Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 288/2019-T
Data da decisão: 2019-11-20  IRS  
Valor do pedido: € 25.958,70
Tema: IRS – Mais-Valias imobiliárias – Valor de realização.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO

Em 22 de abril de 2019, A..., com o NIF..., e B..., com o NIF..., casados entre si e ambos com domicílio na Rua ..., nº..., ...-... Lisboa (doravante designados conjuntamente por Requerentes e, individualmente por Requerente), vieram, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e 11º, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2013..., referente ao ano 2009, no montante total de € 25 958,00 (vinte e cinco mil, novecentos e cinquenta e oito euros), valor económico que atribuem ao pedido.

 

Para efeitos do disposto no artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, juntam os Requerentes cópia da Certidão emitida em 19 de abril de 2019 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, Unidade Orgânica ... (Código de acesso: ...), referente à desistência do processo de Impugnação Judicial n.º .../14...BELRS, que teve por objeto a mesma liquidação de IRS de 2009, n.º 2013... .

 

Os Requerentes pedem a condenação da Requerida no reembolso da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

Síntese da posição das Partes

1.            Dos Requerentes:

Como fundamentos do pedido de anulação da liquidação impugnada, aduzem os Requerentes, em síntese, o seguinte:

a.            A liquidação adicional de IRS do ano de 2009, objeto do pedido de pronúncia arbitral, foi emitida na sequência da correção à matéria coletável, da quantia de € 49 2018,76, promovida no âmbito de um procedimento de inspeção tributária da Direção de Finanças de ..., relativa à venda de bens imóveis da Requerente.

b.            A referida correção decorreu da aplicação do disposto no artigo 44.º, n.º 2, em conjugação com a alínea f) do n.º 1 do mesmo artigo, do Código do IRS, que a AT interpreta como estabelecendo a presunção juris et de jure de que os valores de realização a considerar na liquidação do imposto serão, quando superiores, “os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de sisa ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida”, que prevalecerão sobre o valor da respetiva contraprestação.

c.            A Requerente, conjuntamente com a sua mãe e irmãs, alienou, em 2009, cinco lotes de terreno para construção inscritos na matriz predial da freguesia e concelho de ..., atribuindo a cada um o valor unitário de € 100 000,00.

d.            O valor da venda dos lotes de terreno, superior ao valor patrimonial tributário do prédio rústico do qual provinham, foi o valor normal de mercado tendo sido alienados a uma sociedade comercial, parcialmente detida pelo Município de ... .

e.            Em abril de 2009, foi a Requerente notificada da atribuição do valor patrimonial tributário aos mencionados imóveis; contudo, não reagiu a tais avaliações, uma vez que se referiam a imóveis já alienados e as notificações não mencionavam que o excesso daqueles montantes sobre o preço da venda seria tributado adicionalmente em sede de IRS.

f.             A parcela do preço destinada à Requerente corresponde à quota-parte de 9,375% que a mesma detinha nos mencionados imóveis, herdados do seu pai em 01/07/1991, conforme declarado no anexo G à declaração modelo 3 de IRS do ano de 2009.

g.            Ora, a norma do n.º 2 do artigo 44.º, do Código do IRS, concretizadora da norma de incidência, constitui uma ficção jurídica assente numa presunção quanto ao valor de realização, determinante da inversão do ónus da prova, com o objetivo de prevenção do abuso das formas jurídicas e da evasão fiscal, consubstanciando uma das formas de determinação indireta da matéria coletável.

h.            Decorre dos princípios constitucionais da igualdade e da tributação de acordo com a capacidade contributiva revelada, que a determinação do rendimento tributável seja, em regra, feita através da avaliação direta, apurada, preferencialmente, de acordo com a declaração do contribuinte e segundo os critérios próprios de cada tributo, destinados a apurar a sua capacidade contributiva.

i.             Também a regra geral contida no artigo 73.º, da Lei Geral Tributária, manda prevalecer sempre a situação de facto concreta sobre a situação presumida, ao dispor que “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”.

j.             Ao não apreciar as provas apresentadas pela Requerente, a Administração Tributária fez uma errónea interpretação da norma contida no n° 2 do artigo 44.º, do Código do IRS, e uma errada aplicação ao caso concreto, pois resulta evidente que a declaração de rendimentos apresentada pelos Requerentes relativamente ao exercício em causa contém o preço efetivamente praticado na venda dos mencionados imóveis, deles resultando, por conseguinte, a mais-valia real e não fictícia, por si obtida.

