Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 290/2019-T
Data da decisão: 2019-11-29  IVA  
Valor do pedido: € 27.811,23
Tema: IVA – Faturas – Requisitos; Direito à dedução de IVA.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Nuno Cunha Rodrigues, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 5 de julho de 2019, decide nos termos que seguem:

I. RELATÓRIO:

1. A..., LDA., contribuinte número..., com sede no ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária tendo em vista a declaração da ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação adicional de IVA de 2014, no valor de 22.993,24 €, com os juros compensatórios no valor de 4.817,99 €, bem como das respetivas demonstrações de acerto de contas, tudo no valor de 27.811,23 € (vinte e sete mil, oitocentos e onze euros e vinte e três cêntimos).

2. Alega a Requerente, em síntese, que:

a) Foi objeto de uma inspeção tributária, credenciada pela Ordem de Serviço OI2016..., levada a cabo pela Equipa ... da Divisão II do Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, que incidiu no exercício de 2014;

b) Na sequência da referida inspeção tributária, a Requerente foi notificada do relatório de inspeção tributária com correções relativas a IVA.

Em consequência,

c) Foi notificada da demonstração de acerto de contas relativa ao IVA para pagar 22.993,24 € até 25/05/2018.

d) Bem como da demonstração de acerto de contas relativa aos juros compensatórios para pagar 4.817,99 € até 25/05/2018.

e) Em 21/09/2018, a Requerente, por não concordar com o teor do relatório e, em consequência, das liquidações adicionais e das demonstrações de acerto de contas, apresentou reclamação graciosa, não tendo sido notificada de qualquer decisão quanto à reclamação graciosa, o que faz presumir o seu indeferimento tácito.

f) A Requerente discorda da AT relativamente à não dedutibilidade do valor de 23.000€ suportado por si, relativo às faturas emitidas pela sociedade B..., Lda..

g) A B... prestava consultoria relativa a potenciais investimentos imobiliários, bem como fundos de investimento imobiliário, explorando a vertente de administração e gestão de imóveis; com o objetivo de munir as suas clientes das informações relevantes para poderem exercer a sua atividade com a maior base de elementos possível.

h) As faturas 27 e 28 da B..., de Dezembro de 2014, em que foi deduzido o IVA, referem-se a operações iniciadas em 2014 e dizem respeito a factos relacionados com a Sociedade C..., S.A..

i) A Requerente deduziu o IVA num total de 23.000 € destas duas faturas, em virtude de as mesmas evidenciarem serviços adquiridos para a realização de operações ativas sujeitas a imposto e dele não isentas.

j) A operação que foi realizada pela Requerente em termos de IVA, encontra suporte na Informação Vinculativa Processo n.º 12832, Despacho de 09/02/2018, da Diretora de Serviços do IVA (por subdelegação).

l) Razão pela qual o IVA das faturas identificadas deverá ser considerado como dedutível, pelo que deverá ser anulada a liquidação adicional de IVA e dos respetivos juros compensatórios, bem como as demonstrações de acerto de contas.

3. Por seu lado, a Requerida - Administração Tributária e Aduaneira (AT) - em resposta ao alegado veio afirmar, em síntese, o seguinte:

a) Nos termos do artigo 20.º/1 do CIVA, só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens e serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a IVA e dele não isentas.

b) Compete ao sujeito passivo a prova dos pressupostos de que depende o seu direito à dedução de IVA, como decorre do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

c) O direito à dedução do IVA é um facto impeditivo do direito à liquidação daquele imposto.

d) Cabe à Requerente o integral cumprimento do ónus da prova do direito à dedução.

e) Para que se concretize o direito à dedução do IVA contido no valor das operações realizadas, há que verificar se os documentos que titulam essas mesmas operações são válidos e suficientes.

f) A fatura tem de conter as exigências legais mencionadas no artigo 36.º do CIVA, com vista a permitir, por um lado, o controlo da dedutibilidade do IVA por parte da Requerida e, por outro, a conferir direito à dedução.

