Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los a Requerente nos termos indicados no ponto 5.2 deste acórdão.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira veio a interpor recurso da decisão arbitral para o Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 04-11-2020, decidiu, por maioria, conceder provimento ao recurso e «anular a decisão arbitral recorrida, que deve ser substituída por outra, após ampliação da base factual necessária, visando a aplicação do direito nos termos acima apontados».

Os «termos acima apontados» serão os de que «se verifica uma situação de défice instrutório no que se refere à factualidade relativa à utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da sociedade recorrida, assim havendo que saber se foi sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos».

Na sequência do envio do processo ao CAAD, foram notificados da decisão os Árbitros que proferiram a decisão recorrida.

A decisão do Supremo Tribunal Administrativo e a indicação de que a decisão arbitral deve ser substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito aos factos, suscitou algumas questões, quanto à possibilidade de intervenção dos Árbitros que proferiram a decisão arbitral e quanto aos seus poderes de cognição quanto a factos não alegados, que foram decididas por decisão interlocutória de 03-12-2020, em que se decidiu, em suma:

– considerar reconstituído o Tribunal Arbitral;

– ordenar a notificação das Partes para, exclusivamente, querendo, alegarem factos e apresentarem elementos de prova a eles respeitantes que entenderem relevantes para esclarecimento da questão indicada no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de «apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos»;

– fixar o prazo de 10 dias para as Partes exercerem as faculdades referidas.

 

Em 14-12-2020, a Requerente alegou factos sobre a ampliação da matéria referida pelo Supremo Tribunal Administrativo e apresentou prova documental e testemunhal.

Em 08-08-2021, a Administração Tributária pronunciou-se sobre os factos alegados e provas apresentados pela Requerente.

Tendo sido indicadas pela Requerente duas testemunhas que já haviam sido inquiridas sobre factos semelhantes no processo arbitral n.º 58/2020-T, por despacho de 08-01-2021, as Partes foram notificadas para se pronunciarem sobre o aproveitamento da prova gravada produzida nesse processo n.º 58/2020-T, ao abrigo do artigo 421.º do CPC e do princípio da informalidade (artigo 29.º, n.º 2, do RJAT).

Ambas as Partes concordaram com o aproveitamento da prova gravada produzida nesse processo n.º 58/2020-T.

Na sequência da junção ao processo da gravação dos depoimentos prestados no processo n.º 58/2020-T, as Partes foram notificadas para alegações, que apresentaram.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados com base na prova inicial

 

A.           A Requerente é uma instituição de crédito do tipo caixa económica bancária, cujo objecto social consiste na realização das operações descritas no artigo 4.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro;

B.            No âmbito da sua actividade, a Requerente realiza operações financeiras enquadráveis na norma de isenção constante do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem o direito dedução deste imposto, como é o caso das operações de financiamento/concessão de crédito;

C.            Simultaneamente, a Requerente realiza também operações que conferem o direito à dedução deste imposto, designadamente operações de locação financeira mobiliária e custódia de títulos;

D.           Relativamente às situações em que a Requerente identificou uma conexão directa e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação directa, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA;

E.            Nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, a Requerente não deduziu qualquer montante de IVA;

F.            Nas situações em que a Requerente identificou uma conexão directa, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, e conseguiu determinar critérios objectivos do nível/grau de utilização efectiva, aplicou o método da afectação real, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, o que sucedeu, nomeadamente, quanto aos encargos especificamente associados à aquisição de Terminais de Pagamento Automático ("TPA's");

G.           A Requerente não considerou viável determinar um ou vários critérios objectivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afectação real, nas aquisições de recursos de utilização mista";

H.           Para determinar a medida (quantum) de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afectos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de "utilização mista"), a Requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA;

I.             A referida percentagem de dedução foi determinada com cálculo do coeficiente de imputação específico definitivo do ano 2016, em consonância com o preceituado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA;

J.             A 09-02-2017, a Requerente apresentou a Declaração periódica de IVA respeitante ao período de dezembro de 2016 onde nos termos do n.º 6 do art.º 23.º do CIVA procede à regularização do imposto dedutível relacionado com bens de utilização mista, declarando para o efeito no campo 40 o montante de € 917.940,43;

K.            Nessa autoliquidação, a Requerente apurou, por lapso, um pro rata definitivo de 2% (dois por cento), tendo apresentado Reclamação Graciosa, com fundamento em erro na autoliquidação de IVA aquando do apuramento da percentagem de dedução de imposto nos termos do n.º 6 do art. 23.º do CTVA peticionando a consideração do pro rata definitivo de 4% (documento n.º 2 junto com a resposta da Requerente à excepção suscitada pela Administração Tributária);

L.            A referida reclamação, que teve o n.º ...2018..., veio a ser deferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo a mesma aceite a alteração do pro rata definitivo para 4% (quatro por cento) (documento n.º 1 junto com a resposta da Requerente à excepção suscitada pela Administração Tributária);

M.          No Quadro 3 do Anexo 40, a título de “Regularizações abrangidas pelos art.ºs 23.º a 26”, tanto na primeira declaração apresentada como na de substituição, encontra- se cifrada em € 639.773,43, mas a regularização devida nos termos do n.º 6 do art.º 23.º do CIVA no ano de 2016 foi apenas de € 327.753,50;

N.           Em 14-02-2017, a Requerente apresentou uma declaração de substituição com a autoliquidação de IVA respeitante ao mês de Dezembro de 2016, com a declaração periódica n.º ... que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

O.           Com base no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira vertido no Ofício-Circulado n.º 30.108, a Requerente não incluiu no cálculo da referida percentagem de dedução os montantes respeitantes às amortizações financeiras do leasing;

P.            Em 28-12-2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação de IVA do período de Dezembro de 2016, solicitando que o ato tributário de autoliquidação de IVA relativo ao último período de 2016 fosse anulado na parte referente ao IVA que resulta da divergência de aplicação daquelas percentagens aos bens e serviços com utilização mista;

Q.           A reclamação graciosa, que tem o n.º ...2018... foi indeferida por despacho de 08-04-2019, com os fundamentos de uma informação que consta do documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais o seguinte:

 

.1 Quesito Único: Erro na autoliquidação por desconsideração do montante do capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de locação financeira no apuramento do pro rata definitivo de dedução: € 703.670,13

 

V.1.1 Factos e Enquadramento Jurídico-Tributário

15. A Reclamante constitui-se como uma sociedade comercial que se enquadra para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade mensal.

16. A questão em análise, nos presentes, autos consubstancia-se num alegado erro de autoliquidação de IVA, efetuada pelo sujeito passivo, reativa ao período de dezembro de 2016.

17. A Reclamante é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.

18. No âmbito da sua atividade, a Reclamante realiza, por um lado, operações financeiras que se encontram enquadradas no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, nomeadamente, financiamento/concessão de crédito, operações que configuram isenções simples ou incompletas pois não conferem direito à dedução do IVA suportado.

19. Por outro lado, pratica, simultaneamente, outro tipo de operações financeiras, como a celebração de contratos de locação financeira mobiliário, que conferem direito à dedução (cf. alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA).

20. Nestes termos, tendo em consideração a natureza das atividades praticadas, a Reclamante qualifica-se como um sujeito passivo "misto".

21. Relativamente às operações afetas à aquisição de bens e serviços de utilização mista, operações de locação financeira (Leasing e ALD), a CEMG recorreu ao método do coeficiente de imputação especifico constante no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009 (da Área de Gestão Tributaria do IVA) que determina que apenas deve ser considerado, no cálculo da percentagem de dedução, o montante anual correspondente aos juros e outros encargos, excluindo-se a componente de amortização de capital contida nas rendas da locação financeira.

22. Nessa medida, afirma ter apurado uma percentagem de dedução definitiva de 4% que determinou um valor a deduzir de € 562.936,10 - ponto 16.º da petição de Reclamação Graciosa.

23. Sucede que, no entendimento da Reclamante, a solução preconizada pela AT no Ofício-Circulado n.º 30108 é ilegal, uma vez que, não só impõe a aplicação do método da afetação real quando não se encontram preenchidos os pressuposto legalmente previstos para tal "imposição autoritária" (cf. ponto 73.º da petição de Reclamação Graciosa), como, também, expurga do cálculo da referida percentagem o valor das amortizações financeiras, violando o disposto no n.º 4 e 5 do artigo 23.º do CIVA, conjugado com o artigo 173.º e 174.º da Diretiva IVA (cf. pontos 74.º a 76.º da petição em análise).

24. Se assim não fosse a percentagem de dedução seria de 9% (contra os 4% referidos), o que determinaria um valor a deduzir de € 1.266.606,23, constatando a Reclamante uma diferença, em seu prejuízo, de €703.670,13 (cf. ponto 17.º a 19.º da petição de Reclamação Graciosa).

25. Não se conformando, por entender que é ilegal a aplicação da restrição imposta pela AT, veio interpor a presente Reclamação Graciosa, pugnando pela anulação parcial do ato de autoliquidação de IVA efetuada pelo sujeito passivo, relativamente ao período de dezembro de 2016, decorrente da existência, na sua perspetiva, de erro na determinação da percentagem de dedução do pro rata.

E em consequência, pugna pela (o)

a) Anulação parcial da autoliquidação de IVA que resultou da aplicação da percentagem de dedução de 4% aos "custos" comuns e residuais, percentagem essa que foi determinada de acordo com as instruções (alegadamente ilegais) constantes do Ofício-Circulado n.º 30108, quando a percentagem de dedução (no entender da Reclamante) deveria corresponder a 9%, por aplicação dos n.º 1 a 4 do artigo 23.º do CIVA e do artigo 174.º da Diretiva IVA e, consequentemente, defende ser devida a restituição à Reclamante do valor do IVA (alegadamente) pago em excesso, no montante de € 703.670,13,

b) Direito a juros indemnizatórios. por entender (no caso de deferimento da presente Reclamação Graciosa) estarem preenchidos os pressupostos do artigo 43.º da LGT.

 

v.1.2. Síntese das alegações da Reclamante

26. Após uma exposição sucinta sobre a tempestividade e adequação do meio deduzidos, a Reclamante apresenta a descrição da situação, bem como os fundamentos que a levam a pugnar pelo deferimento da sua pretensão.

27. Trotando-se o IVA de um imposto harmonizado pelo sistema comunitário, a Reclamante começa por enquadrar as operações de Leasing e ALD na designada Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006), mais precisamente no artigo 73.º, que define o valor das operações como o montante da contraprestação a receber em relação às mesmas (cf. pontos 43.º a 45.º da petição em análise).

28. No caso de locação financeira a contraprestação consubstancia-se na renda, assumindo esta uma natureza unitária, face à inutilidade de se cindir as suas diversas componentes para efeitos de determinação do valor tributável, sobre o qual recai a incidência de IVA, devendo esse valor corresponder a "renda recebida ou a receber do locatário", nos termos dispostos na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVAA.

29. No entender da Reclamante, desde que não esteja em causa qualquer isenção legalmente prevista, as rendas de contratos de locação financeira são integralmente sujeitas a IVA - tributação unitária – quer na parte que respeita à amortização financeira ou do capital, quer na parte correspondente aos juros e a remuneração de outros encargos?

30. Todavia, no que concerne à aplicação do regime de dedução parcial, a Reclamante alega que a posição preconizada pela AT não é concordante com as normas comunitárias transpostas para o normativo nacional aplicável (CIVA)6.

31. Isto porque, o método da percentagem de dedução - pro rata - respeitante ao IVA dos bens e serviços utilizados por um sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito a dedução, como operações sem direito a dedução, ou seja, com utilização mista, se encontra formulado nos artigos 173.º a 175.º da Diretiva IVA, e tem caráter imperativo para efeitos de determinação do IVA, proporcionalmente dedutível, traduzindo-se no cálculo que resulta de uma ração que inclui os seguintes montantes?:

- no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução; e

- no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e as operações que não confiram direito à dedução.

32. De seguida, o sujeito passivo defende o afastamento da aplicabilidade do único método estabelecido no normativo nacional como alternativo ao pro rata, e que encontra acolhimento expresso no artigo 23.º do CIVA, o da dedução parcial do IVA com base na afetação real dos bens ou serviços adquiridos.

33. E fá-lo por inobservância (segundo a Reclamante) dos respetivos pressupostos de aplicação, definidos nos termos dos n.ºs 2 e 3 da mesma norma, uma vez que a Reclamante não só não optou pelo método da afetação real, como apenas exerce uma única atividade. Ainda que se verificasse esta última condição, era necessário que, cumulativamente, a aplicação do método pro rata conduzisse a distorções significativas na tributação".

34. Pelo que, não se verificando os pressupostos preceituados no n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, referentes ao exercício de atividades económicas distintas, bem como à ocorrência de distorções na tributação, a Reclamante defende que a AT não pode impor a adoção do método da afetação real.

35. Ainda assim, ressalva a Reclamante, a aplicação do método alternativo à aplicação do pro rata, se enquadrável no caso em apreço, consistiria na afetação (utilização efetiva) dos bens ou serviços adquiridos pelas diversas operações ativas, em função da utilização efetiva dos mesmos e não na utilização de quaisquer fórmulas de cálculo da percentagem de dedução "à medida" das Autoridades Tributárias e divergente das instituídas, quer no normativo comunitário?

36. E, deste modo, entende que as normas regulamentares do Ofício Circulado n.º 30108 são invalidas, por padecerem de ilegalidade sustentada na imposição do método da afetação real quando não se verificam os pressupostos legalmente determinados e que legitimam tal imposição."

37. A Reclamante considera, ainda, ilegal a aplicação de uma percentagem de dedução calculada com exclusão de uma parte do valor das operações de locação financeira (a componente de amortização do capital) para efeitos de IVA (leia-se, para cálculo do pro rata), divergindo da fórmula única e injuntiva prevista no artigo 174.º da Diretiva IVA e nos n.ºs 4 e 5 do artigo 23.º do CIVA.

38. Entende o sujeito passivo estar perante uma posição desprovida de qualquer base legal, por colidir e ser incompatível com as normas constantes do artigo 23.º do CIVA, conjugado com os artigos 173.º e 174.º da Diretiva comunitária, ao caso aplicável".

39. Concluindo no sentido de que o procedimento adoptado pela Reclamante, "(...) em estrito cumprimento da obrigação imposta pela Autoridade Tributária e Aduaneira (...)" se apresenta em desconformidade com o sistema comum do IVA."

40.A fim de sustentar a sua posição, a CEMG invoca diversas decisões do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), nomeadamente, nos pontos 85.º a 147.º da sua exposição.

41. Face ao exposto, e por entender que é ilegal a aplicação da restrição, imposta pela AT. no critério utilizado na determinação da percentagem de dedução do imposto, veio a Reclamante interpor a presente Reclamação Graciosa, pugnando pela anulação parcial da autoliquidação de IVA por si efetuada, relativamente ao período de 2016, e que, em seu entender, originou uma entrega em excesso de imposto ao Estado, no montante total de €703.670,13.

 

V. 1.3. Apreciação do mérito

42. Após análise do requerimento de Reclamação Graciosa, cumpre tecer as seguintes considerações quanto aos fundamentos invocados pelo sujeito passivo para sustentar a sua posição.

43. De facto, tendo em consideração o invocado, conclui-se que a questão em causa se reconduz em aferir a eventual ocorrência de erro no apuramento da percentagem de dedução definitiva do IVA referente aos bens e serviços de utilização mista, relativos ao período de 2016, nomeadamente, com a consideração do valor referente ao capital das rendas aturadas no âmbito dos contratos de locação financeira para determinação do pro rata do respetivo período de tributação.

44. A pretensão da Reclamante traduz-se na anulação parcial da autoliquidação de IVA, subjacente à declaração periódica n.º..., correspondente ao período de dezembro de 2016 (1612), alegando a entrega em excesso da importância de € 703.670,13, a acrescer juros indemnizatórios. por considerar tratar-se de um erro na autoliquidação decorrente do cumprimento de instruções administrativas emitidas pela AT e, consequentemente, imputável a esta.

45. No caso concreto, estamos perante operações de locação financeira mobiliário, pretendendo-se aferir a legalidade, face às normas de direito comunitário ou de direito interno, da exclusão do cálculo da percentagem de dedução da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas considerando o montante de juros e outros encargos aturados.

46. Antes de procedermos à apreciação do mérito da presente Reclamação Graciosa, importa aludir ao facto da Reclamante se enquadrar, em sede de IVA, no regime normal, com periodicidade mensal, assumindo a natureza de sujeito passivo "misto".

47. Assume a natureza de sujeito passivo misto devido ao facto de realizar operações financeiras que não conferem o direito à dedução de IVA. por se encontrarem isentas ao abrigo do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA e operações com liquidação de IVA, como acontece, por exemplo, com as rendas e ALD, que conferem direito à dedução do IVA suportado.

48. A Reclamante realiza ainda outras operações financeiras ou acessórias que conferem, igualmente, o direito a dedução de IVA, em conformidade com o disposto no artigo 20.º do CIVA.

49. No conjunto das operações que conferem direito à dedução de IVA, integram-se os contratos de locação, nos quais a Reclamante assume a posição de locadora e, nessa qualidade, adquire os bens (ou o financiamento para a sua aquisição) que são objeto desses contratos, acrescidos de IVA, sendo os mesmos entregues aos respetivos locatários para seu uso e fruição.

50. Em contrapartida, a Reclamante atura rendas aos locatários, às quais acresce o IVA.

51. No que se refere às aquisições de bens e serviços de utilização mista, em razão de terem sido indistintamente afetas às diversas operações desenvolvidas pela Reclamante, para efeitos do exercício à dedução, entende dever aplicar-se o método geral e supletivo da percentagem de dedução - também designado por pro rata - nos termos estatuídos na alínea b) do n.º 1 e do n.º 4, ambos do artigo 23.º do CIVA.

52. No exercício de 2016, acompanhando o entendimento preconizado pela AT, a Reclamante afirma não ter considerado quer no numerador, quer no denominador, da fórmula de cálculo do pro rata o valor do capital das rendas de locação financeira, apurando uma percentagem de dedução definitiva de 2%, a que correspondeu uma regularização de € 639.773,43.

53. De facto, não obstante a Reclamante insistir no apuramento dum quociente de imputação de 4%, a verdade é que na declaração periódica de dezembro de 2016 (n.º...), a regularização de € 639.773,43 que consta do quadro 3 do Anexo 40, por aplicação do disposto no art.º 23.º do CIVA, foi supostamente efetuada com o quociente de 2%.

54. A revisão do quociente de imputação de 2% para 4% é uma pretensão sua, efetuada através do expediente de reclamação graciosa, conforme descrito no parágrafo 16 da petição, e como tal não traduz a actualidade e a situação jurídico-tributária vigente.

55. Igualmente desconcertante é o montante que a Reclamante afirma ter regularizado, supostamente de € 562.936.10, que, conforme já referimos, não corresponde ao montante inscrito na declaração periódica.

56. Porém, a questão central da sua pretensão é a não inclusão da componente de amortização de capital relacionada com as operações de Leasing e ALD. o que conduziria ao apuramento de uma percentagem de dedução de 9%, contra os 4% refletidos na declaração periódica de IVA relativa ao período de dezembro de 2016, o que significaria uma dedução equivalente ao montante de € 1.266.606,23.

57. Efetuado o necessário enquadramento factual, procede-se à análise, propriamente dita, dos argumentos aduzidos pela Reclamante, com vista a apreciação do mérito da Reclamação Graciosa.

58. Face à questão em análise nos presentes autos, importa ressalvar que não se considera existir qualquer erro no preenchimento da declaração, consubstanciado em erro no apuramento do pro rata de dedução, e bem assim, não se vislumbra a existência de qualquer ilegalidade quanto ao entendimento defendido na mencionada instrução administrativa.

59. Com efeito, o apuramento da percentagem de dedução efetuado pelo sujeito passivo está em perfeita concordância com as normas de direito comunitário e interno, pelo que, não se afigura assistir razão à Reclamante quanto à pretensão formulada no seu requerimento inicial.

60. O Ofício-Circulado n.º 30108 de 30 de janeiro de 2009, do Gabinete do Subdiretor-Geral - Área de Gestão Tributária do IVA, veio contemplar a doutrina defendida pela então DGCI (atual AT) que visou (...) divulgar a correia interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a atividade de Leasing ou de ALD (...)"

61. Da leitura do mesmo, conclui-se que o apuramento da percentagem de dedução definitiva antes referida, 4%, foi efetuado, pela Reclamante, em perfeita concordância com os termos aí previstos, que se transcrevem:

"(...) 7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a "distorções significativas na tributação", os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nó. 4 do artigo 23º do CIVA. (...)"- sublinhado nosso.

62. Isto é, a percentagem de dedução inicialmente apurada não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, mas antes assenta na aplicação do método de afetação real, atreves da utilização de um critério de imputação objetivo, tendo em conta os valores envolvidos nas operações desenvolvidas no âmbito das atividades de Leasing ou de ALD.

63. A título prévio importa efetuar o enquadramento jurídico-tributário do contrato aqui em análise, que está subjacente à prestação de serviços de Leasing, o contrato de locação financeira.

64. A base jurídica de qualquer modalidade de contratos de locação encontra-se plasmada, em termos gerais, nos artigos 1022.º a 1114.º do Código Civil. Não obstante, e porque se trata de um tipo particular de locação, importa atender ao previsto no regime jurídico especialmente criado para este tipo de contratos, que vem consagrado no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, com as subsequentes alterações.

65. De acordo com o artigo 1.º do referido D.L., a locação financeira é o "(...) contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados."

ss. Nesse sentido, António Menezes Cordeiro afirma que a "(...) locação financeira é o contrato pelo qual - o locador financeiro - concede a outra - o locatário financeiro - o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio tocador, a um terceiro, por indicação do locatário (...)"

