Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 155/2019-T
Data da decisão: 2019-11-19  IRS  
Valor do pedido: € 1.747,37
Tema: IRS - Rendimentos de capitais. Art.º 5.º, n.º 3 do CIRS. Ramo Vida. Incidência; Declaração de substituição; Ónus da prova.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1. Relatório

 

A..., doravante designada por “Requerente”, “Sujeito Passivo” ou simplesmente “SP”, contribuinte fiscal portuguesa n.º..., residente no ..., ..., ..., ...-... Lisboa, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, mais concretamente de IRS, reportado ao ano de 2015.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante também “AT” ou “Requerida”).

 

À Liquidação em crise, com o n.º 2016..., e data de 30.09.2016, corresponde um valor total a pagar (tributo - “imposto apurado”) de € 1.747,37 (cfr. doc. n.º 3 junto pelo SP).

 

A Liquidação foi efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sequência da apresentação da competente Declaração Modelo 3 pela Requerente.

A Requerente não se conforma com a liquidação de IRS assim efectuada, e que aqui coloca em crise, por, após notificada da mesma, ter submetido Declaração de substituição, na qual veio a alterar, para menos - por exclusão de determinado montante que antes incluíra na sua Declaração - o valor dos rendimentos auferidos naquele ano.

 

Tendo posteriormente, em tempo, apresentado reclamação graciosa (doravante também “RG”) e, uma vez indeferida esta, recurso hierárquico (doravante também “RH”). Procedimentos administrativos nos quais pugnou pela ilegalidade daquela liquidação (doravante também “a Liquidação”), fundando-se no facto de a mesma assentar numa Declaração apresentada com erros e que, depois, foi substituída por si mediante Declaração de substituição, corrigindo tais erros. Não tendo a AT retirado consequências da Declaração de substituição, mantendo na ordem jurídica a liquidação de IRS supra e indeferindo a RG e o RH, entende a Requerente, agiu a AT em violação da lei, encontrando-se os actos tributários, assim, feridos de ilegalidade.

 

No contexto do entendimento por que pugna, a Requerente, que a partir do dia 29 de Abril do ano em causa (2015) passou a residir em Portugal, defende que os rendimentos que inicialmente declarara no Anexo J à Modelo 3, como rendimentos de capitais, e que, depois, via Declaração de substituição, deixou de declarar, não se verificaram na realidade. A apresentação da Declaração de substituição deve a sua razão de ser a este facto. E esta última Declaração beneficia, do mesmo modo que a primeira, da presunção de veracidade consagrada no art.º 75.º, n.º 1 da LGT. A AT deveria, pois, ter tido em consideração esta última Declaração e, em consequência, anulado a Liquidação.

 

Refere ainda a Requerente, por mera cautela de patrocínio e sempre no sentido do vício de lei que imputa à Liquidação, que ainda que se entendesse ter havido um resgate do montante em causa – o que não admite – mesmo assim a situação se não enquadraria na norma de incidência em causa (art.º 5.º, n.º 3 do CIRS). Pois que se não verificaria, mesmo nessa hipótese, a diferença positiva entre montantes prevista pela norma.

 

As posições das Partes são divergentes, antes de mais, quanto à distribuição do ónus da prova na situação sub judice e, no essencial, quanto à aplicabilidade ao caso da norma de incidência objectiva, constante do art.º 5.º, n.º 3 do CIRS.

 

A Requerente não se conforma com a Liquidação, pelo que vem agora peticionar,  expressamente assim concluindo no seu Pedido de Pronúncia Arbitral: (i) a anulação, por ilegal, da decisão de indeferimento do RH e (ii) a anulação da Liquidação, com todas as consequências legais inerentes.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à AT a 13.03.2019.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.

 

A 29.04.2019 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 20.05.2019.

 

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”), e pela consequente manutenção da Liquidação em crise na Ordem Jurídica.

 

A Requerida entende, em síntese, que a Liquidação não padece de qualquer vício. Defende que a situação de que se cuida nos autos se enquadra no âmbito de incidência subjectiva e objectiva do tributo em causa, mais concretamente no art.º 5.º, n.º 3 do CIRS, em conjugação com o art.º 15.º do mesmo Diploma legal e, ainda, com o art.º 23.º da CDT  entre Portugal e França.

 

Com efeito, é seu entendimento que, tendo a ora Requerente apresentado a respectiva Declaração de rendimentos em Portugal, como devido, por referência ao período em que aqui foi residente no ano de 2015, beneficia essa Declaração da presunção de veracidade constante do art.º 75.º, n.º 1 da LGT. Não obstante as Declarações de rendimentos apresentadas nos termos da lei beneficiarem da referida presunção, esta presunção sofre desvios por força da factualidade no caso. A saber, expõe a Requerida, sendo as duas Declarações em causa nos autos contraditórias entre si, não poderão, consequentemente, ter-se ambas por verdadeiras. Em virtude do que, caberia à Requerente fazer a prova de que não auferiu os rendimentos que inicialmente declarou. O que, no entendimento da Requerida, a Requerente não logrou fazer.

 

A 25.06.2019 o Tribunal notificou a Requerente para, entre o mais, vir juntar aos autos tradução para a língua portuguesa do documento por si junto como doc. n.º 4. O que a Requerente fez por Requerimento de 02.07.2019.

 

Por despacho de 10.07.2019 decidiu este Tribunal notificar as Partes para a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, atento o requerimento da Requerente de produção de prova  testemunhal.

 

A reunião teve lugar a 07.10.2019, após reagendamento determinado por Despacho do Tribunal de 27.08.2019, tendo as Partes ficado então notificadas para apresentar alegações escritas facultativas, sucessivas, no prazo de 10 dias cada, iniciando-se a contagem do prazo pelo lado da Requerente, que ficou também notificada para, no mesmo prazo, juntar certificação da tradução (tradução anteriormente junta) de documento (doc. n.º 4).