g) As faturas sub judice contêm menções genéricas e manifestamente vagas.

h) Concretamente, o descritivo “Consultoria de Investimentos” não preenche os requisitos legais, não permitindo a Requerida aferir do controlo das alegadas prestações de serviços.

i) Não se percebe que tipo e número de atos/serviços de “consultoria de investimentos” foram prestados pela “B...” em prol da Requerente.

j) A Requerente não foi capaz de precisar, em termos concretos, o tipo de “consultoria de investimentos”.

f) Conclui pronunciando-se pela improcedência do pedido, ou seja, pela manutenção dos actos de liquidação.

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 22 de abril de 2019, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida (AT) em 23 de abril de 2019.

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 14 de junho de 2019.

6. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 5 de julho de 2019.

8. No dia 15 de outubro de 2019 teve lugar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, durante a qual foram prestadas declarações pela testemunha D..., arrolada pela Requerente.

9. Foi concedido às Partes prazo para alegações sucessivas facultativas, o que ambas as partes fizeram.

10. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

11. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

12. O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

II. MATÉRIA DE FACTO:

A. Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

i)             A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica a “comércio de imóveis, compra, venda de prédios e revenda dos adquiridos para esse fim, construção de edifícios, remodelação dos mesmos, arrendamento de imóveis, bem como a prestação de todos os serviços relacionados, entre os quais se inclui a administração de imóveis, a gestão de centros de serviços de atendimento e a cessão da utilização de espaços em imóveis, bem como de qualquer equipamento relativo às actividades supra mencionadas.”

ii)            Foi objeto de uma inspeção tributária, credenciada pela Ordem de Serviço OI2016..., levada a cabo pela Equipa ... da Divisão II do Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, que incidiu no exercício de 2014;

iii)           Na sequência da referida inspeção tributária, a Requerente foi notificada da demonstração de acerto de contas relativa ao IVA, para pagar 22.993,24 €, até 25/05/2018 bem como da demonstração de acerto de contas relativa aos juros compensatórios, para pagar 4.817,99 €, até 25/05/2018.

iv)           Em 21/09/2018, a Requerente, por não concordar com o teor do relatório e, em consequência, das liquidações adicionais e das demonstrações de acerto de contas, apresentou reclamação graciosa, não tendo sido notificada de qualquer decisão quanto à reclamação graciosa.

v)            A B... prestava consultoria relativa a potenciais investimentos imobiliários, bem como fundos de investimento imobiliário, explorando a vertente de administração e gestão de imóveis; com o objetivo de munir as clientes das informações relevantes para poderem exercer a sua atividade com a maior base de elementos possível.

vi)           A Requerente contratou a B... para prestar diversos tipos de serviços ligados a investimentos imobiliários.

vii)          A Sociedade C..., S.A. tinha vários imóveis em carteira, alguns dos quais foram vendidos a clientes da Requerente.

viii)         O período que mediava entre a angariação de um cliente, por parte da Requerente, e a celebração da escritura definitiva de compra e venda era, em alguns casos, de mais de dois anos.

ix)           As faturas 27 e 28 da B..., de Dezembro de 2014, em que foi deduzido o IVA, referem-se a operações iniciadas em 2014 e dizem respeito a factos relacionados com a Sociedade C..., S.A..

x)            A Requerente deduziu o IVA num total de 23.000 € das duas faturas descritas no número anterior, em virtude de as mesmas evidenciarem serviços adquiridos para a realização de operações ativas sujeitas a imposto e dele não isentas faturados em 19/4/2017 à Sociedade C..., S.A., relacionadas com investimentos imobiliários.

xi)           A Sociedade C..., S.A. outorgou em 2016, na qualidade de procuradora, escrituras de compra e venda de imóveis.

 

B. Factos não provados

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

C. Fundamentação da fixação da matéria de facto

O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), nas declarações prestadas pela testemunha arrolada pela Requerente e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes, bem como na análise do processo administrativo anexado pela Requerida AT.