Termos em que, juntando cópias da certidão de desistência da instância no processo de Impugnação Judicial acima identificado, das respetivas petição inicial e procuração forense conferida pelos Requerentes em 29 de setembro de 2013, contestação, alegações finais, articulado superveniente e parecer do Ministério Público, concluem os Requerentes pela inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 44.º, do Código do IRS, peticionando a anulação da liquidação de IRS de 2009, por ausência de facto tributário, assim como a restituição do valor por si indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos legais.

 

2.            Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta na qual, reiterando os argumentos expendidos em sede de contestação no processo de Impugnação Judicial n.º .../14...BELRS, veio defender a legalidade e a manutenção do ato de liquidação impugnado, com os seguintes fundamentos:

a.            A liquidação adicional de IRS n.º 2013..., referente ao ano de 2009, resultou de correções aos valores de realização e de aquisição declarados no quadro 4 do Anexo G da Declaração de Rendimentos, Modelo 3, na qual, para efeitos da determinação do valor de realização, os Requerentes tiveram em consideração o preço mencionado na escritura pública de compra e venda;

b.            Porém, nos termos do artigo 44.º, n.º 1 alínea f), do CIS, conjugado com o seu n.º 2, considera-se no apuramento das mais-valias obtidas na alienação de direitos reais sobre imóveis, como valor de realização o maior dos seguintes valores: o da contraprestação obtida ou o valor por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de IMT (Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis).

c.            As correções efetuadas não se basearam em presunções, mas antes no conceito de “valor de realização” previsto no artigo 44.º do CIRS, pois o VPT dos cinco imóveis alienados é superior ao valor da contraprestação mencionada na escritura pública, tendo sido este o valor considerado para efeitos de liquidação de IMT, nos termos do disposto no artigo 12.º do CIMT.

d.            Nem os Requerentes lançaram mão dos meios de reação que lhes assistiam para contestar o VPT apurado, que se consolidou na ordem jurídica como “caso resolvido”, também para efeitos do n.º 2 do artigo 44.º, do CIRS.

e.            Entendem os Requerentes haver violação do artigo 73.º, da LGT, alegando que o artigo 44.º n.º 2, do CIRS é uma norma de incidência e que, por isso, admite prova em contrário.

f.             Contudo, esta norma insere-se no capítulo da “Determinação do rendimento colectável”, partindo os Requerentes do pressuposto errado de que contém uma presunção, quando consagra um critério objetivo do valor fiscal de transmissão, não havendo lugar à aplicação do artigo 73.º, da LGT.

g.            No que se refere à alegada verificação de inconstitucionalidade da norma contida no n.º 2 do artigo 44.º, do CIRS, por violação do n.º 1 do artigo 103.º, do artigo 13.º e do n.º 1 do artigo 104.º, todos da CRP, não têm os Requerentes razão.

h.            A avaliação efetuada em sede de IMI e os efeitos que o seu resultado projeta no apuramento do saldo das mais-valias em sede da categoria G de IRS, conforme estatuição do n.º 2 do artigo 44.º do respetivo código, em nada se relaciona com o princípio da capacidade contributiva ou da tributação do rendimento real, pelo que a liquidação não padece de ilegalidade ou ofensa de quaisquer princípios constitucionais, tendo sido efetuada de acordo com as normas legais aplicáveis.

i.             Caso assim se não entenda, dir-se-á que o direito a juros indemnizatórios, previsto no n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, resultante da anulação judicial de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Tributária.

j.             Uma vez que, à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei, vinculadamente, nos termos em que como órgão executivo está adstrito constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços para efeitos do artigo 43º da LGT.

 

Contesta ainda a AT o valor de € 25 958,70 atribuído pelos Requerentes ao pedido, face ao disposto no artigo 97.º -A, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pois em caso de anulação da liquidação apenas haverá lugar à restituição do valor efetivamente pago, de € 18 889,02, por adesão ao regime excecional de regularização de dívidas, aprovado pelo decreto-lei n.º 151-A/2013, de 31.10.