67. Trata-se, portanto, de um contrato comummente utilizado como forma de proporcionar crédito bancário, pelo qual, a instituição financeira, perante solicitação do interessado, adquire o bem em causa e cede-o a este em locação, ficando o mesmo, obrigado a pagar uma "(...) retribuição que traduza a amortização do bem e os juros; no final, o locatário poderá adquirir o bem pelo valor residual ou celebrar novo contrato; poderá, ainda, nacíafazer."15

68. Daqui decorre que. o objeto deste tipo de contrato não é a transferência da propriedade, mas sim a cedência, pela locadora do uso do bem, isto é, a locadora obriga-se a prestar um serviço, traduzido na disponibilidade do bem em causa, recebendo em contrapartida, uma prestação, sem prejuízo, de nele se poder prever a opção de compra no anal do contrato, a favor do locatário, por um valor residual fixado por acordo das partes.

69. Atenta esta qualificação jurídica e transpondo-a para a perspetiva tributária, conclui-se que a locação financeira constitui uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, e efetuada pelo sujeito passivo no âmbito de uma atividade económica.

70. Efetivamente, no caso das operações de locação, dúvidas não restam de que, a respetiva contrapartida se concretiza nas rendas auferidas peça entidade que assume a posição contratual de locadora.

71. No entanto, não podemos abstrair-nos do facto de essas operações de locação (Leasing e ALD) consubstanciarem uma modalidade de crédito, pelo que a atividade da entidade locadora é, em substância, a concessão de financiamento, cuja contrapartida remuneratório é constituída, essencialmente, por juros e outros encargos incluídos nas rendas.

72. Refere a Reclamante, invocando o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, que a contraprestação decorrente deste tipo de contratos (rendas) goza de uma natureza unitária na medida em que o valor tributável em sede de IVA corresponde ao valor da renda recebida ou a receber (cf. ponto 47.º da petição de Reclamação Graciosa).

73. Razão pela qual as rendas decorrentes de contratos de locação financeira (desde que não seja aplicável uma isenção) são, de facto, integralmente sujeitas a IVA.

74.A esse propósito, deve ter-se presente que, um dos objetivos do legislador nesta meteria, foi assegurar o cumprimento do princípio da neutralidade fiscal, na vertente de princípio da igualdade que. no caso concreto, se consubstancia no facto de ser assegurado um tratamento fiscal equivalente, no sentido de igual onerosidade, em relação aquele que adquire um bem através de um contrato de locação financeira, face a outra pessoa que o adquire diretamente.

75. Ora, o facto do valor integral da renda, pago pelo locatário ao locador, constituir o valor tributável sobre o qual incidirá IVA tal não significa que a parte integrante da renda, correspondente a amortização financeira ou do capital tenha de ser incluída no cômputo do apuramento da percentagem de dedução, conjuntamente com a parte correspondente aos juros e outros encargos.

76. Desde logo, porque a renda constitui o pagamento do serviço de concessão de financiamento ao locador, sendo composta por duas partes capital ou amortização financeira, que mais não é que o reembolso da quantia "emprestada" e juros, acrescidos de eventuais encargos que constituem a remuneração do tocador.

77. Note-se que, na perspetiva da operação enquanto operação de concessão de financiamento, o valor de aquisição do bem objeto de contrato de locação corresponde ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo tocador ao locatário.

78. Sendo que, no momento da aquisição desse mesmo input, o sujeito passivo (locador) exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objeto do contrato de locação, por via do método da imputação direta.

79. Razão pela qual, não pode deixar de ser excluída do cálculo da percentagem de dedução a parte da amortização financeira incluída na renda, sendo-lhe aplicável o método de afetação real com recurso a um critério de imputação objetivo, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem.

80. Logo, à luz do princípio da neutralidade em que assenta o sistema deste imposto, fácil se torna perceber que a incidência do IVA sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi já deduzido pelo sujeito passivo.

81. Por outro lado, a inclusão no rácio entre operações com e sem direito à dedução da componente relativa à restituição do capital (amortização financeira), enquanto parte integrante da renda, provoca um aumento injustificado na percentagem de dedução definitiva, atendendo a que será significativa e positivamente influenciada por via de uma mera restituição de um financiamento, cujo bem subjacente foi já objeto de liquidação e dedução de IVA no momento da aquisição.

82. Este facto gerará deduções acrescidas para o sujeito passivo relativamente à generalidade dos inputs de utilização mista, por via da utilização de um coeficiente, que nessa medida, se apresenta como exagerado face à realidade das operações tributáveis.

83. A atividade principal da locadora não consiste na compra e venda de bens. mas tão só na concessão de credites a terceiros para aquisição desses bens, ainda que se substitua aos destinatários dos bens na aquisição, reservando para si o direito de propriedade, e dessa atividade obter, fundamentalmente, juros.

84. Deste modo, torna-se compreensível que no cálculo do mencionado coeficiente de imputação específico, aplicável ao caso objeto de análise e, em harmonia com o entendimento da AT, deve considerar-se, apenas, o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, uma vez que, através do método de imputação direta o IVA da parte relativa ao capital é integralmente deduzido.

85. E, é apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução.

86. Se assim não fosse, permitia-se um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido com a generalidade dos bens ou serviços com utilização mista adquiridos pelo sujeito passivo.

87. O entendimento da AT pugna, assim, pela inadmissibilidade do exercício do direito à dedução ilegítimo, na medida em que, a eventual execução do procedimento defendido pela Reclamante colocaria em causa a neutralidade pascal inerente à mecânica do IVA.

88. Acresce que o método do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, e que a Reclamante pretende ver aplicado, não tem mérito para medir o grau de utilização que as categorias de operações, com e sem direito à dedução, fazem dos bens e serviços que lhe são indistintamente alocados (utilização mista) e, consequentemente, não pode ser utilizado para determinar a parcela dedutível, cuja liquidação foi efetuada a montante por outros operadores económicos que se situam na fase imediatamente anterior do circuito económico.

89. São dois os métodos de dedução previstos no artigo 23.º do CIVA.

90. Por um lado, o denominado método da afetação real, que "(...) consiste na aplicação de critérios objectivos, reais, sobre o grau ou a intensidade de utilização dos bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito. É de acordo com esse grau ou intensidade da utilização dos bens, medidos por critérios objectivos, que o sujeito passivo determinará a parte do imposto suportado que poderá ser deduzida. Os critérios estão sujeitos (...) ao escrutínio da Direcção-Geral dos Impostos, que pode vir a impor condições especiais ou mesmo a fazer cessar o procedimento de afectação real, no caso de se verificar que assim se provocam ou se podem provocar distorções significativas de tributação. (...)".

91. Por outro lado, o método da percentagem de dedução ou pro rata, definido na alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 23.º, e desenvolvido nos n.ºs 4 a 8 do mesmo preceito legal.

92. No fundo, trata-se de uma dedução parcial, que se traduz no facto do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços utilizados num e noutro tipo de operações, apenas ser dedutível na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução.

93. Neste caso, a percentagem de dedução a aplicar é calculada provisoriamente com base no montante de operações realizadas no ano anterior (pro rata provisório), sendo corrigida na declaração do último período do ano a que respeita, de acordo com os valores definitivos de volume de negócios referente ao ano a que reportam, determinando a correspondente regularização do pro rata definitivo.

94. Ora, com a alteração introduzida ao artigo 23.º do CIVA pela Lei n.º 67-A/2007 de 31 de dezembro, tais procedimentos foram "estendidos" ao método da afetação real, nomeadamente, aos casos em que o mesmo é imposto pela Administração Tributária, quer para as situações em que o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas, quer para os casos em que se apure que a utilização dos demais métodos pudera originar distorções significativas na tributação, conforme dispõe o n.º 3 do artigo em analise.

95. O que se mostra perfeitamente justificável, e em nada contraria o sistema comum de IVA. De facto, de um ano para o outro pode mudar o grau de utilização dos bens no regime da afetação real e os critérios objetivos de apuramento do mesmo.

96. É precisamente no âmbito dos poderes conferidos à Administração Tributária pela alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º CIVA, que tem por base a faculdade que vinha conferida na alínea c) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva. que se enquadra o Ofício-Circulado n.º 30108, aqui em discussão, prevendo uma solução que permita afastar a possibilidade de ocorrência de distorções significativas, quando estamos perante sujeitos passivos que realizem operações de locação financeira e ALD.

97. Assim, o Ofício-Circulado no seu ponto 9. prescreve que "Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos furos e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23º do CIVA" (sublinhado nosso).

98. Ou seja, a AT veio estabelecer a adoção de critérios mais adequados que permitam aferir com maior objetividade o grau de afetação de bens e serviços de utilização mista, nos casos como o presente.

99. Importa ressalvar que a adoção do critério referido é demonstrativo que a AT admite a existência de algum grau de afetação dos recursos integrantes do conceito de despesas gerais incorridas pelos bancos no âmbito da celebração deste tipo de contratos, muito embora, seja um facto notório que, por norma, as operações desta natureza exigem uma utilização de recursos técnicos e administrativos bastante menos relevante que aqueles que se encontram afetos às atividades principais desenvolvidas pelas instituições bancárias como a Reclamante.

100. Por outro ado. tal não significa que os sujeitos passivos sejam obrigados a seguir o entendimento preconizado no Ofício-circulado, aplicando o critério nele definido, com efeito, como decorre do mesmo, a AT aceita que as instituições financeiras recorram a outros critérios de afetação real, desde que, os mesmos se mostrem idóneas ao fim pretendido.

101. Posto isto, a questão que se coloca é saber se o procedimento adorado pela Administração está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial o artigo 16.º e 23.º do CNA, bem como com os artigos 174.º e 175.º da Diretiva.

102. Esta instrução administrativa veio contemplar a doutrina defendida pela então DGCI (atual AT) que visou "(...) divulgara correcta interpretação a darão artigo 23ºdo Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a actividade de Leasing ou de ALD (...)", procurando afastar algumas dificuldades interpretativas suscitadas pela redação do artigo 23.º do CIVA, harmonizando-o com a doutrina e jurisprudência comunitárias.

103. Não obstante, grande parte da doutrina nele preconizada, já vinha sendo aplicada pela Administração Tributária antes mesmo da sua publicação."

104. A questão principal que se dirime, nesta sede, foi já objeto de apreciação por parte do TJUE, sendo que, o entendimento nele preconizado confirma a posição que tem vindo a ser assumida pela AT relativamente a esta matéria.

105. Conforme refere Ténia Meireles da Cunha" "Neste contexto, o TJUE entendeu que o direito interno (concretamente o ar. 23º nºs 2 e 3, do CIVA, na redação vigente) legitima a actuação da AT, no sentido de derrogar a regra de cálculo do pro rata prevista na Sexta Diretiva.

o entendimento do TJUE foi no sentido de que o acervo normativo em causa, considerando os princípios que conformam o IVA (designadamente os da neutralidade e da proporcionalidade) e considerando que o cálculo de um quociente de dedução deverá ser o mais passivei aproximado da realidade (apesar de alguma margem de erro que o caracteriza, por definição), não se opõe a que os EM apliquem um método ou um critério diferente do volume de negócios, se este método for o mais preciso. No caso em concreto, o TJUE entendeu que o método que a AT portuguesa definiu é, em princípio, mais preciso do que o previsto na Sexta Diretiva, dado que considerou apenas a parte das rendas pagas que servem para compensar a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo tocador."

106. Sendo que este entendimento veio, necessariamente, a ter acolhimento pelos nossos tribunais superiores, nomeadamente no âmbito dos processos onde havia sido solicitado o reenvio prejudicial para o referido tribunal.

107. Na verdade, a componente de capital contida nas rendas não deve onerar o cálculo da percentagem de dedução, uma vez que não constitui rendimento da atividade do sujeito passivo, ao invés do que sucede com as demais variáveis que integram a formula, sendo que, a sua consideração, provocaria distorções significativas na tributação, também desvirtuaria o próprio método do pro rata e todo o sistema de dedução do IVA, ao reconhecer como dedutíveis, custos que não contribuíram, para a realização de operações tributadas.

108. Só assim é alcançada a neutralidade do imposto.

109. Não são todas as operações tributadas elou não tributadas que devem ser integradas na fórmula, mas apenas aquelas que, realizadas no âmbito de uma atividade económica realizada pelo sujeito passivo, tenham utilizado custos comuns para gerar valor acrescentado (no caso da locação financeira, advém da cedência do uso do bem objeto do contrato, através da qual o locador obter rendimentos, sob a forma de juros).

110. Ora, consubstanciando a componente das rendas correspondente à amortização financeira, um mero reembolso de capital, que nesse sentido, não gera qualquer valor acrescentado, só a título muito diminuto é que os custos comuns suportados pelo locador numa operação de locação financeira, poderão, eventualmente, contribuir para a sua realização. Se não contribuíram para a amortização financeira, não lhe podem ser imputáveis.

111. Face a tudo o que ficou dito, não subsistem dúvidas que o procedimento adoptado pela Administração Fiscal está de acordo com as normas internas e comunitárias e nenhuma ilegalidade se lhe pode ressacar.

112. De facto, o n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva (que corresponde ao atual artigo 174.º da Diretiva IVA) consente aos Estados-Membros opções em relação ao apuramento do IVA dos "inputs promíscuas", autorizando ou impondo que utilizem determinados métodos especificas de dedução do IVA quando as circunstâncias o justifiquem."

113. Em consonância com essa permissão está o disposto no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3, ambos do artigo 23.º CIVA.

114. Estas regras que regem o direito à dedução constam das diretivas que disciplinam o sistema comum de IVA, estando também em consonância com as normas contidas no CIVA.

115. Face ao exposto, fica inequivocamente demonstrado que o método adorado pela Reclamante, e que agora pretende alterar, é o único que se mostra adequado para efeitos de exercício do direito à dedução, permitindo, com as especificidades constantes do Ofício-Circulado n.º 30108, afastar as distorções na tributação, que de outra forma seriam manifestas, conforme amplamente se demonstrou e se encontra referido na norma em causa.

116. Sendo este facto, por si só, justificativo para a imposição da obrigatoriedade da sua utilização, já que dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do CIVA não resulta que este poder, conferido à AT, esteja dependente da verificação cumulativo das duas alíneas do último número indicado, ou seja, além das distorções na tributação, a prática, pelo sujeito passivo, de atividades económicas distintas.

117. Reforçando o exposto, acresce que importa atentar ainda na forma de contabilização das duas componentes que integram a renda paga.

118. Por um lado, o locador deverá refletir o valor do bem, como um crédito que é reembolsado através das amortizações financeiras deve ser registada como crédito, e a restante parte (os juros e demais encargos), devem ser relevados como proveitos. Logo resulta daqui, que a amortização financeira visa tão só a redução de um crédito, enquanto os juros, irão influenciar o resultado do exercício.

119. Razão pela qual, no caso das Instituições de Crédito e de outras instituições financeiras, o conceito de volume de negócios, estatuído na alínea a) do n.º 3 do artigo 5º do Regulamento (CE) n.º 139/2004, do Conselho de 20 de Janeiro, não contempla a parte correspondente à amortização financeira.

120. Pese embora, a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, regra que, nas operações de locação financeira, o valor tributável corresponde à renda recebida no seu todo, a verdade é que a parcela correspondente à amortização financeira, não assume a natureza de proveito, e como tal, não integra o conceito de volume de negocies nas instituições de crédito, e dai que não possa influenciar o cálculo da percentagem de dedução."

121. A posição da AT encontra perfeito acolhimento quer nos principies constitucionais, quer no espírito e principies disciplinadores do mecanismo do exercício do direito à dedução, constante quer da jurisdição comunitária, quer do quadro normativo nacional, que não é mais do que uma transposição das normas jurídicas comunitárias.

122. A este respeito, cumpre esclarecer que, as orientações plasmadas no ponto 9. do Ofício-Circulado n0 30108 mais não fazem do que contribuir para a praticabilidade dos desígnios constitucionais plasmados nos artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), sendo um fator decisivo para garantir e tutelar a confiança dos contribuintes.

123. De facto, as orientações administrativas constantes de circulares ou ofício-circulados são relevantes para a adequada prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses dos contribuintes - artigo 266.º da CRP e artigo 55.º da LGT.

124. A importância das referidas orientações resulta, desde logo, do facto da "actividade tributária [ser] hoje uma actividade massiva, que envolve o tratamento de milhares de casos, geralmente traduzidos em declarações iscais dos contribuintes e nesse contexto é elemento imponente da segurança jurídica o conhecimento prévio da organização implementada para tratar desses casos, dos critérios e dos procedimentos que adora, dado que, designadamente, permite aos particulares perante um problema ou uma dúvida saber, caso exista regulamento interno sobre essa matéria, como, em princípio, vai ser resolvido esse caso pelos funcionarias a quem cabe aplicara lei'".

125. Acrescentando Casalta Nabais, que, no recorte dogmático do princípio da legalidade fiscal, entende "chamar aqui à colação, enquanto limite à determinabilidade requerida pelo princípio da tipicidade fiscal, (...) o princípio da praticabilidade, o qual implica que o legislador não vá tão longe na determinação das soluções legais quanto seria de exigir, permitindo à administração uma dada margem de livre decisão, sob pena de nos depararmos com soluções impraticáveis no sentido de economicamente insuportáveis (...). Dai que, em face à realidade das situações cujo grau de diferenciação e individualização não é possível de acompanhar por razões de ordem prática, nomeadamente petos custos insuportáveis ou inadequados que implicam, se apele á edição de normas de simplificação, seja em sede legislativa, seja em sede administrativa, através das quais se proceda à tipificação (ou tipi(ci)zação), globalização ou estandardização, assumindo como regra o que é típico, normal, provável (...) sendo que, para o Autor, «o princípio da praticabilidade ainda pode contribuir para uma atenuação das exigências da determinabilidade do princípio da legalidade pascal (...), constituindo-se em suporte para o legislador utilizar conceitos indeterminados (...) ou conceder mesmo faculdades discricionárias, o que de resto se verifica em toda a parte e que, entre nós, tem diversas manifestações

126. A posição da Administração Tributária, em momento algum, põe em causa, quer as normas internas, quer comunitárias relativas ao direito à dedução, conforme já ficou amplamente elucidado, jamais procurando alterar ou violar as regras jurídicas que lhe deram origem.

127. O facto de no Ofício-Circulado n.º 30108 se esclarecer o método a utilizar, para além de contribuir para promover a segurança jurídica, permite ainda, a realização efetiva das finalidades do direito à dedução, garantindo deste modo o princípio da neutralidade e da justiça fiscal em relação a todos os sujeitos passivos.

28. Face ao exposto, ressalvado o devido respeito pelo decidido pelo CAAD, no âmbito dos processos indicados pela Reclamante na petição, não podemos concordar com o entendimento ali sufragado, acompanhando, na integra a jurisprudência do TJUE e. necessariamente, acolhida pelo STA.

129. Importa realçar que a decisão do TJUE tem valor de caso julgado, sendo vinculativa, não apenas para o tribunal que solicitou a sua pronúncia a título prejudicial, como para os restantes tribunais e instâncias equiparadas que julgam a causa em sede de recurso2'5, vinculando ainda, por uma questão de uniformidade, todas as jurisdições nacionais dos Estados-Membros.

130. Tratando-se de um acórdão interpretativo relativo ao n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva (aluai artigo 173.º n.º 2 da Diretiva IVA). o qual foi transposto para o nosso direito interno através do artigo 23.º do CIVA, a interpretação nele preconizada deve ser aplicada pelos tribunais nacionais com o sentido e o alcance ali definido, neles se incluindo o CAAD.

131. Nestes termos, conclui-se que o entendimento que consta do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, não viola quaisquer normativos internos ou comunitários em matéria de IVA, não padecendo, nessa medida, de quaisquer dos vícios invocados pela Reclamante.

V.1.4- Conclusão e Proposta de Decisão

132. Face ao exposto, conclui-se peta improcedência dos argumentos invocados pela Reclamante no que respeita a esta questão, devendo ser indeferida a sua pretensão.

 

R.            Em 30-01-2009, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício-Circulado n.º 30.108, publicado em

http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/Documents/OficCirc_30108.pdf, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23º do CIVA.