A testemunha D... foi admitida na sequência de despacho arbitral emitido em 20/09/2019, no qual se afirmou que “Na petição inicial, a Requerente solicita a produção de prova testemunhal que a Requerida Autoridade Tributária, na resposta, entende ser de indeferir por estar em causa o depoimento do contabilista certificado da Requerente e, por outro lado, pela circunstância de a factualidade poder ser comprovada através de prova documental.

Face ao teor da petição inicial e à resposta apresentada pela Requerida e em ordem a permitir ao Tribunal decidir sobre a produção de prova solicitada, notifique-se a Requerente para, no prazo de 5 dias, informar se mantém a pretensão de audição da testemunha e, em caso afirmativo, referir a que matéria de facto em concreto pretende seja recolhido o depoimento testemunhal.”, ao qual se sucedeu um outro despacho arbitral, emitido no dia 27/9/2019, que admitiu a produção de prova solicitada – incluindo a testemunhal -, determinando a marcação do dia e hora da reunião do artigo 18.º do RJAT para, nomeadamente, proceder à audição da testemunha.

O depoimento da testemunha D... revelou-se consistente.

A testemunha não depôs na qualidade de contabilista certificado da Requerente mas enquanto consultor fiscal desta, mostrando-se conhecedor da realidade do grupo de empresas que envolve a Requerente, nomeadamente as empresas B... e Sociedade C... . Explicou circunstanciadamente os serviços prestados pelas sociedades do grupo, consonantes com o respectivo objecto social, sendo as faturas em apreço nos presentes autos reflexo dessa realidade económica e societária. Nessa conformidade, o depoimento afigurou-se credível.

 

IV.DO DIREITO:

4.1. Nos presentes autos está em causa, fundamentalmente, saber se o descritivo “Consultoria de Investimentos”, constante das faturas 27 e 28 da B..., de Dezembro de 2014, em que foi deduzido o IVA, preenche os requisitos legais.

Trata-se de uma matéria – saber os requisitos formais de uma fatura para efeitos de dedutibilidade do IVA – tratada em diversa jurisprudência, nomeadamente do CAAD, tal como sucedeu nas decisões tomadas nos processos n.º 96/2018-T – que seguiremos em particular -; n.º 3/2014-T; n.º 716/2016-T; n.º 323/2016-T e nº 759/2015-T.

Vejamos.

Discute-se se o teor do descritivo das faturas emitidas pela B..., S.A. à Requerente satisfaz os requisitos de forma previstos no artigo 36.º, n.º 5, alínea b) do Código do IVA, relativamente à denominação e quantidade dos serviços prestados, erigidos em condição para o exercício do direito à dedução pelo artigo 19.º, n.º 2, alínea a) do mesmo diploma.

Caso se conclua pela insuficiência dos descritivos das faturas em causa e, portanto, pela inobservância do conteúdo (mínimo) exigível às faturas, deve aferir-se se a mesma constitui obstáculo ao controlo dos pressupostos substantivos do direito à dedução e, não o sendo, se tais pressupostos se constatam na situação em análise.

 

4.2. O direito à dedução do IVA. Quadro normativo

O exercício do direito à dedução do IVA por parte dos sujeitos passivos de IVA está condicionado ao cumprimento de requisitos formais e materiais. Os primeiros respeitam ao conjunto de formalidades a que deve obedecer a emissão das faturas e os segundos à efetividade das operações e respetiva conexão com atividades exercidas pelos sujeitos passivos que confiram tal direito.

Os requisitos formais das faturas são os enumerados pelo artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA, que dispõe:

“Artigo 36.º

Prazo de emissão e formalidades das faturas

[…]

5 - As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura.