 

Na reunião o Tribunal determinou, ainda, por consequência dos períodos de férias judiciais e à cautela, prorrogar por dois meses o prazo constante do art.º 21.º, n.º 1 do RJAT, cfr. n.º 2 do mesmo dispositivo legal, determinando-se as demais comunicações devidas e ficando, assim, designado o dia 20.01.2020 para prolacção da Decisão arbitral (cfr. art.º 18.º, n.º 2 do RJAT).

 

A Requerente veio, no prazo fixado pelo Tribunal, apresentar as suas alegações e juntar ao processo a solicitada certificação de tradução. Em sede de alegações a Requerente veio reiterar o já afirmado no PPA. Corrobora o seu entendimento, no sentido de que o montante incluído na Declaração Modelo 3 inicial como rendimento - a título de rendimentos de capitais - consubstancia um erro. Erro que foi corrigido através da Declaração de substituição, e cuja ocorrência se deveu - como entende ter ficado provado nos autos, desde logo pelo depoimento da testemunha - a um lapso do colaborador do técnico responsável pela apresentação da Declaração em nome da Requerente. Que tendo a AT, neste contexto, desconsiderado a Declaração de substituição, prosseguindo com a liquidação sobre os rendimentos inicialmente declarados, a Liquidação se encontra ferida de ilegalidade.

 

Caberia à Requerida provar que a contribuinte auferiu mais rendimentos tributáveis do que aqueles que declarou. Sendo que em caso de dúvida sobre a existência do facto tributário a mesma resultaria em favor da contribuinte.

 

Notificada que foi das alegações da Requerente, veio a Requerida apresentar as suas.

 

Nas suas alegações a Requerida desenvolve o seu entendimento, exposto em sede de Resposta, de que caberia à Requerente provar não ter recebido os rendimentos em causa, tanto mais não lhe estando a si Requerida disponíveis os elementos necessários para o efeito, por se tratar de rendimentos colocados à disposição por entidade estrangeira. O documento apresentado pela Requerente não é apto a demonstrar o não recebimento dos rendimentos inicialmente declarados. Como igualmente o não é a prova testemunhal produzida, que se limitou a uma interpretação, pela testemunha, do documento n.º 4. Acresce que a Requerente não demonstra os factos de que faz depender a não sujeição a IRS, como poderia ter feito mediante junção do Avis d’Impôt. Em consequência, é tributada em Portugal pela globalidade dos rendimentos auferidos no período em que aqui residiu, nos termos dos art.º 15.º do CIRS e 23.º da CDT PT-França.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O Processo não enferma de nulidades e não existe matéria de excepção.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) No ano de 2015 a Requerente residiu em Portugal entre 29 de Abril e 31 de Dezembro (cfr. Processo Administrativo, doravante “PA”, - PA2, p. 35 e artigo 1.º do PPA);

 

b)  A 26.07.2016 a Requerente apresentou, na qualidade de residente fiscal, a sua Declaração de rendimentos referente ao ano de 2015, identificada com o n.º ... (cfr. PA - PA2 e doc. junto pelo SP aos autos com o seu Requerimento de 02 de Julho);

 

c) A Declaração (referida em b) supra) reporta-se ao período compreendido entre 29.04.2015 e 31.12.2015 e foi considerada pela Requerida como correctamente efectuada (cfr. projecto de indeferimento da RG - doc. 2 junto pelo SP, iii) 5.);

 

d) Na Declaração (referida em b) e c) supra), no Anexo J, a Requerente declarou apenas rendimentos de pensões (Categoria H) e rendimentos de capitais (Categoria E), sendo o Estado da fonte, em ambos os casos, França;

 

e) Na Declaração (referida em b) supra), no Anexo L (Residente Não Habitual - “RNH”), a Requerente assinalou, no Quadro 6B, como método de eliminação da dupla tributação internacional o Método de Isenção;

 

f) Como rendimentos de capitais a Requerente declarou - no Quadro 8 do Anexo J - um rendimento bruto de € 6.240,60 (seis mil duzentos e quarenta euros e sessenta cêntimos);

 

g) A 13.10.2016 a Requerente foi notificada da liquidação de IRS n.º 2016 ... datada de 30.09.2016 e referente ao ano de 2015 (cfr. PA - PA2 ; cfr. também artigo 4.º do PPA e doc. 3 junto pelo SP com o PPA);

 

h) Da liquidação (em g) supra) consta um valor a pagar (imposto apurado) de € 1.747,37 (mil setecentos e quarenta e sete euros e trinta e sete cêntimos), o qual tem origem exclusivamente no montante declarado a título de rendimentos de capitais (cfr. doc. 3 junto pelo SP com o PPA);

 

i) A 17.10.2016 a Requerente apresentou Declaração de substituição, referente ao mesmo ano, com a identificação ... (cfr. doc. junto pelo SP com o Requerimento de 02 de Julho);

 

j) Na Declaração de substituição (em i) supra) a Requerente não inseriu qualquer montante no Quadro 8 do Anexo J, sendo no mais a Declaração de substituição idêntica à inicial;

 

k) Da liquidação (em g) supra) apresentou a Requerente, a 15.11.2016, reclamação graciosa, a que corresponde o Proc. n.º ...2016... (cfr. PA – PA2, p. 30 e doc. 2 junto pelo SP com o PPA);

 

l) Na RG (em k supra) a Requerente pugnou pela ilegalidade e consequente anulação da Liquidação, com fundamento em haver entregue, após notificada da Liquidação, Declaração de substituição, onde corrigira incorreções (cfr. PA – PA2, p. 30);

 

m) Notificada para o efeito, a Requerente exerceu o seu direito de audição no âmbito do procedimento de RG, e desse articulado consta, entre o mais, que “(...) Quando foi notificada da liquidação (…) a Contribuinte pediu esclarecimentos à Collegium pois tinha sido informada que não teria qualquer imposto a pagar em virtude de possuir o estatuto de Residente Não Habitual (...) e foi informada (…) que a declaração deste valor teve origem num engano do técnico que preencheu a declaração (…).” (cfr. PA – PA2, p. 38 e ss);