 

S.            Em 09-07-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo;

 

 

                2.2. Ampliação da matéria de facto na sequência da decisão do Supremo Tribunal Administrativo 04-03-2020

 

                Em face da não limitação dos poderes de cognição da matéria de facto aos factos alegados nos articulados iniciais, que decorre do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, consideram-se ainda provados os seguintes factos:

               

T.            Em 2016 e anos anteriores, a Requerente já adoptava os procedimentos do tipo dos referidos na norma de procedimentos que consta do documento junto em 14-12-2020, cujo teor se dá como reproduzido (depoimento da testemunha C...);

U.           Os procedimentos previstos na referida norma são cumpridos pelos colaboradores da Requerente, implicando responsabilidade disciplinar o seu não cumprimento (depoimento da testemunha C...);

V.           A norma de procedimentos vai sendo alterada, sendo o documento orientador sobre todos as tarefas que os colaboradores da Requerente devem desenvolver para cada produto (depoimento da testemunha C...);

W.          O processo de locação financeira de veículos tem a seguinte tramitação essencial:

– inicia-se com contacto do cliente, que indica o que quer comprar e o vendedor;

– a Requerente pede uma factura pró-forma com as características do veículo;

– o departamento de leasing vê se o preço é adequado ao mercado;

– decidida a operação é comunicada ao cliente;

– a Requerente trata da documentação necessária relativa ao contrato e efectivação de seguro;

– a Requerente controla a legalização do veículo e a sanação de eventuais irregularidades;

– a Requerente trata do registo de propriedade a favor do banco, se se tratar de bem sujeito a registo;

– a Requerente paga ao fornecedor e disponibiliza o bem (depoimentos das testemunhas C... e D... e documento n.º 1);

X.            A partir dessa fase inicial, que tem duração entre três semanas e um mês, a Requerente desenvolve durante os vários anos de duração do contrato (normalmente 4 ou 5 anos) actividade relacionada com a utilização do bem disponibilizado, designadamente:

– emissão de facturas e recibos mensais, relativos a cobrança de rendas;

– apreciação de eventuais pedidos de alteração do contrato;

– controle da manutenção de seguro válido pelo cliente, nos termos em que a Requerente entende que ele tem de ser mantido ao longo da vigência do contrato;

 – contactos com concessionárias das autoestradas, relativos a clientes que não pagam as portagens;

– contactos com as entidades policiais, assessoria jurídica e escritórios de advogados por causa de infracções estradais praticadas pelos clientes;

– assegurar o pagamento do Imposto Único de Circulação, que é feito pela Requerente e debitado ao cliente;

– no final do contrato, a Requerente trata da venda e respectivo registo;

– quando ocorrem acidentes, a Requerente contacta as seguradoras;

– a Requerente assegura serviços de tradução, sendo necessários, relativos a acidentes no estrangeiro;

– nos casos de incumprimento, a Requerente tenta recuperar o veículo, por vezes requerendo providências cautelares (depoimento da testemunha D...);

– manutenção de serviços de call center;

Y.            Estas tarefas não são asseguradas relativamente a cada contrato, mas a cada um dos veículos ou bens por ele abrangidos, tendo a Requerente um contrato que engloba 162 viaturas (depoimento da testemunha C...);

Z.            Em regra, os clientes optam pela aquisição dos veículos, no fim dos contratos de leasing (depoimento da testemunha C...);

AA.        No âmbito dos contratos de leasing, a Requerente não faz financiamento aos clientes, não lhe entregando dinheiro nem pagando um bem que é adquirido pelo cliente, antes adquire os bens para a própria Requerente que põe à disposição dos clientes, mediante o pagamento de uma renda (depoimento da testemunha C...);

BB.         É por os bens objecto de contrato de leasing pertencerem à Requerente que impõe que tenha de desenvolver toda a actividade relativa à situação do veículo, que não existe quando é feito financiamento para a aquisição pelo cliente através da concessão de crédito (depoimento da testemunha C...);

CC.         A Requerente dispõe de 306 balcões, cada um deles com 4 ou 5 pessoas, onde os clientes se podem dirigir para tratar dos assuntos de leasing (depoimento da testemunha C...);

DD.        O preçário publicitado pela Requerente em 2020, em  https://www... é  idêntico ao que vigorava em anos anteriores e destina-se a compensar custos directos quantificáveis e não despesas gerais (depoimentos das testemunhas C... e D...);

EE.          No referido precário, cujo teor se dá como reproduzido, indicam-se, além do mais, comissões dos seguintes tipos:

– «2. Comissão de Contratação / Montagem da Operação»;

– «3. Comissão de reembolso antecipado parcial»,

– «4. Comissão mensal de processamento / prestação»

– «5. Comissão pela recuperação de valores em dívida»:

– «6. Comissões relativas a alterações contratuais»,

– «7. Comissões associadas a atos administrativos» que inclui:

                               – comissões de 2.ª vias de documentos;

                               – «comissão de transmissão da posição jurídica do locatário»;

                               – «comissão de requerimentos e autorizações diversas»;

                               – «comissão para tratamento de multas»;

                               – «comissão para processamento de impostos e taxas»;

                               – «comissão de alteração de registos»;

– «8. Comissão de gestão de contratos» cobrada cumulativamente com a «comissão de processamento/prestação»;

– «9. Comissão de reembolso antecipado total»;

FF.          As comissões referidas não são suficientes para compensar todos os custos suportados pela Requerente, sendo o seu valor apenas o dos custos mínimos que a Requerente está segura de ter de suportar com as actividades a que se reportam (depoimento da testemunha C...);

GG.        A Requerente dispõe de oito colaboradores afectos exclusivamente aos contratos de leasing, só para as tarefas posteriores à entrega do veículo ao cliente, e mais três colaboradores para as tarefas anteriores, mas há muitos outros que podem ser chamados a intervir pontualmente, designadamente nos 306 balcões (depoimento da testemunha C...);

HH.        A Requerente dispõe de pelo menos um colaborador em cada balcão para atendimento dos clientes de leasing e encaminhamento para o núcleo central (depoimento da testemunha C...);

II.            A Requerente dispõe de call center para atender questões relativas a leasing, que responde a perguntas simples e encaminha se as perguntas forem de resposta complexa (depoimento da testemunha C...);

JJ.           A Requerente não faz estimativa dos custos gerais para efeitos de remuneração directa (depoimento da testemunha C...);

KK.         Em contratos de leasing que têm a duração de vários anos, a Requerente não consegue prever quais os custos que vai suportar com os incidentes que vieram a ocorrer, pelo que cobra através de comissões nos caso de custos quantificáveis seguros e tem de incorporar no juro o custo do financiamento, a consideração do risco do cliente e a margem de lucro que a Requerente tem de incluir os custos gerais não quantificáveis (depoimento da testemunha C...) (depoimentos das testemunha C... e D...);

LL.          A análise de risco do cliente tem por base o incumprimento médio esperado, previsto com base em antecedentes do tipo de cliente e influencia a fixação do spread em que são incorporados os custos gerais não quantificáveis (depoimento da testemunha C...);

MM.      No crédito relativo a veículos as tarefas da Requerente são muito menores do que na locação financeira de veículos por não existir uma estrutura para acompanhar a situação do veículo, ficando o cliente a pagar uma renda que é apenas o juro correspondente à utilização de recursos financeiros (depoimentos das testemunhas C... e D...);

NN.        A utilização de recursos gerais de utilização mista é mais intensa nas operações tributadas de locação financeira do que nas operações isentas de concessão de crédito de idêntico volume financeiro (depoimentos das testemunhas C... e D...);

OO.        A Requerente dispõe de uma aplicação informática para apoio aos clientes (depoimento da testemunha C...);

PP.         Os tipos de comissões que eram cobradas no ano de 2016 não eram muito diferentes das que constam do preçário de 2020 (depoimento da testemunha C...);

QQ.        Não é possível à Requerente quantificar a parte de custos gerais que é afecta à disponibilização dos veículos (depoimento da testemunha C...);

RR.         O leasing representa cerca de 3 a 4% da carteira de crédito da Requerente (depoimento da testemunha C...);

SS.          A factura de cada renda tem duas componentes, uma de capital e outra de juros (depoimento da testemunha C...);

TT.          A componente de capital visa amortizar o preço do bem locado (depoimento da testemunha C...);

UU.        Além de veículos a Requerente tem contratos de leasing de máquinas e imobiliário (depoimento da testemunha C...);

VV.        A Requerente pagou a quantia autoliquidada relativamente ao último período de 2017 (artigo 63.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado).

 

2.3. Factos não provados

 

2.3.1. Não se provou as exactas percentagens da utilização de recursos de utilização mista pela Requerente relacionada com as operações de locação financeira, designadamente, em 2016, em que medida essa utilização foi determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos.

Para além de veículos, a Requerente também celebra contratos de leasing de máquinas e imobiliário, não se apurando quais as percentagens de recursos de utilização mista que são utilizados nestas actividades.

Na verdade, da prova produzida resultam os tipos de actividades desenvolvidas pela Requerente, mas não a quantificação exacta da utilização de recursos de utilização mista afectos a qualquer delas, designadamente em 2016.

Apurou-se que, no caso de leasing de veículos, que a actividade posterior à fase inicial de aquisição e formalização do contrato e registo da aquisição, inclui mais tarefas do que a fase inicial e estão previstas no preçário da Requerente comissões específicas para a remuneração directa de cada um dos tipos de actividades, mas as comissões não são suficientes para compensar todos os custos suportados pela Requerente, sendo o seu valor apenas o dos custos mínimos que a Requerente está segura de ter de suportar.

Por outro lado, não se apurou a exacta dimensão de recursos de utilização mista não quantificáveis exactamente (como, por exemplo, água, electricidade, limpeza, uso de programas informáticos e despesas gerais com os edifícios onde funcionam os 306 balcões em que a Requerente tem colaboradores com intervenção na actividade de leasing), que são utilizados em cada uma das actividades desenvolvidas em conexão com os contratos de leasing e a restante actividade.

No entanto, provou-se que a utilização de recursos gerais de utilização mista é mais intensa nas operações tributadas de locação financeira do que nas operações isentas de concessão de crédito de idêntico volume financeiro.

 

2.3.2. Não se provou que as operações de locação financeira exijam uma utilização de recursos técnicos e administrativos de utilização mista menos relevante que aqueles que se encontram afectos às restantes actividades, designadamente em 2016.

Pelo contrário, como se referiu, da prova produzida resulta que, comparando as operações de crédito relativas a veículos (isentas) e as de leasing de veículos (tributadas) que a Requerente efectua, é consideravelmente maior a utilização de recursos gerais nesta última.

 

2.3.3. Não se provou que, no caso em apreço, a utilização do método de determinação do pro rata de baseado no volume de negócios provoque ou possa provocar «distorções significativas da tributação», designadamente que possa «provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas provocar vantagens ou prejuízos injustificados».

Na verdade, estes juízos conclusivos são utilizados no ponto 8 do ofício circulado n.º 30108, mas não foi apresentada qualquer prova das afirmações neles contidas, nem sobre as eventuais «vantagens ou prejuízos injustificados» a que aí se alude.

 

2.3.4. Embora se tenha considerado provado que a Requerente pagou a quantia autoliquidada relativamente ao último período de 2016, não foi apurada a data em que foi feito o pagamento.

 

2.4. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos que foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e o que consta do sítio da Internet referido no probatório e na prova testemunhal.

As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos factos que relataram.

A testemunha C... é Diretor do Departamento de Leasing e Factoring da Requerente, desde 2012.

A testemunha D... é Coordenador do Núcleo Leasing da Requerente.

Sendo crível que a Requerente tenha de levar a cabo as tarefas que se indicam na «Norma de procedimentos» que juntou aos autos, o facto de se tratar de documento de natureza interna não se afigura suficiente para levar o Tribunal Arbitral a duvidar da sua correspondência à realidade, já que se está perante documentos dirigidos aos próprios colaboradores da Requerente e que, pela sua natureza, serão de natureza interna.

Assim, não tendo sido produzida qualquer prova que abale a credibilidade dos documentos referidos, que é corroborada pelas testemunhas, optou-se por considerar provado que a Requerente adopta os procedimentos que deles constam.

No que concerne ao pagamento pela Requerente da quantia autoliquidada, é afirmado pela Requerente que efetuou o pagamento (artigo 63.º) e a correspondência dessa afirmação realidade não é questionada.

Quanto à correspondência à realidade dos valores de cálculo do pro rata e as percentagens que resultam da aplicação dos dois métodos de cálculo, consideram-se provados, pois a Administração Tributária, na decisão da reclamação graciosa, afirma expressamente que a percentagem de 4% declarada não enferma de qualquer erro (artigos 56.º, 58.º e 59.º) e a diferença para a percentagem, de 9% que a Requerente pretende ver reconhecida é meramente jurídica (inclusão ou não do valor das rendas no cálculo do pro rata), assentando nos mesmos pressupostos de facto. Aliás, na decisão da reclamação graciosa n.º ...2018..., que foi deferida pela Administração Tributária, foram aceites os valores indicados pela Requerente (documento n.º 2, junto com a resposta à excepção).

 

 

3. Questão da incompetência para condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento da quantia de € 703.670,13

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou a questão da incompetência do Tribunal Arbitral para condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento da quantia de € 703.670,13, como é peticionado.

A questão já foi decidida pela decisão arbitral proferida em 14-11-2019, que não foi impugnada, pelo que o decidido se mantém apesar da anulação dessa decisão, em conformidade com o preceituado no artigo 635.º, n. 5, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, que estabelece que «os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo».  

Por isso, mantém-se aqui o que foi decidido nestes termos:

As razões pelas quais a Autoridade Tributária e Aduaneira suscita esta questão são as seguintes, em suma:

– não pode o Tribunal condenar a AT na concreta anulação do montante de imposto indicado pela Requerente, mas tão só na anulação parcial da liquidação de IVA correspondente à correcção contestada pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, sendo o concreto valor de imposto a anular apurado em sede de execução de julgados;

– do artigo 24.º do RJAT, a definição dos actos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.º do CPPT e artigos 173.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

– uma interpretação em sentido diferente seria materialmente inconstitucional por violar o princípio do acesso à justiça, da igualdade de tratamento, da tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 13.º e 20.º da CRP e por violar o princípio da legalidade;

– a letra da lei é clara, limitando-se a decisão à apreciação da legalidade da liquidação e cabendo a quantificação das consequências à Autoridade Tributária, até porque, em sede de IVA, está-se perante um sistema de conta corrente em que vários outros elementos têm de ser ponderados na medida em que se reflectem em declarações de outros períodos para além do que aqui está em causa.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, "restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito", o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que "a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão".

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão "declaração de ilegalidade" para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que "o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária".

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação e declaração de nulidade ou inexistência de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido" e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que "se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea".

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que "é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário", deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de um montante a reembolsar, que é a sua base de cálculo, tem de se concluir que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange a condenação no pagamento de quantias indevidamente pagas na sequência de anulação dos actos de liquidação ou de autoliquidação que foram fundamento do pagamento.

Diferente desta questão da competência é a de saber se no processo arbitral existem todos os elementos necessários para quantificar o montante a reembolsar na sequência da anulação do acto impugnado, que, no caso de resposta negativa, impede o tribunal arbitral de proferir uma condenação em quantia certa.

Quanto à violação do princípio do acesso à justiça, da igualdade de tratamento, da tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 13.º e 20.º da CRP, não se vislumbra como possam ser afectados por esta interpretação, já que os princípios acesso à justiça e da tutela jurisdicional efectiva, são assegurados, precisamente, com a possibilidade de os Tribunais proferirem condenações e o princípio da igualdade impõe que aqueles que preferem recorrer à justiça arbitral sejam tratados de forma idêntica àqueles que preferem apresentar as suas pretensões aos Tribunais estaduais.

Quanto ao princípio da legalidade, não se vê que seja violado, pois não exige que a interpretação se cinja ao teor literal (como é princípio basilar da interpretação jurídica enunciado no n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil), e a interpretação correcta das normas aplicáveis é a que acima se adoptou.

Improcede, assim, esta excepção.

 

Mantém-se, assim, a improcedência da excepção

 

                4. Matéria de direito

 

4.1. Enquadramento da questão e posições das Partes

 

Os artigos 168.º, 173.º e 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelecem o seguinte:

 

Artigo 168.º

Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

b)  O IVA devido em relação a operações assimiladas a entregas de bens e a prestações de serviços, em conformidade com a alínea a) do artigo 18.º e o artigo 27.º;

c)  O IVA devido em relação às aquisições intracomunitárias de bens, em conformidade com o artigo 2.o, n.º 1, alínea b), subalínea i);

d)  O IVA devido em relação a operações assimiladas a aquisições intracomunitárias, em conformidade com os artigos 21.º e 22.º;

e)  O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado–Membro.

 

Artigo 173.º

1. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.

2. Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes:

a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses sectores;

b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;

c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do n.º 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;

e) Estabelecer que não seja tomado em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o respectivo montante for insignificante. Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

 

Artigo 174.º

1. O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:

a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º;

b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

Os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º.

2. Em derrogação do disposto no n.º 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:

a) O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;

b) O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;

c) O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias.

3. Quando façam uso da faculdade prevista no artigo 191.º de não exigir a regularização em relação aos bens de investimento, os Estados–Membros podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pro rata de dedução.

 

Os artigos 16.º, 19.º, 20.º e 23.º do CIVA estabelecem o seguinte, no que está em causa no presente processo:

 

Artigo 16.º

Valor tributável nas operações internas

1 - Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 10, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.

2 - Nos casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável é:

(...)

h) Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário.

 

 

Artigo 19.º

Direito à dedução

1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:

 

a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

 

 

Artigo 20.º

Operações que conferem o direito à dedução

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

 

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

 

Artigo 23.º

Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista

1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;

b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

 

A Requerente é uma instituição financeira, sujeito passivo de IVA, que, para cálculo do pro rata de dedução definitivo respeitante ao ano 2016, relativo a bens e serviços de utilização mista, não considerou os valores relativos às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira que celebrou, em sintonia com a orientação que consta do ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, que estabelece que deve ser aplicado «um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD».

A Requerente entende que, com a aplicação desta orientação, deduziu menos IVA do que aquele a que tinha direito, havendo entrega de um valor de prestação tributária em excesso e, em 28-12-2018, apresentou uma reclamação graciosa, manifestando a sua pretensão de ser permitida a regularização de IVA a favor da Requerente referente ao período de 2016, no montante global de € 703.670,13.

Na reclamação graciosa a Requerente defendeu que havia erro na autoliquidação que efectuou relativamente ao período de Dezembro de 2016, em que apurou a percentagem de dedução de 4%, a qual teve por base uma posição da Autoridade Tributária e Aduaneira que padece de ilegalidade na medida em que a percentagem de dedução apurada para aplicação ao IVA incorrido com os recursos comuns configura critério de dedução não previsto na lei.

Defendeu a Requerente, na referida reclamação graciosa, que devia ter incluído as amortizações financeiras do leasing no cálculo da percentagem de dedução, que passaria a ser de 9%.

O Ofício Circulado n.º 30108 estabeleceu, para este tipo de instituições que desenvolvem concomitantemente estes tipos de actividades, um regime especial relativo ao exercício do direito à dedução, por entender que «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”» (ponto 8).

Por um lado, esse regime consiste, em primeira linha, em impor a este tipo especial de sujeitos passivos, relativamente aos bens de utilização mista, a dedução segundo a afectação real, nos termos do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, «com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades».

Em segunda linha, no ponto 9 daquele Ofício Circulado n.º 30108, ainda «na aplicação do método da afectação real», estabelece-se que «sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD».

Em suma, regime especial previsto no Ofício Circulado consiste em impor a este tipo de sujeitos passivos a dedução segundo a «afectação real», que deverá ser efectuada de duas formas:

– preferencialmente, «com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades»;

– sempre que tal não seja possível, a «afectação real» será efectuada utilizando um «coeficiente de imputação específico», que é determinado calculando a percentagem de dedução apenas com base no montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, e não, como resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º, com base em «todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica».

A Requerente na autoliquidação relativa ao mês de Dezembro de 2016 aplicou a regra que consta do ponto 9 do referido Ofício Circulado, tendo no cálculo do pro rata de dedução definitivo, previsto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, relativo a bens de utilização mista, excluído do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras dos bens locados, pois não considerou «viável determinar um ou vários critérios objectivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afectação real», como se indica no ponto 8 do Ofício Circulado.

Posteriormente, a Requerente constatou que, se tivesse incluído as amortizações financeiras do leasing no cálculo do critério de dedução, seria encontrada a percentagem de dedução de 9%, em vez de 4%.

A Requerente apresentou uma reclamação graciosa da autoliquidação relativa ao último período de 2016, defendendo, em suma, que a desconsideração, no cálculo do pro rata, dos montantes relativos às amortizações financeiras no âmbito da actividade de leasing e ALD se apresenta em desconformidade com a legislação nacional e comunitária do IVA.

A reclamação graciosa foi indeferida.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente defende, em suma, o seguinte:

– a Requerente desconsiderou, no cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2016, os valores relativos às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira por si celebrados;

– tal procedimento resultou dos ditames da AT constantes no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA e originou a dedução de menos IVA do que aquele a que tinha direito, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária (IVA) em excesso;

– a Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva para o ano 2014 de 3% (três por cento), que aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 15.129.720,50), se materializou no valor de € 453.891,62 de IVA dedutível;

– se tivesse procedido à inclusão das amortizações financeiras do leasing no cálculo da percentagem de dedução referida supra, esta reportar-se-ia a 8% (oito por cento), ao invés de 3% (três por cento);

– aplicando a percentagem de dedução de 8% (oito por cento) ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista (no montante de € 15.129.720,50), constata-se que a Requerente tinha o direito à dedução do IVA no valor de € 1.210.377,64;

– o artigo 73.º da Directiva IVA e o artigo 16.º, n.º 1 e 2, alínea h), do CIVA definem o valor das operações em IVA como o montante da contraprestação a receber em relação às mesmas (ou seja, no caso da locação financeira, a renda);

– são integralmente sujeitas a IVA as rendas de contratos de locação financeira (desde que não seja aplicável uma isenção, como ocorre nas operações imobiliárias), quer na parte correspondente à consideração da amortização financeira ou do capital, quer na parte correspondente aos juros e remuneração de outros encargos (ou ganhos);

– a Directiva IVA fixa uma fórmula de cálculo imperativa para efeitos de determinação do IVA proporcionalmente dedutível (cf. artigo 174.º da Directiva IVA);

– a percentagem de dedução resulta, pois, de uma fracção cuja composição ou fórmula de cálculo está pré-definida sem quaisquer concessões a uma margem de livre decisão dos Estados-Membros (e muito menos pela via administrativa!), conforme se extrai do n.º 1 do artigo 174.º do diploma comunitário;

– a Directiva IVA não confere qualquer margem de discricionariedade quanto à fórmula de cálculo do mesmo, que se encontra prefigurada com carácter taxativo no supra referido n.º 2 do artigo 174.º da Directiva IVA;

– relativamente a métodos alternativos à percentagem de dedução ou pro rata, a Directiva IVA (cf. nº 2 do artigo 173.º) apenas prevê a possibilidade de os Estados-Membros:

(a) permitirem ou obrigarem os sujeitos passivos “mistos” a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade (no pressuposto, naturalmente, de que os sujeitos passivos em causa exercem diversas actividades) — cf. alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva IVA; e,

(b) permitirem ou abrigarem os sujeitos passivos “mistos" a deduzir o IVA com base na afectação (utilização efectiva) dos bens ou serviços adquiridos — cf. alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva IVA.

