DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
a) Em 07 de Junho de 2019 a Requerente, sociedade comercial A..., S.A., anteriormente designada B..., S.A., NIPC PT..., com sede na Rua ... ...-..., ...-... Lisboa, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo em vista obter pronúncia sobre a ilegalidade “(1) da decisão de indeferimento da Revisão Oficiosa com o Processo n.º...2017..., praticada pela Direção de Serviços de IMT, assinada pela Diretora Dra. C... (2) das autoliquidações de imposto do selo realizadas entre março e dezembro de 2014, com o valor global a pagar de € 18 000,00”.
b) É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por AT ou Requerida;
c) A Requerente pede ao Tribunal que na procedência do pedido de pronúncia proceda à “a) - declaração de ilegalidade do indeferimento da Revisão Oficiosa com o Processo n.º ...2017...; b) - declaração de ilegalidade das autoliquidações de imposto do selo ocorridas em 2014, sobre as comissões de gestão cobradas pela Requerente; c) - ao reembolso do valor do imposto do selo autoliquidado e entregue nos cofres do Estado, no montante de € 18 000; e, d) – à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao integral reembolso da quantia devida”.
d) O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 07-06-2019.
e) Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 01.08.2019, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
f) O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 22 de Agosto de 2019, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
g) A fundamentar o pedido, a Requerente começa por se pronunciar sobre a sua natureza jurídica, referindo que é “Sociedade de Capital de Risco (doravante ‘SCR’), regularmente constituída ao abrigo da legislação nacional, em particular do atual Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado, que se encontra estabelecido na Lei n.º 18/2015, de 4 de março”, acrescentando que “ ... à data das autoliquidações de imposto do selo agora contestadas, a atividade principal da Requerente consistia na gestão do Fundo de Capital de Risco D... (doravante ‘FCR’)”.
h) Alega que, entre Março e Dezembro de 2014, liquidou e pagou, enquanto sujeito passivo de direito, imposto do selo no valor global de € 18 000,00, ao abrigo da verba 17.3.4, a qual, segundo defende, só era aplicável às sociedades financeiras e não às sociedades de capital de risco.
Não incidência do imposto por falta de norma de incidência subjectiva quanto às SCR
i) A Requerente alega que “... na qualidade de SCR constituída ao abrigo do Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado (Lei n.º 18/2015, de 4 de março) não se encontra abrangida pela verba 17.3 da TGIS”, porquanto a verba 17.3 da TGIS (incidência subjectiva) encontra-se limitada às “... seguintes entidades: (1) Instituições de crédito; (2) Sociedades financeiras; (3) Outras entidades legalmente equiparadas a sociedades financeiras; e (4) Quaisquer outras instituições financeiras”
j) Sustenta a Requerente que para determinar o sentido e alcance da expressão “outras instituições financeiras” “... não existindo na legislação fiscal qualquer conceito de instituição de crédito, de sociedade financeira ou mesmo de instituição financeira, deverá atender-se ao disposto no artigo 11.º, n.º 2 da LGT e, como tal, recorrer-se ao ramo do direito do qual sejam provenientes aqueles conceitos”, pelo que “... deveremos recorrer ao direito bancário e financeiro sendo aplicável o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (doravante ‘RGICSF’) publicado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (tendo tido diversas alterações legislativas posteriormente)”.
k) Daqui resultando que o RGICSF na versão original no “... seu artigo 6.º previa expressamente na alínea h) do n.º 1, que as SCR eram qualificadas como sociedades financeiras, previsão expressa que perdurou até ao final de 2002”, “no entanto, a alínea h) do n.º 1 do artigo 6.º do RGICSF foi revogada pelo Decreto-Lei n.º 319/2002, de 28 de dezembro, pelo que as SCR perderam, inequivocamente, a qualificação jurídica de sociedade financeira e, consequentemente, de se enquadrar no conceito de instituição financeira”.
l) Discorda a Requerente do ponto de vista da AT expresso na fundamentação da decisão de indeferimento da revisão oficiosa, quando defende “... que as SCR estão enquadradas como «outras instituições financeiras» (cit.) no artigo 30.º, n.º 1, alínea f) do Código dos Valores Mobiliários (doravante ‘CVM’)”, porquanto “... tal enquadramento em sede do CVM apenas releva para efeitos da qualificação de uma entidade enquanto investidor qualificado, conceito muito específico e relevante ao nível do direito dos valores mobiliários”, resultando “... inexorável concluir que, ao contrário do que invoca a AT, o referido artigo 30.º não equipara as SCR a outras instituições financeiras, nem tão pouco as insere nessa qualificação jurídica”, uma vez que “... a citada alínea f) do n.º 1 do artigo 30.º do CVM enuncia, (i) em primeiro lugar, outras instituições financeiras, dando como exemplo de tal tipo de entidade os fundos de titularização de créditos, de seguida (ii) recorre a outro conceito e refere-se às demais sociedades financeiras, para, finalmente, (iii) referir mais três conceitos autónomos, a saber: as sociedades de titularização de créditos, as sociedades de capital de risco, e os fundos de capital risco”.
