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Despacho Arbitral:
Na sequência do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 7 de maio de 2020, já transitado em julgado, que declarou a nulidade da decisão proferida nos presentes autos por violação do dever de pronúncia, impõe-se a prolação de nova decisão arbitral para apreciação da questão de inconstitucionalidade omitida.
Nesse sentido, passa-se a proferir nova decisão arbitral:
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
A..., SGPS, S.A, pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ..., ...-... ... (adiante Requerente), apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), com o objectivo de obter a declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2017..., de 16 de Outubro de 2018, e, consequentemente do acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2014, no valor de €2.626.128,74.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD em 18 de Janeiro de 2019 e automaticamente notificado à AT.
Em conformidade com o preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 27 de Março de 2019.
A AT respondeu, defendendo a verificação de excepção de incompetência do Tribunal Arbitral e a improcedência do pedido.
Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, dado não ter sido solicitada a produção de qualquer prova e em face do teor da matéria contida nos autos. Tendo as Partes sido convidadas a apresentar alegações escritas, fizeram-no em 12 de Junho de 2019 e em 14 de Junho de 2019.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e não ocorrem quaisquer nulidades. A invocada excepção de incompetência do Tribunal será apreciada prioritariamente.
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MATÉRIA DE FACTO
Com base nos elementos que constam do processo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (“SGPS”), nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, e tem como objecto social a gestão de participações de outras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas;
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A Requerente é também a sociedade dominante do grupo sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, na redacção em vigor em 2014, designado por Grupo B...– SGPS, S.A.;
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No exercício de 2014, o Grupo B... era constituído pela Requerente e pelas seguintes sociedades:
• C..., S.A.;
• D... Lda.;
• E..., S.A.;
• F... S.A.;
• G..., S.A.;
• H..., S.A.;
• I..., S.A.;
• J..., S.A.;
• K..., S.A.;
• L..., S.A.;
• M... Lda.;
• N..., Lda.;
• O..., S.A.;
• P..., S.A.;
• Q..., S.A.;
• R... Lda.;
• S..., Unipessoal Lda.;
• T..., S.A.;
• U... S.A.;
• V... Lda.; e
• W..., S.A..
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Em cumprimento do preceituado na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços do IRC (“DSIRC”) – que estabelecia o método de imputação de encargos financeiros às participações sociais detidas pelas SGPS para efeitos de aplicação do regime previsto no referido artigo 32.º, n.º 2, do EBF – nos períodos de tributação compreendidos entre 2004 e 2007, a Requerente acresceu, para efeitos do apuramento do seu lucro tributável e, em consequência, do lucro tributável do Grupo B..., o montante global de €3.677.616,81, a título de encargos financeiros imputáveis à aquisição de participações sociais;
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Em 11 de Maio de 2015, a Requerente apresentou a sua declaração Modelo 22 de IRC individual, respeitante ao exercício de 2014, no âmbito da qual apurou um prejuízo fiscal de €11.023.016,21, e um imposto a recuperar de €214.382,39;
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A 2 de Junho de 2015, a Requerente procedeu ao apuramento do lucro tributável e do IRC do Grupo B..., referente ao exercício de 2014, e submeteu a correspondente declaração de rendimentos modelo 22 de IRC;
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A 31 de Maio de 2017, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra a autoliquidação de IRC, respeitante ao exercício de 2014;
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A 30 de Julho de 2018, a Requerente foi notificada do projecto de decisão de indeferimento da referida Reclamação Graciosa;
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Não tendo sido exercido o direito de audição prévia, a Reclamação Graciosa n.º ...2017... foi indeferida por despacho do Senhor Director de Finanças Adjunto, da Direcção de Finanças de Lisboa, datado de 16 de Outubro de 2018;
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Nos períodos de tributação compreendidos entre 2004 e 2007, a Requerente acresceu, para efeitos de apuramento do seu lucro tributável, o montante global de €3.677.616,81, a título de encargos financeiros imputáveis à aquisição de participações sociais (documentos n.º 2,3,4 e 5 juntos aos autos);
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Do referido valor, o montante de €2.626.128,74 respeita às participações detidas pela Requerente, a 31 de Dezembro de 2013 (documentos n.º 6 a 10 juntos aos autos);
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A Requerente não beneficiou da isenção de tributação de mais-valias ao abrigo do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, na redacção vigente até 1 de Janeiro de 2014, relativamente ao conjunto de participações sociais por si detidas, uma vez que as mesmas não chegaram a ser alienadas até ao momento da revogação do regime previsto no n.º 2 daquele preceito legal.
Considerando que o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, foram seleccionados os factos relevantes para a decisão (Cfr. artigo 123.º, n.º 2 do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 a) e e) do RJAT.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (Cfr. artigo 596.º, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1 e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
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MATÉRIA DE DIREITO
A – Excepção de Incompetência
A AT alega na sua resposta a incompetência do Tribunal Arbitral o que, a verificar-se, conduzirá à absolvição da instância. Assim, vejamos:
A Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária “com vista à obtenção da declaração de ilegalidade da mencionada decisão e, bem assim, dos referidos atos de autoliquidação de IRC, na parte em que não consideram a dedução do valor de €2.626.128,74, referente aos encargos financeiros acrescidos em anos anteriores em cumprimento do disposto no artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais e da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março” (Cfr. Petição Arbitral).