– a Requerente não exerce diversas actividades, mas tão-só a actividade financeira, pelo que fica desde logo afastada a hipótese teórica de aplicação do pro rata sectorial (da alínea (a) do ponto que precede), que aliás nem sequer parece ter acolhimento expresso na legislação nacional;

– no que se refere à segunda alternativa — possibilidade de dedução do IVA com base na afectação (real) dos bens ou serviços adquiridos – que o Código do IVA somente a prevê nos seguintes condicionalismos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.9, a saber:

(a) se o sujeito passivo optar pelo método da afectação (real);

(b) por imposição da Autoridade Tributária e Aduaneira, se a aplicação do método do pro rata conduzir a distorções significativas na tributação;

– não se vislumbram distorções significativas na tributação derivadas do método da percentagem de dedução, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira as apontou no supra referido Ofício-Circulado n.º 30108, limitando-se a alegar genericamente a falta de coerência das variáveis utilizadas no pro rata, sem fundamentar, concretizar e demonstrar, como lhe cabia, a existência de qualquer distorção;

– não tendo a Requerente optado pela dedução do imposto por si incorrido em recursos de utilização mista de acordo com o método da afectação real, nem tão pouco se verificando quaisquer distorções significativas na tributação invocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira – requisitos essenciais para a imposição do critério da afectação real, previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA — não pode o critério da afectação real ser imposto in casu;

– o referido método alternativo ao pro rata, a ser aplicável consistiria na afectação (utilização efectiva) dos bens ou serviços adquiridos pelas diversas operações activas (cf. o n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA, por remissão para o nº 2 do mesmo preceito) e não na utilização de fórmulas de cálculo da percentagem de dedução” à medida” das Autoridades Tributárias, diferentes da (única) que consta do artigo 174.º da Directiva IVA;

– a primeira ilegalidade do Ofício-Circulado n.º 30108 reside na imposição do método da afectação real quando não se verificam os pressupostos que a legislação portuguesa elege como determinantes para que tal imposição autoritária possa verificar-se (conforme previstos no n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA: serem exercidas actividades económicas distintas e o pro rata conduzir a distorções significativas na tributação);

– a segunda ilegalidade do supra referido Ofício-Circulado prende-se com o facto de, perante a impossibilidade de aplicação concreta do método da afectação (real) aos recursos de utilização mista (dado que, como atrás referido, é inviável identificar critérios objectivos que com um mínimo de rigor e segurança conduzam a uma correcta concretização da mencionada afectação ou utilização efectiva), determinar a aplicação de uma percentagem de dedução calculada com exclusão de uma parte do valor (relevante) das operações de locação financeira para efeitos de IVA, contraria a fórmula única e injuntiva prevista no artigo 174.º da Directiva IVA e nos n.ºs 4 e 5 do artigo 23.º do Código do IVA;

– a solução preconizada pelo Ofício-Circulado n.º 30108, para além de constituir um paradoxo, não tem, acima de tudo, fundamento legal face ao disposto nos n.ºs 1 a 5 do artigo 23.º do Código do IVA;

– esta criação, no domínio da incidência tributária, violaria ainda o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”);

– a solução do ofício circulado sempre seria inválida por colidir e ser incompatível com o disposto nos artigos 173.º e 174.º da Directiva IVA e ilegal por força do artigo 8.º, n.º 4, da CRP.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta, acompanhou, no essencial, a posição assumida na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, dizendo o seguinte, em suma, sobre esta matéria:

– a locação financeira é o contrato pelo qual uma entidade - o locador financeiro - concede a outra - o locatário financeiro – o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário;

– o objeto deste tipo de contrato não é a transferência da propriedade, mas sim a cedência, pela locadora do uso do bem, isto é, a locadora obriga-se a prestar um serviço, traduzido na disponibilidade do bem em causa, recebendo em contrapartida, uma prestação, sem prejuízo, de nele se poder prever a opção de compra, no final do contrato, a favor do locatário, por um valor residual fixado por acordo das partes;

– um dos objetivos do legislador nesta matéria, foi assegurar o cumprimento do princípio da neutralidade fiscal, na vertente de princípio da igualdade que, no caso concreto, se consubstancia no facto de ser assegurado um tratamento fiscal equivalente, no sentido de igual onerosidade, em relação aquele que adquire um bem através de um contrato de locação financeira, face a outra pessoa que o adquire directamente;

– nem todo o valor pago a título de renda no âmbito de um contrato de locação financeira é correspondente à amortização financeira ou do capital tenha de ser incluída no cômputo do apuramento da percentagem de dedução, conjuntamente com a parte correspondente aos juros e outros encargos;

– a renda constitui o pagamento do serviço de concessão de financiamento ao locador, sendo composta por duas partes: capital ou amortização financeira, que mais não é que o reembolso da quantia “emprestada”; e juros, acrescidos de eventuais encargos, que constituem a remuneração do locador;

– o valor de aquisição do bem objecto de contrato de locação corresponde ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo locador ao locatário;

– no momento da aquisição desse mesmo input, a Requerente (locador) exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objecto do contrato de locação, por via do método da imputação directa;

– por assim ser, deve ser excluída do cálculo da percentagem de dedução a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem;

– à luz do princípio da neutralidade em que assenta o sistema deste imposto, a incidência do IVA sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi já deduzido pelo sujeito passivo;

– é apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados, indistintamente, em operações com e sem direito à dedução;

– se assim não fosse, permitir-se-ia um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido na aquisição da generalidade dos bens ou serviços com utilização mista;

– o procedimento adoptado pela Administração Tributária, está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial, o artigo 16.º e 23.º CIVA, e com os artigos 174.º e 175.º da Diretiva IVA;

– o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira foi aceite pelo TJUE no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), e também pelo Supremo Tribunal Administrativo;

– a jurisdição arbitral está vinculada à interpretação efectuada pelo Tribunal relativamente ao artigo 17º, nº5 da Sexta Directiva IVA (actual artigo 173º, nº2 da Directiva nº 2006/112 CE), em causa nos presentes autos, já que o artigo 23º do Código do IVA procedeu à sua transposição para o direito interno nacional;

– a decisão do TJUE tem valor de caso julgado e é obrigatória.

 

 

4.2. O direito a dedução de IVA suportado com aquisições de bens e serviços utilizados para os fins das operações tributadas

 

Por força do disposto nos artigos 168.º, alínea a), da Directiva n.º 2006/112/CE e 20.º, n. 1, alínea a), do CIVA, a Requerente tem, em princípio, direito a deduzir o IVA suportado a montante nas aquisições de bens e serviços utilizados nas suas operações tributadas.

Em Portugal, a actividade de locação financeira mobiliária é totalmente tributada e não isenta, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 16.º do CIVA, pelo que uma entidade que desenvolva apenas este tipo de actividade pode deduzir todo o IVA suportado para a realizar.

Porém, a Requerente é um sujeito passivo misto, pois é uma instituição de crédito que, além de desenvolver actividade tributada e não isenta de locação financeira (e ALD), realiza também operações isentas, nomeadamente operações de financiamento/concessão de crédito, nomeadamente crédito automóvel, que beneficiam da isenção prevista no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA.

Relativamente aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações económicas com direito à dedução, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações [artigos 173.º, n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º, n 1, alínea b] do CIVA).

Essa proporção ou pro rata de dedução é determinada por uma fracção que inclui «no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução» e «no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução» [artigo 174.º, n.  1, alíneas a] e b), da Directiva n.º 2006/112/CE.

Aplicando estas regras, sendo a actividade de locação financeira tributada e não isenta, quanto à totalidade do valor das rendas [artigo 16.º, n.º 2, alínea h], do CIVA], o montante destas deverá ser incluído totalmente no numerador, inclui-se no «montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução».

 

4.3. A limitação do direito à dedução relativamente a IVA suportado com aquisições de bens e serviços utilizados para os fins das operações tributadas

 

Estas regras da determinação do pro rata de dedução relativamente a actividades económicas, podem ser afastadas nas situações previstas no n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE, em que se inclui «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».

Eventualmente, terá sido ao abrigo desta disposição, que tem alguma correspondência como os n.ºs 2 e 3, alínea b) do artigo 23.º do CIVA, que o Ofício Circulado n.º 30108 estabeleceu, para este tipo de instituições que desenvolvem concomitantemente actividade de locação financeira, integralmente tributada, e outras actividade isentas, um regime especial relativo ao exercício do direito à dedução, por entender que «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”» (ponto 8).

Por um lado, esse regime consiste, em primeira linha, em impor a este tipo especial de sujeitos passivos, relativamente aos bens de utilização mista, a dedução segundo a afectação real, nos termos do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, «com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades».

Em segunda linha, no ponto 9 daquele Ofício Circulado n.º 30108, ainda «na aplicação do método da afectação real», estabelece-se que «sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD».

Em suma, o regime especial previsto no Ofício Circulado consiste em impor a este tipo de sujeitos passivos a dedução segundo a «afectação real», que deverá ser efectuada de duas formas:

– preferencialmente, «com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades»;

– sempre que tal não seja possível, a «afectação real» será efectuada utilizando um «coeficiente de imputação específico», que é determinado calculando a percentagem de dedução apenas com base no montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, e não, como resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º, com base em «todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica».

A Requerente na autoliquidação relativa ao mês de Dezembro de 2016 aplicou a regra que consta do ponto 9 do referido Ofício Circulado, tendo no cálculo do pro rata de dedução definitivo, previsto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, relativo a bens de utilização mista, excluído do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras dos bens locados, pois não considerou «viável determinar um ou vários critérios objectivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afectação real», como se indica no ponto 8 do Ofício Circulado.

Posteriormente, a Requerente constatou que, se tivesse incluído a totalidade das rendas do leasing no cálculo do critério de dedução, seria encontrada a percentagem de dedução de 9%, em vez de 4%.

A Requerente apresentou uma reclamação graciosa da autoliquidação relativa ao último período de 2016, defendendo, em suma, que a desconsideração, no cálculo do pro rata, dos montantes relativos às amortizações financeiras no âmbito da actividade de leasing e ALD se apresenta em desconformidade com a legislação nacional e comunitária do IVA.

A reclamação graciosa foi indeferida.

 

4.4. Apreciação da questão

 

Antes de mais, importa notar que não existe qualquer caso julgado, pois este tem limites subjectivos, exigindo identidade de sujeitos (artigos 581.º, n.º 2, e 619.º, n.º 1, do CPC).

Não tendo a Requerente sido parte no processo em que interveio o Banco Mais, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, está afastada a possibilidade de se lhe estender o caso julgado formado sobre a sua decisão.

A Requerente desenvolve actividade económica, tal como definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, que é tributada (nomeadamente, de locação financeira, enquadrável no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA), bem como actividade económica isenta (designadamente, concessão de crédito, nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA).

Em regra, o IVA que for suportado pelo sujeito passivo na aquisição dos meios utilizados exclusivamente na sua actividade económica tributada é totalmente dedutível e o IVA suportado na aquisição de meios utilizados apenas na actividade isenta ou não prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, não pode ser deduzido [artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA e artigo 168.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006].

No caso em apreço, está em causa a dedução de IVA relativamente a meios utilizados indiferentemente tanto na actividade tributada (como é a locação financeira), como na actividade económica isenta da Requerente (como sucede com a concessão de crédito).

Relativamente aos meios de utilização mista, utilizados indiferentemente «para efectuar tanto operações com direito à dedução (...) como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações» (artigo 173.º n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006).

Tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º «o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução», nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA.

Esta percentagem de imposto dedutível, ou «pro rata de dedução», resulta, em regra, de uma fracção que inclui no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução e no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (artigos 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º, n.º 4, do CIVA).

O pro rata de dedução é determinado anualmente, sendo fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior, e é aplicável provisoriamente, a determinado ano, calculado com base nas operações do ano anterior ou estimado provisoriamente, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões, sob controlo da administração (artigo 175.º, n.ºs 1 e 2, da Directiva n.º 2006/112/CE e n.ºs 6, 7 e 8, do artigo 23.º do CIVA).

Mas, o sujeito passivo pode optar por «efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação» (n.º 2 do artigo 23.º do CIVA). (   )

A utilização deste método de afectação real, em princípio opcional, passará a ser obrigatória se a Administração Fiscal o determinar, o que poderá fazer, nomeadamente, «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação» [alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º]. A Administração fiscal poderá também impor «condições especiais».

Através do referido Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, a Administração Fiscal, entendeu que relativamente às «instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD», «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”», pelo que fez utilização da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, determinando que estes sujeitos passivos utilizem a «afectação real» (ponto 8).

Segundo os pontos 8 e 9, a «afectação real» deverá fazer-se de suas formas:

– se for possível, faz-se «a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades» (ponto 8 daquele Ofício Circulado);

– se não for «possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALDs» (ponto 9 daquele Ofício Circulado); neste caso, fica afastada a aplicação da percentagem que resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º.

No caso em apreço, está-se perante uma situação em que não há controvérsia entre as Partes quanto à inviabilidade de utilização do método da afectação real, com base em critérios objectivos, tendo a Requerente utilizado nas liquidações impugnadas este «coeficiente de imputação específico» determinado da forma prevista no ponto 9, considerando no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, excluindo do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira.

No entanto, a Requerente defende que este método é ilegal, pelo que deve ser determinado o pro rata de dedução nos termos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, isto é, deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

 

4.4.1. A jurisprudência do TJUE e do Supremo Tribunal Administrativo

 

4.4.1.1. Jurisprudência do TJUE

 

O TJUE pronunciou-se sobre uma situação deste tipo, atinente a instituição bancária que desenvolve actividades de locação financeira que conferem direito à dedução e outras actividades financeiras, que não conferem tal direito.

As decisões do TJUE proferidas em reenvio prejudicial têm carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, o que é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º) (   ).

Na referida alínea c) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Directiva, correspondente à alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece-se que «os Estados-membros podem» «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».

No acórdão proferido em 10-07-2014, no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), no âmbito de reenvio prejudicial, o TJUE entendeu que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 «não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».

Na linha do decidido pelo TJUE, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu já, no acórdão de 29-10-2014, proferido no processo n.º 01075/13, que «os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros».

Posteriormente, no acórdão de 18-10-2018, proferido no processo C-153/17 (Volkswagen Financial Services (UK) Ltd), o TJUE, corrigindo a interpretação que entendeu que se podia fazer do decidido no acórdão Banco Mais, esclareceu que «não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C-183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.°, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados-Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega».

Como se refere neste acórdão, pode impor-se

– «um método ou um critério de repartição diferente do método do volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios» (n.º 51);

– «qualquer Estado-Membro que decida autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução» (n.º 52);

– «os Estados-Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios».

 

 

O método de cálculo do pro rata indicado pela Administração Tributária no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108 não tem em conta o valor do veículo, pelo que contraria manifestamente o decidido pelo TJUE, neste acórdão do processo C-153/17, sendo consequentemente ilegal, por violação do Direito da União.

Por outro lado, como se refere no mesmo acórdão, este entendimento é aplicável «mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis (...) não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação» (n.º 59), como sucede no caso em apreço.

Assim, neste acórdão do processo C-153/17, apesar de ficar demonstrado que os custos gerais eram imputados à parte das rendas referentes aos juros e a parte das rendas correspondente ao capital não era tributada (por ser isenta à face da lei inglesa), entendeu-se que esta última não podia ser completamente excluída do cálculo do pro rata, pelo que esta jurisprudência não pode deixar  de ser aplicável à face da lei portuguesa, em que toda a actividade de leasing é tributada e, por isso, trata-se na totalidade de operações que dão direito à dedução, à face do artigo 20.º, n.º 1, e para efeitos do artigo 23.º, n.º 4, do CIVA.

Na verdade, se o TJUE entendeu que, mesmo nos casos de a parte das rendas correspondente às amortizações não ser tributada (como sucede na lei inglesa) esse montante não podia ser excluído completamente do numerador da fracção, por maioria de razão valerá este entendimento quanto este montante também é tributado em IVA (como sucede na lei portuguesa) e, por isso, se está perante operação que confere operações que conferem direito a dedução, relativamente à qual resulta explicitamente da lei a sua inclusão no numerador da fracção (artigo 23.º, n.º 4, do CIVA).

De qualquer forma, no citado acórdão 10-07-2014, proferido no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), não se admitiu generalizadamente que um Estado-Membro possa obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, mas apenas admitiu tal possibilidade «quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».

Como resulta desta parte final, na perspectiva do TJUE, não é compaginável com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE a imposição aos contribuintes de uma percentagem de dedução especial de forma genérica, independentemente da comprovação da utilização real dos bens e serviços, casuisticamente apurada, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo ao entender que decorre daquela decisão do TJUE «que sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos» (   ).

Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, interpretando o referido acórdão do TJUE que «resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos».

À face desta jurisprudência, só pode ser aplicado o método previsto no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 se se demonstrar que «a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos».

Sendo este um pressuposto cujo preenchimento é necessário para permitir a aplicação do regime excepcional imposto pela Administração Tributária, a consequência da sua não demonstração é a aplicação do regime-regra.

No caso em apreço, não se demonstrou que, no ano de 2016, «a utilização desses bens e serviços de utilização mista» tenha sido «sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos», o que, desde logo, afasta a possibilidade de utilização do coeficiente específico previsto no n.º 9 do Ofício Circulado n.º 30108.

Na verdade, da prova produzida resulta que a actividade desenvolvida na fase inicial do contrato, antes da entrega dos veículos aos clientes e directamente destinada a disponibilizá-los, tem uma dimensão considerável, ocupando três colaboradores da Requerente em permanência e intervêm nela ocasionalmente muitos outros nos seus 306 balcões abertos ao público.

Para a actividade posterior à entrega dos veículos aos seus clientes, a Requerente dispõe de oito colaboradores em permanência, mas nesta fase englobam-se várias actividades que não são provocadas pela gestão dos contratos nem pelo financiamento, mas sim derivadas da disponibilização dos veículos, como é o caso do controle da manutenção de seguro válido pelos milhares de clientes da Requerente, resolução de problemas com acidentes com os veículos (que resulta da prova produzida que geram grande actividade, para que não estão previstas comissões, como contactos com seguradoras, contactos com as entidades policiais, assessoria jurídica e escritórios de advogados, bem como serviços de tradução quando os acidentes ocorrem no estrangeiro), contactos com concessionárias das autoestradas relativos a clientes que não pagam portagens e controle do pagamento do Imposto Único de Circulação, que é feito pela Requerente e debitado ao cliente.

Todas estas actividades (nomeadamente contactos com seguradoras, contactos com as entidades policiais, assessoria jurídica e escritórios de advogados, bem como serviços de tradução quando os acidentes ocorrem no estrangeiro) ocorrem apenas nos contratos de locação financeira de veículos (não também nos de concessão de crédito, inclusivamente de crédito para a aquisição de veículos), porque os veículos disponibilizados aos clientes são, durante toda a vigência dos contratos,  propriedade da Requerente

Por isso, essas actividades desenvolvidas na vigência dos contratos que não são comuns os contratos de concessão de crédito para aquisição de veículos são actividades geradas pela disponibilização dos veículos e não pela concessão de financiamento e gestão dos contratos de financiamento ínsitos nos contratos de locação financeira. Trata-se de actividades que não ocorrem quando não há disponibilização dos veículos, mas apenas financiamento, como sucede nos contratos de mera concessão de crédito para a aquisição de veículos, em que os clientes adquirem os veículos para si próprios e todos os incidentes que ocorram posteriormente relacionados com a utilização dos veículos e todas as vicissitudes contratuais. 

Assim, actividades relacionadas com a gestão dos contratos de locação financeira serão (como sucede com os contratos de concessão de crédito) apenas as que se reportam aos próprios contratos de financiamento, como são a maior parte daquelas para que estão previstas comissões comuns para os contratos de leasing e crédito automóvel, designadamente o reembolso antecipado parcial ou total, o processamento mensal das rendas ou prestações, a recuperação de valores em dívida e alterações contratuais, além de algumas exclusivas dos contratos de locação financeira, como são a transmissão da posição jurídica do locatário e alteração de registos.

Como resultou da prova produzida, as comissões apenas incluem os custos directamente quantificáveis, mas não as despesas gerais conexionadas com as actividades para que estas estão previstas (como são as despesas de electricidade, água, limpeza, despesas com informática, gastos de conservação dos edifícios, mobiliário e maquinaria neles existentes, etc.). 

Não se apurou a dimensão exacta de recursos de utilização mista não considerados no valor das comissões que são utilizados em cada uma das actividades referidas, nem há qualquer fundamento para concluir que sejam proporcionais ao número de pessoas que intervêm em cada uma das fases, designadamente porque, além dos colaboradores afectos em permanência à actividade de leasing, há intervenções nessa actividade dos seus colaboradores em cada um dos seus 306 balcões em que é feito o atendimento directo dos clientes.

De qualquer modo, apurou-se que, além da actividade anterior à entrega dos veículos, destinada à sua disponibilização aos clientes, é considerável a actividade anterior e posterior à entrega dos veículos que é provocada pela sua disponibilização, inerente aos contratos de locação financeira, pois não ocorre nos contratos de mero financiamento em não é feita disponibilização dos veículos pela Requerente aos seus clientes (crédito automóvel).

É convicção do Tribunal, embora sem a certeza absoluta que só poderia resultar de uma quantificação exacta, que as actividades anteriores à entrega dos veículos e as posteriores derivadas da manutenção dos veículos na posse dos clientes, que só existem nos contratos de locação financeira, serão de maior dimensão e consumirão mais recursos de utilização mista do que as derivadas do financiamento e gestão dos contratos. Como disse a testemunha C..., referindo-se às actividades próprias dos contratos de locação financeira que não existem nos contratos de concessão de crédito, «o que vem a seguir à utilização do dinheiro é que dá trabalho».