No caso de a operação ou operações às quais se reporta a fatura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável. […]”

Em sentido semelhante dispõe a Diretiva que estabelece o sistema europeu comum do IVA, no seu artigo 226.º, parcialmente transcrito:

“Secção 4

Conteúdo das faturas

Artigo 226.º

“Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente diretiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.º e 221.º o são as seguintes:

1) A data de emissão da fatura;

2) O número sequencial, baseado numa ou mais séries, que identifique a fatura de forma unívoca;

3) O número de identificação para efeitos do IVA, referido no artigo 214.º, ao abrigo do qual o sujeito passivo efetuou a entrega de bens ou a prestação de serviços;

4) O número de identificação para efeitos do IVA do adquirente ou destinatário, referido no artigo 214.º, ao abrigo do qual foi efetuada uma entrega de bens ou uma prestação de serviços pela qual aquele seja devedor do imposto ou uma entrega de bens referida no artigo 138.º;

5) O nome e o endereço completo do sujeito passivo e do adquirente ou destinatário;

6) A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados;

7) A data em que foi efetuada, ou concluída, a entrega de bens ou a prestação de serviços ou a data em que foi efetuado o pagamento por conta, referido nos pontos 4) e 5) do artigo 220.º, na medida em que essa data esteja determinada e seja diferente da data de emissão da fatura;

7-A) Quando o IVA se torna exigível no momento em que o pagamento é recebido em conformidade com a alínea b) do artigo 66.º e o direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, a menção «Contabilidade de caixa»;

8) O valor tributável para cada taxa ou isenção, o preço unitário líquido de IVA, bem como os abatimentos e outros bónus eventuais, se não estiverem incluídos no preço unitário;

9) A taxa do IVA aplicável;

10) O montante do IVA a pagar, salvo em caso de aplicação de um regime especial para o qual a presente diretiva exclua esse tipo de menção;

10-A) Quando a fatura for emitida pelo adquirente ou destinatário da entrega de bens ou da prestação de serviços, e não pelo fornecedor ou prestador, a menção «Autofaturação»;

11) Em caso de isenção, a referência à disposição aplicável da presente diretiva, ou à disposição nacional correspondente, ou qualquer outra menção indicando que a entrega de bens ou a prestação de serviços beneficia de isenção;

11-A) Quando o adquirente ou destinatário for devedor do imposto, a menção «Autoliquidação»; […]”.

A Diretiva IVA equipara, ainda a fatura “qualquer documento ou mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca”, de harmonia com o seu artigo 219.º.

Adicionalmente, com relevo para a situação sub iudice, o artigo 19.º, n.ºs 2 e n.º 6 do Código do IVA prescreve:

“Artigo 19.º

Direito à dedução

[…]

2 – Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo:

a) Em faturas passadas na forma legal;

[…]

6 – Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passadas na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º, consoante os casos.[…]”.

Este enquadramento coordena-se com o disposto no artigo 178.º, alínea a) da Diretiva IVA, segundo o qual:

“CAPÍTULO 4

Disposições relativas ao exercício do direito à dedução

Artigo 178.º

Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições:

a. Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.º, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma fatura emitida nos termos das secções 3 a 6 do capítulo 3 do título XI; […]”.

Por outro lado, na perspetiva dos requisitos materiais o artigo 20.º, n.º 1 do Código do IVA determina o seguinte:

“Artigo 20.º

Operações que conferem o direito à dedução

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em:

I) Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º;

II) Operações efetuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efetuadas no território nacional;

III) Prestações de serviços cujo valor esteja incluído na base tributável de bens importados, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º;

IV) Transmissões de bens e prestações de serviços abrangidas pelas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 e pelos n.ºs 8 e 10 do artigo 15.º;

V) Operações isentas nos termos dos n.ºs 27) e 28) do artigo 9.º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam diretamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade;

VI) Operações isentas nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro.”

Esta norma tem correspondência no artigo 168.º da Diretiva IVA, inserido no Capítulo 1, sob a epígrafe “Origem e âmbito do direito à dedução”, segundo o qual:

“Artigo 168.º

Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

b) O IVA devido em relação a operações assimiladas a entregas de bens e a prestações de serviços, em conformidade com a alínea a) do artigo 18.º e o artigo 27. º;

c) O IVA devido em relação às aquisições intracomunitárias de bens, em conformidade com o artigo 2.º, n.º 1, alínea b), subalínea i);

d) O IVA devido em relação a operações assimiladas a aquisições intracomunitárias, em conformidade com os artigos 21.º e 22.º;

e) O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado–Membro.”