 

n) A RG foi indeferida por Despacho de 30.12.2016, notificado à Requerente por Ofício n.º ...  da Requerida de 25.01.2017 (cfr. doc. 2 junto pelo SP com o PPA);

 

o) Do teor do Despacho de indeferimento da RG (em n) supra) consta, entre o mais:

- “5. A liquidação mostra-se correctamente efectuada, na medida em que considera todos os factos declarados pela própria contribuinte (...)”;

- “9. O ónus da prova do facto constitutivo do direito a correcção solicitada recai sobre a contribuinte, na medida em que esse direito foi invocado pela própria (...)”;

- “10. Aos autos a contribuinte declarante não trouxe qualquer suporte documental que altere qualquer dos elementos inicialmente por si declarados (...)”;

- “14. A Reclamante exerceu o referido direito de audição, alegando que: / a) não tem forma de  suportar documentalmente factos inexistentes (...)”;

- “18. No momento do preenchimento, estes montantes foram retirados de um determinado documento, que a reclamante não exibiu (…)”.

 

p) Do indeferimento da RG interpôs a Requerente em 02.03.2017 recurso hierárquico, a que corresponde o Proc.º n.º ...2017... (cfr. PA – PA1 e doc. 1 junto pelo SP com o PPA);

q) No RH (em p) supra) a ora Reclamante, entre o mais, refere que por o indeferimento da RG se ter alicerçado na não apresentação por si de “suporte documental”, “instou o técnico responsável” e “logrou finalmente obter uma explicação documentalmente verificável: (...) O erro teve por base o extracto relativo ao seguro de vida que a Recorrente contratou com a companhia de seguros B..., cujo capital acumulado, a 31 de Dezembro de 2015, ascendia a € 9.221,94 (…) (doc. n.º 2 que junta em língua francesa (…) ). (…) na segunda linha consta a seguinte descrição: “Montante a declarar a título de imposto de solidariedade sobre a fortuna 2015 a que está sujeita” com o valor de 9.221,94. (…) imposto sobre a fortuna a que estes activos estarão sujeitos em França, mas não em Portugal.” (cfr. PA – PA1, p. 9 e ss);

 

r) Por Despacho da Requerida de 07.09.2018, Ofício n.º..., a Requerente foi notificada para o exercício do direito de audição no procedimento de RH (cfr. PA – PA4);

 

s) No seu exercício do direito de audição em sede de RH a Requerente expôs, entre o mais, que o valor de € 6.240,60 foi incluído na Declaração por erro do técnico que a preencheu, e corresponde não a um rendimento mas sim a um capital seguro, acumulado em apólice, de € 9.221,94, calculado na proporção equivalente à duração da residência fiscal parcial da Requerente em Portugal no ano de 2015, de 247 dias (cfr. PA – PA6, p. 51 e ss.);

 

t) O RH foi indeferido pela Requerida por Despacho de 12.11.2018, notificado à Requerente pelo Ofício n.º..., de 03.12.2018 (cfr. doc. 1 junto pelo SP com o PPA), notificado à Requerente a 07.12.2018 (cfr. PPA e PA-PA11);

 

u)  Do despacho de indeferimento do RH consta, entre o mais, que: “9.1. A recorrente é residente em Portugal no ano de 2015 (…). 9.2. Residência essa que (…) se iniciou em 29 de abril de 2015. (…) 9.3. Donde, a recorrente deve ser tributada de 1 de janeiro de 2015 a 28 de abril de 2015 pelos rendimentos que tenha obtido em Portugal (…). 9.4. E no remanescente período, deve aquela ser tributada pela globalidade dos rendimentos obtidos independentemente da sua origem (…). 9.5. Motivos pelos quais, deve a recorrente declarar todos os rendimentos auferidos, independentemente da sua origem, naquele período do ano de 2015. (…) 9.9. Cabendo, portanto, à recorrente demonstrar não ter auferido aqueles rendimentos de capitais inicialmente declarados. (…) 9.11. Contudo, do documento junto aos autos, não resulta a prova de não terem sido obtidos em França quaisquer rendimentos de capitais. (…) 9.12. Ao invés, aquele documento demonstra que a recorrente durante o ano de 2015 investiu € 7.444,64, a somar aos já anteriormente investidos € 1.652,25, tendo resgatado, € 9.221,94. (…) 9.22. Na qual [CDT PT-França], o art.º 23.º expressamente atribui competência ao estado da residência com exclusividade, relativamente a rendimentos inominados nos artigos anteriores, tal como in casu. 9.23. Pelo que, os rendimentos demonstrados por meio de prova documental são de tributar no estado da residência, sendo que qualquer tributação no estado de origem sobre aqueles deve ser resolvida com o estado de origem dos mesmos. 9.24. Isto sobre os capitais documentalmente comprovados. (...) ”;

 

v) A Declaração inicial foi preparada por colaborador do consultor fiscal a quem a Requerente incumbiu do tratamento da mesma;

 

w) No preenchimento da Declaração inicial, ao ali inserir um montante no Quadro 8 do Anexo J, o colaborador (em v) supra) baseou-se no documento junto aos presentes autos pela Requerente como documento n.º 4, o mesmo documento que a Requerente havia junto ao RH,  que consiste numa “declaração anual de situação” de uma apólice de seguro ramo Vida;

 

x) Do documento n.º 4  (em w) supra), emitido por “B...” (cujos elementos de identificação constam junto ao logotipo) e “C... S.A.” (cujos elementos de identificação constam igualmente junto ao logotipo), endereçado à Requerente, e que aqui se dá por roproduzido, consta, entre o mais (negritos e maiúsculas como no original):

“(...) Adesão (00216/(...))

Data efectiva: 10/07/2006

Data de termo: 09/07/2016, adesão renovável anualmente

 

SEGURO VIDA

DECLARAÇÃO ANUAL DE SITUAÇÃO

SÍNTESE 2015 DO SEU CONTRATO ...