m) Refere ainda que “... a interpretação da norma constante da Verba 17.3.4 da TGIS, na redação em vigor, tal como é feita pela AT no indeferimento em crise, segundo a qual as SCR qualificam como outras instituições financeiras, é inconstitucional por violação do disposto no n.º 2 do artigo 104.º da Constituição, inconstitucionalidade que desde já se invoca para todos os efeitos legais”, pugnando ainda “... pela inconstitucionalidade da interpretação da verba 17.3.4 da TGIS, que permita a sua aplicação às SCR, por violação do Princípio da Legalidade Fiscal (na vertente de precedência de lei e proibição da analogia), constante dos n.ºs 2 e 3 do artigo 103.º da Constituição, inconstitucionalidade que desde já se invoca para todos os efeitos legais”.
Isenção de imposto de selo da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS das SCR, em comissões de gestão cobradas a FCR
n) Em primeiro lugar a Requerente defende que se verifica o elemento subjectivo da isenção.
o) A este respeito refere a Requerente que “no que respeita ao elemento subjetivo da isenção constante do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, caso se considere para efeitos da norma de incidência que as SCR qualificam-se como instituições financeiras, tal como é entendimento da AT, não poderá, então, entender-se, por força dos princípios da segurança jurídica e da própria unidade do sistema fiscal, que o mesmo conceito de instituição financeira tem um sentido diverso para efeitos da norma de isenção”.
p) E continua o seu raciocínio: “uma vez qualificadas as SCR como «instituições financeiras» (apesar de, repita-se, não ser esse o entendimento conforme com a letra e o espírito da lei) suscetíveis de beneficiar da isenção, faltará fazer análise idêntica quanto ao enquadramento jurídico-tributário dos FCR”, importando “... realçar que é a própria doutrina da AT que enquadra os FCR como instituições financeiras ao abrigo da legislação comunitária, que é a legislação relevante para efeitos de determinação dos conceitos presentes no elemento subjetivo da isenção”.
q) Quanto ao elemento objectivo da isenção refere “... não poderá, de modo algum, considerar-se legal uma interpretação no sentido de a isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, na sua redação atual (que vigora desde 2004), apenas abranger as operações e serviços tipicamente bancários (em concreto, as operações diretamente ligadas ao crédito), interpretação essa que conduziria à exclusão das comissões de gestão cobradas pelas SCR a FCR do âmbito de aplicação da isenção”, “... sendo essencial introduzir na análise os elementos histórico, literal e teleológico da isenção, os quais serão fundamentais para concluir acerca da insensatez daquela interpretação”.
r) Da exposição que faz do elemento histórico da lei termina a sua análise no nº 7 do artigo 7º do CIS (redacção introduzida pela Lei do OE para 2016 (Lei nº 7-A/2016, de 30.03) face ao seu artigo 154º que lhe atribuiu carácter interpretativo.
s) E conclui: “resulta claro que a regra introduzida no n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, à qual foi atribuído carácter interpretativo, tem natureza inovadora, na medida em que ressuscitou uma norma que não vigorava na ordem jurídica nacional desde 2003, não podendo por isso deixar de ser considerada retroativa e, como tal, contrária ao princípio constitucional da proibição da norma fiscal retroativa previsto no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição”, resultando como “... corolário lógico de tudo o que aqui foi dito a este respeito encontra-se espelhado nos recentes Acórdãos do Tribunal Constitucional relativos aos processos n.º 519/17, de 4 de outubro de 2017, e n.º 449/17, de 20 de fevereiro de 2018, os quais foram proferidos na sequência de recurso interposto pela AT às decisões do Tribunal Arbitral relativas aos processos n.º 633/2016-T, de 19 de maio de 2017, e n.º 348/2016-T, de 2 de maio de 2017, respetivamente. As decisões recorridas pela AT são, em tudo, semelhantes à temática aqui exposta, tendo, em ambos os casos, o Tribunal Constitucional confirmado a inconstitucionalidade do carácter interpretativo atribuído à norma introduzida no n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo”.
t) Notificada a Requerida, respondeu em 17.09.2019, juntando o PA, composto por 61 folhas e laudas constantes de ficheiro informatizado.
u) Em termos gerais, adere na resposta aos fundamentos que estão contidos na informação 2018...de 11.06.2018 da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do Selo, Imposto Único de Circulação e Contribuições Especiais e que serviu de base ao indeferimento da revisão oficiosa das liquidações de imposto do selo aqui impugnadas.