No pedido final apresentado pela Requerente na sua petição arbitral, a Requerente reitera o pedido de declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC, individual e do grupo B..., referentes ao exercício de 2014, por não reflectirem a dedução do valor de €2.626.128,74 e, bem assim, da decisão de reclamação graciosa n.º ...2017..., que manteve tais actos na ordem jurídica, com as demais consequências legais, nomeadamente:
“a) a correção alteração do prejuízo fiscal apurado individualmente pela requerente no exercício de 2014, de € 11.023.016,21 para € 13.649.144,95;
b) a correção à alteração do resultado fiscal negativo apurado pelo grupo B... no mesmo exercício, de € 3.210.291,16 para € 5.836.419,90;
c) a correção, em conformidade, do valor do prejuízo fiscal disponível para reporte nos anos subsequentes; e a correção de todos os atos de liquidação subsequentes que devessem refletir tal acréscimo de reporte/ dedução.”
Alega a AT que não se insere no âmbito da competência arbitral a apreciação do pedido de reconhecimento do direito formulado pela Requerente, na parte em que apura e peticiona:
“a) a correção/ alteração do prejuízo fiscal apurado individualmente pela requerente no exercício de 2014, de € 11.023.016,21 para €13.649.144,95;
b) a correção à alteração do resultado fiscal negativo apurado pelo grupo B... no mesmo exercício, de € 3.210.291,16 para € 5.836.419,90;
c) a correção, em conformidade, do valor do prejuízo fiscal disponível para reporte nos anos subsequentes; e a correção de todos os atos de liquidação subsequentes que devessem refletir tal acréscimo de reporte/ dedução.”.
De acordo com o disposto nos artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 101.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis ex vi do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a determinação da competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.
Em consequência, tendo em conta que a procedência da excepção invocada pela AT, a verificar-se, obsta ao conhecimento das demais questões suscitadas, importa delimitar o âmbito de competência da jurisdição arbitral tributária e aferir se a competência do tribunal abrange, ou não, o pedido da Requerente.
Assim, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, o Governo foi autorizado “a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”, devendo, segundo o seu n.º 2, “constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”
Concretizando a referida autorização legislativa, o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu artigo 2.º” fazendo “depender a vinculação da administração tributária de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça” (vide a fundamentação do acórdão arbitral proferido no Processo n.º 76/2012 acima referido).
O âmbito da jurisdição arbitral tributária ficou, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos [alínea a)].
Através da Portaria n.º 112-A/2011, de 20 de Abril (adiante Portaria), o Governo, pelos Ministros de Estado e das Finanças e Justiça, vinculou os serviços da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo que a estes serviços corresponde, presentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, que aprova a estrutura orgânica desta Autoridade, resultante da fusão de diversos organismos.
Nesta Portaria, estabelecem-se condições adicionais e limites de vinculação tendo em conta a especificidade das matérias e o valor em causa.
Dispõe o artigo 2.º da Portaria, o seguinte:
“Artigo 2.º
Objecto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.”
Nos termos do citado artigo 2.º, alínea a) da Portaria resulta, claro, que são excluídas da arbitragem todas as pretensões conexas com actos de “autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta”, a não ser que tais pretensões tenham sido precedidas de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
Ora, o pedido apresentado pela Requerente diz respeito à declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC relativo ao ano 2014 e do indeferimento da reclamação graciosa que manteve aquele acto. Subsume-se, portanto, a situação em análise na primeira parte da norma prevista na alínea a) do artigo 2.º da Portaria, na medida em que está em causa a declaração de ilegalidade de um acto tributário. Contrariamente ao defendido pela AT, as consequências que a Requerente entende resultarem da anulação do acto não integram o pedido, enquanto objecto da presente petição arbitral, razão pela qual não se verifica a invocada incompetência do Tribunal.
Conclui-se, assim, que o pedido objecto da presente decisão é o pedido de declaração da ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC, individual e do Grupo B..., referente ao exercício de 2014 e do indeferimento da reclamação graciosa, sendo, portanto, improcedente a excepção de incompetência invocada pela AT.
B – Questão Decidenda
A principal questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber se os encargos financeiros incorridos pela Requerente respeitantes à aquisição de participações sociais, no período de 2004 a 2007, podem ser deduzidos à matéria colectável, atenta a revogação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF.
A este propósito, a Requerente alega no seu pedido de pronúncia arbitral o seguinte:
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Na redacção dada pelo artigo 144.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, o n.º 2 do referido artigo 32.º do EBF previa que “As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”;
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De acordo com o artigo 3.º, n.º 3, do EBF, na redacção dada pela Lei do Orçamento do Estado para 2012, o artigo 32.º do EBF constitui um benefício fiscal excluído do princípio da vigência por cinco anos, estabelecido no n.º 1 do artigo 3.º do EBF;
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Segundo o Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (ROE), sob o título “Principais alterações em sede de IRC,” e a epígrafe “Alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade”, aponta-se a isenção de tributação em IRC das mais-valias realizadas pelas SGPS com a alienação de partes de capital detidas há mais de um ano, acompanhada de medidas conducentes a evitar o planeamento fiscal abusivo, aproximando o regime nacional do modelo holandês.