 

Situação do seu capital a 31/12/2015      € 9.221,94

 

Montante do valor resgatável a 31/12/2015       € 9.221,94

Montante a declarar a título de imposto de solidariedade sobre a fortuna 2015,

se estiver sujeito             € 9.221,94

 

Evolução do seu contrato durante o ano de 2015*

Montante do capital constituído a 31/12/2014   €1.652,25                           

Total das entregas durante o ano de 2015            € 7.444,64

 

Resumo das entregas e resgates sobre o seu contrato desde a origem*

 

Total das entregas desde a origem          € 19.336,64

Total dos resgates desde a origem           € 10.321,58

 

(*Líquido dos custos sobre as entregas, bruto de tributação e de contribuições sociais sobre os resgates.)

 

SITUAÇÃO POR APOIO A 31/12/2015

 

Apoio(s)              Valor do capital Valor e número de unidades de conta    Custos de gestão cobrados em 2015                Evolução anual do apoio

APOIO

SEGURANÇA

EM EUROS         

€ 9.221,94          

-             

0,58%   

+ 2,00%”

                                                                                                                                                                                                                                                     

y) O documento n.º 4 (em w) e x) supra) leva aposto, a manuscrito, da autoria do consultor fiscal responsável pela apresentação da Declaração em nome da Requerente, o seguinte:

“29/04/2015 a 31/12/2015 = 247 dias

9.221,94 x           247 = 6.240,60”

                                           365

z) O valor de € 6.240,60 constante na Declaração inicial, no Quadro 8 do Anexo J, corresponde ao montante de € 9.221,94 calculado pro rata temporis por referência ao número de dias em que no ano de 2015 a Requerente foi residente em Portugal;

 

aa) A 08.03.2019 a Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que não tenham ficado provados.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos, incluindo com o PPA e posteriormente por Requerimento do SP, e no Processo Administrativo (“PA”) - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados, bem como na prova testemunhal produzida.

Relativamente ao depoimento da testemunha, o consultor fiscal a quem a Requerente incumbiu do tratamento da sua Declaração de rendimentos, e não obstante a sua relação profissional com a Requerente reportada ao tempo dos factos em causa nos autos, o Tribunal considera que prestou o seu depoimento com isenção, revelando o conhecimento de que dispunha quanto aos factos que referiu.

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC ), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC ).

3. Matéria de Direito

3.1. Questões a decidir

 

As questões a decidir nos presentes autos são de Direito e de facto, reconduzindo-se, afinal, à seguinte:

Existe ou não facto tributário? Melhor explicado, verificou-se ou não o facto gerador que, estando previsto na norma de incidência e uma vez ocorrendo, faz nascer o facto tributário?

 

Sendo que, para dar resposta àquela, teremos que, antes, decidir quanto à seguinte:

Houve ou não vício de violação de lei por erro (i) sobre os pressupostos de Direito  e/ou (ii) sobre os pressupostos de facto?

 

Como segue.

 

Começando por recapitular brevemente.

 

A Requerente entende que o facto tributário não se verifica, pois que os rendimentos de capitais declarados na sua Declaração inicial de rendimentos não foram auferidos, não se verificaram. Houve um erro no preenchimento da dita Declaração, da qual não deveria – a bem da sua correspondência com a realidade - ter constado qualquer montante a esse título. Mais entende que, tendo apresentado Declaração de substituição a corrigir esse erro, a mesma beneficia da presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, nos mesmos termos em que uma Declaração inicial o beneficia. Mais que mesmo que o montante em causa tivesse correspondido a um resgate (o que a Requerente não admite) ainda assim não se preenchia a norma do art.º 5.º, n.º 3 do CIRS, pois que não se verificaria a diferença positiva entre tal (hipotético) resgate e os montantes de prémios pagos ou quantias investidas pela Requerente. Tal como decorre do documento n.º 4, e em conformidade, afinal, com o que a Requerida reconhece (a partir do mesmo documento) no ponto 8.3 do projecto de indeferimento do RH (como assim no despacho de indeferimento que o confirma, acrescentamos nós): “(...) desde o início do mesmo [produto], a recorrente pagou € 19.336,64 e resgatou € 10.321,58.”

Mais refere que o que naquele documento se lê quanto ao montante de € 9.221,94 ser “a declarar a título de imposto de solidariedade sobre a fortuna 2015 (...)” corresponderá a imposto sobre a fortuna a que estes ativos estarão sujeitos em França, mas não em Portugal (cfr. artigos 11.º-12.º do PPA).

 

Caberia à Requerida, para proceder à tributação, fazer a prova da verificação do facto tributário. O que não sucedeu.

 

Já a Requerida entende que, sendo a Declaração inicial e a Declaração de substituição  “intrinsecamente contraditórias” entre si, não poderão ambas beneficiar da presunção de veracidade. Que, assim, cabe à Requerente o ónus de provar que os rendimentos que declarou inicialmente afinal não foram auferidos. O que não sucedeu. A Requerente demonstrou ter celebrado um seguro de vida em 2006 por dez anos, renovável anualmente (cfr. artigo 30.º da Resposta), e demonstrou ainda, entre o mais, que em 2015 resgatou - a 31.12.2015 - o montante de € 9.221,94 (cfr. artigos 32.º- 33.º da Resposta).

Ao que acresce que, por aplicação conjugada do art.º 15.º do CIRS e do art.º 23.º da CDT PT-França, a Requerente é alvo de tributação em Portugal pela globalidade dos rendimentos auferidos, independentemente da respectiva origem, no período em que aqui residiu.

Pela primeira e também pela segunda razão, a Liquidação não padece de qualquer ilegalidade, devendo manter-se na Ordem Jurídica.

 

Refere ainda a Requerida que “não se constata uma verdadeira divergência entre a Requerente e a Requerida sobre os factos em causa, mas exclusivamente um juízo de direito sobre esses factos.” (cfr. artigo 40.º da Resposta).

 

Apreciando.

 

Deixemos percorridos, desde já, os dispositivos legais pertinentes.