Interessa salientar que o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJ), através do mecanismo do reenvio prejudicial, tem sido continuamente solicitado a interpretar e densificar as regras acima transcritas e os princípios de direito europeu em matéria de IVA referentes às condições de exercício do direito à dedução deste imposto e às consequências do incumprimento de (alguns) requisitos formais na emissão das faturas que o suportam.

Atenta a harmonização comunitária que vigora neste domínio, alicerçada no artigo 113.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), e à face da aplicabilidade do direito europeu, nos termos consagrados no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), regida pelos parâmetros do primado e da aplicação uniforme, a leitura das normas nacionais não pode deixar de atender à interpretação do TJ descrita no ponto seguinte.

 

4.3. Sobre a relevância dos requisitos formais na jurisprudência do TJ e consequências do seu incumprimento:

A primeira questão que se suscita prende-se com a suficiência do discriminativo constante das faturas emitidas à Requerente, cuja dedução foi rejeitada pela AT, mais concretamente em saber se aquele observa as condições mínimas de detalhe estabelecidas pelo artigo 226.º, n.º 6 da Diretiva IVA, acima transcrito, segundo o qual as faturas devem obrigatoriamente mencionar “a extensão e natureza dos serviços prestados”.

Sobre esta questão, o TJ considerou insuficiente um descritivo que continha apenas a indicação de “serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente”, por ser demasiado genérico para identificar a concreta natureza dos serviços em causa e a sua extensão, sem prejuízo de não entender obrigatória a descrição dos serviços prestados de forma exaustiva.

Para o TJ “a finalidade das menções que devem obrigatoriamente constar da fatura consiste em permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA” e é à luz desta finalidade que importa analisar se as faturas respeitam as exigências do artigo 226.º, n.º 6, da Diretiva IVA – cf. acórdão do TJ, de 15 de setembro de 2016, Barlis, C-516/14, n.ºs 26, 27 e 28.

Observe-se que estas exigências podem ser supridas através de documentos conexos com as faturas, que a estas possam ser equiparados, nos termos do artigo 219.º da referida diretiva, na qualidade de documentos que alteram a fatura inicial e a ela façam referência específica e inequívoca (cfr. acórdão Barlis, parágrafo 34).

No entanto, o TJ não considera que seja inevitável o afastamento do direito à dedução, como consequência de uma violação do artigo 226.º, n.º 6 da Diretiva IVA.

Para o Tribunal de Justiça da União Europeia, “o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais.

Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C-385/09, EU:C:2010:627, n.º 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C-280/10, EU:C:2012:107, n.º 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, n.ºs 58, 59 e jurisprudência aí referida).” – cf. Acórdão Barlis, parágrafo 42.

Assim, o TJ conclui que o artigo 178.º, alínea a) da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito à dedução do IVA pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.º 6 desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos – cf. acórdão Barlis, parágrafo 43 e dispositivo.

Esta posição já tinha sido anteriormente sufragada nos Acórdãos de 30 de setembro de 2010, Uszodaépito kft, C-392/09; de 21 de outubro de 2010, Nidera, C-385/09; de 1 de março de 2012, Kopalnia (ou Polsky Trawertyn), C-280/10; de 27 de setembro de 2012, VSTR, C-587/10; de 8 de maio de 2013, Petroma, C-271/12; de 18 de julho de 2013, Evita-K EOOD, C-78/12; de 6 de fevereiro de 2014, SC Fatorie, C-424/12 e de 11 de dezembro de 2013, Idexx Laboratories, C-590/13.