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No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 42/2014, proferido no processo n.º 564/12 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), defendeu-se que “a intervenção legislativa operada neste domínio em 2003 assumiu preocupação balanceada e intrinsecamente conexionada nos dois campos que regula: ao mesmo tempo que se procura atingir maior competitividade ao regime fiscal nacional, aproximando-o de outros modelos reputados mais atractivos através da isenção de tributação em sede de IRC de mais-valias realizadas, desde que verificadas certas condições (…), procedeu-se ao alargamento da base tributável, desconsiderando os encargos financeiros que estavam na base da aquisição das participações sociais, contrabalançando dessa forma o benefício concedido às SGPS face aos demais sujeitos passivos de IRC”;
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A este respeito, importa ter em consideração que, à luz do previsto no artigo 23.º do Código do IRC, os encargos de natureza financeira em geral beneficiam de uma presunção legal de indispensabilidade nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC (na redacção em vigor antes da reforma de 2014), concorrendo, portanto, como componente negativa, para o apuramento do lucro tributável;
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Este regime de não-tributação das mais-valias realizadas com a alienação daquelas participações, encontrava-se, pois, umbilicalmente ligado com a não-dedutibilidade dos encargos financeiros directamente associados à aquisição de tais participações sociais por parte das SGPS (entre outros, José Engrácia Antunes, in “A tributação dos grupos de sociedades” in Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 45, janeiro- março 2001, p. 20);
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A Direcção de Serviços do IRC emitiu a Circular n.º 7/2004 de 30 de Março, na qual estabeleceu, com carácter geral e vinculativo para os Serviços, o momento e o modo como deveriam ser deduzidos os encargos financeiros para efeitos de aplicação do referido n.º 2 do então artigo 31.º do EBF;
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No ponto 6 da referida Circular n.º 7/2004, a AT veio estabelecer o seguinte: “Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 31º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias”;
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No mesmo número, a AT determinava também que “Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores”.
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Tal como foi explicitado no Acórdão do Tribunal Arbitral de 10 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 645/2017-T do CAAD, “Para a Autoridade Tributária e Aduaneira, embora, à face do referido regime previsto no EBF, as mais-valias só fossem desconsideradas para efeitos de formação do lucro tributável no exercício em que fossem realizadas, os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital deveriam ser desconsiderados como gastos (custos, na terminologia a redacção do CIRC de 2009) no exercício em que os mesmos fossem suportados, acrescendo ao lucro tributável de cada um desses exercícios, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias, que só era possível apurar no momento da realização. Mas, como a aplicação deste regime especial dependia da verificação de condições a apurar posteriormente, a Administração Tributária adoptava naquele n.º 6º da Circular n.º 7/2004 o entendimento de que “caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores” - (cf. citado Acórdão, tal como os demais citados infra, disponíveis em www.caad.org.pt);
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Assim, no ponto 7 da referida Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, a AT estabeleceu que “Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição”;
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O valor de €2.626.128,74 corresponde a encargos financeiros suportados, em exercícios anteriores, por referência a participações sociais que não chegaram a ser alienadas até ao dia 1 de Janeiro de 2014 pela Requerente.
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O regime previsto no artigo 32.º do EBF, foi revogado pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014).