 

A Requerida protesta juntar o processo administrativo oportunamente remetido Tribunal Tributário de Lisboa, sem prejuízo de o mesmo vir a ser pedido diretamente pelo tribunal arbitral.

 

Pelo despacho arbitral de 25 de setembro de 2019, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, assim como a dispensa de remessa do processo administrativo, se os Requerentes a tal se não opusessem. Foi ainda determinado que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas pelo prazo de 15 dias, com início nos Requerentes, tendo-se fixado o dia 22 de novembro de 2019, como data para a prolação da decisão arbitral e advertidos os Requerentes para cumprimento do disposto no artigo 4º, n.º 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Por requerimento de 1 de outubro de 2019, vieram os Requerentes informar prescindirem de alegações escritas, remetendo para os articulados juntos ao pedido de constituição do tribunal arbitral.

 

A Requerida não produziu alegações.

 

Por requerimento de 4 de novembro de 2019, os Requerentes juntaram cópia da decisão arbitral proferida no processo n.º 331/2019-T.

 

II. SANEAMENTO

1.            O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 2 de julho de 2019, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

2.            As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

3. Não foram invocadas exceções que ao tribunal arbitral cumpra apreciar e decidir.

4.            O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

A – Factos provados:

1.            Por escritura pública celebrada em 9 de março de 2009 no Cartório Notarial de ... e ali registada a fls. 154-122, Lv.º ..., a Requerente, por si e na qualidade de procuradora de outras quatro vendedoras, alienou pelo preço global de € 500 000,00 e unitário de € 100 000,00, cinco lotes de terreno para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia e concelho de ... sob os artigos provisórios ..., ..., ..., ... e..., respetivamente (cópia junta ao pedido de pronúncia arbitral, adiante ppa, que se dá como reproduzida);

2.            Todos os referidos lotes de terreno para construção provieram do prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo ..., com a área de 64 752,50 m2, adquirido por via sucessória em 1991, sendo a quota hereditária da Requerente de 9,375% (artigos 17 e 18 da Resposta da AT);

3.            Por ofícios do Serviço de Finanças de ..., datados de 24 de março de 2009, foi o cabeça de casal da herança do pai da Requerente, C..., notificado dos valores patrimoniais tributários (VPT) atribuídos a cada um dos lotes de terreno para construção, apurados nos termos do artigo 45.º, do CIMI (cópias juntas ao ppa, que se dão como reproduzidas):

a.            Ao artigo ..., o VPT de € 189 720,00 (registo dos CTT n.º RY...PT); b. Ao artigo ..., o VPT de € 508 590,00 (registo dos CTT n.º RY...PT); c. Ao artigo..., o VPT de € 211 160,00 (registo dos CTT n.º RY...PT); d. Ao artigo ..., o VPT de € 416 130,00 (registo dos CTT n.º RY...PT) e, e. Ao artigo..., o VPT de € 224 300,00 (registo dos CTT n.º RY...PT);

4.            Em 25 de maio de 2010, os Requerentes entregaram a declaração modelo 3 de IRS referente aos rendimentos do ano de 2009, a que foi atribuído o n.º..., integrando um anexo G, em cujo quadro 4 foi declarada a alienação dos prédios já identificados, pela quantia de € 9 375,00, no correspondente à quota-parte da Requerente em cada um deles, bem como a aquisição da parte respetiva, em 1991, pelo valor de € 1,82, cada (artigos 10 e 11 da Resposta da AT);

5.            Com base na referida declaração modelo 3, foi efetuada a liquidação de IRS n.º 2010..., da quantia de € 4 523,56, paga pelos Requerentes em 14 de julho de 2010 (artigos 12 e 13 da Resposta da AT);

6.            Através das ordens de serviço n.ºs DI2013... e OI2013..., a Direção de Finanças de ..., mediante prévia autorização do Diretor de Finanças de Lisboa, iniciou em 4 de julho de 2013 um procedimento de inspeção interno, de âmbito parcial (rendimentos da categoria G de IRS), incidente sobre o ano de 2009 (Relatório da Inspeção Tributária, adiante, RIT, com cópia junta à Resposta da AT, que se dá como reproduzido);

7.            No referido procedimento de inspeção foram propostas correções aos valores de aquisição e de alienação dos prédios vendidos pela Requerente, de que resultou a correção aos rendimentos de mais-valias no montante de € 49 218,76 (pág. 7 do RIT);