Assim, à face da prova produzida e da jurisprudência do TJUE, não se demonstra a verificação de uma situação em que possa ser imposto o método referido à Requerente, pelo que a imposição que foi feita por via do n.º 9 do Ofício Circulado 30108 é incompaginável com o Direito da União. Pelo contrário, a prova produzida é no sentido de ser consideravelmente maior a utilização de recursos de utilização mista nos contratos de locação financeira, em que há a prestação de serviços consiste em assegurar a disponibilização dos veículos durante a vigência do contrato, do que em operações semelhantes de crédito automóvel, em que a actividade da Requerente se esgota no financiamento e a gestão do contrato de financiamento.

De qualquer forma, em face do que se disse, fica-se, pelo menos perante uma situação de «fundada dúvida» sobre a quantificação do facto tributário, em que se justifica a anulação do acto impugnado, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que é uma regra para situações em que esse tipo de dúvida subsiste, em processos jurisdicionais.

 

4.4.1.2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo

 

                Nos acórdãos do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 04-03-2020, proferidos nos processos n.ºs 7/19.4BALSB e 052/19.0BALSB, interpretando a jurisprudência do TJUE, entendeu-se, por maioria, o seguinte:

Por outras palavras, e como já se consignou no Acórdão deste STA proferido a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, “a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja pura e simplesmente admitido, em todas as situações, como não o é, de resto, face à legislação europeia. Resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – aqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de actividade isenta –”. Precisamente como se referiu no Acórdão do TJUE proferido a 18 de Outubro de 2018 no âmbito do Processo n.º C-153/17 (Acórdão Volkswagen), incisivamente referido pela Recorrida, “não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C 183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega”.

Aquilo que importa é, portanto, que sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é, ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos. Porém, compulsado o probatório fixado na decisão arbitral em crise, não é possível descortinar se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos.

 

                Entendeu-se, assim, em suma:

– é compatível com o Direito da União Europeia «criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista»;

– mas, esse sistema não pode ser aplicado em todas as situações, antes a aplicação de tal sistema específico «será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – aqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de actividade isenta»;

– não é permitido «aos Estados Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega»;

– o que importa, para aplicar tal sistema específico, é que se formule «um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é, ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos».

 

                Infere-se desta jurisprudência que a imposição do «sistema específico» de determinação do pro rata de dedução previsto nos n.ºs 8 e 9 do Ofício Circulado n.º 30108, que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega, apenas podia ser decidida de forma generalizada, como aí se determinou, se se demonstrasse que «a utilização desses bens e serviços de utilização mista é, ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos de locação financeira.

                Fazendo depender tal imposição de uma apreciação casuística da «utilização desses bens e serviços de utilização mista», a referida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo aponta para a necessidade de demonstração dessa utilização no período a que se reporta o imposto deduzido, no mínimo no ano a que se refere, tendo em conta a fixação anual dos valores definitivos que se prevê no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA.

                Neste caso, quanto ao ano de 2016, que aqui está em causa, não foi possível comprovar que as percentagens exactas de utilização dos bens e serviços de utilização mista relacionadas com o financiamento e gestão dos contratos de financiamento, pois não se produziu qualquer prova que permita quantificar a utilização exacta desses recursos e o facto de existirem actividades que se concentram primacialmente na fase inicial do contrato, destinadas a disponibilizar os veículos, e outras que se prolongam ao longo dele, em que também se incluem consideráveis tarefas conexionados com a disponibilização dos veículos, não permite concluir, com certeza, em quais dessas tarefas são utilizados mais bens ou serviços de utilização mista.

                Mas, como se referiu, são consideráveis as actividades anteriores e posteriores à entrega dos veículos aos clientes decorrentes da necessidade de disponibilizar os veículos, sendo convicção do Tribunal, formada à face da prova produzida, que a utilização de recursos de utilização mista é de consideravelmente de maior dimensão nas operações de locação financeira do que nas operações de crédito de valor equiparável, designadamente de crédito automóvel.

                Na verdade, enquanto o consumo de recursos de utilização mista é equiparável nas operações de locação financeira e de crédito no que se relaciona com o financiamento e a gestão dos contratos no que ao financiamento respeita, nas operações locação financeira há tendencialmente muito maior consumo de recursos de utilização mista, pois além da actividade relativa ao financiamento, a Requerente tem de assegurar a actividade inerente à disponibilização dos veículos durante toda a vigência dos contratos, que consubstancia a prestação de serviços em que a locação financeira se traduz, como, por exemplo, a relativa a registos de veículos, informações a autoridades policiais relativas a infracções rodoviárias, controle da manutenção de seguro pelo locatário, intervenções relativas a acidentes, recuperação de veículos e sua venda nos casos em que o locatário não opta pela aquisição.

                Assim, não está preenchido o requisito de que o Supremo Tribunal Administrativo, na leitura que fez no presente processo da jurisprudência do TJUE, entendeu que depende a imposição de utilização de um sistema específico, traduzido num «método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega», que é a «utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da sociedade» ser «sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes».

                Por isso, tem de se concluir que, no caso concreto, a imposição à Requerente da utilização do «sistema específico» de determinação do pro rata de dedução previsto nos pontos 8 e 9 do ofício circulado n.º 30108 é incompatível com  o Direito da União Europeia, que, na interpretação do Supremo Tribunal Administrativo, só permite tal imposição «quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos», o que não se provou, designadamente quanto ao ano de 2016.

                De qualquer forma, como já se disse quanto ao ponto anterior, fica-se, pelo menos perante uma situação de «fundada dúvida» sobre a quantificação do facto tributário, em que se justifica a anulação do acto impugnado, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que corresponde a uma regra específica para situações em que esse tipo de dúvida subsiste.

 

 

4.4.2. Ilegalidades imputadas pela Requerente ao Ofício Circular n.º 30108

 

4.4.2.1. Inconstitucionalidade da previsão de um método de dedução não previsto em diploma de natureza legislativa

 

Embora o artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

                Na verdade, entre os métodos para efectuar a dedução prevista no CIVA, não se inclui o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, mas sim, quanto a métodos que utilizam uma percentagem de dedução, apenas o indicado no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA e que o que foi permitido ao Estado Português pela Directiva, por via legislativa, não era permitido à Direcção-Geral dos Impostos, através de Ofício-Circular.

                Esta questão de saber se, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP (atinentes ao princípio da legalidade tributária), é permitida a criação normas inovatórias sobre métodos de efectuar a dedução (que se reconduzem a normas de determinação da matéria tributável), por via de Ofício-Circulado emitido pela Direcção-Geral de Impostos, como se prevê no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, é uma questão distinta da de saber se o Estado Português, por via legislativa, podia criar tais métodos, à face do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva n.º 2006/112/CE.

                Esta questão da compatibilidade com a CRP do referido artigo 23.º, n.º 2, do CIVA e do Ofício-Circular referido, não é uma questão de interpretação do Direito da União, mas sim uma questão de Direito Nacional, uma questão de inconstitucionalidade de normas e não da correcção ou incorrecção da sua aplicação.

                Esta questão de inconstitucionalidade não é, assim, a de saber se, à face do Direito da União Europeia, do CIVA e do Ofício-Circular n.º 30108, a Administração Tributária podia impor ao Sujeito Passivo o método previsto no ponto 9 deste Ofício-Circular, mas sim a de saber se aquele artigo 23.º, n.º 2, do CIVA é materialmente inconstitucional ao permitir à Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.

                As regras sobre o direito à dedução de IVA, de que resulta o montante do imposto suportado pelo sujeito passivo, são regras de incidência objectiva.

                Na verdade, são normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação» (   ).

                 Neste sentido, tanto são normas de incidência as que determinam o sujeito activo e passivos da obrigação tributária, como as que indicam qual a matéria colectável, a taxa e os benefícios fiscais. (   )       

                Assim, por violação dos artigos 112.º, n.º 5, e 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), e 266.º, n.º 1, da CRP, recusa-se a aplicação do  artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, na interpretação subjacente ao Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009,  segundo a qual, a Administração Tributária  poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.

 

4.2.2.2. Ilegalidade da imposição através de norma administrativa de um método de execução do direito a dedução não previsto legislativamente

 

                Não tendo o método de exercício do direito à dedução sido previsto no Ofício Circulado n.º 30108 sido previsto e diploma de natureza legislativa, não pode a Administração Tributária determinar a sua aplicação, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

Este último diploma, definindo tal princípio, estabelece que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».

À face desta norma, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa». (   )

Por isso, não tendo suporte legislativo a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.

Mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativa nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal, em que se está perante matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP].

Na verdade, a força vinculativa das circulares e outras resoluções da Autoridade Tributária e Aduaneira de natureza geral e abstracta, publicitadas, circunscreve-se à ordem administrativa, pois resulta somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, as orientações genéricas da Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal, apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, mas essas orientações não vinculam os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem os Tribunais, que devem interpretar e aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração fiscal através dos referidos «despachos genéricos, das circulares e das instruções» (artigo 203.º da CRP). (   )

É com este alcance que o n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT estabelece que «a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias».

                Consequentemente, a autoliquidação efectuada pela Requerente aplicando as regras dos n.ºs 8 e 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, impostas pela Administração Tributária, enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, decorrente da ilegalidade da imposição dessas regras, vício esse que justifica a anulação da autoliquidação, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que a confirmou.

 

4.4.3. Falta de prova de «distorções significativas da tributação»

 

De qualquer forma, a aceitar-se a possibilidade de a Administração Tributária impor o método previsto no ponto 9. do Ofício Circulado 30108, ele só é aplicável, como se refere na alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação».

A Administração Tributária defende que a aplicação do coeficiente de imputação específico é o único que se mostra adequado ao apuramento da percentagem de dedução, afastando as distorções na tributação, estando de acordo com o direito comunitário e as normas de direito interno (nomeadamente, artigo 173.º e 174.º da Diretiva IVA, e o artigo 23.º do CIVA), salvaguardando o princípio da neutralidade.

A Requerente defende que não se vislumbram distorções significativas na tributação derivadas do método da percentagem de dedução, nem a AT as apontou no supra-referido Ofício-circulado n.º 30108, limitando-se a alegar genericamente a falta de coerência das variáveis utilizadas no pro rata, sem fundamentar, concretizar e demonstrar, como lhe cabia, a existência de qualquer distorção.

Na verdade, não se referem no Ofício Circulado em que consistem as «distorções significativas na tributação» que resultam da aplicação do método do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, formulando-se nesse sentido um juízo conclusivo, cujos fundamentos não se demonstram. A afirmação feita no ponto 8. do Ofício Circulado de que «aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas» é também conclusiva e obscura, pois não se esclarece quais as aludidas vantagens ou prejuízos e para quem nem em que consiste a falta de coerência que se invoca.

                De qualquer forma, o procedimento que a Administração Tributária impôs no referido Ofício Circulado tem a potencialidade de provocar distorções significativas na tributação, como bem demonstram JOSÉ XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS (   ), relativamente à locação financeira com rendas mensais constantes:

«Ora não se consegue demonstrar que o expurgo da amortização financeira contribui para uma sintonia mais fina na determinação da parcela de imposto dedutível. Bem ao invés, demonstra-se que o procedimento que a AT quer obrigar o sujeito passivo a adoptar provoca distorções significativas de tributação e não consegue de modo algum o objectivo que a lei, no artigo 23.º, n.º 3, atribui ao método da afectação real – o objectivo de efectuar a dedução de “com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços [de uso “promíscuo”] em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito.

Em financiamentos cujo reembolso é efectuado em prestações periódicas, sabe-se que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, esta dada pela diferença entre renda total e juro pago. Nas sucessivas prestações, quer em termos de rendas constantes quer de rendas variáveis, como a seguir melhor se verá numericamente, a parte imputável a juros vai flutuando ao longo do tempo de duração do contrato».

Sendo assim, que consequência tem o apuramento do IVA dedutível segundo o método imposto pela AT de expurgar a amortização do cálculo da parcela dedutível? Tem a consequência de fazer flutuar a percentagem de IVA dedutível ao longo do tempo de duração do contrato.

Esta flutuação, porém, só teria razão de ser se houvesse fundamentos para crer que ao longo desse tempo a intensidade do uso dos inputs promíscuos flutuava também na mesma onda. Ora, é bem claro que não há qualquer razão para crer que seja assim. A intensidade do uso desses bens e serviços será eventualmente a mesma, ou se não for, não é através de uma percentagem de dedução calculada com quer a AT que poderá ser apurada essa eventual diferença de intensidade.

A solução imposta pela AT provoca, ela sim, distorções na tributação. Pode entender-se que o método do pro rata a que chamaríamos normal não apura com suficiente rigor a parcela de imposto dedutível, mas ele é, sem dúvida, melhor do que trabalhar com uma percentagem de dedução que faz flutuar a parcela de imposto dedutível ao longo do tempo sem qualquer relação com diferenças na intensidade do uso dos inputs promíscuos pelo sector de actividade cujas operações conferem direito à dedução.

A pretensão da AT em aperfeiçoar o apuramento do imposto dedutível só poderia eventualmente ser conseguida impondo um verdadeiro método de afectação real, não um pro rata manipulado, sem significado e adequação ao objectivo pretendido de evitar distorções significativas na tributação».

 

                Assim, não se pode considerar demonstrado que, na situação em apreço, a determinação do pro rata baseado no volume de negócios provoque ou possa provocar «distorções significativas da tributação», havendo, antes, a certeza de que essas distorções resultam do método imposto pela Administração Tributária.

As distorções da tributação que resultam da aplicação do método previsto no Ofício Circulado n.º 30108 poderão ser amplificadas pela jurisprudência recente do Supremo Tribunal Administrativo, adoptada pelo Pleno no acórdão de  30-09-2020, processo n.º 26/20.8BALSB, em que entendeu que a jurisprudência do Acórdão Banco Mais, apenas é aplicável quando o sujeito passivo é um banco, e já não quando é uma sociedade financeira de crédito que utilize para as suas operações tributadas recursos de utilização mista não quantificáveis.

Na verdade, nas situações em que não seja possível a afectação real, não se aplicando o «coeficiente de imputação específico» quando o sujeito passivo é uma sociedade financeira, será aplicável ao cálculo do pro rata o regime do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, incluindo-se no numerador da fracção o valor total das rendas [que é na totalidade tributado, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 16.º do CIVA], enquanto se o sujeito passivo for um banco apenas será incluída no numerador a parte das rendas que corresponde aos juros.

Além das distorções de tributação que resultam da não inclusão do valor total das rendas na fracção quando o sujeito passivo é um banco, a aplicação do método referido apenas aos bancos é incompaginável com o princípio da igualdade, pois duas situações idênticas de sujeitos passivos mistos que realizem concomitantemente operações de locação financeira e operações isentas teriam uma tributação em IVA consideravelmente distinta.

A distorção da tributação provocada pelo método previsto no Ofício Circulado n.º 30108 detecta-se também quando se compara a limitação do direito à dedução da locação financeira quando é efectuada por um banco com a de um sujeito passivo que apenas se dedique à actividade de locação financeira, que sem qualquer limitação, poderá deduzir a totalidade do IVA suportado nos bens e serviços que adquira para exercer essa actividade, pois ela é totalmente tributada, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, alínea h) do CIVA, e o artigo 20.º, n.º 1, deste Código assegura o direito à dedução do imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos para realização das operações de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

Por outro lado, a distorção da tributação que resulta da aplicação do método previsto no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108, está também implicitamente reconhecida na jurisprudência mais recente do TJUE.

Na verdade, no acórdão Banco Mais, o TJUE tinha entendido que «o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel».

Mas, no posterior acórdão de 18-10-2018, processo C‑153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd), repensando explicitamente o entendimento adoptado no processo C-183/13  e restringindo o seu alcance, o TJUE veio esclarecer que «os Estados‑Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios» (acórdão de 18-10-2018, processo C‑153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd).

Na linha desta jurisprudência, tendo em conta que a obrigatoriedade da jurisprudência do TJUE implicará o acatamento da mais recente quando ela se modifica, tem de entender-se que o método previsto no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108, que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, tem de considerar-se não susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.

Por isso, também por resultar da prova produzida que, no específico caso da Requerente, o método imposto pela Administração Tributária tem potencialidade para provocar maiores distorções da tributação do que as que podem resultar da aplicação do pro rata geral pelo que, também sob esta perspectiva, é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE.

De qualquer forma, é manifestamente sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira, que invoca «distorções significativas na tributação» como pressuposto da imposição do método referido, que recai o ónus da prova da existência dessas distorções em concreto, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 74.º da LGT.

Por isso, a falta de prova de que da aplicação do método utilizado pela Requerente provoca distorções da tributação, tem de ser valorada processualmente contra a Administração Tributária e não contra a Requerente, justificando a anulação da autoliquidação e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por erro sobre os pressupostos de facto.

 

 

 

5. Restituição de quantia paga em excesso e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede a restituição do imposto indevidamente suportado acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, contados desde a data da entrega da declaração periódica de IVA referente a Dezembro de 2016 até à restituição do imposto pago em excesso com referência a este ano.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

 

5.1 Restituição do imposto indevidamente pago

 

Não é seguro que o valor indicado pela Requerente seja o que deve ser restituído como consequência da anulação parcial da autoliquidação relativa ao último período de 2016.

Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira não confirmou os valores indicados pela Requerente, como refere no esclarecimento apresentado.

Assim, seguro de que haverá uma importância a restituir, mas não sendo certo o seu montante, esse deverá ser liquidado em execução de julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 95.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e no artigo 609.º, n. 2, do CPC, aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e), do RJAT.

 

5.2. Juros indemnizatórios

 

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

No caso em apreço, conclui-se que há erro na autoliquidação que se considera imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira por força do disposto no n.º 2 deste artigo 43.º da LGT, na medida em que a Requerente actuou em sintonia com a orientação genérica que do ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108.

Os juros indemnizatórios devem ser contados desde 14-02-2017, data em que a Requerente exerceu o direito à dedução, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

6. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

e)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação parcial da autoliquidação de IVA respeitante ao mês de Dezembro de 2016 consubstanciada na declaração periódica n.º...;

f)            Anular a referida autoliquidação, na parte em que foi deduzido IVA em montante inferior ao que resulta do cálculo do pro rata nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, com inclusão do valor total das rendas de locação financeira;

g)            Julgar procedente o pedido de restituição da quantia paga em excesso, a determinar em execução do presente acórdão, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o respectivo pagamento;

h)           Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los a Requerente nos termos indicados no ponto 5.2 deste acórdão.

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 703.670,13.

 

 

8. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10.404,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

9. Comunicação ao Ministério Público

 

Como resulta do texto que antecede, recusa-se a aplicação do  artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, na interpretação subjacente ao Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009,  segundo a qual, a Administração Tributária  poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem, por violação dos artigos 112.º, n.º 5, e 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), e 266.º, n.º 1, da CRP.

Assim, em face do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP, comunique-se ao Ministério Público, para os fins que tiver por convenientes.

 

Lisboa, 14-04-2021

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(João Pedro Rodrigues)

(Cristina Aragão Seia)

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. João Pedro Rodrigues e Dra. Cristina Aragão Seia (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 18-09-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A., doravante abreviadamente designada por "Requerente", anteriormente denominada B..., com o número de identificação fiscal ... e sede na Rua ..., n.º..., Lisboa, vem, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária doravante designado como "RJAT"), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a pronúncia sobre a (i)legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa da autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), respeitante ao último período de 2016, com o n.º..., no montante de € 703.670,13, e a consequente declaração de (i)legalidade parcial daquele acto de (auto)liquidação de IVA

A Requerente pede ainda a restituição da quantia que considera indevidamente paga e juros indemnizatórios.

Subsidiariamente, a Requerente pede reenvio prejudicial para o TJUE.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-07-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 29-08-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 18-09-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência dos pedidos e suscitando a questão da incompetência do Tribunal Arbitral para condenar a AT na devolução do concreto montante de € 703.670,13.

Por despacho de 26-10-2019 as Partes foram notificadas para comprovarem qual a percentagem definitiva para o ano 2016 que foi aplicada para determinar o IVA dedutível quanto a recursos de utilização mista.

As Partes apresentaram esclarecimentos.