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Tendo em consideração que relativamente às participações sociais que mantinha em 31 de Dezembro de 2013 não seria possível à Requerente beneficiar do regime previsto no artigo 32.º do EBF, entende a mesma que dever poder deduzir, no exercício de 2014 (isto é, no exercício em que ocorreu a revogação daquele benefício fiscal), os encargos financeiros que acresceu, por referência a tais participações sociais, de acordo com o método previsto na Circular n.º 7/2004;
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A revogação do regime previsto no referido preceito legal determina, por maioria de razão, a impossibilidade futura da sua aplicação, pelo que, no entender da Requerente, deverá ser deduzido, no exercício de 2014, o valor global dos encargos financeiros que foram acrescidos por referência às participações sociais que a mesma tinha e relativamente às quais não lhe seria já possível usufruir do benefício, em virtude da sua revogação;
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Quanto a esta matéria e em situações idênticas à da Requerente, a jurisprudência arbitral tem entendido que se deve considerar a existência de uma correspetividade entre o comportamento do sujeito passivo, traduzido no acréscimo dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, e a atribuição do benefício do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, encontrando-se essa mesma correspetividade plasmada na Circular n.º 7/2004 da Direcção de Serviços do IRC, quando prevê que, no momento da alienação das participações, se consideraria como custo fiscal todos os encargos financeiros não considerados nos exercícios anteriores, caso se concluísse pela inaplicabilidade do regime especial de isenção de mais-valias (neste sentido, vd. os Acórdãos do Tribunal Arbitral de 10 de Maio de 2018 e de 24 de Maio de 2018, proferidos, respectivamente, nos processos números 645/2017-T e 285/2017-T);
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Foi, pois, com base nessa ideia de correspectividade, que o Tribunal Arbitral determinou o seguinte: “No pressuposto, adotado na referida Circular, a desvantagem fiscal que constitui a desconsideração dos encargos financeiros está condicionada à obtenção do ulterior benefício fiscal que constitui a não tributação de mais-valias. A vantagem fiscal será uma contrapartida da desvantagem que constitui a não consideração dos encargos financeiros, pelo que tem de se concluir que, na perspectiva da referida Circular, a impossibilidade de vir a ser aplicado um regime privilegiado a nível da alienação será justificação para que seja eliminada a desvantagem referida. Utilizando a terminologia da referida Circular, poderá dizer-se que, tendo sido revogado o regime referido antes do «momento da alienação das participações», tem de se concluir, definitivamente, que o regime do artigo 32.º, n.º 2, não poderá ser aplicado” - (cf. Acórdão proferido no processo n.º 645/2017-T);
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No âmbito do processo arbitral n.º 285/2017-T, o Tribunal Arbitral entendeu também que “a rigidez deste princípio “da especialização dos exercícios” está longe de ser uniformemente, ou invariavelmente, defendida – porque em várias circunstâncias se percebe que tal princípio tem que ser colmatado ou temperado com a invocação do valor da justiça: por exemplo, em situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do acto tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado.”;
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Para sustentar essa posição e citando o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 269/12, o Tribunal Arbitral afirma que “O princípio da justiça é um princípio básico que deve enformar toda a actividade da Administração Tributária, como resulta do preceituado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, cuja relevância não se esgota no âmbito dos actos praticados no exercício de poderes discricionários, embora tenha aí um domínio primacial de aplicação. Não fazendo o artigo 266.º, n.º 2, da CRP, qualquer distinção, na aplicação da legalidade, tanto pela Administração como pelos tribunais, não pode ser encarada isoladamente cada norma que enquadra uma determinada actuação da Administração, antes terá de se atender à globalidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (artigo 9º, nº1, do CC). Não se pode afirmar, que, nos casos de exercício de poderes vinculados, a obediência a uma determinada lei ordinária se sobrepõe aos princípios constitucionais referidos, pois estes princípios fazem também parte do bloco normativo aplicável, eles são também definidores da legalidade e, como normas constitucionais, são de aplicação prioritária em relação ao direito ordinário”.
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Neste contexto, o Tribunal Arbitral esclareceu, ainda, que, «Liberta do espartilho de uma leitura rígida do princípio “da especialização dos exercícios”, a interpretação do n.º 6 da Circular nº 7/2004 permitia concluir que, por um lado, a desconsideração dos encargos financeiros estava dependente da verificação, no momento da alienação das participações sociais, das condições para aplicação daquele regime, pelo que, até esse momento ocorrer, estava sempre em aberto a possibilidade de relevância daqueles encargos como gastos do exercício em que se viesse a ocorrer a alienação; e, por outro lado, que, embora se refira na Circular o momento da alienação como aquele em que se pode concluir pela verificação, ou não, de todos os requisitos de aplicação do regime, deve a Circular ser entendida, por interpretação declarativa do final do seu nº 6, como admitindo a aplicação desse entendimento às situações em que possa concluir-se, antes do momento da alienação, que o regime já não pode ser aplicado, pois o que é relevante para viabilizar a dedução dos encargos é apenas a conclusão segura de que não se verificam os requisitos de aplicação daquele regime”;
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Uma eventual interpretação em sentido contrário, contenderia com a proteção da confiança dos contribuintes que, em cumprimento do preceituado pela Administração tributária, acresceram os encargos financeiros, deparando-se, no momento da revogação do regime, com uma impossibilidade superveniente de retirar vantagem daquele benefício.
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Note-se que “A decisão de ingresso da Requerente no regime do artigo 32°, 2 do EBF, envolvendo o "sacrifício" do direito à dedução dos encargos de natureza financeira associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS, toma por base inequívoca a expectativa assumida, e, por correspectividade, o resultado prometido, de ocorrer posteriormente uma compensação do sacrifício com a isenção fiscal atribuída no momento de realização das mais-valias. Tornando-se impossível efectivar essa isenção posterior, o sacrifício que a precede, e que existia para legitimá-la, perde o seu objecto próprio, devendo, em nome da justiça aí implicada, desencadear-se um processo materialmente equivalente a uma restituição: se existiu um sacrifício visando uma contrapartida, e essa contrapartida directa se torna impossível, deixa aquele que recebeu o sacrifício, e não presta a contrapartida, de ocupar uma posição legítima na relação de correspectividade” (cf. Acórdão arbitral, já anteriormente citado, proferido no âmbito do processo nº 285/2017-T).