Esta jurisprudência constante do TJ afirma que, sem prejuízo da importante função documental da fatura, na medida em que pode conter dados controláveis, conquanto estejam cumpridos e demonstrados os requisitos substantivos, a não observância das formalidades não pode, em princípio, levar à supressão do direito à dedução do IVA, reforçando que este “garante a neutralidade na aplicação do IVA, pelo que não poderá ser recusado somente porque os sujeitos passivos negligenciaram certos requisitos formais, quando os requisitos substantivos tenham sido cumpridos” – cf. Acórdão Uszodaépito kft, n.º 38).

Na interpretação do TJ, a exigência de dispor de fatura em todos os pontos conforme com as disposições da Diretiva IVA teria uma consequência inaceitável: a de pôr em causa o direito à dedução do sujeito passivo, quando os dados podem ser validamente comprovados através de outros meios que não sejam uma fatura – cf. n.º 48 do Acórdão Kopalnia.

Acresce, neste ponto, e conforme referido na decisão arbitral n.º 3/2014-T, de 6 de dezembro de 2016, ao convocar o Acórdão de 12 de julho de 2012, EMS Bulgaria, C-284/11, “que coloca a questão dos efeitos associados ao incumprimento de formalidades no domínio sancionatório e não no plano (bem distinto) dos efeitos impeditivos ou extintivos do exercício do direito (substantivo) à dedução”.

O referido entendimento tem sido reforçado em jurisprudência posterior, designadamente no Acórdão de 15 de novembro de 2017, Rochus Geissel, C-374/15, que recorda que o direito à dedução do IVA não pode, em princípio, ser limitado, e que o regime de deduções visa libertar completamente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas, pelo que a dedução do IVA pago a montante deve ser concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (n.ºs 40 a 46 do Acórdão Rochus Geissel).

De igual forma, o Acórdão de 15 de setembro de 2016, Senatex, C-518/14, reitera a anterior posição antiformalista e perfilha o entendimento de que, caso ocorra a retificação de faturas que contenham erros (ou omissões), a mesma produz efeitos (retroativos) à data em que as faturas foram inicialmente elaboradas – Acórdão Senatex, n.ºs 35 a 43 e dispositivo.

Porém, em situações de fraude, por exemplo, quando a violação das “exigências formais tiver por efeito impedir a prova certa de que as exigências materiais foram observadas”, o TJ confirma a admissibilidade, à luz do direito europeu, da recusa do direito à dedução.

Neste caso, é necessário que se demonstre que o sujeito passivo “não cumpriu fraudulentamente, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a maior parte das obrigações formais que lhe incumbiam para poder beneficiar deste direito.” – cf. Acórdão de 28 de julho de 2016, Giuseppe Astone, C-332/15, n.º 42 e ponto 2 do dispositivo.

A doutrina nacional é parametrizada pela jurisprudência europeia. Segundo Sérgio Vasques, “[a] complexidade que reveste o regime das faturas e a margem de liberdade que ainda é deixada aos estados-membros nesta matéria têm levado à multiplicação de litígios junto do TJUE relativos aos requisitos formais para o exercício do direito à dedução do IVA. Nas suas decisões o tribunal, reiterando embora a função da fatura como suporte do direito à dedução, em correspondência com o artigo 178.º da Diretiva, tem permitido que sobre este requisito de forma prevaleça a substância das operações, sempre que isso se mostre necessário para garantir a neutralidade do IVA e não coloque risco demasiado” – cf. O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2015, pp. 340-345 (excerto de p. 341).

Miguel Durham Agrellos e Paulo Pichel, também com apoio na jurisprudência comunitária, consideram que os vícios formais apenas são passíveis de impedir o direito à dedução se puserem “razoavelmente em causa a capacidade de cobrança correta do imposto e de fiscalização pelas autoridades tributárias, de tal modo que esta não está em condições de conhecer a realidade material subjacente, em face dos elementos apresentados pelo sujeito passivo” – cf. “Jurisprudência do TJUE sobre Exigências de Forma das Facturas e Direito à Dedução do IVA”, Cadernos IVA 2015, Coord. Sérgio Vasques, Almedina, 2015, pp. 191-211 (o excerto de p. 194).