8.            As correções aos valores de aquisição tiveram o fundamento de os “imóveis alienados terem origem em parte do artigo rústico n.º..., o valor a considerar para efeitos de apuramento da mais-valia de cada um dos imóveis alienados será proporcional à sua área (em metros quadrados). Assim, uma vez que o artigo rústico tinha a área de 64 750,50 m2 e o valor que serviu de base à liquidação de imposto sucessório de € 934,33, o valor de cada metro quadrado é de € 0,01443 (…)” (pág. 6 do RIT);

9.            Os valores de aquisição dos imóveis alienados sofreram as correções constantes do quadro que segue (…)” (pág. 6 do RIT):

Artigo   Área (a)                Valor m2 (b)      Valor aquisição (c)=(a)x(b)          Quota-parte (d) Valor de aquisição a declarar (e)=(c)x(d)

...            360         0,01443                5,19       9,375% 0,49

...            865         0,01443                12,48     9,375% 1.17

...            460         0,01443                6,64       9,375% 0,62

...            834         0,01443                12,03     9,375% 1,13

...            439         0,01443                6,33       9,375% 0,59

10.          A justificação para as correções aos valores de realização foi a de que “Nos termos do n.º 1 al. f) e n.º 2 artigo 44.º do Código do IRS, considera-se no apuramento das mais-valias obtidas na alienação de direitos reais sobre bens imóveis, como valor de realização (de alienação) o maior dos seguintes valores: o valor da contraprestação obtida; ou o valor por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de IMT (Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis) ” (…)” (pág. 5 do RIT);

11.          O valor de realização corrigido, correspondente à quota-parte da Requerente sobre o VPT atribuído na avaliação a cada imóvel, foi de € 17 768,25; € 47 680,31; € 19 796,25; € 39 012,19 e € 21 028,13, respetivamente (pág. 6 do RIT);

12.          Da aplicação ao valor de aquisição do coeficiente de desvalorização da moeda a que se refere o artigo 50.º, do Código do IRS, previsto na Portaria n.º 772/09, de 21.07 para o ano de aquisição (1991), resultou o apuramento da mais-valia corrigida, no valor global de € 65 331,84, traduzido num acréscimo de € 49 218,76 ao rendimento coletável declarado de € 89 874,10, que passaria para € 139 092,86 (pág. 7 do RIT);

13.          Notificada do projeto de RIT pelo ofício ... da Direção de Finanças de ..., de 17.09.2013, a Requerente exerceu atempadamente o direito de audição, nos termos dos artigos 60.º, da LGT e 60.º, do RCPITA, no qual defendeu que a norma do n.º 2 do artigo 44.º, do Código do IRS continha uma presunção que pretendia ilidir, “ juntando para o efeito um conjunto de documentos que comprovam o efetivo recebimento da parte que lhe coube na alienação dos imóveis (a fotocópia do cheque recebido e dos talões de depósito (…), disponibilizando-se a colaborar na obtenção de outros documentos, propondo o levantamento do sigilo bancário” (pág. 9 do RIT e docs. juntos ao ppa, que se dão como reproduzidos);

14.          Considerando a AT que as correções propostas são de natureza técnica, decorrendo em exclusivo da aplicação do disposto no artigo 44.º, n.º 1, alínea f) e n.º 2, do Código do IRS, viria o RIT a assumir caráter definitivo, servindo de base à emissão da liquidação de IRS ora impugnada;

15.          A liquidação de IRS n.º 2013..., da quantia de € 25 958,70, foi objeto da ... e acrescida do valor da liquidação de juros compensatórios n.º 2013..., de cujo saldo resultou o valor a pagar de € 21 435,14 constante da nota de cobrança n.º 2013..., com data limite de pagamento em 08.01.2014 (cfr. docs. juntos ao ppa, que se dão como reproduzidos);

16.          Em 11.12.2013, a Requerente procedeu ao “pagamento parcial de IRS sem juros”, através do documento de cobrança n.º 2013..., pela quantia de € 18 889,02 (Docs. juntos ao ppa, que se dão como reproduzidos);