Excepção de incompetência do TAS para apreciação do pedido de declaração de ilegalidade das autoliquidações de imposto do selo
v) Refere que a AT “... nos termos do disposto no art. 2º, alínea a) da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março, a AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no nº 1 do art. 2º do RJAT, “com excepção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
w) E porque “no caso em concreto, a Requerente não recorreu, em tempo, à reclamação graciosa prevista no nº 1 do art. 131º do CPPT”, “a Requerente deixou precludir o prazo de 2 anos previsto no nº 1 do art. 131º do CPPT para apresentação de uma reclamação administrativa”, “e só em 27/02/2017 apresentou um pedido de revisão oficiosa contra as referidas liquidações de IS”, sendo que “tal procedimento administrativo não pode substituir a reclamação graciosa prevista no art. 131º do CPPT, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no nº 1 de tal artigo”.
x) Concluindo a AT pela “existência de uma excepção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT”.
Impugnação da alegada não sujeição a imposto do selo
y) A Requerida começa por referir que “de acordo com o n.º 1 do art.º 1.º do CIS, o “(…) imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”, “por sua vez, o n.º 2 do artigo 1.º do CIS estabelece que “Não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas” e que “... a isenção de IVA consagrada na alínea 27 do art.º 9 do CIVA, para as operações de “administração ou gestão de fundos de investimento”, na linha da redação da alínea g) do n.º 1 do artigo 135.º da Diretiva n.º 2006/112/CE é aplicável a qualquer “fundo comum de investimento”, independentemente da sua natureza e finalidade”, daqui extraindo a conclusão de que “... se estão isentas de IVA, são sujeitas ao imposto do selo, incidente sobre a respectiva contraprestação”, “a isenção de IVA é uma condição “sine qua non” para a incidência do imposto do selo (cfr. n.º 2 do artigo 1.º do CIS)”.
z) Seguidamente discorda da leitura feita pela Requerente no PPA da norma de incidência da verba 17.3.4 da TGIS quando defende que as SCR não se incluem “no conceito legal de “instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”, nem a gestão dos Fundos consubstancia uma operação financeira em sentido estrito nos termos daquela verba, a Requerente efetua uma interpretação totalmente enviesada, quer da letra, quer do espírito, não apenas do CIS e da respetiva TGIS, como também das várias leis em presença, in casu”, porquanto,
aa) (1) “as SCR são consideradas como instituições financeiras, como se extrai da alínea l) do nº 1, do artigo 6º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), conjugando essa norma com a leitura de outros dispositivos legais, como consente expressamente a referida alínea l), embora de regime especial, dado a regulamentação estar especificada na Lei nº 18/2015, de 4 de Março”:
bb) (2) “... o Código dos Valores Mobiliários (CVM), ... qualifica, na alínea f), do nº 1, do artigo 30º, como “outras instituições financeiras autorizadas ou reguladas, designadamente fundos de titularização de créditos, respetivas sociedades gestoras e demais sociedades financeiras previstas na lei, sociedades de titularização de créditos, sociedades de capital de risco, fundos de capital de risco e respetivas sociedades gestoras”;
cc) (3) “Se dúvidas houvessem, veja-se ainda a Lei n.º 25/2008, de 5 de junho (lei que vigorava à data dos factos), que na alínea h) do n.º 1 do seu artigo 3.º, sob a epígrafe “Entidades financeiras”, estatui que as “sociedades e investidores de capital de risco” são entidades financeiras”.
dd) Concluindo: “... podemos concluir que se encontram inequivocamente preenchidos os elementos subjetivo e objectivo, previstos na norma de incidência a IS, as SCR´s e operações por elas realizadas (motivo pelo que estão isentas de IVA)”.