Também Cidália Lança refere que “de acordo com a jurisprudência daquele Tribunal [TJ], o princípio da neutralidade exige que a dedução do IVA seja concedida se os requisitos substantivos tenham sido cumpridos, mesmo se os sujeitos passivos tiverem negligenciado certos requisitos formais” – cf. Anotação ao artigo 36.º do Código do IVA: Código do IVA e RITI Notas e Comentários, Coord. e Organização Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, Almedina, 2014, p. 340.

 

4.4. Análise do caso concreto:

A efetiva prestação de serviços por parte da B..., S.A. à Requerente não vai questionada nos autos, nem nas liquidações controvertidas.

Também não se manifestaram, ou foram sequer alegados, quaisquer indícios de fraude ou de abuso por parte destas entidades.

É, portanto, no quadro do normal desenvolvimento das atividades e relações económicas entre a B..., S.A., e a Requerente, conforme ressalta da matéria de facto fixada, que se inserem as faturas cujo IVA foi considerado não dedutível pela AT, com base no argumento de que não estão cumpridos os respetivos requisitos formais relativos à descrição dos serviços prestados e no facto deste incumprimento constituir um obstáculo ao controlo dos pressupostos materiais do exercício do direito à dedução, impedindo a determinação da natureza e quantidade dos serviços e do imposto que lhes está subjacente.

As referidas faturas contêm um descritivo de “Consultoria de investimento”.

Cabe aqui recordar que, conforme salienta o TJ, o descritivo das faturas não tem de ser exaustivo e não constitui um fim em si mesmo. Ele é instrumental à finalidade de controlo das operações, do pagamento devido (v.g., taxas, isenções) e da existência do direito à dedução.

Tendo em conta a matéria dada como provada, nomeadamente o objecto social das sociedades envolvidas – B...; a Requerente e a Sociedades C...- ; as relações comerciais existentes entre estas e o tipo de serviços prestados - consonantes com o respectivo objecto social - afigura-se ser razoavelmente percetível a natureza dos serviços prestados pela B..., S.A. à Requerente e o respetivo valor, pelo que se encontram acauteladas as finalidades de controlo do pagamento do imposto, desde logo no que se refere a taxas e isenções, tendo sido sempre aplicada a taxa máxima e liquidado o correspondente IVA.

Estas faturas permitem “reconstituir que serviço foi prestado e qual o seu custo”, nos moldes preconizados pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), de 4 de outubro de 2017, no processo n.º 1141/16.

Deste modo, a Requerente logrou complementar a informação das faturas dos serviços adquiridos à B..., ressaltando com meridiana clareza a natureza dos serviços adquiridos e a sua conexão direta e imediata com a atividade da Requerente, por consubstanciarem serviços relacionados com o objecto social da mesma, não existindo fundamento atendível para que lhe seja vedado o direito à dedução do respetivo IVA.

Entende-se, pois, que, no caso, a Requerente satisfez o ónus da prova que lhe incumbia, nos termos do artigo 74.º n.º 1 da Lei Geral Tributária.

Na verdade, e ao contrário do pretendido pela Requerida AT, não se pode comparar o descritivo das faturas sub judice - “Consultoria de investimento” - com situações invocadas pela Requerida AT, em jurisprudência do TCA, como a mera referência, em faturas, à "prestação de serviços" (cfr. artigo 32.º da resposta e acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”), proferido a 2009-05-19, no âmbito do processo n.º 03026/09).

A reconstituição que é possível fazer do âmbito dos serviços prestados - “Consultoria de investimento” – ainda que possa ser entendida como tendo sido realizado de forma deficiente, sempre permitiria convocar, para esta decisão, o entendimento constante do processo nº 561/2017-T, de harmonia com o qual “o incumprimento (ou o deficiente cumprimento, que, para o caso, tanto vale, já que todos os requisitos das facturas são essenciais) das exigências formais relativas às facturas não tem como consequência fatal a sua desconsideração para efeitos do direito ao reembolso do IVA.”