17.          Em 12.03.2014, deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa ... o requerimento inicial de impugnação judicial da liquidação de IRS n.º 2013..., referente ao ano de 2009, ali autuado sob o n.º ... e remetido ao Tribunal Tributário de Lisboa, por ofício de 19.03.2014, dando origem ao processo n.º .../14...BELRS (Docs. juntos ao ppa, que se dão como reproduzidos);

18.          No âmbito do processo de impugnação judicial n.º .../14...BELRS, o Representante da Fazenda Pública apresentou contestação, foram produzidas alegações escritas, os Requerentes apresentaram articulado superveniente contendo cópia do Acórdão n.º 211/2017 do Tribunal Constitucional e em 30.11.2017 e o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu Parecer no sentido da procedência da impugnação (Docs. juntos ao ppa, que se dão como reproduzidos);

19.          Em 18.04.2019, os Requerentes requereram a desistência da instância no processo de impugnação judicial n.º .../14...BELRS, para efeitos do disposto no artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15.10, tendo o Tribunal Tributário de Lisboa –... Unidade Orgânica emitido a certidão com o Código de acesso1: ..., em 19.04.2019 (doc. 1 junto ao ppa, que se dá como reproduzido);

20.          O pedido de constituição do tribunal arbitral deu entrada no CAAD em 22.04.2019.

 

B – Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

C – Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados decorreram da análise crítica dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral e à resposta da AT, bem como da posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados.

 

III.2 DO DIREITO

1.            As questões decidendas:

A principal questão a decidir no processo consiste em saber qual o valor de realização atendível para efeitos de determinação dos rendimentos de mais-valias na alienação de direitos reais sobre imóveis, à data dos factos: se o valor comprovadamente recebido pelo alienante a título de preço ou se o valor patrimonial tributário atribuído ao imóvel em avaliação efetuada ao abrigo das normas do Código do IMI e que serviu de base à liquidação adicional de IMT, em data posterior à da venda.

 

Subsequentemente, há a decidir as questões relativas ao direito da Requerente a juros indemnizatórios, nos termos peticionados, e ao valor do processo para efeito de determinação da taxa arbitral.

 

1.1.        Valor de realização para efeitos do cálculo da mais-valia pela alienação de bens imóveis

As mais-valias constituem incrementos patrimoniais (artigo 9.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS) ocasionais, não decorrentes do exercício de qualquer atividade, que provêm da valorização de um bem pelo decurso do tempo e que não devam ser considerados rendimentos de outras categorias.

 

Os ganhos de mais-valias gerados pela alienação de bens imóveis (artigo 10.º, n.ºs 1, alínea a) e 4, alínea a), do Código do IRS), eram, à data dos factos, constituídos “pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso”, sendo, em regra, tributados em 50% do respetivo saldo (artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS), apurado após correção monetária do valor de aquisição (artigo 50.º, do Código do IRS) e dedução das despesas e encargos inerentes à sua aquisição e alienação (artigo 51.º, do Código do IRS).

 

Para a determinação quantitativa dos ganhos sujeitos a imposto, necessário se torna precisar os conceitos de valor de aquisição e de valor de realização.

 

No caso concreto dos autos, tratando-se de prédios adquiridos gratuitamente por sucessão hereditária isenta de imposto do selo, é considerado como valor de aquisição o valor que serviria de base à liquidação daquele imposto, caso fosse devido (artigo 45.º, n.º 2, do Código do IRS), em regra, “o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão (…)”, nos termos do artigo 13.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo.

 

O valor de realização, na redação do artigo 44.º, do Código do IRS, em vigor à data dos factos, consistia, regra geral, no “valor da respetiva contraprestação” (n.º 1, alínea f); contudo, dispunha o n.º 2 do mesmo artigo que “tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de sisa ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida”.

 

Consideram os Requerentes que esta norma do n.º 2 do artigo 44.º, do Código do IRS, estabelecia então uma presunção absoluta, inadmissível porque contida numa norma de incidência tributária e, nessa medida, violadora do disposto no artigo 73.º, da Lei Geral Tributária (LGT) e incompatível com o princípio da capacidade contributiva.

 

Contrapõe a Requerida, em suma, que não se está perante uma presunção por não se extrair de um facto conhecido um outro desconhecido, mas antes perante dois factos conhecidos: o valor da venda e o valor da avaliação dos imóveis alienados e que, para além do mais, a norma do artigo 44.º, do Código do IRS, não se carateriza como sendo uma norma de incidência, pois se insere no capítulo referente à determinação do rendimento coletável.