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Com efeito, como se explicitou no Acórdão arbitral proferido no processo 645/2017-T, a solução que acima se preconiza não decorre unicamente da revogação daquele preceito, mas assenta, essencialmente, no facto de a Administração tributária, invocando que se encontrava a interpretar o mesmo, ter divulgado, com caráter geral e vinculativo para os Serviços, os procedimentos que os sujeitos passivos deveriam adotar para efeitos de aplicação do mesmo;
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Acresce que o entendimento da Administração tributária, vertido na decisão da Reclamação Graciosa, colide ainda como princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, na medida em que discrimina negativamente as SGPS que tenham sido surpreendidas numa situação como a da Requerente;
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De facto, estas são discriminadas negativamente face às SGPS que tenham deduzido a totalidade dos encargos financeiros suportados sem adoptar o critério circulatório e que apenas tenham procedido ao acréscimo dos encargos imputáveis às participações sociais no momento da venda das participações;
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Com efeito, nesse caso, os encargos financeiros suportados pelas SGPS apenas seriam acrescidos se e quando o sujeito passivo viesse a apurar uma mais ou menos valia com a transmissão de partes de capital;
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Nessa circunstância, caso a Requerente se tivesse afastado do critério adoptado pela Circular n.º 7/2004, os encargos financeiros suportados com a aquisição das partes de capital que permaneceriam no seu balanço a 31 de Dezembro de 2013 nunca teriam sido acrescidos para efeitos do apuramento do seu lucro tributável;
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Dito de outro modo, acatando o entendimento preconizado na Circular n.º 7/2004, nos períodos de tributação compreendidos entre 2004 e 2007, a Requerente acresceu, para efeitos do apuramento do seu lucro tributável, montantes correspondentes aos encargos financeiros incorridos (€2.626.128,74) com a aquisição de partes de capital que não haviam sido alienadas a 31 de Dezembro de 2013 e que, por conseguinte, não deram origem a qualquer mais ou menos valia que pudesse beneficiar do regime previsto no artigo 32.º do EBF. Por sua vez, as SGPS que optaram por se afastar daquele entendimento (legitimamente, em face das diversas dúvidas que se colocaram quanto ao momento em que os encargos financeiros deviam ser acrescidos ao seu lucro tributável) veriam os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital concorrer para o apuramento do seu lucro tributável;
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Assim, para que da aplicação daquela Circular não resultasse qualquer efeito contrário à lei ou que contrariasse os princípios atrás indicados, impunha-se à Administração proceder - como peticionado em sede de Reclamação Graciosa - à correcção da situação fiscal da Requerente e do Grupo B..., permitindo a dedução dos encargos financeiros acrescidos relativos às partes de capital de que esta era titular à data da revogação do artigo 32.º do EBF;
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Em suma, à luz dos princípios da justiça, da confiança dos interessados, bem como do princípio da igualdade, os encargos financeiros acrescidos, e que foram imputados a partes de capital cuja mais-valia associada acabou por não beneficiar do regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, deverão ser reconhecidos como gasto fiscal no período de tributação de 2014, momento em que se concluiu pela impossibilidade efectiva de aplicação daquele regime, em virtude da sua revogação;
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Deve ser declarada a ilegalidade dos actos de autoliquidação referentes ao exercício de 2014 e da decisão que os manteve na ordem jurídica, sendo a Administração tributária condenada a proceder à correcção da autoliquidação da Requerente e do Grupo B..., no sentido de ser reflectida dedução do valor de €2.626.128,74, respeitante ao valor de encargos financeiros que foram desconsiderados nos exercícios anteriores no pressuposto de que seria aplicado o benefício fiscal de isenção de tributação de mais-valias previsto no regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF.
Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:
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Defende a Requerente que, tendo desconsiderado, nos exercícios de 2004 a 2007, a dedução ao lucro tributável dos encargos financeiros associados à aquisição das partes de capital detidas à data de 31.12.2013, a revogação do artigo 32.º pelo artigo 210.º da Lei n.º 83-C/2013 permite considerar a dedutibilidade dos encargos financeiros acrescidos ao lucro tributável individual e do grupo Fiscal, do exercício de 2014;
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A AT desconhece se os valores reclamados pela Requerente são definitivos ou se foram objecto de alguma correcção; A AT não sabe quais foram os cálculos efectuados pela Requerente que permitiram determinar os encargos financeiros que respeitam às partes de capital alienadas até 2013 e as partes de capital detidas à data de 31.12.2013, o que equivale a dizer que o montante cuja dedução é peticionada carece de confirmação;
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A linha argumentativa desenvolvida pela Requerente peca, desde logo, por duas omissões relevantes: por um lado, nada refere sobre a falta de previsão, na sequência da revogação do artigo 32.º do EBF, de um regime transitório que dê suporte legal às SGPS para a dedução dos encargos suportados nos exercícios anteriores e, por outro lado, obnubila que o regime especial constante do artigo 32.º do EBF foi substituído, por redundante, por um regime de participation exemption que alarga a todos os sujeitos passivos de IRC que detenham uma participação qualificada (aquelas que são típicas das SGPS, refira-se) a isenção das mais valias geradas na alienação de participações sociais, permitindo ainda a dedução dos encargos financeiros incorridos para a sua aquisição.