Impugnação da alegada isenção de imposto do selo
ee) A Requerida refere que a Requerente defende a “... isenção na alínea e) do nº 1, do artigo 7º do Código do Imposto do Selo (CIS)”, mas que, no entanto, “... o próprio legislador faz a interpretação expressa do texto que redigiu, o que sucedeu, com a introdução do nº 7 ao artigo 7º do CIS, através da Lei 7-A/2016, de 30 de Março” onde se estipula que “[o] disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea”.
ff) E, acrescenta “... tratando-se da mera explicitação de uma norma anterior, o artigo 154º da referida Lei nº 7- A/2016 confere ao número 7 do artigo 7º do CIS natureza interpretativa”, limitando-se o legislador a esclarecer um conceito pré-existente.
gg) Insurge-se a Requerida contra o argumento da aplicação do elemento histórico da norma e bem assim o elemento teleológico, propugnando pela desnecessidade da sua discussão, uma vez que o legislador se pronunciou sobre o que pretendia e existia interpretação jurisprudencial anterior à introdução do número 7 do artigo 7º do CIS.
hh) Termina a Requerida defendendo (1) a falta de fundamento do pedido de juros indemnizatórios e pedindo (2) a procedência da excepção aduzida ou quando assim não se entenda pedindo a (3) improcedência do pedido.
ii) Notificada a Requerente para se pronunciar sobre a excepção dilatória invocada pela AT, veio proceder à junção do Acórdão n.º 244/2018 do Tribunal Constitucional, no qual extrai que “... de forma particularmente clara e taxativa, decidiu «não julga[r] inconstitucional a norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu ‘recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, decisão que “... foi motivada, precisamente, pela posição militantemente comprometida da AT para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, sendo, pois, notório que a referida decisão do Tribunal Constitucional segue no sentido de considerar as reações aos pedidos de revisão oficiosa como encontrando-se abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD”.
jj) A Requerente apresentou alegações escritas em 03.10.2019, mantendo o que já tinha referido em sede de pedido de pronúncia.
kk) A Requerida apresentou alegações escritas em 15.10.2019 remetendo a sua posição para o teor da Resposta ao PPA.
II – SANEAMENTO
a) As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
b) Tempestividade - o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD, em 07 de Junho de 2019. A Requerente impugna a decisão de indeferimento da revisão oficiosa que lhe foi notificada em 14 de Março de 2019.
c) Assim, nos termos conjugados dos artigos 102º, nº 1, alínea b), do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.
d) O procedimento arbitral não padece de nulidades.
Cumpre apreciar.
III - MÉRITO
III-1- MATÉRIA DE FACTO
Factos dados como provados
Considera-se dada como provada a seguinte matéria de facto:
a) A Requerente é uma Sociedade de Capital de Risco (SCR), regularmente constituída ao abrigo da legislação nacional, em particular do atual Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado, que se encontra estabelecido na Lei n.º 18/2015, de 4 de março – conforme artigo 15º do PPA e página 3, ponto III-1 do Documento nº 1 junto com o PPA;
b) No ano de 2014 a atividade principal da Requerente consistia na gestão do Fundo de Capital de Risco D... (FCR) - conforme artigo 16º do PPA e página 3, ponto III-1 do Documento nº 1 junto com o PPA;
c) A Requerente cobrava trimestralmente uma comissão de gestão ao FCR, sobre a qual liquidava imposto do selo à taxa de 4% prevista na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), tendo entre Março e Dezembro de 2014, cobrado trimestralmente uma comissão de gestão ao FCR, conforme o quadro seguinte:
Fatura Data da fatura Valor Base Imposto do Selo Total N.º Guia de pagamento Data de pagamento
FT 2014/3 14/03/2014 112 500 € 4 500 € 117 000 € ... 16/04/2014
FT 2014/7 16/06/2014 112 500 € 4 500 € 117 000 € ... 18/07/2014
FT 2014/11 15/09/2014 112 500 € 4 500 € 117 000 € ... 17/10/2014
FT 2014/15 15/12/2014 112 500 € 4 500 € 117 000 € ... 19/01/2015
450 000 € 18 000 € 468 000 €
- conforme artigos 17º e 18º do PPA e documentos nºs 2 a 13 juntos com o PPA;
d) A Requerente quanto ao período compreendido entre Março e Dezembro de 2014, liquidou, cobrou e pagou ao Estado em datas não concretamente determinadas, imposto do selo no valor global de € 18 000, ao abrigo da verba 17.3.4 da TGIS – conforme artigos 19º e 20º do PPA e documentos nºs 2 a 13 em anexo ao PPA;
e) Em 27 de Fevereiro de 2017 a Requerente encetou um procedimento de revisão oficiosa junto da AT, solicitando o reembolso do imposto do selo indevidamente autoliquidado e entregue nos cofres do Estado em Março e Dezembro de 2014, procedimento que tomou o nº ...2017... – conforme artigo 22º do PPA e página 3 do Documento nº 1 em anexo ao PPA;
f) Em 14 de Março de 2019 a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da revisão oficiosa através de ofício com data de 12.03.2019, constando nas conclusões da decisão de indeferimento o seguinte:
• “A Sociedade B... SA, deve ser qualificada como instituição financeira;
• as comissões cobradas pela sociedade de capital de risco, enquanto remuneração pela administração/gestão do fundo, são serviços financeiros nos termos e para os efeitos da verba 17.3.4 da TGIS;
• A isenção prevista na alínea e), do nº do artigo 7º do CIS não abrange as comissões de gestão pagas pelo Fundo de Capital de Risco D... à sociedade gestora B...- S.A.”