A Requerente veio responder à excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Por despacho de 11-11-2019, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar a excepção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2. Matéria de facto

 

WW.      A Requerente é uma instituição de crédito do tipo caixa económica bancária, cujo objecto social consiste na realização das operações descritas no artigo 4.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro;

XX.         No âmbito da sua actividade, a Requerente realiza operações financeiras enquadráveis na norma de isenção constante do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem o direito dedução deste imposto, como é o caso das operações de financiamento/concessão de crédito;

YY.          Simultaneamente, a Requerente realiza também operações que conferem o direito à dedução deste imposto, designadamente operações de locação financeira mobiliária e custódia de títulos;

ZZ.          Relativamente às situações em que a Requerente identificou uma conexão directa e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação directa, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA;

AAA.     Nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, a Requerente não deduziu qualquer montante de IVA;

BBB.      Nas situações em que a Requerente identificou uma conexão directa, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, e conseguiu determinar critérios objectivos do nível/grau de utilização efectiva, aplicou o método da afectação real, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, o que sucedeu, nomeadamente, quanto aos encargos especificamente associados à aquisição de Terminais de Pagamento Automático ("TPA's");

CCC.      A Requerente não considerou viável determinar um ou vários critérios objectivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afectação real, nas aquisições de recursos de utilização mista";

DDD.     Para determinar a medida (quantum) de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afectos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de "utilização mista"), a Requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA;

EEE.       A referida percentagem de dedução foi determinada com cálculo do coeficiente de imputação específico definitivo do ano 2014, em consonância com o preceituado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA;

FFF.       A 09-02-2017, a Requerente apresentou a Declaração periódica de IVA respeitante ao período de dezembro de 2016 onde nos termos do n.º 6 do art.º 23.º do CIVA procede à regularização do imposto dedutível relacionado com bens de utilização mista, declarando para o efeito no campo 40 o montante de € 917.940,43;

GGG.    Nessa autoliquidação, a Requerente apurou, por lapso, um pro rata definitivo de 2% (dois por cento), tendo apresentado Reclamação Graciosa, com fundamento em erro na autoliquidação de IVA aquando do apuramento da percentagem de dedução de imposto nos termos do n.º 6 do art. 23.º do CTVA peticionando a consideração do pro rata definitivo de 4%;

HHH.     A referida reclamação, que teve o n.º ...2018..., veio a ser deferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo a mesma aceite a alteração do pro rata definitivo para 4% (quatro por cento);

III.          No Quadro 3 do Anexo 40, a titulo de “Regularizações abrangidas pelos art.ºs 23.º a 26”, tanto na primeira declaração apresentada como na de substituição, encontra- se cifrada em € 639.773,43, mas a regularização devida nos termos do n.º 6 do art.º 23.º do CIVA no ano de 2016 foi apenas de € 327.753,50;

JJJ.         Em 14-02-2017, a Requerente apresentou uma declaração de substituição com a autoliquidação de IVA respeitante ao mês de Dezembro de 2016, com a declaração periódica n.º ... que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

KKK.      Com base no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira vertido no Ofício-Circulado n.º 30.108, a Requerente não incluiu no cálculo da referida percentagem de dedução os montantes respeitantes às amortizações financeiras do leasing;

LLL.        Em 28-12-2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação de IVA do período de Dezembro de 2016, solicitando que o ato tributário de autoliquidação de IVA relativo ao último período de 2016 fosse anulado na parte referente ao IVA que resulta da divergência de aplicação daquelas percentagens aos bens e serviços com utilização mista;

MMM. A reclamação graciosa referida foi indeferida por despacho de 08-04-2019, com os fundamentos de uma informação que consta do documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais o seguinte:

 

.1 Quesito Único: Erro na autoliquidação por desconsideração do montante do capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de locação financeira no apuramento do pro rata definitivo de dedução: € 703.670,13

 

V.1.1 Factos e Enquadramento Jurídico-Tributário

15. A Reclamante constitui-se como uma sociedade comercial que se enquadra para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade mensal.

16. A questão em análise, nos presentes, autos consubstancia-se num alegado erro de autoliquidação de IVA, efetuada pelo sujeito passivo, reativa ao período de dezembro de 2016.

17. A Reclamante é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.

18. No âmbito da sua atividade, a Reclamante realiza, por um lado, operações financeiras que se encontram enquadradas no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, nomeadamente, financiamento/concessão de crédito, operações que configuram isenções simples ou incompletas pois não conferem direito à dedução do IVA suportado.

19. Por outro lado, pratica, simultaneamente, outro tipo de operações financeiras, como a celebração de contratos de locação financeira mobiliário, que conferem direito à dedução (cf. alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA).

20. Nestes termos, tendo em consideração a natureza das atividades praticadas, a Reclamante qualifica-se como um sujeito passivo "misto".

21. Relativamente às operações afetas à aquisição de bens e serviços de utilização mista, operações de locação financeira (Leasing e ALD), a CEMG recorreu ao método do coeficiente de imputação especifico constante no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009 (da Área de Gestão Tributaria do IVA) que determina que apenas deve ser considerado, no cálculo da percentagem de dedução, o montante anual correspondente aos juros e outros encargos, excluindo-se a componente de amortização de capital contida nas rendas da locação financeira.

22. Nessa medida, afirma ter apurado uma percentagem de dedução definitiva de 4% que determinou um valor a deduzir de € 562.936,10 - ponto 16.º da petição de Reclamação Graciosa.

23. Sucede que, no entendimento da Reclamante, a solução preconizada pela AT no Ofício-Circulado n.º 30108 é ilegal, uma vez que, não só impõe a aplicação do método da afetação real quando não se encontram preenchidos os pressuposto legalmente previstos para tal "imposição autoritária" (cf. ponto 73.º da petição de Reclamação Graciosa), como, também, expurga do cálculo da referida percentagem o valor das amortizações financeiras, violando o disposto no n.º 4 e 5 do artigo 23.º do CIVA, conjugado com o artigo 173.º e 174.º da Diretiva IVA (cf. pontos 74.º a 76.º da petição em análise).

24. Se assim não fosse a percentagem de dedução seria de 9% (contra os 4% referidos), o que determinaria um valor a deduzir de € 1.266.606,23, constatando a Reclamante uma diferença, em seu prejuízo, de €703.670,13 (cf. ponto 17.º a 19.º da petição de Reclamação Graciosa).

25. Não se conformando, por entender que é ilegal a aplicação da restrição imposta pela AT, veio interpor a presente Reclamação Graciosa, pugnando pela anulação parcial do ato de autoliquidação de IVA efetuada pelo sujeito passivo, relativamente ao período de dezembro de 2016, decorrente da existência, na sua perspetiva, de erro na determinação da percentagem de dedução do pro rata.

E em consequência, pugna pela (o)

a) Anulação parcial da autoliquidação de IVA que resultou da aplicação da percentagem de dedução de 4% aos "custos" comuns e residuais, percentagem essa que foi determinada de acordo com as instruções (alegadamente ilegais) constantes do Ofício-Circulado n.º 30108, quando a percentagem de dedução (no entender da Reclamante) deveria corresponder a 9%, por aplicação dos n.º 1 a 4 do artigo 23.º do CIVA e do artigo 174.º da Diretiva IVA e, consequentemente, defende ser devida a restituição à Reclamante do valor do IVA (alegadamente) pago em excesso, no montante de € 703.670,13,

b) Direito a juros indemnizatórios. por entender (no caso de deferimento da presente Reclamação Graciosa) estarem preenchidos os pressupostos do artigo 43.º da LGT.

 

v.1.2. Síntese das alegações da Reclamante

26. Após uma exposição sucinta sobre a tempestividade e adequação do meio deduzidos, a Reclamante apresenta a descrição da situação, bem como os fundamentos que a levam a pugnar pelo deferimento da sua pretensão.

27. Trotando-se o IVA de um imposto harmonizado pelo sistema comunitário, a Reclamante começa por enquadrar as operações de Leasing e ALD na designada Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006), mais precisamente no artigo 73.º, que define o valor das operações como o montante da contraprestação a receber em relação às mesmas (cf. pontos 43.º a 45.º da petição em análise).

28. No caso de locação financeira a contraprestação consubstancia-se na renda, assumindo esta uma natureza unitária, face à inutilidade de se cindir as suas diversas componentes para efeitos de determinação do valor tributável, sobre o qual recai a incidência de IVA, devendo esse valor corresponder a "renda recebida ou a receber do locatário", nos termos dispostos na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVAA.

29. No entender da Reclamante, desde que não esteja em causa qualquer isenção legalmente prevista, as rendas de contratos de locação financeira são integralmente sujeitas a IVA - tributação unitária – quer na parte que respeita à amortização financeira ou do capital, quer na parte correspondente aos juros e a remuneração de outros encargos?

30. Todavia, no que concerne à aplicação do regime de dedução parcial, a Reclamante alega que a posição preconizada pela AT não é concordante com as normas comunitárias transpostas para o normativo nacional aplicável (CIVA)6.

31. Isto porque, o método da percentagem de dedução - pró rate - respeitante ao IVA dos bens e serviços utilizados por um sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito a dedução, como operações sem direito a dedução, ou seja, com utilização mista, se encontra formulado nos artigos 173.º a 175.º da Diretiva IVA, e tem caráter imperativo para efeitos de determinação do IVA, proporcionalmente dedutível, traduzindo-se no cálculo que resulta de uma ração que inclui os seguintes montantes?:

- no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução; e

- no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e as operações que não confiram direito à dedução.

32. De seguida, o sujeito passivo defende o afastamento da aplicabilidade do único método estabelecido no normativo nacional como alternativo ao pró rate, e que encontra acolhimento expresso no artigo 23.º do CIVA, o da dedução parcial do IVA com base na afetação real dos bens ou serviços adquiridos.

33. E fá-lo por inobservância (segundo a Reclamante) dos respetivos pressupostos de aplicação, definidos nos termos dos n.ºs 2 e 3 da mesma norma, uma vez que a Reclamante não só não optou pelo método da afetação real, como apenas exerce uma única atividade. Ainda que se verificasse esta última condição, era necessário que, cumulativamente, a aplicação do método pro rata conduzisse a distorções significativas na tributação".

34. Pelo que, não se verificando os pressupostos preceituados no n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, referentes ao exercício de atividades económicas distintas, bem como à ocorrência de distorções na tributação, a Reclamante defende que a AT não pode impor a adoção do método da afetação real.

35. Ainda assim, ressalva a Reclamante, a aplicação do método alternativo à aplicação do pro rata, se enquadrável no caso em apreço, consistiria na afetação (utilização efetiva) dos bens ou serviços adquiridos pelas diversas operações ativas, em função da utilização efetiva dos mesmos e não na utilização de quaisquer fórmulas de cálculo da percentagem de dedução "à medida" das Autoridades Tributárias e divergente das instituídas, quer no normativo comunitário?

36. E, deste modo, entende que as normas regulamentares do Ofício Circulado n.º 30108 são invalidas, por padecerem de ilegalidade sustentada na imposição do método da afetação real quando não se verificam os pressupostos legalmente determinados e que legitimam tal imposição."

37. A Reclamante considera, ainda, ilegal a aplicação de uma percentagem de dedução calculada com exclusão de uma parte do valor das operações de locação financeira (a componente de amortização do capital) para efeitos de IVA (leia-se, para cálculo do pró rara), divergindo da fórmula única e injuntiva prevista no artigo 174.º da Diretiva IVA e nos n.ºs 4 e 5 do artigo 23.º do CIVA.

38. Entende o sujeito passivo estar perante uma posição desprovida de qualquer base legal, por colidir e ser incompatível com as normas constantes do artigo 23.º do CIVA, conjugado com os artigos 173.º e 174.º da Diretiva comunitária, ao caso aplicável".

39. Concluindo no sentido de que o procedimento adoptado pela Reclamante, "(...) em estrito cumprimento da obrigação imposta pela Autoridade Tributária e Aduaneira (...)" se apresenta em desconformidade com o sistema comum do IVA."

40.A fim de sustentar a sua posição, a CEMG invoca diversas decisões do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), nomeadamente, nos pontos 85.º a 147.º da sua exposição.

41. Face ao exposto, e por entender que é ilegal a aplicação da restrição, imposta pela AT. no critério utilizado na determinação da percentagem de dedução do imposto, veio a Reclamante interpor a presente Reclamação Graciosa, pugnando pela anulação parcial da autoliquidação de IVA por si efetuada, relativamente ao período de 2016, e que, em seu entender, originou uma entrega em excesso de imposto ao Estado, no montante total de €703.670,13.

 

V. 1.3. Apreciação do mérito

42. Após análise do requerimento de Reclamação Graciosa, cumpre tecer as seguintes considerações quanto aos fundamentos invocados pelo sujeito passivo para sustentar a sua posição.

43. De facto, tendo em consideração o invocado, conclui-se que a questão em causa se reconduz em aferir a eventual ocorrência de erro no apuramento da percentagem de dedução definitiva do IVA referente aos bens e serviços de utilização mista, relativos ao período de 2016, nomeadamente, com a consideração do valor referente ao capital das rendas aturadas no âmbito dos contratos de locação financeira para determinação do pro rata do respetivo período de tributação.

44. A pretensão da Reclamante traduz-se na anulação parcial da autoliquidação de IVA, subjacente à declaração periódica n.º..., correspondente ao período de dezembro de 2016 (1612), alegando a entrega em excesso da importância de € 703.670,13, a acrescer juros indemnizatórios. por considerar tratar-se de um erro na autoliquidação decorrente do cumprimento de instruções administrativas emitidas pela AT e, consequentemente, imputável a esta.

45. No caso concreto, estamos perante operações de locação financeira mobiliário, pretendendo-se aferir a legalidade, face às normas de direito comunitário ou de direito interno, da exclusão do cálculo da percentagem de dedução da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas considerando o montante de juros e outros encargos aturados.

46. Antes de procedermos à apreciação do mérito da presente Reclamação Graciosa, importa aludir ao facto da Reclamante se enquadrar, em sede de IVA, no regime normal, com periodicidade mensal, assumindo a natureza de sujeito passivo "misto".

47. Assume a natureza de sujeito passivo misto devido ao facto de realizar operações financeiras que não conferem o direito à dedução de IVA. por se encontrarem isentas ao abrigo do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA e operações com liquidação de IVA, como acontece, por exemplo, com as rendas e ALD, que conferem direito à dedução do IVA suportado.

48. A Reclamante realiza ainda outras operações financeiras ou acessórias que conferem, igualmente, o direito a dedução de IVA, em conformidade com o disposto no artigo 20.º do CIVA.

49. No conjunto das operações que conferem direito à dedução de IVA, integram-se os contratos de locação, nos quais a Reclamante assume a posição de locadora e, nessa qualidade, adquire os bens (ou o financiamento para a sua aquisição) que são objeto desses contratos, acrescidos de IVA, sendo os mesmos entregues aos respetivos locatários para seu uso e fruição.

50. Em contrapartida, a Reclamante atura rendas aos locatários, às quais acresce o IVA.

51. No que se refere às aquisições de bens e serviços de utilização mista, em razão de terem sido indistintamente afetas às diversas operações desenvolvidas pela Reclamante, para efeitos do exercício à dedução, entende dever aplicar-se o método geral e supletivo da percentagem de dedução - também designado por pro rata - nos termos estatuídos na alínea b) do n.º 1 e do n.º 4, ambos do artigo 23..º do CIVA.

52. No exercício de 2016, acompanhando o entendimento preconizado pela AT, a Reclamante afirma não ter considerado quer no numerador, quer no denominador, da fórmula de cálculo do pro rata o valor do capital das rendas de locação financeira, apurando uma percentagem de dedução definitiva de 2%, a que correspondeu uma regularização de € 639.773,43.

53. De facto, não obstante a Reclamante insistir no apuramento dum quociente de imputação de 4%, a verdade é que na declaração periódica de dezembro de 2016 (n.º...), a regularização de € 639.773,43 que consta do quadro 3 do Anexo 40, por aplicação do disposto no art.º 23.º do CIVA, foi supostamente efetuada com o quociente de 2%.

54. A revisão do quociente de imputação de 2% para 4% é uma pretensão sua, efetuada através do expediente de reclamação graciosa, conforme descrito no parágrafo 16 da petição, e como tal não traduz a actualidade e a situação jurídico-tributária vigente.

55. Igualmente desconcertante é o montante que a Reclamante afirma ter regularizado, supostamente de € 562.936.10, que, conforme já referimos, não corresponde ao montante inscrito na declaração periódica.

56. Porém, a questão central da sua pretensão é a não inclusão da componente de amortização de capital relacionada com as operações de Leasing e ALD. o que conduziria ao apuramento de uma percentagem de dedução de 9%, contra os 4% refletidos na declaração periódica de IVA relativa ao período de dezembro de 2016, o que significaria uma dedução equivalente ao montante de € 1.266.606,23.

57. Efetuado o necessário enquadramento factual, procede-se à análise, propriamente dita, dos argumentos aduzidos pela Reclamante, com vista a apreciação do mérito da Reclamação Graciosa.

58. Face à questão em análise nos presentes autos, importa ressalvar que não se considera existir qualquer erro no preenchimento da declaração, consubstanciado em erro no apuramento do pro rata de dedução, e bem assim, não se vislumbra a existência de qualquer ilegalidade quanto ao entendimento defendido na mencionada instrução administrativa.

59. Com efeito, o apuramento da percentagem de dedução efetuado pelo sujeito passivo está em perfeita concordância com as normas de direito comunitário e interno, pelo que, não se afigura assistir razão à Reclamante quanto à pretensão formulada no seu requerimento inicial.

60. O Ofício-Circulado n.º 30108 de 30 de janeiro de 2009, do Gabinete do Subdiretor-Geral - Área de Gestão Tributária do IVA, veio contemplar a doutrina defendida pela então DGCI (atual AT) que visou (...) divulgar a correia interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a atividade de Leasing ou de ALD (...)"

61. Da leitura do mesmo, conclui-se que o apuramento da percentagem de dedução definitiva antes referida, 4%, foi efetuado, pela Reclamante, em perfeita concordância com os termos aí previstos, que se transcrevem:

"(...) 7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a "distorções significativas na tributação", os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação especifico, tendo em conta os valores envolvidos devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nó. 4 do artigo 23º do CIVA. (...)"- sublinhado nosso.

62. Isto é, a percentagem de dedução inicialmente apurada não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, mas antes assenta na aplicação do método de afetação real, atreves da utilização de um critério de imputação objetivo, tendo em conta os valores envolvidos nas operações desenvolvidas no âmbito das atividades de Leasing ou de ALD.

63. A título prévio importa efetuar o enquadramento jurídico-tributário do contrato aqui em análise, que está subjacente à prestação de serviços de Leasing, o contrato de locação financeira.

64. A base jurídica de qualquer modalidade de contratos de locação encontra-se plasmada, em termos gerais, nos artigos 1022.º a 1114.º do Código Civil. Não obstante, e porque se trata de um tipo particular de locação, importa atender ao previsto no regime jurídico especialmente criado para este tipo de contratos, que vem consagrado no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, com as subsequentes alterações.

65. De acordo com o artigo 1.º do referido D.L., a locação financeira é o "(...) contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados."

ss. Nesse sentido, António Menezes Cordeiro afirma que a "(...) locação financeira é o contrato pelo qual - o locador financeiro - concede a outra - o locatário financeiro - o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio tocador, a um terceiro, por indicação do locatário (...)"

67. Trata-se, portanto, de um contrato comummente utilizado como forma de proporcionar crédito bancário, pelo qual, a instituição financeira, perante solicitação do interessado, adquire o bem em causa e cede-o a este em locação, ficando o mesmo, obrigado a pagar uma "(...) retribuição que traduza a amortização do bem e os juros; no final, o locatário poderá adquirir o bem pelo valor residual ou celebrar novo contrato; poderá, ainda, nada fazer."15

68. Daqui decorre que. o objeto deste tipo de contrato não é a transferência da propriedade, mas sim a cedência, pela locadora do uso do bem, isto é, a locadora obriga-se a prestar um serviço, traduzido na disponibilidade do bem em causa, recebendo em contrapartida, uma prestação, sem prejuízo, de nele se poder prever a opção de compra no anal do contrato, a favor do locatário, por um valor residual fixado por acordo das partes.

69. Atenta esta qualificação jurídica e transpondo-a para a perspetiva tributária, conclui-se que a locação financeira constitui uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, e efetuada pelo sujeito passivo no âmbito de uma atividade económica.

70. Efetivamente, no caso das operações de locação, dúvidas não restam de que, a respetiva contrapartida se concretiza nas rendas auferidas peça entidade que assume a posição contratual de locadora.

71. No entanto, não podemos abstrair-nos do facto de essas operações de locação (Leasing e ALD) consubstanciarem uma modalidade de crédito, pelo que a atividade da entidade locadora é, em substância, a concessão de financiamento, cuja contrapartida remuneratório é constituída, essencialmente, por juros e outros encargos incluídos nas rendas.

72. Refere a Reclamante, invocando o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, que a contraprestação decorrente deste tipo de contratos (rendas) goza de uma natureza unitária na medida em que o valor tributável em sede de IVA corresponde ao valor da renda recebida ou a receber (cf. ponto 47.º da petição de Reclamação Graciosa).

73. Razão pela qual as rendas decorrentes de contratos de locação financeira (desde que não seja aplicável uma isenção) são, de facto, integralmente sujeitas a IVA.

74.A esse propósito, deve ter-se presente que, um dos objetivos do legislador nesta meteria, foi assegurar o cumprimento do princípio da neutralidade fiscal, na vertente de princípio da igualdade que. no caso concreto, se consubstancia no facto de ser assegurado um tratamento fiscal equivalente, no sentido de igual onerosidade, em relação aquele que adquire um bem através de um contrato de locação financeira, face a outra pessoa que o adquire diretamente.

75. Ora, o facto do valor integral da renda, pago pelo locatário ao locador, constituir o valor tributável sobre o qual incidirá IVA tal não significa que a parte integrante da renda, correspondente a amortização financeira ou do capital tenha de ser incluída no cômputo do apuramento da percentagem de dedução, conjuntamente com a parte correspondente aos juros e outros encargos.

76. Desde logo, porque a renda constitui o pagamento do serviço de concessão de financiamento ao locador, sendo composta por duas partes capital ou amortização financeira, que mais não é que o reembolso da quantia "emprestada" e juros, acrescidos de eventuais encargos que constituem a remuneração do tocador.

77. Note-se que, na perspetiva da operação enquanto operação de concessão de financiamento, o valor de aquisição do bem objeto de contrato de locação corresponde ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo tocador ao locatário.

78. Sendo que, no momento da aquisição desse mesmo input, o sujeito passivo (locador) exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objeto do contrato de locação, por via do método da imputação direta.

79. Razão pela qual, não pode deixar de ser excluída do cálculo da percentagem de dedução a parte da amortização financeira incluída na renda, sendo-lhe aplicável o método de afetação real com recurso a um critério de imputação objetivo, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem.

80. Logo, à luz do princípio da neutralidade em que assenta o sistema deste imposto, fácil se torna perceber que a incidência do IVA sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi já deduzido pelo sujeito passivo.

81. Por outro lado, a inclusão no rácio entre operações com e sem direito à dedução da componente relativa à restituição do capital (amortização financeira), enquanto parte integrante da renda, provoca um aumento injustificado na percentagem de dedução definitiva, atendendo a que será significativa e positivamente influenciada por via de uma mera restituição de um financiamento, cujo bem subjacente foi já objeto de liquidação e dedução de IVA no momento da aquisição.