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O regime do artigo 32.º do EBF, instituído pela Lei do Orçamento de Estado para 2003, era um misto de [não] tributação de mais-valias ou menos-valias geradas pelas SGPS com a alienação de partes de capital e ao mesmo tempo de captação de imposto ao impedir a dedução dos encargos financeiros suportados para a sua aquisição, como de forma evidente resulta do próprio Relatório do OE 2003;
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Nos termos da Circular n.º 7/2004, “Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.”.
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Em 2014, a Lei n.º 2/2014, de 16.01, que procedeu à reforma da tributação das sociedades (comummente designada "reforma do IRC”), introduziu no nosso ordenamento jurídico o denominado regime de participation exemption, que determinou assim a revogação do regime fiscal das SGPS (Cfr. artigo 210.º da Lei n.º 83-C/2013), em virtude de o mesmo ter passado a abranger todas as sociedades independentemente da natureza jurídica que apresentem, passando a prever-se a dedutibilidade dos encargos financeiros nos termos dos artigos 23.º e 67.º do Código do IRC;
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Aliás, embora a revogação do artigo 32.º do EBF tenha sido promovida pela Lei n.º 83-C/2013 e não pela Lei n.º 2/2014, a verdade é que a eliminação foi proposta pela Comissão para a Reforma do IRC, conforme consta do Relatório sobre o Anteprojecto de Reforma (páginas 128/129)[1]: «[…] a adopção do novo regime de participation exemption veio tornar redundantes na perspectiva da Comissão de Reforma, diversos regimes especiais actualmente existentes. Por esta razão, propõe-se a eliminação dos seguintes regimes: (…) c) uma vez que o novo regime também consome o regime fiscal previsto para as SGPS, e atendendo a que estas não lograram atingir o objectivo originariamente proposto de se afirmarem como veículo de investimento fiscalmente competitivo no plano internacional, propõe-se a eliminação do artigo 32.º do EBF […].”
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A este respeito, pela sua clareza, importa transcrever o resumo feito no acórdão arbitral proferido no processo n.º 610/2017:
“Como resulta do Relatório da Comissão de Reforma do IRC, a eliminação do regime das SGPS’s esteve sempre relacionado com a entrada em vigor do regime de participation exemption, motivo pelo qual o intérprete não pode desligar os dois acontecimentos legislativos, a revogação do regime de tributação das SGPS’s e a introdução do regime de participation exemption previsto no novo artigo 51.º-C do Código do IRC. É assim sobretudo no que respeita ao ponto de vista da continuidade dos regimes de exclusão de tributação de mais e menos-valias de participações sociais. No que concerne aos encargos financeiros, a revogação do artigo 32.º do EBF implica a aplicação às SGPS do regime de dedução de encargos financeiros previsto nos artigos 23.º e 67.º do Código do IRC.”
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Deste modo, pode afirmar-se sem qualquer margem de dúvida que o denominado regime de participation exemption sucedeu, porque o substituiu, ao regime especial das SGPS.
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Acresce que, na presente situação, o legislador deixou expressa a razão da opção tomada, explícita no Relatório sobre o Anteprojecto de Reforma, pelo que resulta de forma inequívoca que a revogação do artigo 32.º do EBF e a inexistência de regime transitório não se tratou de lapso;
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Ademais, por força da natureza do regime especial de tributação das SGPS qualificado como benefício fiscal estrutural, i.e., não abrangido pela regra de caducidade quinquenal (Cfr. n.º 3 do artigo 3.º do EBF), entendeu o legislador que, à luz do disposto no artigo 11.º do EBF, não subsistiam direitos adquiridos a salvaguardar;
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Como bem assinala a decisão arbitral proferida no processo n.º 610/2017-T:«[…] “não se previram normas transitórias para a situação de revogação de benefícios fiscais, contrariamente a outras situações de revogação e alteração legislativa que mereceram a atenção do legislador”, incluindo as disposições – números 3, 12 e 14 do art.º 12.º da Lei n.º 2/2014 - sobre alguns efeitos da aplicação do art..º 51.º-C do Código do IRC relativamente às situações pré-existente. Pelo que, o legislador não ignorou que a entrada em vigor da Reforma do Código do IRC poderia ter efeitos em relações jurídicas pré-existentes, que começaram a produzir efeitos ao abrigo da lei antiga que se prolongavam no domínio da lei nova. Mas, ainda assim, no caso da revogação do artigo 32.º do EBF o legislador optou por não salvaguardar quaisquer efeitos.”