- conforme artigo 23º do PPA e Documento nº 1 em anexo ao PPA
g) Em 07 de Junho de 2019 o Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.
Factos não provados
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.
Fundamentação da fixação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.
A falta de contestação pela AT não representa a confissão dos factos alegados pela impugnante (nº 6 do artigo 110º do CPPT). Todavia os documentos juntos pela Requerente, em anexo ao pedido de pronúncia, não mereceram impugnação ou qualquer observação por parte da Requerida. Também os factos constantes das alíneas c) a e) não mereceram uma “impugnação especificada”, pelo que o TAS considerou-os assentes, com base nos documentos apresentados pela Requerente e no uso dos poderes do nº 7 do artigo 110º do CPPT, dado tratar-se de factualidade que se considera ser coerente com a prova documental apresentada.
III-2- DO DIREITO
Em primeiro lugar, cumpre apreciar a excepção dilatória de incompetência do TAS para apreciar pedidos de declaração de ilegalidade de autoliquidações de imposto do selo.
Em segundo lugar, caso não proceda a excepção, existem duas questões a dirimir, a saber:
• Se a verbas 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), enquanto normas de incidência tributária do Imposto do Selo aqui em discussão, abrangem, ao nível da incidência subjectiva, as Sociedades de Capital de Risco (SCR).
• Caso se conclua que as verbas em causa abrangem as SCR, se as comissões de gestão cobradas pelas SCR a Fundos de Capital de Risco (FCR), estão abrangidas pela isenção constante da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do Código do Imposto do Selo.
III-2-Quanto ao mérito
A) O texto da lei cuja leitura está aqui directamente em causa.
Referem as verbas 17.3 e 17.3.4 da TGIS, o seguinte:
“17.3 - Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado:
17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões ................................................4%”
Refere o artigo 7º, nº 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo (CIS):
“1 - São também isentos do imposto:
...
e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;”
B) - Excepção de incompetência do TAS para apreciar pedidos de declaração de ilegalidade de autoliquidações de imposto do selo.
Sustenta a AT que o artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, deve ser entendido na sua literalidade, proscrevendo do âmbito da jurisdição arbitral tributária as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidas de reclamação nos termos das referidas normas do CPPT.
Com efeito, toda a argumentação da AT na matéria acaba por se reconduzir a sustentar que foi intenção do legislador restringir a competência da jurisdição arbitral tributária, no que ao conhecimento de ilegalidades de atos de autoliquidação diz respeito, unicamente às situações em que exista uma reclamação apresentada nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT.
Não se descortina, de entre as razões avançadas pela AT uma razão substancial para que, atentos os condicionalismos e especificidades próprios de cada um dos meios graciosos em causa, não seja cognoscível em sede arbitral a legalidade dos atos de autoliquidação, nos mesmos termos em que os tribunais tributários estão vinculados. Aliás, mesmo uma interpretação estritamente literal, desde que devidamente contextualizada, não conduziria ao resultado propugnado pela AT. Senão vejamos.
De facto, a expressão utilizada pela norma em questão é paralela à própria norma do artigo 131.º, n.º 1 do CPPT, o que deverá ser compreendido como uma concretização da pacificamente reconhecida intenção legislativa de que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.
A norma da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, deverá também ser entendida como explicando-se pela circunstância de, na sua ausência – e face ao teor do artigo 2.º do RJAT – se perfilar como possível a impugnação directa de actos de autoliquidação, sem precedência de pronúncia administrativa prévia.
Ou seja, tendo em conta que face ao RJAT não se configurava como necessária qualquer intervenção administrativa prévia à impugnação arbitral de uma autoliquidação, o teor da Portaria deve ser interpretado como equiparando – nesta matéria – o processo arbitral tributário ao processo de impugnação judicial e não, como decorreria da posição sustentada pela AT, passar de uma impugnabilidade mais ampla do que a possível nos tribunais tributários, para uma mais restrita.
Assim, nenhuma razão subsiste para que se interprete de forma diferente uma e outra norma, tanto mais que a letra da norma da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, acaba por ser menos restritiva que a do CPPT, na medida em que não integra a expressão “obrigatoriamente”, nem se refere a “reclamação graciosa” mas a “via administrativa”.