Em suma, a Requerida AT incorre em erro nos pressupostos de facto e de direito, porquanto, ao contrário da sua argumentação, não se afigura que o descritivo constante das faturas não permita assegurar o controlo dos pressupostos materiais do exercício do direito à dedução pela Requerente.

Face ao exposto, o ato tributário de liquidação adicional de IVA, relativo ao ano de 2014, enferma de vício substantivo e deve ser anulado, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”).

 

4.5. Atos de liquidação de juros compensatórios e de mora

Considerando que, na situação sub judice, os juros, compensatórios e de mora, incidem sobre a dívida tributária de IVA e que a mesma é anulada in totum, nos termos e pelas razões acima expostas, os atos de liquidação de tais juros partilham de idênticos vícios e desvalor invalidante, devendo, por isso, ser também anulados.

A este propósito, cabe assinalar que os juros de mora (previstos nos artigos 44.º da LGT e 86.º do CPPT), ao contrário dos juros compensatórios (do artigo 35.º da LGT) e dos juros indemnizatórios (do artigo 43.º da LGT), não fazem parte das realidades que, nos termos do elenco do n.º 1 do artigo 30.º da LGT, integram a relação jurídica tributária. Dito de outro modo, incidem sobre a dívida tributária, mas não partilham da natureza desta.

No entanto, de acordo com o disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, diploma que estabelece o regime dos juros de mora das dívidas ao Estado e outras entidades públicas, os devedores podem impugnar a liquidação de juros moratórios nos termos e com os fundamentos previstos atualmente no CPPT, pelo que a forma processual própria para a discussão destes juros é a impugnação judicial, como decidido pelo Acórdão do TCASul, de 26 de Junho de 2012, processo n.º 04704/11.

Dada a equiparação da ação arbitral ao processo de impugnação judicial, cabe nos poderes de cognição e pronúncia dos Tribunais Arbitrais, à semelhança dos Tribunais Tributários, a apreciação e declaração da (i)legalidade dos juros compensatórios e de mora (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e b) do RJAT), pelo que este Tribunal conclui pela invalidade das liquidações de juros supra identificadas, que devem ser anuladas.

 

4.6. Dos juros indemnizatórios:

A Requerente procedeu ao pagamento do imposto apurado no montante de 22.993,24 € (vinte e dois mil novecentos e noventa e três euros e vinte e quatro cêntimos).

Acontece, como vimos supra, que as liquidações estão inquinadas por vício de violação de lei, tendo aquele montante sido pago indevidamente.

Nos termos do disposto no artigo 100.º da LGT a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

Os atos de liquidação são da inteira responsabilidade da Requerida AT tendo conduzido a um pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido estando, pois, inquinado por vício de violação da lei, tendo sido praticado por erro imputável aos serviços, pelo que a Requerente tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

Com efeito, nos termos do artigo 43.º da LGT são devidos juros indemnizatórios quando exista erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data do pagamento sendo calculados com base no respetivo valor, até à integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil, à taxa legal em vigor.

 

V. DECISÃO:

Nestes termos, acorda este Tribunal Arbitral em:

a. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b. Declarar a ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida e a consequente anulação da liquidação adicional de IVA de 2014, no valor de 22.993,24 €, com os juros compensatórios no valor de 4.817,99 €, bem como das respetivas demonstrações de acerto de contas, tudo no valor de 27.811,23 € (vinte e sete mil, oitocentos e onze euros e vinte e três cêntimos) e respectivos juros indemnizatórios.

c. Condenar a Requerida AT no pagamento das custas do processo.

 

VI. Valor do processo:

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 27.811,23 € (vinte e sete mil, oitocentos e onze euros e vinte e três cêntimos).

 

VII. Custas:

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.530 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida AT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 29 de novembro de 2019

O Árbitro

 

(Nuno Cunha Rodrigues)