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Efectivamente, não cabe à AT, nem mesmo aos Tribunais, corrigir opções de política legislativa, permitindo o preenchimento de lacunas, contrariando a motivação expressa da Comissão de Reforma do IRC, criando regimes transitórios que não constam da lei;
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Isto, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária, também na vertente da generalidade e abstracção que permitem e potenciam a igualdade dos contribuintes perante a lei fiscal, e portanto, sob pena de violação do princípio da igualdade na vertente fiscal, os quais decorrem do disposto no artigo 13.º e no artigo 103.º da CRP;
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Por conseguinte, a pretensão da Requerente não pode proceder por falta de base legal que a sustente e também não tem razão ao invocar o ponto 6 da Circular n.º 7/2004, porque aí expressamente era dito que a possibilidade de dedução dos encargos financeiros apenas havia de fazer-se no momento da alienação das partes de capital, facto que não ocorreu no exercício de 2014;
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Ora o que a Requerente pretende é, sem alienar as partes de capital, deduzir ao lucro tributável de 2014, os encargos incorridos no passado com a sua aquisição, num quadro jurídico em vigor que lhe garante simultaneamente a isenção da tributação de eventuais mais-valias que possa vir a obter;
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Lembra-se que o binómio dedução dos encargos financeiros-alienação das partes de capital, para o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 42/2014, constituía o corolário lógico do “princípio da homogeneidade entre custos dedutíveis e os rendimentos ou proventos sujeitos a imposto a que estejam ligados, de forma a que não seja atribuído um tratamento à causa (custo) e outro ao efeito (rendimento ou proveito), mormente no plano do âmbito de aplicação temporal do regime pertinente (…)” sem atentar contra os princípios da tributação do lucro real e da capacidade contributiva.”
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Entende-se, assim, por todo o exposto, como materialmente inconstitucional a interpretação normativa proposta pela Requerente, no sentido de ser permitida a dedução dos encargos financeiros incorridos entre 2004 e 2007, na vigência do artigo 32.º do EBF, ao lucro tributável de 2014, em face da absoluta inexistência de norma legal que o preveja, por violação do princípio da legalidade tributária;
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Por fim, reputa-se tal interpretação normativa, de materialmente inconstitucional, por violação do princípio do Estado de Direito democrático, da reserva da lei fiscal, e da separação de poderes, com a consequente subordinação dos tribunais à lei, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto nos artigos 2.º, 103.º, 165.º e 202.º da CRP;
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Tal pretensão desrespeita ainda, frontalmente, o princípio constitucional da capacidade contributiva e tributação do lucro real (artigo 104.º, n.º 2 da CRP). É que mesmo que se aceite que a lacuna da lei possa ser integrada, o que, face ao antedito, se admite por mera cautela e dever de representação, nunca poderá, atento tal princípio constitucional, aceitar-se a dedução integral dos encargos financeiros em 2014;
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Com efeito, a imputação dos gastos suportados ao lucro tributável de cada período de tributação rege-se pelo princípio da especialização dos exercícios e tratando-se de gastos de natureza financeira, como os juros dos empréstimos, o critério geral de imputação está ligado ao tempo de utilização dos capitais alheios e ao capital em dívida em cada exercício, sendo que este critério geral pode sofrer adaptações, em situações específicas tipificadas em norma especial, como era o caso dos n.ºs 2 e 3 do artigo 32.º do EBF, tal como interpretado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 42/2014 e pela Administração fiscal na Circular n.º 7/2004;
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Dali resulta que é dada prevalência ao princípio da correlação entre gastos e rendimentos/ganhos, ínsito no princípio da especialização dos exercícios, considerando que as mais-valias estão associadas a valorizações de activos que, em regra, não são geradas num só exercício, mas antes ao longo de um período mais ou menos longo.
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Ora, pretender fazer valer uma solução em que apenas os encargos financeiros suportados em exercícios passados seriam deduzidos ao lucro tributável desligados da incorporação de quaisquer rendimentos ou ganhos associados, isto é, sem a alienação das correspondentes participações sociais, afronta as regras de periodização do lucro tributável enunciadas no artigo 18.º do Código do IRC, e por não ter sido salvaguardada em norma transitória, enferma de vício de ilegalidade, violando igualmente o princípio constitucional da capacidade contributiva e tributação do lucro real (artigo 104.º, n.º 2 da CRP);
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Em suma, a não dedutibilidade dos encargos financeiros estava sempre associada à isenção das mais-valias que, por sua vez, se encontrava sujeita a condicionalidades que, em última instância, redundavam no decurso de um período de tempo mínimo (1 ano ou 3 anos), ou seja, se as partes sociais fossem alienadas antes do cumprimento desse prazo, as mais-valias estariam sujeitas ao regime geral de tributação e os encargos financeiros seriam dedutíveis, desde que observadas as regras gerais de dedutibilidade dos gastos e perdas;
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A opção do legislador, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, de alterar expressamente, com a Lei n.º 2/2014, a partir de 01-01-2014, a concepção de balanceamento entre gastos e rendimentos não colide com o princípio da igualdade, da capacidade contributiva, da segurança jurídica ou da tutela da confiança legítima, decorrentes do princípio do Estado de Direito Democrático, constante do artigo 2.º da CRP, na medida em que foi assegurada a manutenção de um dos pilares do regime especial de tributação das SGPS – a isenção das mais-valias, até com maior extensão, por ter sido alargada a outros instrumentos de capital próprio associados às partes sociais;
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Ademais, quanto ao princípio da segurança jurídica reforce-se que, segundo jurisprudência constante do TC (cf. entre outros, Acórdão n.º 287/90, n.º 42/2014, n.º 309/2018), para que haja lugar à tutela sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança é necessário que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados “expectativas” de continuidade; tais expectativas devem ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do comportamento” estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa;
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Face a todo o exposto, resulta, pois, que a revogação do regime especial de tributação das SGPS e a sua abrangência pelo regime da participation exemption, que confere maiores vantagens fiscais, visou a prossecução do interesse público de atracção de investidores e de reforço do tecido empresarial, pelo que não está em causa a segurança jurídica articulada com o princípio da tutela da confiança ou sequer o princípio da igualdade;
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Razões pelas quais deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente.