82. Este facto gerará deduções acrescidas para o sujeito passivo relativamente à generalidade dos inputs de utilização mista, por via da utilização de um coeficiente, que nessa medida, se apresenta como exagerado face à realidade das operações tributáveis.

83. A atividade principal da locadora não consiste na compra e venda de bens. mas tão só na concessão de credites a terceiros para aquisição desses bens, ainda que se substitua aos destinatários dos bens na aquisição, reservando para si o direito de propriedade, e dessa atividade obter, fundamentalmente, juros.

84. Deste modo, torna-se compreensível que no cálculo do mencionado coeficiente de imputação específico, aplicável ao caso objeto de análise e, em harmonia com o entendimento da AT, deve considerar-se, apenas, o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, uma vez que, através do método de imputação direta o IVA da parte relativa ao capital é integralmente deduzido.

85. E, é apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução.

86. Se assim não fosse, permitia-se um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido com a generalidade dos bens ou serviços com utilização mista adquiridos pelo sujeito passivo.

87. O entendimento da AT pugna, assim, pela inadmissibilidade do exercício do direito à dedução ilegítimo, na medida em que, a eventual execução do procedimento defendido pela Reclamante colocaria em causa a neutralidade pascal inerente à mecânica do IVA.

88. Acresce que o método do pró rara previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, e que a Reclamante pretende ver aplicado, não tem mérito para medir o grau de utilização que as categorias de operações, com e sem direito à dedução, fazem dos bens e serviços que lhe são indistintamente alocados (utilização mista) e, consequentemente, não pode ser utilizado para determinar a parcela dedutível, cuja liquidação foi efetuada a montante por outros operadores económicos que se situam na fase imediatamente anterior do circuito económico.

89. São dois os métodos de dedução previstos no artigo 23.º do CIVA.

90. Por um lado, o denominado método da afetação real, que "(...) consiste na aplicação de critérios objectivos, reais, sobre o grau ou a intensidade de utilização dos bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito. É de acordo com esse grau ou intensidade da utilização dos bens, medidos por critérios objectivos, que o sujeito passivo determinará a parte do imposto suportado que poderá ser deduzida. Os critérios estão sujeitos (...) ao escrutínio da Direcção-Geral dos Impostos, que pode vir a impor condições especiais ou mesmo a fazer cessar o procedimento de afectação real, no caso de se verificar que assim se provocam ou se podem provocar distorções significativas de tributação. (...)".

91. Por outro lado, o método da percentagem de dedução ou pró rara, definido na alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 23.º, e desenvolvido nos n.ºs 4 a 8 do mesmo preceito legal.

92. No fundo, trata-se de uma dedução parcial, que se traduz no facto do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços utilizados num e noutro tipo de operações, apenas ser dedutível na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução.

93. Neste caso, a percentagem de dedução a aplicar é calculada provisoriamente com base no montante de operações realizadas no ano anterior (pró raia provisório), sendo corrigida na declaração do último período do ano a que respeita, de acordo com os valores definitivos de volume de negócios referente ao ano a que reportam, determinando a correspondente regularização do pro rata definitivo.

94. Ora, com a alteração introduzida ao artigo 23.º do CIVA peta Lei n.º 67-A/2007 de 31 de dezembro, tais procedimentos foram "estendidos" ao método da afetação real, nomeadamente, aos casos em que o mesmo é imposto pela Administração Tributária, quer para as situações em que o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas, quer para os casos em que se apure que a utilização dos demais métodos pudera originar distorções significativas na tributação, conforme dispõe o n.º 3 do artigo em análise.

95. O que se mostra perfeitamente justificável, e em nada contraria o sistema comum de IVA. De facto, de um ano para o outro pode mudar o grau de utilização dos bens no regime da afetação real e os critérios objetivos de apuramento do mesmo.

96. É precisamente no âmbito dos poderes conferidos à Administração Tributária pela alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º CIVA, que tem por base a faculdade que vinha conferida na alínea c) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva. que se enquadra o Ofício-Circulado n.º 30108, aqui em discussão, prevendo uma solução que permita afastar a possibilidade de ocorrência de distorções significativas, quando estamos perante sujeitos passivos que realizem operações de locação financeira e ALD.

97. Assim, o Ofício-Circulado no seu ponto 9. prescreve que "Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos furos e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23º do CIVA" (sublinhado nosso).

98. Ou seja, a AT veio estabelecer a adoção de critérios mais adequados que permitam aferir com maior objetividade o grau de afetação de bens e serviços de utilização mista, nos casos como o presente.

99. Importa ressalvar que a adoção do critério referido é demonstrativo que a AT admite a existência de algum grau de afetação dos recursos integrantes do conceito de despesas gerais incorridas pelos bancos no âmbito da celebração deste tipo de contratos, muito embora, seja um facto notório que, por norma, as operações desta natureza exigem uma utilização de recursos técnicos e administrativos bastante menos relevante que aqueles que se encontram afetos às atividades principais desenvolvidas pelas instituições bancárias como a Reclamante.

100. Por outro ado. tal não significa que os sujeitos passivos sejam obrigados a seguir o entendimento preconizado no Ofício-circulado, aplicando o critério nele definido, com efeito, como decorre do mesmo, a AT aceita que as instituições financeiras recorram a outros critérios de afetação real, desde que, os mesmos se mostrem idóneas ao fim pretendido.

101. Posto isto, a questão que se coloca é saber se o procedimento adorado pela Administração está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial o artigo 16.º e 23.º do CNA, bem como com os artigos 174.º e 175.º da Diretiva.

102. Esta instrução administrativa veio contemplar a doutrina defendida pela então DGCI (atual AT) que visou "(...) divulgara correcta interpretação a darão artigo 23.º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a actividade de Leasing ou de ALD (...)", procurando afastar algumas dificuldades interpretativas suscitadas pela redação do artigo 23.º do CIVA, harmonizando-o com a doutrina e jurisprudência comunitárias.

103. Não obstante, grande parte da doutrina nele preconizada, já vinha sendo aplicada pela Administração Tributária antes mesmo da sua publicação."

104. A questão principal que se dirime, nesta sede, foi já objeto de apreciação por parte do TJUE, sendo que, o entendimento nele preconizado confirma a posição que tem vindo a ser assumida pela AT relativamente a esta matéria.

105. Conforme refere Ténia Meireles da Cunha" "Neste contexto, o TJUE entendeu que o direito interno (concretamente o ar. 23º nºs 2 e 3, do CIVA, na redação vigente) legitima a actuação da AT, no sentido de derrogar a regra de cálculo do pró raia prevista na Sexta Diretiva.

o entendimento do TJUE foi no sentido de que o acervo normativo em causa, considerando os princípios que conformam o IVA (designadamente os da neutralidade e da proporcionalidade) e considerando que o cálculo de um quociente de dedução deverá ser o mais possível aproximado da realidade (apesar de alguma margem de erro que o caracteriza, por definição), não se opõe a que os EM apliquem um método ou um critério diferente do volume de negócios, se este método for o mais preciso. No caso em concreto, o TJUE entendeu que o método que a AT portuguesa definiu é, em princípio, mais preciso do que o previsto na Sexta Diretiva, dado que considerou apenas a parte das rendas pagas que servem para compensar a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo tocador."

106. Sendo que este entendimento veio. necessariamente, a ter acolhimento pelos nossos tribunais superiores, nomeadamente no âmbito dos processos onde havia sido solicitado o reenvio prejudicial para o referido tribunal.

107. Na verdade, a componente de capital contida nas rendas não deve onerar o cálculo da percentagem de dedução, uma vez que não constitui rendimento da atividade do sujeito passivo, ao invés do que sucede com as demais variáveis que integram a formula, sendo que, a sua consideração, provocaria distorções significativas na tributação, também desvirtuaria o próprio método do pró rate e todo o sistema de dedução do IVA, ao reconhecer como dedutíveis, custos que não contribuíram, para a realização de operações tributadas.

108. só assim é alcançada a neutralidade do imposto.

109. Não são todas as operações tributadas elou não tributadas que devem ser integradas na fórmula, mas apenas aquelas que, realizadas no âmbito de uma atividade económica realizada pelo sujeito passivo, tenham utilizado custos comuns para gerar valor acrescentado (no caso da locação financeira, advém da cedência do uso do bem objeto do contrato, através da qual o locador obter rendimentos, sob a forma de juros).

110. Ora, consubstanciando a componente das rendas correspondente à amortização financeira, um mero reembolso de capital, que nesse sentido, não gera qualquer valor acrescentado, só a título muito diminuto é que os custos comuns suportados pelo locador numa operação de locação financeira, poderão, eventualmente, contribuir para a sua realização. Se não contribuíram para a amortização financeira, não lhe podem ser imputáveis.

111. Face a tudo o que ficou dito, não subsistem dúvidas que o procedimento adoptado pela Administração Fiscal está de acordo com as normas internas e comunitárias e nenhuma ilegalidade se lhe pode assacar.

112. De facto, o n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva (que corresponde ao atual artigo 174.º da Diretiva IVA) consente aos Estados-Membros opções em relação ao apuramento do IVA dos "inputs promíscuas", autorizando ou impondo que utilizem determinados métodos especificas de dedução do IVA quando as circunstâncias o justifiquem."

113. Em consonância com essa permissão está o disposto no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3, ambos do artigo 23.º CIVA.

114. Estas regras que regem o direito à dedução constam das diretivas que disciplinam o sistema comum de IVA, estando também em consonância com as normas contidas no CIVA.

115. Face ao exposto, fica inequivocamente demonstrado que o método adorado pela Reclamante, e que agora pretende alterar, é o único que se mostra adequado para efeitos de exercício do direito à dedução, permitindo, com as especificidades constantes do Ofício-Circulado n.º 30108, afastar as distorções na tributação, que de outra forma seriam manifestas, conforme amplamente se demonstrou e se encontra referido na norma em causa.

116. Sendo este facto, por si só, justificativo para a imposição da obrigatoriedade da sua utilização, já que dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do CIVA não resulta que este poder, conferido à AT, esteja dependente da verificação cumulativo das duas alíneas do último número indicado, ou seja, além das distorções na tributação, a prática, pelo sujeito passivo, de atividades económicas distintas.

117. Reforçando o exposto, acresce que importa atentar ainda na forma de contabilização das duas componentes que integram a renda paga.

118. Por um lado, o locador deverá refletir o valor do bem, como um crédito que é reembolsado através das amortizações financeiras deve ser registada como crédito, e a restante parte (os juros e demais encargos), devem ser relevados como proveitos. Logo resulta daqui, que a amortização financeira visa tão só a redução de um crédito, enquanto os juros, irão influenciar o resultado do exercício.

119. Razão pela qual, no caso das Instituições de Crédito e de outras instituições financeiras, o conceito de volume de negócios, estatuído na alínea a) do n.º 3 do artigo 5º do Regulamento (CE) n.º 139/2004, do Conselho de 20 de Janeiro, não contempla a parte correspondente à amortização financeira.

120. Pese embora, a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, regra que, nas operações de locação financeira, o valor tributável corresponde à renda recebida no seu todo, a verdade é que a parcela correspondente à amortização financeira, não assume a natureza de proveito, e como tal, não integra o conceito de volume de negocies nas instituições de credito, e dai que não possa influenciar o cálculo da percentagem de dedução."

121. A posição da AT encontra perfeito acolhimento quer nos principies constitucionais, quer no espírito e principies disciplinadores do mecanismo do exercício do direito à dedução, constante quer da jurisdição comunitária, quer do quadro normativo nacional, que não é mais do que uma transposição das normas jurídicas comunitárias.

122. A este respeito, cumpre esclarecer que, as orientações plasmadas no ponto 9. do Ofício-Circulado n0 30108 mais não fazem do que contribuir para a praticabilidade dos desígnios constitucionais plasmados nos artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), sendo um fator decisivo para garantir e tutelar a confiança dos contribuintes.

123. De facto, as orientações administrativas constantes de circulares ou ofício-circulados são relevantes para a adequada prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses dos contribuintes - artigo 266.º da CRP e artigo 55.º da LGT.

124. A importância das referidas orientações resulta, desde logo, do facto da "actividade tributária [ser] hoje uma actividade massiva, que envolve o tratamento de milhares de casos, geralmente traduzidos em declarações iscais dos contribuintes e nesse contexto é elemento imponente da segurança jurídica o conhecimento prévio da organização implementada para tratar desses casos, dos critérios e dos procedimentos que adora, dado que, designadamente, permite aos particulares perante um problema ou uma dúvida saber, caso exista regulamento interno sobre essa matéria, como, em princípio, vai ser resolvido esse caso pelos funcionarias a quem cabe aplicara lei'".

125. Acrescentando Casalta Nabais25, que, no recorte dogmático do princípio da legalidade fiscal, entende "chamar aqui à colação, enquanto limite à determinabilidade requerida pelo princípio da tipicidade fiscal, (...) o princípio da praticabilidade, o qual implica que o legislador não vá tão longe na determinação das soluções legais quanto seria de exigir, permitindo à administração uma dada margem de livre decisão, sob pena de nos depararmos com soluções impraticáveis no sentido de economicamente insuportáveis (...). Dai que, em face à realidade das situações cujo grau de diferenciação e individualização não é possível de acompanhar por razões de ordem prática, nomeadamente petos custos insuportáveis ou inadequados que implicam, se apele á edição de normas de simplificação, seja em sede legislativa, seja em sede administrativa, através das quais se proceda à tipificação (ou tipi(ci)zação), globalização ou estandardização, assumindo como regra o que é típico, normal, provável (...) sendo que, para o Autor, «o princípio da praticabilidade ainda pode contribuir para uma atenuação das exigências da determinabilidade do princípio da legalidade pascal (...), constituindo-se em suporte para o legislador utilizar conceitos indeterminados (...) ou conceder mesmo faculdades discricionárias, o que de resto se verifica em toda a parte e que, entre nós, tem diversas manifestações

126. A posição da Administração Tributária, em momento algum, põe em causa, quer as normas internas, quer comunitárias relativas ao direito à dedução, conforme já ficou amplamente elucidado, jamais procurando alterar ou violar as regras jurídicas que lhe deram origem.

127. O facto de no Ofício-Circulado n.º 30108 se esclarecer o método a utilizar, para além de contribuir para promover a segurança jurídica, permite ainda, a realização efetiva das finalidades do direito à dedução, garantindo deste modo o princípio da neutralidade e da justiça fiscal em relação a todos os sujeitos passivos.

28. Face ao exposto, ressalvado o devido respeito pelo decidido pelo CAAD, no âmbito dos processos indicados pela Reclamante na petição, não podemos concordar com o entendimento ali sufragado, acompanhando, na integra a jurisprudência do TJUE e. necessariamente, acolhida pelo STA.

129. Importa realçar que a decisão do TJUE tem valor de caso julgado, sendo vinculativa, não apenas para o tribunal que solicitou a sua pronúncia a título prejudicial, como para os restantes tribunais e instâncias equiparadas que julgam a causa em sede de recurso2'5, vinculando ainda, por uma questão de uniformidade, todas as jurisdições nacionais dos Estados-Membros.

130. Tratando-se de um acórdão interpretativo relativo ao n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva (aluai artigo 173.º n.º 2 da Diretiva IVA). o qual foi transposto para o nosso direito interno através do artigo 23.º do CIVA, a interpretação nele preconizada deve ser aplicada pelos tribunais nacionais com o sentido e o alcance ali definido, neles se incluindo o CAAD.

131. Nestes termos, conclui-se que o entendimento que consta do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, não viola quaisquer normativos internos ou comunitários em matéria de IVA, não padecendo, nessa medida, de quaisquer dos vícios invocados pela Reclamante.

V.1.4- Conclusão e Proposta de Decisão

132. Face ao exposto, conclui-se peta improcedência dos argumentos invocados pela Reclamante no que respeita a esta questão, devendo ser indeferida a sua pretensão.

 

NNN.    Em 30-01-2009, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício-Circulado n.º 30.108, publicado em

http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/Documents/OficCirc_30108.pdf, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23º do CIVA.

 

OOO.    Em 09-07-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, os que constam do processo administrativo e no esclarecimento apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira quanto à primeira declaração apresentada.

Para além disso, a decisão da matéria de facto baseou-se no alegado pela Requerente que não é questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3. Questão da incompetência para condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento da quantia de € 703.670,13

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da incompetência do Tribunal Arbitral para condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento da quantia de € 703.670,13, como é peticionado.

As razões pelas quais a Autoridade Tributária e Aduaneira suscita esta questão são as seguintes, em suma:

– não pode o Tribunal condenar a AT na concreta anulação do montante de imposto indicado pela Requerente, mas tão só na anulação parcial da liquidação de IVA correspondente à correcção contestada pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, sendo o concreto valor de imposto a anular apurado em sede de execução de julgados;

– do artigo 24.º do RJAT, a definição dos actos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.º do CPPT e artigos 173.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

– uma interpretação em sentido diferente seria materialmente inconstitucional por violar o princípio do acesso à justiça, da igualdade de tratamento, da tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 13.º e 20.º da CRP e por violar o princípio da legalidade;

– a letra da lei é clara, limitando-se a decisão à apreciação da legalidade da liquidação e cabendo a quantificação das consequências à Autoridade Tributária, até porque, em sede de IVA, está-se perante um sistema de conta corrente em que vários outros elementos têm de ser ponderados na medida em que se reflectem em declarações de outros períodos para além do que aqui está em causa.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, "restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito", o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que "a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão".

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão "declaração de ilegalidade" para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que "o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária".

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação e declaração de nulidade ou inexistência de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido" e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que "se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea".

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que "é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário", deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de um montante a reembolsar, que é a sua base de cálculo, tem de se concluir que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange a condenação no pagamento de quantias indevidamente pagas na sequência de anulação dos actos de liquidação ou de autoliquidação que foram fundamento do pagamento.

Diferente desta questão da competência é a de saber se no processo arbitral existem todos os elementos necessários para quantificar o montante a reembolsar na sequência da anulação do acto impugnado, que, no caso de resposta negativa, impede o tribunal arbitral de proferir uma condenação em quantia certa.

Quanto à violação do princípio do acesso à justiça, da igualdade de tratamento, da tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 13.º e 20.º da CRP, não se vislumbra como possam ser afectados por esta interpretação, já que os princípios acesso à justiça e da tutela jurisdicional efectiva, são assegurados, precisamente, com a possibilidade de os Tribunais proferirem condenações e o princípio da igualdade impõe que aqueles que preferem recorrer à justiça arbitral sejam tratados de forma idêntica àqueles que preferem apresentar as suas pretensões aos Tribunais estaduais.

Quanto ao princípio da legalidade, não se vê que seja violado, pois não exige que a interpretação se cinja ao teor literal (como é princípio basilar da interpretação jurídica enunciado no n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil), e a interpretação correcta das normas aplicáveis é a que acima se adoptou.

Improcede, assim, esta excepção.

 

4. Matéria de direito

               

A Requerente é uma instituição financeira, sujeito passivo de IVA, que, para cálculo do pro rata de dedução definitivo respeitante ao ano 2016, relativo a bens e serviços de utilização mista, não considerou os valores relativos às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira que celebrou, em sintonia com a orientação que consta do ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, que estabelece que deve ser aplicado «um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD».

A Requerente entende que, com a aplicação desta orientação, deduziu menos IVA do que aquele a que tinha direito, havendo entrega de um valor de prestação tributária em excesso e, em 28-12-2018, apresentou uma reclamação graciosa, manifestando a sua pretensão de ser permitida a regularização de IVA a favor da Requerente referente ao período de 2016, no montante global de € 703.670,13.

Na reclamação graciosa a Requerente defendeu que havia erro na autoliquidação que efectuou relativamente ao período de dezembro de 2016, em que apurou a percentagem de dedução de 4%, a qual teve por base uma posição da Autoridade Tributária e Aduaneira que padece de ilegalidade na medida em que a percentagem de dedução apurada para aplicação ao IVA incorrido com os recursos comuns configura critério de dedução não previsto na lei.

Defendeu a Requerente, na referida reclamação graciosa, que devia ter incluído as amortizações financeiras do leasing no cálculo da percentagem de dedução, que passaria a ser de 9%.

 

4.1. Enquadramento da questão e posições das Partes

 

Os artigos 173.º e 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelecem o seguinte:

Artigo 173.º

1. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.

2. Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes:

a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses sectores;

b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;

c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do n.º 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;

e) Estabelecer que não seja tomado em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o respectivo montante for insignificante. Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

 

Artigo 174.º

1. O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:

a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º;

b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

Os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º.

2. Em derrogação do disposto no n.º 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:

a) O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;

b) O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;

c) O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias.

3. Quando façam uso da faculdade prevista no artigo 191.º de não exigir a regularização em relação aos bens de investimento, os Estados–Membros podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pro rata de dedução.

 

O artigo 23.º do CIVA estabelece o seguinte, no que está em causa no presente processo:

Artigo 23.º

Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista

1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;

b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

A Requerente é uma instituição de crédito que desenvolve concomitantemente actividade de locação financeira e ALD.

É um sujeito misto para efeitos de IVA, desenvolvendo operações sujeitas – designadamente as relativas à locação financeira mobiliária (leasing e ALD) - e operações isentas – nomeadamente operações de financiamento/concessão de crédito, que beneficiam da isenção prevista no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA.

O Ofício Circulado n.º 30108 estabeleceu, para este tipo de instituições que desenvolvem concomitantemente estes tipos de actividades, um regime especial relativo ao exercício do direito à dedução, por entender que «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”» (ponto 8).

Por um lado, esse regime consiste, em primeira linha, em impor a este tipo especial de sujeitos passivos, relativamente aos bens de utilização mista, a dedução segundo a afectação real, nos termos do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, «com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades».

Em segunda linha, no ponto 9 daquele Ofício Circulado n.º 30108, ainda «na aplicação do método da afectação real», estabelece-se que «sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD».