 

Partindo deste último aspeto, importa invocar as referências doutrinais de que a “incidência em sentido amplo (…) abarca todos os pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto (…) e bem assim, os elementos da mesma obrigação, o que a reconduz à definição normativa: 1) do facto ou situação que dá origem ao imposto…: 2) dos sujeitos ativo e passivos (contribuintes, responsáveis, substitutos) da obrigação de imposto; 3) do montante de imposto, em regra (sempre que se não trate de impostos de quota fixa) definido através do valor ou quantidade sobre que recai o imposto (definição ou determinação em abstrato da matéria tributável) da percentagem desse valor ou do montante pecuniário por unidade da matéria tributável a exigir ao contribuinte (…)”

 

Desta perspetiva, também as normas inseridas nos capítulos dos códigos fiscais referentes à determinação da matéria tributável (rendimento coletável na terminologia do Código do IRS) são normas de incidência em sentido lato, por participarem da definição do “quantum” do imposto exigível, não sendo, segundo a doutrina, admissível que contenham presunções absolutas ou juris et de jure, por respeito ao princípio da capacidade contributiva.

 

Este princípio da capacidade contributiva ou capacidade para pagar decorre, nas palavras de Casalta Nabais, do princípio da igualdade, pois como escreve o Autor, “Configurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece dum específico e direto preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é, pois, o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respetiva “constituição fiscal” e não qualquer outro” .

 

Porém, embora não havendo qualquer preceito constitucional que se refira ao princípio da capacidade contributiva, este princípio foi consagrado ao nível infraconstitucional no artigo 4.º, n.º 1, da LGT, nos termos do qual “1 - Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”, constituindo parâmetro da atividade administrativa que, nos termos do artigo 55.º, da LGT, se rege pelos “princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.”.

 

Este princípio da capacidade contributiva enquanto corolário do princípio da igualdade, determina a “ilegitimidade constitucional das presunções absolutas de tributação”

 

Assim, na esteira da jurisprudência do Tribunal Constitucional, a LGT viria a consagrar no seu artigo 73.º, que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, artigo que “deve, por isso, ser interpretado em conformidade com o art. 104.º ns. 1 e 2 da CRP” e de cuja conjugação resulta, segundo Ana Paula Dourado, “uma proibição de recurso às presunções inilidíveis quanto à obtenção do rendimento (…) não se pode presumir a existência em si de rendimentos, porque desta forma prescindir-se-ia em absoluto do pressuposto básico da capacidade contributiva (…)”; por isso  “(…) o legislador também não pode recorrer a (…) ficções e a todas as técnicas presuntivas semelhantes, sempre que (a partir do momento em que) a utilização das mesmas ponha em causa a prevalência do rendimento real (…) .

 

É, por isso, indiferente, que o artigo 44.º, n.º 2, do Código do IRS, à data dos factos, contivesse uma presunção inilidível como defendem os Requerentes, quer a técnica legislativa utlizada se reconduzisse a uma ficção legal como defende a Requerida, pois que em caso de divergência entre o valor declarado no anexo G à declaração modelo 3 de IRS e o valor patrimonial tributário atribuído aos imóveis alienados, no apuramento do rendimento coletável sempre haveria que atender às regras sobre a repartição do ónus da prova.

 

Ora, de acordo com o n.º 1 do artigo 74.º, da LGT, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.” e, como decorre do probatório, os Requerentes ofereceram a prova necessária à correta determinação do seu rendimento coletável de IRS para o ano em causa.

 

Sobre a temática em análise, já o Tribunal Constitucional teve ensejo de se pronunciar no Acórdão n.º 211/2017, processo n.º 285/2015 – 3.ª Secção, de 02.05.2017 , nos seguintes termos, tendo determinado julgar inconstitucional a norma contida no n.º 2 do artigo 42.º, do Código do IRS:

“É certo que, na determinação da matéria coletável, socorre-se muitas vezes o legislador de técnicas presuntivas, justificadas por razões de praticabilidade e simplificação do sistema fiscal. Sirva o expediente constante do artigo 44.º, n.º 2 do CIRS objetivos de praticabilidade, simplificação e eficiência na arrecadação de receitas fiscais (ao fazer prevalecer, sem mais, o VPT sobre o valor do preço declarado), sirva também objetivos de combate à fraude e evasão fiscal, desconsiderando o valor declarado pelos outorgantes da escritura e presumindo que é outro – superior – o valor da transmissão onerosa do imóvel, não se pode perder de vista que a consagração de uma presunção absoluta na determinação dos rendimentos sujeitos a tributação torna a ’verdade’ tão só presumida numa ‘verdade’ definitiva, mesmo que esta não encontre correspondência com a veracidade do rendimento real. E, vedando a prova do contrário, prescinde em definitivo da consideração do rendimento real auferido pelo contribuinte, desvirtuando-se, assim, a ratio e o critério da tributação: a capacidade contributiva.

Considerou o Acórdão n.º 452/2003:

«(…) certos métodos de tributação, pela sua mesma estrutura, podem, afinal, acabar por conduzir à imposição de situações ou realidades em que falece, de todo, a capacidade contributiva, ou (e com maior probabilidade) em que a medida do imposto exigido não tem efectiva correspondência com essa capacidade, indo além (e, porventura, bastante além) dela; é o que ainda Casalta Nabais (O dever fundamental..., págs. 497/498 e 501/502) considera, quando se refere a “soluções tradicionais do direito dos impostos” com suporte no “interesse fiscal”, em particular as “presunções”, considerando esta técnica legislativa “movida por legítimas preocupações de simplificação de praticabilidade das leis fiscais”, mas que “tem de compatibilizar-se com o princípio da capacidade contributiva, o que passa, quer pela ilegitimidade das presunções absolutas, na medida em que obstam à prova da inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva lei, quer pela idoneidade das presunções relativas para traduzirem o correspondente pressuposto económico do imposto”».

No caso vertente, a fixação da matéria coletável através do recurso a métodos presuntivos, sem possibilidade de ilisão, pelo contribuinte, da presunção estabelecida na lei, terá como consequência possível (e plausível) a tributação de ganhos (mais-valias) não efetivamente auferidos pelo contribuinte.

Ora, tal resultado, a final, afronta o próprio desiderato da tributação das mais-valias, se, para mais, a tributação destes rendimentos corresponder ainda à observância do princípio da capacidade contributiva. Segundo SÉRGIO VASQUES, é o próprio princípio da capacidade contributiva que «exige a oneração do rendimento global, qualquer que seja a sua origem, natureza ou destino e daqui resulta necessariamente a exclusão da velha teoria do rendimento-fonte (Quellentheorie, source-income theory), pela qual se integravam no rendimento tributável apenas os fluxos periódicos e regulares de riqueza percebidos pelo contribuinte, uma teoria que serviu de apoio aos impostos cedulares que no passado se abatiam exclusivamente sobre os rendimentos do trabalho, lucros do comércio e da indústria, rendas ou juros. Em vez disso, o princípio exige que se alargue o rendimento tributável a todo o acréscimo patrimonial verificado na esfera do contribuinte em dado período de tempo, tal como ensina a teoria do rendimento-acréscimo (Reinvermögenszugangstheorie, accretion theory), tributando-se também ganhos fortuitos, como as mais-valias, rendimentos do jogo ou doações» (Cfr. Manual de Direito Fiscal, cit., p. 297).

Ora, se o ganho fortuito não existir ou, existindo, ficar muito aquém do estimado, a tributação não será devida. Pelo menos, à luz do princípio da capacidade contributiva ínsito na Constituição portuguesa.

Com efeito, as mais-valias decorrentes da transmissão onerosa de direitos reais sobre imóveis correspondem ao ganho obtido com essa transmissão em face do valor da aquisição anterior do mesmo bem. Ao determinar o rendimento tributável por referência a um ganho presuntivo, sem que ao contribuinte seja dada a possibilidade de demonstrar a inexistência da capacidade contributiva que se pretende tributar, incorre a norma constante do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS - na interpretação desaplicada nos autos - em inconstitucionalidade, por ofensa do princípio da capacidade contributiva acima enunciado.”.