Daí que seja possível uma leitura da própria letra da lei que se contenha no sentido de que apenas está afastado do âmbito da jurisdição arbitral tributária o conhecimento de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa em termos compatíveis com os artigos 131.º a 133.º do CPPT.
Soçobra, por isso, a argumentação invocada pela AT relativamente à incompetência do tribunal arbitral, pelo que se julga improcedente a verificação da excepção em apreço.
C) - As verbas 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), enquanto normas de incidência tributária do Imposto do Selo, aqui em discussão, abrangem ao nível da incidência subjectiva, as Sociedades de Capital de Risco (SCR)?
Relativamente a esta matéria, verifica-se que na fundamentação do acto recorrido, a AT argumenta que as SCR devem considerar-se abrangidas pela expressão “outras instituições financeiras” (e daí concluir pela verificação da incidência objectiva).
Depois indica um outro argumento, que é o facto das Sociedades de Desenvolvimento Regional (SDR) serem consideradas “sociedades financeiras”, nos termos das alínea d) e g) do artigo 6º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) e por isso estarem abrangidas pela verba 17.3 da TGIS, daqui extraindo que não faria sentido que o legislador sujeitasse a imposto do selo as comissões cobradas por SDR a Fundos de Desenvolvimento Regional (FDR) e deixasse de fora de incidência, idênticas comissões cobradas por SCR a FCR.
O argumento decisivo prende-se, pois, com a leitura que se faça das disposições do RGICSF, no caso o artigo 6º, eventualmente conjugadas com outras disposições legais, nomeadamente
• A alínea f) do nº 1 do artigo 30º do Código dos Valores Mobiliários (CVM)
• A alínea h) do nº 1 do artigo 3º da Lei 25/2008, de 05.07 (que vigorava à data dos factos),
tal como alega a AT, o que constitui a fundamentação que sustenta e legalidade do acto imediatamente impugnado (decisão que recaíu sobre o pedido de revisão oficiosa), afectando, depois, mediatamente, a legalidade dos autoliquidações.
O Artigo 6º do RGICSF, sob a epígrafe “tipos de sociedades financeiras” refere o seguinte
“1 - São sociedades financeiras:
a) As empresas de investimento referidas nas alíneas a) a d) e g) do nº 1 do artigo 4º-A;
b) As instituições financeiras referidas nas subalíneas ii) e iv) da alínea z) do artigo 2º-A, nas quais se incluem:
i) As sociedades financeiras de crédito;
ii) As sociedades de investimento;
iii) As sociedades de locação financeira;
iv) As sociedades de factoring;
v) As sociedades de garantia mútua;
vi) As sociedades gestoras de fundos de investimento;
vii) As sociedades de desenvolvimento regional;
viii) As agências de câmbios;
ix)As sociedades gestoras de fundos de titularização de créditos;85
x)As sociedades financeiras de microcrédito;
...
l) Outras empresas que, correspondendo à definição de sociedade financeira, sejam como tal qualificadas pela lei.
3- Para efeitos deste diploma, não se consideram sociedades financeiras as empresas de seguros, as sociedades gestoras de fundos de pensões e as sociedades de investimento mobiliário e imobiliário.
4-Rege-se por legislação especial a atividade das casas de penhores”.
A alínea f) do nº 1 do artigo 10º do CVM, inserida no Capítulo V “investidores” e com a epígrafe “investidores profissionais”, refere o seguinte
“1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 317.º e 317.º-A, consideram-se investidores profissionais as seguintes entidades:
...
f) Outras instituições financeiras autorizadas ou reguladas, designadamente entidades com objeto específico de titularização, respetivas sociedades gestoras, se aplicável, e demais sociedades financeiras previstas na lei, sociedades de capital de risco, fundos de capital de risco e respetivas sociedades gestoras;”
Por seu turno a alínea h) do nº 1 do artigo 3º da Lei 26/2008, de 05 de Julho, (Lei de Branqueamento de Capitais), na Secção II “âmbito de aplicação”, sob a epígrafe de “entidades financeiras”, refere o seguinte:
“1 - Estão sujeitas às disposições da presente lei as seguintes entidades, com sede em território nacional:
...
h) Sociedades e investidores de capital de risco;”
Ora, parece claro que o artigo 6º do RGICSF, que é a norma por excelência a que o intérprete deve recorrer neste caso concreto, por força do nº 2 do artigo 11º da LGT, não resulta que as SCR estejam abrangidas na definição de sociedades financeiras ou de outras entidades a que se refere a verba 17.3. da TGIS, nomeadamente outras instituições financeiras.