Em suma, regime especial previsto no Ofício Circulado consiste em impor a este tipo de sujeitos passivos a dedução segundo a «afectação real», que deverá ser efectuada de duas formas:

– preferencialmente, «com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades»;

– sempre que tal não seja possível, a «afectação real» será efectuada utilizando um «coeficiente de imputação específico», que é determinado calculando a percentagem de dedução apenas com base no montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, e não, como resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º, com base em «todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica».

A Requerente na autoliquidação relativa ao mês de Dezembro de 2016 aplicou a regra que consta do ponto 9 do referido Ofício Circulado, tendo no cálculo do pro rata de dedução definitivo, previsto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, relativo a bens de utilização mista, excluído do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras dos bens locados, pois não considerou «viável determinar um ou vários critérios objectivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afectação real», como se indica no ponto 8 do Ofício Circulado.

Posteriormente, a Requerente constatou que, se tivesse incluído as amortizações financeiras do leasing no cálculo do critério de dedução, seria encontrada a percentagem de dedução de 9%, em vez de 4%.

A Requerente apresentou uma reclamação graciosa da autoliquidação relativa ao último período de 2016, defendendo, em suma, que a desconsideração, no cálculo do pro rata, dos montantes relativos às amortizações financeiras no âmbito da actividade de leasing e ALD se apresenta em desconformidade com a legislação nacional e comunitária do IVA.

A reclamação graciosa foi indeferida.

No presente processo, a Requerente defende, em suma, o seguinte:

– a Requerente desconsiderou, no cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2014, os valores relativos às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira por si celebrados;

– tal procedimento resultou dos ditames da AT constantes no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA e originou a dedução de menos IVA do que aquele a que tinha direito, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária (IVA) em excesso;

– a Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva para o ano 2014 de 3% (três por cento), que aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 15.129.720,50), se materializou no valor de € 453.891,62 de IVA dedutível;

– se tivesse procedido à inclusão das amortizações financeiras do leasing no cálculo da percentagem de dedução referida supra, esta reportar-se-ia a 8% (oito por cento), ao invés de 3% (três por cento);

– aplicando a percentagem de dedução de 8% (oito por cento) ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista (no montante de € 15.129.720,50), constata-se que a Requerente tinha o direito à dedução do IVA no valor de € 1.210.377,64;

– o artigo 73.º da Directiva IVA e o artigo 16.º, n.º 1 e 2, alínea h), do CIVA definem o valor das operações em IVA como o montante da contraprestação a receber em relação às mesmas (ou seja, no caso da locação financeira, a renda);

– são integralmente sujeitas a IVA as rendas de contratos de locação financeira (desde que não seja aplicável uma isenção, como ocorre nas operações imobiliárias), quer na parte correspondente à consideração da amortização financeira ou do capital, quer na parte correspondente aos juros e remuneração de outros encargos (ou ganhos);

– a Directiva IVA fixa uma fórmula de cálculo imperativa para efeitos de determinação do IVA proporcionalmente dedutível (cf. artigo 174.º da Directiva IVA);

– a percentagem de dedução resulta, pois, de uma fracção cuja composição ou fórmula de cálculo está pré-definida sem quaisquer concessões a uma margem de livre decisão dos Estados-Membros (e muito menos pela via administrativa!), conforme se extrai do n.º 1 do artigo 174.º do diploma comunitário;

– a Directiva IVA não confere qualquer margem de discricionariedade quanto à fórmula de cálculo do mesmo, que se encontra prefigurada com carácter taxativo no supra referido n.º 2 do artigo 174.º da Directiva IVA;

– relativamente a métodos alternativos à percentagem de dedução ou pro rata, a Directiva IVA (cf. nº 2 do artigo 173.º) apenas prevê a possibilidade de os Estados-Membros:

(a) permitirem ou obrigarem os sujeitos passivos “mistos” a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade (no pressuposto, naturalmente, de que os sujeitos passivos em causa exercem diversas actividades) — cf. alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva IVA; e,

(b) permitirem ou abrigarem os sujeitos passivos “mistos" a deduzir o IVA com base na afectação (utilização efectiva) dos bens ou serviços adquiridos — cf. alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva IVA.

– a Requerente não exerce diversas actividades, mas tão-só a actividade financeira, pelo que fica desde logo afastada a hipótese teórica de aplicação do pro rata sectorial (da alínea (a) do ponto que precede), que aliás nem sequer parece ter acolhimento expresso na legislação nacional;

– no que se refere à segunda alternativa — possibilidade de dedução do IVA com base na afectação (real) dos bens ou serviços adquiridos – que o Código do IVA somente a prevê nos seguintes condicionalismos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.9, a saber:

(a) se o sujeito passivo optar pelo método da afectação (real);

(b) por imposição da Autoridade Tributária e Aduaneira, se a aplicação do método do pro rata conduzir a distorções significativas na tributação;

– não se vislumbram distorções significativas na tributação derivadas do método da percentagem de dedução, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira as apontou no supra referido Ofício-Circulado n.º 30108, limitando-se a alegar genericamente a falta de coerência das variáveis utilizadas no pro rata, sem fundamentar, concretizar e demonstrar, como lhe cabia, a existência de qualquer distorção;

– não tendo a Requerente optado pela dedução do imposto por si incorrido em recursos de utilização mista de acordo com o método da afectação real, nem tão pouco se verificando quaisquer distorções significativas na tributação invocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira – requisitos essenciais para a imposição do critério da afectação real, previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA — não pode o critério da afectação real ser imposto in casu;

– o referido método alternativo ao pro rata, a ser aplicável consistiria na afectação (utilização efectiva) dos bens ou serviços adquiridos pelas diversas operações activas (cf. o n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA, por remissão para o nº 2 do mesmo preceito) e não na utilização de fórmulas de cálculo da percentagem de dedução ”à medida” das Autoridades Tributárias, diferentes da (única) que consta do artigo 174.º da Directiva IVA;

– a primeira ilegalidade do Ofício-Circulado n.º 30108 reside na imposição do método da afectação real quando não se verificam os pressupostos que a legislação Portuguesa elege como determinantes para que tal imposição autoritária possa verificar-se (conforme previstos no n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA: serem exercidas actividades económicas distintas e o pro rata conduzir a distorções significativas na tributação);

– a segunda ilegalidade do supra referido Ofício-Circulado prende-se com o facto de, perante a impossibilidade de aplicação concreta do método da afectação (real) aos recursos de utilização mista (dado que, como atrás referido, é inviável identificar critérios objectivos que com um mínimo de rigor e segurança conduzam a uma correcta concretização da mencionada afectação ou utilização efectiva), determinar a aplicação de uma percentagem de dedução calculada com exclusão de uma parte do valor (relevante) das operações de locação financeira para efeitos de IVA, contraria a fórmula única e injuntiva prevista no artigo 174.º da Directiva IVA e nos n.ºs 4 e 5 do artigo 23.º do Código do IVA;

– a solução preconizada pelo Ofício-Circulado n.º 30108, para além de constituir um paradoxo, não tem, acima de tudo, fundamento legal face ao disposto nos n.ºs 1 a 5 do artigo 23.º do Código do IVA;

– esta criação, no domínio da incidência tributária, violaria ainda o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”);

– a solução do ofício circulado sempre seria inválida por colidir e ser incompatível com o disposto nos artigos 173.º e 174.º da Directiva IVA e ilegal por força do artigo 8.º, n.º 4, da CRP.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, no essencial, acompanha a posição assumida na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, dizendo o seguinte, em suma, sobre esta matéria:

– a locação financeira é o contrato pelo qual uma entidade - o locador financeiro - concede a outra - o locatário financeiro – o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário;

– o objeto deste tipo de contrato não é a transferência da propriedade, mas sim a cedência, pela locadora do uso do bem, isto é, a locadora obriga-se a prestar um serviço, traduzido na disponibilidade do bem em causa, recebendo em contrapartida, uma prestação, sem prejuízo, de nele se poder prever a opção de compra, no final do contrato, a favor do locatário, por um valor residual fixado por acordo das partes;

– um dos objetivos do legislador nesta matéria, foi assegurar o cumprimento do princípio da neutralidade fiscal, na vertente de princípio da igualdade que, no caso concreto, se consubstancia no facto de ser assegurado um tratamento fiscal equivalente, no sentido de igual onerosidade, em relação aquele que adquire um bem através de um contrato de locação financeira, face a outra pessoa que o adquire directamente;

– nem todo o valor pago a título de renda no âmbito de um contrato de locação financeira é correspondente à amortização financeira ou do capital tenha de ser incluída no cômputo do apuramento da percentagem de dedução, conjuntamente com a parte correspondente aos juros e outros encargos;

– a renda constitui o pagamento do serviço de concessão de financiamento ao locador, sendo composta por duas partes: capital ou amortização financeira, que mais não é que o reembolso da quantia “emprestada”; e juros, acrescidos de eventuais encargos, que constituem a remuneração do locador;

– o valor de aquisição do bem objecto de contrato de locação corresponde ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo locador ao locatário;

– no momento da aquisição desse mesmo input, a Requerente (locador) exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objecto do contrato de locação, por via do método da imputação directa;

– por assim ser, deve ser excluída do cálculo da percentagem de dedução a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem;

– à luz do princípio da neutralidade em que assenta o sistema deste imposto, a incidência do IVA sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi já deduzido pelo sujeito passivo;

– é apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados, indistintamente, em operações com e sem direito à dedução;

– se assim não fosse, permitir-se-ia um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido na aquisição da generalidade dos bens ou serviços com utilização mista;

– o procedimento adoptado pela Administração Tributária, está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial, o artigo 16.º e 23.º CIVA, e com os artigos 174.º e 175.º da Diretiva IVA;

– o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira foi aceite pelo TJUE no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), e também pelo Supremo Tribunal Administrativo;

– a jurisdição arbitral está vinculada à interpretação efectuada pelo Tribunal relativamente ao artigo 17º, nº5 da Sexta Directiva IVA (actual artigo 173º, nº2 da Directiva nº 2006/112 CE), em causa nos presentes autos, já que o artigo 23º do Código do IVA procedeu à sua transposição para o direito interno nacional;

– a decisão do TJUE tem valor de caso julgado e é obrigatória.

 

4.2. Apreciação da questão

 

Antes de mais, importa notar que não existe qualquer caso julgado, pois este tem limites subjectivos, exigindo identidade de sujeitos (artigos 581.º, n.º 2, e 619.º, n.º 1, do CPC).

Não tendo a Requerente sido parte no processo em que interveio o Banco Mais, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, está afastada a possibilidade de se lhe estender o caso julgado formado sobre a sua decisão.

A Requerente desenvolve actividade económica, tal como definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, que é tributada (nomeadamente, de locação financeira, enquadrável no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA), bem como actividade económica isenta (designadamente, concessão de crédito, nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA).

Em regra, o IVA que for suportado pelo sujeito passivo na aquisição dos meios utilizados exclusivamente na sua actividade económica tributada é totalmente dedutível e o IVA suportado na aquisição de meios utilizados apenas na actividade isenta ou não prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, não pode ser deduzido [artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA e artigo 168.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006].

No caso em apreço, está em causa a dedução de IVA relativamente a meios utilizados indiferentemente tanto na actividade tributada (como é a locação financeira), como na actividade económica isenta da Requerente (como sucede com a concessão de crédito).

Relativamente aos meios de utilização mista, utilizados indiferentemente «para efectuar tanto operações com direito à dedução (...) como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações» (artigo 173.º n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006).

Tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º «o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução», nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA.

Esta percentagem de imposto dedutível, ou «pro rata de dedução», resulta, em regra, de uma fracção que inclui no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução e no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (artigos 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º, n.º 4, do CIVA).

O pro rata de dedução é determinado anualmente, sendo fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior, e é aplicável provisoriamente, a determinado ano, calculado com base nas operações do ano anterior ou estimado provisoriamente, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões, sob controlo da administração (artigo 175.º, n.ºs 1 e 2, da Directiva n.º 2006/112/CE e n.ºs 6, 7 e 8, do artigo 23.º do CIVA).

Mas, o sujeito passivo pode optar por «efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação» (n.º 2 do artigo 23.º do CIVA). (   )

A utilização deste método de afectação real, em princípio opcional, passará a ser obrigatória se a Administração Fiscal o determinar, o que poderá fazer, nomeadamente, «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação» [alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º]. A Administração fiscal poderá também impor «condições especiais».

Através do referido Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, a Administração Fiscal, entendeu que relativamente às «instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD», «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”», pelo que fez utilização da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, determinando que estes sujeitos passivos utilizem a «afectação real» (ponto 8).

Segundo os pontos 8 e 9, a «afectação real» deverá fazer-se de suas formas:

– se for possível, faz-se «a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades» (ponto 8 daquele Ofício Circulado);

– se não for «possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALDs» (ponto 9 daquele Ofício Circulado); neste caso, fica afastada a aplicação da percentagem que resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º.

No caso em apreço, está-se perante uma situação em que não há controvérsia entre as Partes quanto à inviabilidade de utilização do método da afectação real, com base em critérios objectivos, tendo a Requerente utilizado nas liquidações impugnadas este «coeficiente de imputação específico» determinado da forma prevista no ponto 9, considerando no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, excluindo do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira.

No entanto, a Requerente defende que este método é ilegal, pelo que deve ser determinado o pro rata de dedução nos termos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, isto é, deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

Como afirma a Autoridade Tributária e Aduaneira, o TJUE pronunciou-se sobre uma situação deste tipo, atinente a instituição bancária que desenvolve actividades de locação financeira, que conferem direito à dedução, e outras actividades financeiras, que não conferem tal direito.

No acórdão proferido em 10-07-2014, no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), no âmbito de reenvio prejudicial, o TJUE entendeu que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 «não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».

Na referida alínea c) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Directiva, correspondente à alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece-se que «os Estados-membros podem» «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».

As decisões do TJUE proferidas em reenvio prejudicial têm carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, o que é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º) (   ).

Na linha do decidido pelo TJUE, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu já, no acórdão de 29-10-2014, proferido no processo n.º 01075/13, que «os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros».

Como já se entendeu no acórdão proferido no processo arbitral n.º 309/2017-T, o acórdão do TJUE proferido no processo n.º c-183/13, assenta num erro de interpretação do direito interno português.

Desde logo, é de explicitar que, nos termos do artigo 267.º do TFUE (   ), a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, se limita à «interpretação dos Tratados», e à «validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União», pelo que não se estende à interpretação do artigo 23.º do CIVA, na parte em que consubstancia opções do legislador nacional em matérias explicitamente deixadas pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, à sua discricionariedade.

Por outro lado, há que ter em consideração que a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, não é uma disposição de aplicação directa, pois é dirigida aos «Estados-Membros» «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».

Num Estado de Direito, em matéria subordinada ao princípio da legalidade e reserva de lei [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] e 8.º da LGT, a opção pela aplicação no nosso direito interno daquela norma facultativa da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, tem de ser efectuada por via legislativa.

Para além disso, há que esclarecer que os dois únicos métodos de dedução previstos para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica previstos no artigo 23.º do CIVA são:

– a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» [n.º 1 alínea b) com remissão para o n.º 4];

– «a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (n.º 2 do artigo 23.º).

Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando a aplicação do método previsto no n.º 1 (que, para os afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica, é a percentagem de dedução, como refere a alínea b) do n. º 1] «conduza a distorções significativas na tributação», a Autoridade Tributária e Aduaneira pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2.

Assim, a questão que se coloca reconduz-se a saber se neste n.º 2 se inclui a possibilidade determinação da afectação real através de uma percentagem de dedução.

Neste n.º 2 apenas se prevê a «afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito».

É manifesto que a determinação da afectação com base numa percentagem, qualquer que seja a forma de a determinar, não constitui um critério objectivo que permita determinar o grau de afectação de bens ou serviços. Na verdade, é evidente que com base no valor das rendas, total ou parcial, não se pode determinar, com objectividade, por exemplo, quais as despesas de electricidade ou água ou de manutenção dos elevadores de edifícios comuns às actividades dos dois tipos que estão afectas à actividade de locação financeira.

Isto é, a aplicação de uma percentagem, qualquer que ela seja, não permite «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução» e, por isso, não pode constituir um critério objectivo para efeitos do n.º 2 do artigo 23.º

Sendo assim, tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução.

Consequentemente, o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo.

E, nos termos deste n.º 4, esta percentagem é determinada através de «uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento».

Por isso, embora o artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

Este último diploma, definindo tal princípio, estabelece que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».

À face desta norma, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa». (   )

Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.

No que concerne à necessidade de aplicação do método referido por imposição do princípio da neutralidade, não são indicadas nem demonstradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira as razões por que tal método é necessário para assegurar a igualdade de todas as empresas, sendo certo que, na perspectiva do legislador nacional, a aplicação do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º é a forma adequada de assegurar o direito à dedução de todos os sujeitos passivos mistos, nos casos em que seja inviável a afectação real com critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito.

Pelo contrário, como se explicou no Parecer do Senhor Prof. Doutor José Xavier de Basto e do Senhor Prof. Doutor António Martins, citado no acórdão do processo n.º 309/2017-T, afigura-se que «o apuramento da parcela de IVA dedutível pelo método que a administração tenta impor, provoca, ela sim, distorções significativas de tributação, pois tanto na modalidade de rendas de leasing constantes como de rendas variáveis, e uma vez que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, a proporção de juros contida na totalidade da renda flutua ao longo do período contratual, originando flutuações da percentagem de dedução, que nada têm que ver com diferentes intensidades de uso dos inputs comuns e que portanto têm de ser julgadas arbitrárias e sem fundamento legal e económico» e que «pelo método imposto pela administração, a parcela de IVA dedutível fica claramente desajustada do desígnio do imposto de libertar o empresário de todo o IVA suportado a montante, quando é certo que a jusante a renda foi integralmente tributada».

Mas, mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativa nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal, em que se está perante matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n 1, alínea i), da CRP].

Na verdade, a força vinculativa das circulares e outras resoluções da Autoridade Tributária e Aduaneira de natureza geral e abstracta, publicitadas, circunscreve-se à ordem administrativa, pois resulta somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, a orientações genéricas da Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal, apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, mas essas orientações não vinculam os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem os Tribunais, que devem interpretar e aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração fiscal através dos referidos «despachos genéricos, das circulares e das instruções» (artigo 203.º da CRP). (   ) É com este alcance que o n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT estabelece que «a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias».

A isto acresce que, como decidiu o TJUE, no citado acórdão 10-07-2014, proferido no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, não se opõe a que um Estado-Membro obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, «quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».

Como resulta desta parte final, na perspectiva do TJUE, não é compaginável com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE a imposição aos contribuintes de uma percentagem de dedução especial de forma genérica, independentemente da comprovação da utilização real dos bens e serviços, casuisticamente apurada, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo ao entender que decorre daquela decisão do TJUE «que sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos» (   ).

A isto acresce que jurisprudência mais recente do TJUE, repensando explicitamente o entendimento adoptado no processo C-183/13, veio esclarecer que «os Estados‑Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios» (acórdão de 18-10-2018, processo C‑153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd).

Assim, o método previsto no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108, que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, também sob esta perspectiva é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE.

Por outro lado, resulta dos próprios termos dos pontos 8. e 9. do Ofício-Circulado que a Autoridade Tributária e Aduaneira pretendeu impor aos contribuintes que actuassem em sintonia com o aí preceituado (como revelam as expressões «os sujeitos passivos ... devem utilizar», «deve ser utilizado um coeficiente», «devendo ser considerado»).  

Pelo exposto, conclui-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado por ofensa do princípio da legalidade e errada interpretação dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 23.º do CIVA, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral.

Consequentemente, a autoliquidação relativa ao último período de 2016, em que foi dada execução a essa imposição, enferma de vício de violação de lei, na parte correspondente à errada aplicação do método de cálculo do pro rata de dedução, o que justifica a sua anulação bem como da decisão do pedido de revisão oficiosa que a manteve, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

5. Restituição de quantia paga em excesso e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede a restituição do imposto indevidamente suportado acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, contados desde a data da entrega da declaração periódica de IVA referente a Dezembro de 2016 até à restituição do imposto pago em excesso com referência a este ano.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

 

5.1 Restituição do imposto indevidamente pago

 

Não é seguro que o valor indicado pela Requerente seja o que deve ser restituído como consequência da anulação parcial da autoliquidação relativa ao último período de 2016.

Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira não confirmou os valores indicados pela Requerente, como refere no esclarecimento apresentado.

Assim, seguro que haverá uma importância a restituir, mas não sendo certo o seu montante, esse deverá ser liquidado em execução de julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 95.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e no artigo 609.º, n. 2, do CPC, aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e), do RJAT.

 

5.2. Juros indemnizatórios

 

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

No caso em apreço, conclui-se que há erro na autoliquidação que se considera imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira por força do disposto no n.º 2 deste artigo 43.º da LGT, na medida em que a Requerente actuou em sintonia com a orientação genérica que do ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108.

Os juros indemnizatórios devem ser contados desde 14-02-2017, data em que a Requerente exerceu o direito à dedução, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

6. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

i)             Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação parcial da autoliquidação de IVA respeitante ao mês de Dezembro de 2016 consubstanciada na declaração periódica n.º...;

j)             Anular a referida autoliquidação, na parte em que foi deduzido IVA em montante inferior ao que resulta do cálculo do pro rata nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, com inclusão do valor total das rendas de locação financeira;

k)            Julgar procedente o pedido de restituição da quantia paga em excesso, a determinar em execução do presente acórdão, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o respectivo pagamento;

l)             Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los a Requerente nos termos indicados no ponto 5.2 deste acórdão.

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 703.670,13.

 

8. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10.404,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 14-11-2019

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(João Pedro Rodrigues)

(Cristina Aragão Seia)