 

Em face da doutrina e da jurisprudência citadas, às quais se adere, entende este tribunal arbitral que não poderá a liquidação de IRS do ano de 2009, objeto do pedido de pronúncia arbitral manter-se na ordem jurídica, pois se justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

 

1.2.        Do pedido de juros indemnizatórios

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

 

São, assim, requisitos cumulativos do direito a juros indemnizatórios: “ – que haja um erro num ato de liquidação de um tributo; – que ele seja imputável aos serviços; – que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; – que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

O processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), devendo entender-se que se compreendem na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os mesmos poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, como é o de apreciar o erro imputável aos serviços.

 

A Requerida alega ter feito a aplicação da lei, vinculadamente, nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se podendo falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43.º, da LGT.

De acordo com o Acórdão proferido pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em 30.01.2019, no processo n.º 0564/18.2BALSB, disponível em http://www.dgsi.pt/, cujo sumário se transcreve, “Para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT) e não poder deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante violação de normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP).”.

 

No caso em apreço, embora o Tribunal Constitucional se tenha pronunciado, nos termos do já citado Acórdão n.º 211/2017, de 02.05.2017, pela inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 44.º, do Código do IRS, na redação anterior à entrada em vigor da Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, diploma que introduziu os n.ºs 5 e 6 daquele artigo, contendo a previsão expressa de ser “feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto”, o certo é que, tendo em consideração a unidade e coerência do sistema tributário, sempre a AT poderia ter chegado a interpretação diversa daquela norma, por aplicação das normas infraconstitucionais e dos princípios a que as mesmas se reportam, máxime, dos já citados artigos 4.º, n.º 1, 55.º, 73.º e 74.º, n.º 1, todos da LGT.

 

Não poderá, portanto, deixar de reconhecer-se o direito dos Requerentes a juros indemnizatórios sobre a quantia indevidamente paga, desde a data do respetivo pagamento, conforme se estatui no n.º 5 do artigo 61.º, do CPPT, já que ilegalidade da liquidação impugnada é exclusivamente imputável à Administração Tributária, que praticou aqueles atos tributários sem o necessário suporte legal.

 

1.3.        Do valor do processo

Na sua Resposta, vem a AT contestar o valor de € 25 958,70, atribuído pelos Requerentes à ação, alegando que este não corresponde “ao montante da efetiva utilidade económica do pedido, que, no caso, é o valor de imposto efetivamente pago pelos Requerentes de € 18 889,02.”.

 

Invoca para tanto, o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que estabelece como valor da causa, “Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende”.

 

Contudo, importa não confundir o valor da liquidação impugnada, cuja anulação se pretende, com o valor a restituir ao contribuinte em caso de pagamento indevido, pois esse pagamento pode ter sido apenas parcial, por diversos motivos (v.g. pagamento em prestações ou, como é o caso dos autos, por dispensa do pagamento de juros compensatórios, em adesão ao regime excecional de regularização de dívidas, aprovado pelo decreto-lei n.º 151-A/2013, de 31.10).

 

Os Requerentes impugnam a liquidação de IRS n.º 2013..., da quantia de € 25 958,70; no entanto, tratando-se de uma liquidação adicional a que, por compensação, foi abatido o valor da anterior liquidação n.º 2010... e acrescido do valor da liquidação de juros compensatórios n.º 2013..., dela resultou o valor a pagar de € 21 435,14, equivalente ao saldo da compensação n.º 2013... e constante da nota de cobrança n.º 2013... .

 

Deverá, pois, o valor da causa ser fixado em € 21 435,14, por ser este o valor cuja anulação se pretende, uma vez que o imposto apurado na anterior liquidação de IRS liquidação n.º 2010 ... era devido e foi pago pelos Requerentes, que o não contestaram.

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados, decide-se em, julgando integralmente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral:

a)            Declarar a ilegalidade da liquidação adicional de IRS n.º 2013..., determinando a sua anulação pela quantia de € 21 435,14, equivalente ao saldo da compensação n.º 2013...;

b)           Condenar a Requerida na restituição aos Requerentes da quantia de € 18 889,02, por estes efetivamente paga;

c)            Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre aquela quantia de € 18 889,02, desde a data do respetivo pagamento;

d)           Condenar a Requerida nas custas processuais.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 21 435,14 (vinte e um mil, quatrocentos e trinta e cinco euros e catorze cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 224,00 (mil, duzentos e vinte e quatro euros), a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de novembro de 2019.

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e)

do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.