E se assim é, não é possível, face à redacção da verba 17.3 da TGIS, onde se estabelece a incidência subjectiva do imposto aqui em causa, concluir-se que as SCR estão sujeitas ao imposto do selo da verba 17.3.4 da TGIS (taxa ad valorem de 4% sobre as comissões de gestão cobradas a FCR).
Com efeito, não sendo as SCR instituições de crédito, também não é possível enquadrá-las nos diversos tipos de entidades sujeitas a imposto do selo, que são
• As sociedades financeiras,
• outras entidades legalmente equiparadas a sociedades financeiras,
• e quaisquer outras instituições financeiras.
Parece resultar claro que a alínea f) do nº 1 do artigo 10º do CVM, inserida no Capítulo V “investidores” e epígrafe “investidores profissionais”, se limita a classificar as SCR, como investidores profissionais, tendo em vista os especiais deveres de conduta que certas entidades devem respeitar na sua actuação, ao nível do mercado de valores mobiliários.
Ou seja, este normativo deve ser visto em consonância com Directiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF):
• Directiva 2004/39/CE, de 21 de Abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera a Directiva 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Directiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Directiva 93/22/CEE do Conselho (DMIF em sentido estrito ou Directiva quadro);
• Directiva (CE) n.º 2006/73/CE, de 10 de Agosto de 2006, no que diz respeito aos requisitos em matéria de organização e às condições de exercício da actividade das empresas de investimento (Directiva de execução);
• Regulamento (CE) n.º 1287/2006, de 10 de Agosto de 2006, no que diz respeito às obrigações de manutenção de registos das empresas de investimento, à informação sobre transacções, à transparência dos mercados e à admissão à negociação dos instrumentos financeiros (Regulamento de execução).
O elemento literal da norma, sobretudo quando à sua incidência subjectiva, é sempre o mais relevante, por ser delimitador da actividade interpretativa.
Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
A letra é um elemento irremovível da interpretação, ou um “limite da busca do espírito”.
“Uma interpretação que não se situe já no âmbito do sentido literal possível, já não é interpretação, mas modificação de sentido” (Larenz). “(...) Há-de ser um sentido (uma motivação, um conjunto de objectivos) que caiba razoavelmente no sentido literal da declaração do legislador, sob pena de, se isto não acontecer, se estar a criar uma nova norma, em vez de interpretar uma norma já existente” (Hespanha).
Também a alínea h) do nº 1 do artigo 3º da Lei 26/2008, de 05 de Julho, (Lei de Branqueamento de Capitais), inserida na Secção II “âmbito de aplicação”, e sob a epígrafe de “entidades financeiras”, não parece ter a virtualidade de lograr integrar as SCR na definição de uma das entidades, sujeitas subjectivamente ao imposto do selo da verba 17.3 da TGIS, porquanto, tal como o respectivo sumário refere, se pretendeu estabelecer
“... medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, transpondo para a ordem jurídica interna as Directivas nºs 2005/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro, e 2006/70/CE, da Comissão, de 1 de Agosto, relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, procede à segunda alteração à Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, e revoga a Lei n.º 11/2004, de 27 de Março”.
Ou seja, o que o legislador pretendeu, foi sujeitar as SCR ao âmbito da aplicação específico desta lei, mas não resulta de quaisquer das suas disposições que pretendesse mais do que isso.
Mesmo que assim não fosse, o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, não se fundamentou na aplicação deste dispositivo legal. A fundamentação do acto impugnado é a que aqui se pode considerar.
De forma que tudo o que constitua alteração da fundamentação do acto recorrido, não pode ser aqui acolhido, sendo irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os actos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos (vidé acórdãos do STA de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207, de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289, de 09/10/2002, processo n.º 600/02, de 12/03/2003, processo n.º 1661/02).
Também o facto das SDR estarem sujeitas a este imposto do selo, enquanto sujeitos passivos de direito, não parece ter a relevância pretendida, porquanto a sua sujeição parte da sua classificação como sociedades financeiras, o que não ocorre com as SCR.
Em face do exposto não pode deixar de proceder o pedido de pronúncia arbitral, uma vez que o indeferimento do pedido de revisão oficiosa (acto imediatamente impugnado) e as autoliquidações de imposto do selo (actos mediatamente impugnados), tiverem como pressuposto uma leitura da lei que aqui não teve acolhimento (desconformidade com a verba 17.3 da TGIS).