 

No CIRS:

Art.º 1.º – Base do Imposto

1 - O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes, (...), depois de efetuadas as correspondentes deduções e abatimentos:

(…)

Categoria E - Rendimentos de capitais;

(...)

2 - Os rendimentos, quer em dinheiro quer em espécie, ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, a moeda e a forma por que sejam auferidos.

 

Artigo 5.º - Rendimentos da categoria E

1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente: (...)

3 - Consideram-se ainda rendimentos de capitais a diferença positiva entre os montantes pagos a título de resgate, adiantamento ou vencimento de seguros e operações do ramo «Vida» e os respetivos prémios pagos ou importâncias investidas, bem como a diferença positiva entre os montantes pagos a título de resgate, remição ou outra forma de antecipação de disponibilidade por fundos de pensões ou no âmbito de outros regimes complementares de segurança social, (...), sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes, quando o montante dos prémios, importâncias ou contribuições pagos na primeira metade da vigência dos contratos representar pelo menos 35 % da totalidade daqueles: (…)

 a) São excluídos da tributação um quinto do rendimento, se o resgate, (…);

 b) São excluídos da tributação três quintos do rendimento, se o resgate, (...).

(…)

 

Artigo 7.º - Momento a partir do qual ficam sujeitos a tributação os rendimentos da categoria E

1 - Os rendimentos referidos no artigo 5.º ficam sujeitos a tributação desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respetivo quantitativo, conforme os casos.

(...)

3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, atende-se: (...)

b) Quanto ao n.º 3 do artigo 5.º, à colocação dos rendimentos à disposição dos seus titulares ou ao apuramento do respetivo quantitativo quando o titular do direito aos rendimentos opte por recebê-los sob a forma de renda; (...)

 

Artigo 76.º – Procedimentos e formas de liquidação

1 – A liquidação de IRS processa-se nos termos seguintes:

a) Tendo sido apresentada a declaração até 30 dias após o termo do prazo legal, a liquidação tem por objeto o rendimento coletável determinado com base nos elementos declarados, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 65.º

(...)

4. Em todos os casos previstos no n.º 1, a liquidação pode ser corrigida, se for caso disso, dentro dos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária.”

 

No CPPT:

“Artigo 59.º – Início do procedimento

1- O procedimento de liquidação instaura-se com as declarações dos contribuintes, ou (...).

2 - O apuramento da matéria tributável far-se-á com base nas declarações dos contribuintes, desde que estes as apresentem nos termos previstos na lei e forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária.

3 - Em caso de erro de facto ou de direito nas declarações dos contribuintes, estas podem ser substituídas:

a) Seja qual for a situação da declaração a substituir, se ainda decorrer o prazo legal da respectiva entrega;

b) Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional que ao caso couber, quando desta declaração resultar imposto superior ou reembolso inferior ao anteriormente apurado, nos seguintes prazos:

                I) Nos 30 dias seguintes ao termo do prazo legal, seja qual for a situação da declaração a substituir;

                II) Até ao termo do prazo legal de reclamação graciosa ou impugnação judicial do acto de liquidação, para a correcção de erros ou omissões imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte imposto de montante inferior ao liquidado com base na declaração apresentada;

                III) Até 60 dias antes do termo do prazo de caducidade, para a correcção de erros imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte imposto superior ao anteriormente liquidado.

4 – (revogado)

5 - Nos casos em que os erros ou omissões a corrigir decorram de divergência entre o contribuinte e o serviço na qualificação de actos, factos ou documentos invocados, em declaração de substituição apresentada no prazo legal para a reclamação graciosa, com relevância para a liquidação do imposto ou de fundada dúvida sobre a existência dos referidos actos, factos ou documentos, o chefe de finanças deve convolar a declaração de substituição em reclamação graciosa da liquidação, notificando da decisão o sujeito passivo.

(…)

 

Artigo 100.º - Dúvidas sobre o facto tributário e utilização de métodos indirectos

1 - Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.

(…)

 

Artigo 115.º - Meios de prova

1 - São admitidos os meios gerais de prova. (…)”

 

 

Na LGT:

 

“Artigo 74.º- Ónus da prova

1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. (…)

 

Artigo 75.º- Declaração e outros elementos dos contribuintes

1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, (...).

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, (...) revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;

b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando (...);

c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente (…);

d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente (…).

3 - (…).”

 

*

Apreciando então se houve ou não vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de Direito e/ou sobre os pressupostos de facto. Tendo, por essa via, a norma tipificadora em causa sido aplicada a factos não subsumíveis no respectivo âmbito de incidência. Eventualmente tendo sido aplicada a factos erradamente qualificados como subsumíveis à mesma.

 

Trata-se de apreciar se, sim ou não, a situação fáctica (fáctico-jurídica, em bom rigor, como também se verá) pressuposto da Liquidação, dada por verificada pela Requerida para, assim, emitir a Liquidação, e posteriormente a manter, se verificou na realidade. Sendo que a mesma foi dada por verificada pela Requerida com base, desde logo, na Declaração inicial da Requerente. E depois – em face da correcção feita posteriormente pela Requerente a essa Declaração, através de uma Declaração de substituição submetida após notificada da Liquidação e antes do termo do prazo para apresentação de RG - com base na não demonstração pela Requerente do não recebimento dos rendimentos inicialmente declarados.

 

Por outras palavras, cumpre-nos apreciar e decidir se, ao manter-se o acto tributário de primeiro grau, em crise, na Ordem Jurídica, resultou respeitada, ou, pelo contrário, violada, a norma de incidência. No caso, a norma de incidência objectiva, não vindo a incidência subjectiva questionada pela Requerente.

 

Vejamos.

Dispõe o art.º 59.º, n.º 2 do CPPT (v. supra), no que agora releva, que o apuramento da matéria tributável se faz com base nas declarações dos contribuintes desde que as mesmas sejam por estes apresentadas nos termos previstos na lei. E dispõe, por sua vez, o art.º 75.º, n.º 1 da LGT (v. supra), que tais declarações - apresentadas ns termos previstos na lei - se presumem verdadeiras e de boa fé. Não distinguindo o legislador, para este efeito, as declarações iniciais das declarações de substituição.

 

E onde o legislador não distinguiu não pode o intérprete distinguir – como decorre também das regras e princípios de interpretação e aplicação da lei a convocar, cfr. art.º 9º do Código Civil ex vi art.º 11.º da LGT. 

 

A declaração de substituição em causa nos presentes autos foi apresentada nos termos da lei, como resulta da conjugação entre a matéria de facto assente (supra) e os dispositivos legais aplicáveis. Com efeito, a Requerente apresentou a dita declaração – nos termos que lhe são permitidos por lei – dentro do prazo para apresentação de RG - cfr. art.º 59.º, n.º 3, al. b), II (v. supra). Como aliás por maioria de razão se confirma pela posterior apresentação, em tempo, a que procedeu, de RG.

 

Tendo a Requerente apresentado Declaração inicial, considerada conforme à lei pela Requerida, que com base na mesma (e assente na respectiva presunção de veracidade) procedeu à Liquidação, e tendo depois a Requerente apresentado declaração de substituição daquela Declaração inicial “nos termos previstos na lei” - cfr. art.º 75.º, n.º 1 da LGT -, inexistindo uma situação enquadrável no n.º 2 do mesmo art.º 75.º  não pode a Declaração de substituição deixar de beneficiar da presunção de veracidade estabelecida pelo legislador, a favor dos contribuintes, neste mesmo dispositivo legal.

 

Assim, beneficiando também as declarações de substituição da referida presunção, deverão as mesmas ter-se por correspondendo à realidade, a menos que a AT demonstre a falta de correspondência entre o nelas contido e a realidade.

E é assim que, apresentada uma declaração de substituição ainda não tendo sido emitida liquidação, a declaração de substituição deve ser tida em consideração (os elementos nela contidos) pela AT para efeitos da emissão da liquidação. “Na verdade, se, em face da apresentação da nova declaração, segundo o próprio contribuinte, cujas declarações são o elemento preferencial para fixação da matéria tributável, a primeira declaração não estava correcta, não se justificaria que se concretizasse uma liquidação com base numa declaração provavelmente errada, preterindo uma nova declaração que, presumivelmente, será verdadeira ou, pelo menos, não se demonstra que está errada.”

 

E é assim também que, tendo havido liquidação num momento anterior à Declaração de substituição , manda o legislador que tenha lugar procedimento de RG (v. art.º 59.º, n.º 5, do CPPT supra). Beneficiando embora a declaração da presunção de veracidade, e já tendo sido emitida a liquidação, entendeu o legislador dever a AT apreciar os elementos nesta contidos tendo em vista a manutenção ou não do acto de liquidação (pré)existente na Ordem Jurídica. E será nesse procedimento que a AT afastará ou não a presunção de veracidade de que a declaração beneficia. Sendo que a afastará, desde logo, caso demonstre a sua não correspondência com a realidade. 

 

Em bom rigor a declaração de substituição destina-se, como o nome indica, a substituir a anterior. Assim também se compreende a razão de ser do regime legal que determina que as declarações de substituição deverão ser igualmente tidas como presumivelmente verdadeiras. Destinando-se as segundas, como se destinam, a reparar erros incorridos nas primeiras – cfr. art.º 59.º, n.º 3 do CPPT (v. supra).  

*

Descendo ao caso dos autos, a Requerente apresentou declaração de substituição já tendo sido emitida a Liquidação e, de seguida, apresentou RG. A Requerida manteve a Liquidação, indeferindo a RG. Deste indeferimento interpôs a Requerente RH, que igualmente veio a ser indeferido pela Requerida, que decidiu assim manter na Ordem Jurídica a Liquidação aqui em crise, tal como antes emitida.

 

A especificidade que neste contexto ocorre no caso dos autos, já se vê, mesmo porque que já a ela nos referimos, é a de ter a declaração de substituição sido apresentada pela Requerente em momento ulterior à Liquidação.

 

E o que de específico numa situação como esta se verifica é que - sem prejuízo da presunção de veracidade - não pode entender-se que da declaração de substituição decorre, sem mais, a ilegalidade da Liquidação que lhe antecedeu. Pois que tal corresponderia a que um acto de liquidação, que era válido de acordo com a Declaração de rendimentos que havia sido apresentada para o efeito, automaticamente ficasse ferido de ilegalidade por mero efeito da submissão de uma nova Declaração, de substituição.  Será no âmbito do procedimento  administrativo a ter lugar nesse contexto que será dado então à AT ilidir, ou não, a presunção de veracidade da declaração de substuição e, em conformidade manter ou não a liquidação que estiver em causa.

 

Mas, refira-se, não é por uma e a outra declarações se encontrarem em contradição entre si, com o devido respeito para com a Requerida que assim argumenta em sua defesa nos autos, que elas deixarão de se reger pelo regime legal aplicável às declarações dos contribuintes. E que é o que vimos de ver: presumem-se verdadeiras. A contradição entre elementos de uma e outra pode, como é bom de ver, facilmente ocorrer. Desde logo se na primeira havia erros. Não será demais sublinhar que a presunção de veracidade de que cuidamos é estabelecida pelo legislador, como bem se vê, em favor do contribuinte. Ora, sendo assim, como é, não se poderia retirar outra conclusão senão a de que o referido argumento da Requerida não procede. Se estão em intrínseca contradição entre si, e se esta (última) vem, assim se pretende e a tanto se destina, corrigir erros daquela (primeira), como poderia então a presunção de veracidade operar para a primeira (que conterá erros) e não para a segunda (que eliminará tais erros)? Tenha-se em mente, ainda e sempre, o princípio da legalidade e os corolários que do mesmo decorrem em matéria tributária desde logo para a Administração . Como bem assim outros princípios vigentes no procedimento tributário, tais como, antes de mais, os da proporcionalidade e da justiça .