Uma vez que a decisão a que se chegou garante a plenitude dos objectivos que a Requerente pretende com o PPA: a anulação da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa e a anulação das autoliquidações de IS, seria inútil o TAS pronunciar-se sobre as demais desconformidades que aduziu contra a autoliquidações ou contra o procedimento de revisão oficiosa, ficando prejudicada a sua apreciação.
D) - Direito ao reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
Direito ao reembolso
O Requerente formula o pedido de reembolso do valor de € 18 000,00 euros relativos a autoliquidação de imposto do selo, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.
Provou-se que a Requerente procedeu ao pagamento de 18 000,00 euros conforme alínea d) dos factos provados.
O artigo 24.º, n.º 1, al. b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), estatui que em caso de procedência da decisão arbitral, que a AT deve: “(…)restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito;”.
No caso concreto, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago ilegalmente, por força dos artigos 24.º, n. º1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
Assim sendo, o Requerente deve ser reembolsada do imposto que suportou ilegalmente.
Juros indemnizatórios
O Requerente formulou ainda um pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, por isso há que apurar se tem direito aos mesmos.
O artigo 43.º, n.º 1, da LGT dispõe que: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) a existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) a determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta será afirmativa.
Com efeito, o artigo 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Sucede que, na presente hipótese, a atividade de cognição do tribunal respeita a uma decisão de indeferimento de pedido de revisão de actos tributários e o artigo 43.º, n.º 1 da LGT determina que, só são devidos juros indemnizatórios pela cobrança indevida, quando o contribuinte impugne ou reclame. Contudo, a “revisão oficiosa” constitui um instituto distinto da reclamação administrativa e da impugnação judicial.
A este respeito dispõe o artigo 43.º, n.º 3 da LGT que: “São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: (…) c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária»”.
Assim, pedida a “revisão oficiosa” do ato tributário pelo contribuinte, se a AT exceder o prazo de um ano para proceder a tal revisão e se a decidir favoravelmente, só são devidos juros indemnizatórios após o decurso de um ano.
E se o contribuinte tiver necessidade de recorrer à via judicial?
À questão responde a jurisprudência afirmando que: “…se o contribuinte se vir obrigado a recorrer ao tribunal para obter uma decisão, porque a Administração, dentro ou fora daquele prazo, não reviu o ato, este contribuinte não é tratado diferentemente daquele que obteve a mesma decisão favorável pela via administrativa depois de decorrido um ano. À semelhança do interessado cujo pedido de revisão teve desfecho favorável ditado pela Administração decorrido mais de um ano, também aquele a quem só foi dada razão no tribunal passado esse tempo são devidos os mesmos juros. É que, em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração: ou porque tardou a decidir, ou porque decidiu em desfavor do contribuinte, vindo a mostrar-se, em juízo, que devia ter decidido ao contrário” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0918/06, de 12/12/2006, relatado pelo Conselheiro BAETA DE QUEIROZ).
Isto é, o artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT aplica-se a uma realidade distinta do reembolso ao contribuinte em resultado de “erro imputável aos serviços”.
Revertendo tal interpretação para o caso concreto, se o pedido de revisão foi formulado no dia 27 de Fevereiro de 2017 (alínea e) dos factos provados) e porque a decisão apenas foi notificada em 14 de Março de 2019, segundo a alínea f) dos factos provados (e porque a formação da presunção do indeferimento tácito ocorreu em 27 de Fevereiro de 2018), são devidos juros indemnizatórios a partir do dia 27 de Fevereiro de 2018.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da revisão oficiosa e bem assim do actos de autoliquidação de Imposto do Selo, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 3 alínea c) da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
IV. DECISÃO
Termos em que, com os fundamentos expostos, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, uma vez que os actos impugnados estão em desconformidade com as normas de incidência subjectiva das verbas 17.3 e 17.3.4 da TGIS, no sentido em que não abrangem as SCR e consequentemente
1. Anulam-se (1) a decisão de indeferimento adoptada no procedimento de revisão oficiosa com o nº de processo ...2017... e bem assim (2) as autoliquidações de imposto do selo realizadas pela Requerente, entre Março e Dezembro de 2014, com o valor global a pagar de € 18 000,00;
2. Condena-se a Requerida a reembolsar a Requerente do valor de € 18 000,00 euros relativos a autoliquidação de imposto do selo, acrescendo os correspondentes juros indemnizatórios, calculados sobre aquela importância, a contar de 27 de Fevereiro de 2018 e até data da emissão da respectiva nota de crédito.
V - VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 18 000,00 €, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VI – CUSTAS
Custas de 1 224,00 euros, a suportar pela Requerida, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 25 de Novembro de 2019
Tribunal Arbitral Singular,
Augusto Vieira