*

Retornando ao caso dos autos, a Requerida entendeu, no procedimento de RG, que a declaração de substituição não era de molde a invalidar a Liquidação, pois que a Requerente não logrou fazer prova de que os rendimentos que naquela deixaram de ser declarados (e que haviam sido declarados na Declaração inicial) não foram auferidos, ao simplesmente vir “desdizer” (a expressão é nossa) o que antes havia dito, sem juntar prova documental. E entendeu, no procedimento de RH que, não obstante a junção pela ora Requerente, aí, de um documento - que a Requerida aceita ser comprovativo de que a Requerente contratou em 2006, em França, um seguro de saúde renovável anualmente e no âmbito do qual procedeu a entregas e a levantamentos ao longo do tempo – ainda assim esse documento não prova que a Requerente não auferiu os rendimentos que declarou na Declaração inicial.

 

Pergunte-se. É de entender que resultou ilidida a presunção de veracidade de que (vimos já) também beneficia a Declaração de substituição? Foi demonstrada, pela Requerida, a desconformidade entre os elementos dela constantes e a realidade?

 

Vejamos. A Requerida, na sua defesa nos presentes autos, defende que do documento em causa (junto pela Requerente como doc. 4 - v. supra factos provados, al. w) e ss.; doravante também “o documento”) resulta, entre o mais, que a Requerente em 2015 resgatou o montante de € 9.221,94 e, assim, que a Requerente obteve rendimento sujeito a tributação, nos termos do art.º 5.º, n.º 3 do CIRS (cfr. artigos 21.º- 22.º da Resposta). Em sede de Resposta considerando demonstrado, pelo documento, entre o mais, que em 2015 a Requerente iniciou o ano com € 1.652,25, acrescentou € 7.444,64, e resgatou a 31 de Dezembro € 9.221,94 (cfr. artigo 33.º, Resposta).  E em Alegações referindo como demonstrado pelo documento que a Requerente até 2015 tinha investidos € 1.652,25, perfazendo em 2015 o total de entregas no valor de € 7.444,64 e resgatou, em 2015, € 9.221,94 (cfr. artigo 9.º, Alegações).

 

E vejamos o documento. Cuja admissibilidade como meio de prova se não questiona (v. art.º 115.º, n.º 1 do CPPT). Nos termos do mesmo (v. supra factos provados, al. x)), que retrata a posição do capital da Requerente no seguro vida em causa a 31.12.2015, o montante do valor resgatável a essa mesma data é de € 9.221,94. “Montant de la valeur de rachat au 31/12/2015” é a expressão utilizada no documento (no original, em Francês). Apreciado o documento na sua totalidade, contextualizado e devidamente interpretado, é de concluir estarmos perante um contrato de seguro de vida resgatável. Produto financeiro do ramo Vida, muito comum em diversos países, com características próprias e que incluem a de associar coberturas tradicionais de um seguro de vida com a possibilidade de resgate do capital investido. Utilizável, pois, como forma de investimento de capital. A expressão “montante do valor resgatável” traduz precisamente nesse contexto a quantificação do valor acumulado que o segurado pode a partir de certo momento, e em cada momento, resgatar. Esse montante corresponderá ao acumulado de entregas feitas pelo segurado, eventualmente corrigido de despesas e acrescido de juros.

 

Como facilmente se conclui do que antecede, o valor de € 9.221,94 é um valor que a Requerente tem, acumulado num seguro/operação do ramo Vida. Que poderá ser - vir a ser - por si resgatado.

 

Em relação a esse montante lê-se no documento que o mesmo deverá ser declarado pela segurada (Requerente) a título de imposto de solidariedade sobre a fortuna (doravante também “ISF”) 2015, se sujeita. Leia-se, se a segurada estiver sujeita a ISF. Trata-se do imposto vigente então  no Ordenamento Jurídico Francês que, como o nome indica, incide (incidia) sobre a “fortuna”, a riqueza acumulada se se quiser, a “wealth” (“wealth tax” na expressão inglesa). Imposto cuja incidência abrange uma multiplicidade de realidades (desde investimentos financeiros, a propriedades imobiliárias e muitos outros) e que é devido por pessoas com uma riqueza acumulada de montante superior a X milhões de euros. Que se não confunde (desde logo quanto ao seu âmbito de incidência) com o, também vigente naquele Ordenamento Jurídico, imposto sobre o rendimento. 

 

Também por aqui se chegando à mesma conclusão acima, de que estamos perante uma “riqueza” acumulada, capital acumulado, no caso. Que a Requerente pode vir a resgatar. Note-se como nem de outra forma se poderia compreender a companhia de Seguros declarar um determinado montante ser da titularidade da Requerente àquela data. Pois que se o montante tivesse sido resgatado (como a Requerida parece interpretar) não estaria a Seguradora em condições de saber se o mesmo era ainda da Requerente (após resgate) e, portanto, não poderia afirmar, como afima, que o mesmo deverá ser declarado às autoridades para efeitos de ISF.

 

Note-se também como não deixa de ser coerente com o que se vem de concluir aquilo que no documento se contém quanto a entregas realizadas versus resgates realizados pela segurada (Requerente), desde o início do seguro. Respectivamente no valor de € 19.336,64, e de € 10.321,58.

 

O montante em causa, de € 9.221,94, é, pois, um montante resgatável, e não resgatado.

 

Por sua vez o montante de € 6.240,60 que tinha sido incluído na Declaração inicial era o correspondente, daqueles € 9.221,94, à proporção dos dias do ano em que a Requerente foi residente em Portugal (cfr. supra factos provados, z)).

 

Isto assente, apreciemos agora se a situação é enquadrável na norma de incidência em causa nos autos, a saber, no art.º 5.º, n.º 3 do CIRS.

 

Como é sabido o IRS incide, como o próprio nome indica, sobre rendimentos.

 

O art.º 5.º do CIRS contém as normas de incidência (objectiva) em matéria de rendimentos de capitais, estabelecendo-se no respectivo n.º 1 um conceito ou definição geral de rendimentos de capitais, a saber, “frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção (...)”.

 

E dispõe o legislador no n.º 3 deste normativo, no que ao caso dos autos mais interessa, que também se consideram rendimentos de capitais (frutos e vantagens económicas, portanto, cfr. n.º 1) “a diferença positiva entre os montantes pagos a título de resgate, adiantamento ou vencimento de seguros e operações do ramo «Vida» e os respetivos prémios pagos ou importâncias investidas, (...)”.

 

A enquadrar-se em alguma das normas de incidência objectiva a situação, teria que sê-lo neste segmento do art.º 5.º, n.º 3.

 

Ora, constata-se de tudo o que antecede que o montante considerado para efeitos da Liquidação como rendimentos de capitais (no valor de € 6.240,60) corresponde precisamente aos “elementos patrimoniais” (cfr. n.º 1) constituídos por capital acumulado em seguro vida, capital resgatável, da titularidade da Requerente. Que não deu pois ainda - estando por resgatar - quaisquer frutos e/ou vantagens económicas.

E veja-se como legislador não deixou margem para dúvidas na matéria, ao a tratar especificamente também quanto ao momento em que se verifica a sujeição a imposto neste tipo de situações (de capitalização em seguros vida). Assim, nos termos conjugados dos n.ºs 1 e 3, al. b) do art.º 7.º (v. supra), o momento relevante para o efeito é o momento da colocação dos rendimentos à disposição dos seus titulares.

 

Sempre, rendimentos. Provenientes da fonte sua geradora (no caso, o capital investido). Frutos. Colocados à disposição.

 

Em situações como a dos autos, é nesse momento, da colocação à disposição, que se poderá aferir da verificação dos “frutos e demais vantagens económicas”. O que sucederá (existirão frutos, logo rendimentos de capitais) se se verificar a diferença positiva entre montante resgatado e quantias investidas, sendo aquele, pois, superior a estas. Tudo cfr. constante da norma de incidência - art.º 5.º, n.ºs 1 e 3 (v. supra).

 

Pelo que, não tendo a Requerente resgatado o montante em causa, não houve lugar à percepção por si - à colocação à sua disposição - de eventuais frutos gerados pelo capital que investira no seguro em causa. E que estarão eventualmente contidos em determinada medida, sob a forma de juros, no montante do valor resgatável (“Montant de la valeur de rachat”, cfr. supra).

 

Fica, pois, dada, no que antecede, a resposta à questão - Houve ou não vício de violação de lei por erro (i) sobre os pressupostos de Direito e/ou (ii) sobre os pressupostos de facto?

 

Houve. Vício de violação de lei por errada qualificação dos factos. Um montante que é de capital acumulado, não colocado à disposição da Requerente, foi qualificado como sendo um rendimento de capitais. Erro de direito, pois, sobre os pressupostos de facto.

 

E latente ficou já também a resposta à questão - Existe ou não facto tributário? Melhor explicado, verificou-se ou não o facto gerador que, estando previsto na norma de incidência e uma vez ocorrendo, faz nascer o facto tributário?

 

Não existe facto tributário. Não se colocava, pois, sequer, uma situação de dúvida sobre a existência do facto tributário. O montante que originou a Liquidação em crise não constitui um rendimento. Não se enquadrando, pois, na categoria de rendimentos de capitais cfr. artigo 5.º, n.º 3 do CIRS, que justificou a Liquidação, não há senão que concluir que esta se encontra ferida de ilegalidade. Por inexistência de facto gerador e, por maioria de razão, inexistência de facto tributário.

 

Não recaindo a situação de facto no tipo legal do facto tributário, não há incidência. A previsão da norma não chega a ser preenchida pelo facto que, a verificar-se, teria por consequência o nascimento do tributo. Não há, pois, matéria tributável (lato sensu). Não houve um rendimento de capital.

 

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O normativo aplicável, como visto, não levanta questões delicadas de interpretação, pelo que concluímos como antecede sem necessidade de maiores desenvolvimentos interpretativos, seguidos que foram os critérios hermenêuticos aplicáveis.

 

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Por fim, refira-se ainda, dado que a Requerida convoca este argumento, que por via da CDT PT-França aquele montante igualmente não seria tributável. Desde logo pela mesma razão. De não estarmos perante um rendimento. Mas sim capital acumulado em apólice.

Sucintamente. A Requerida, em defesa da posição que sustenta nos autos, convoca o art.º 23.º da CDT em questão, e que é, naquela Convenção, o artigo correspondente  ao art.º 21.º, n.º 1, da CMOCDE. O que faz em defesa do entendimento de que, da conjugação daquele art.º 23.º com o art.º 15.º do CIRS resultaria a tributação do montante inicialmente declarado pela Requerente na sua Declaração de rendimentos.

Ora, não só o referido art.º 23.º  contém uma cláusula de tributação efectiva , que faz depender o reconhecimento da competência de tributação ao Estado da Residência da circunstância de, neste, os rendimentos em causa serem efectivamente sujeitos a tributação. Como, antes ainda, o que fica abrangido são rendimentos.

Se dúvidas houvesse, note-se ainda que, embora o artigo trate dos “outros rendimentos”, os não tratados pela CDT nos artigos que o antecedem , esses “outros rendimentos” só poderão ser os que couberem no âmbito de aplicação material da CDT, cfr. respectivo art.º 2.º. Para concluir que, no caso, a Convenção não seria aplicável.

 

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Antecipando a decisão, conclui-se que a Liquidação padece de vício de violação de lei, por erro de direito acerca dos factos, determinante da respectiva anulabilidade.

 

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4. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o PPA, e assim:

a)            Declarar ilegal e consequentemente anular a liquidação de IRS melhor identificada nos autos;

b)           Anular o despacho de indeferimento do RH e, consequencialmente, o despacho de indeferimento da RG, melhor identificados nos autos e que mantiveram a Liquidação na Ordem Jurídica.

 

 

 

5. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 1.747,37.

 

6. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 306,00, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 19 de Novembro de 2019

 

O Árbitro

(Sofia Ricardo Borges)