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Por máxima cautela e sem conceder, mais se dirá a pretensão da Requerente reconduz-se ao preenchimento de uma lacuna, ao referir que a revogação do regime do artigo 32.º do EBF deixa um vazio legal;
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Cabe a este propósito mencionar a jurisprudência recente do Tribunal Constitucional n.º 139/2016, citando o acórdão do mesmo Tribunal n.º. 753/14 o seguinte: “ainda que, em tese geral, o princípio da capacidade contributiva implique que deva ser considerado como tributável apenas o rendimento líquido, com a consequente exclusão de todos os gastos necessários à produção ou obtenção do rendimento, o certo é que não pode deixar de reconhecer-se ao legislador – como admite a doutrina – «uma certa margem de liberdade para limitar a certo montante, ou mesmo excluir, certas deduções específicas, que, embora relativas a despesas necessárias à obtenção do correspondente rendimento, se revelem de difícil apuramento» (Casalta Nabais, ob. cit., pág. 521) [a obra em causa é O Dever Fundamental de Pagar Impostos]. O ponto é que tais limitações ou exclusões tenham um fundamento racional adequado e se apliquem à generalidade dos rendimentos em causa. Trata-se de opções de política fiscal que assentam numa ideia de praticabilidade, que exige ao legislador a elaboração de leis cuja aplicação e execução seja eficaz e económica ou eficiente, e que conduzam a resultados consonantes com os objetivos pretendidos. Com essa finalidade, com que se pretende também assegurar os princípios materiais da igualdade e da justiça fiscal, é constitucionalmente justificável que o legislador possa recorrer não apenas às referidas presunções legais, mas também a técnicas de tipificação e de simplificação, que permitam disciplinar certos aspetos do direito dos impostos segundo critérios de normalidade, afastando as situações atípicas ou anormais (idem, págs. 622-623). […]Como se deixou exposto num outro momento, o artigo 104.º, n.º 2, não institui um critério absoluto e rigoroso de tributação das empresas segundo o lucro real, apontando antes para uma aproximação tendencial entre a matéria coletável e os lucros efetivamente auferidos, sem excluir o recurso a rendimentos presumidos e a métodos indiciários.”;
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Efectivamente, não cabe à Administração Fiscal, nem mesmo aos Tribunais, corrigir opções de política legislativa, permitindo, afinal, a repristinação de regimes de benefício e o preenchimento de lacunas, contrariando a motivação expressa da Comissão de Reforma do IRC, criando regimes transitórios que não constam da lei;
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No acórdão arbitral de 20-07-2018, proferido no processo n.º 21/2018-T[2], onde também se julgou um pedido arbitral que se sustentava num entendimento que, caso viesse a ser acolhido pelo Tribunal, resultaria na correcção de opções de política legislativa e permitiria a repristinação de regimes de benefício e o preenchimento de lacunas, contrariando a motivação expressa da Comissão de Reforma do IRC e criando regimes transitórios que não constam da lei, entendeu o Tribunal que “A interpretação normativa que a Requerente propõe teria como consequência a própria abrogação do regime legal vigente quanto à dedução de prejuízos fiscais, permitindo que o sujeito passivo - em detrimento do estabelecido no artigo 52.º, n.º 1 - pudesse deduzir em 2014 prejuízos fiscais de exercícios anteriores” e que “na falta de norma expressa que salvaguarde esse efeito, será impossível, por via interpretativa, vir a reabrir situações jurídicas já consolidadas na ordem jurídica nacional.”
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Com efeito, a interpretação, rectius, integração da lei fiscal, nos termos propostos pela Requerente no presente processo, atentaria contra os princípios da certeza e segurança jurídica e da igualdade entre todos os cidadãos, bem como contra o princípio da legalidade;
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Entende-se, por todo o exposto, como materialmente inconstitucional a interpretação normativa proposta pela Requerente, no sentido de ser permitida a dedução dos encargos financeiros incorridos entre 2009 e 2013, portanto na vigência do artigo 32.º do EBF, ao lucro tributável de 2014, em face da absoluta inexistência de norma legal que o preveja, por violação do princípio da legalidade tributária.
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Bem assim, reputa-se tal interpretação normativa de materialmente inconstitucional, também por violação do princípio da legalidade tributária, na vertente da generalidade e abstracção da lei fiscal, decorrentes do princípio da legalidade e enquanto instrumentos da igualdade fiscal, e portanto, igualmente por violação do princípio da igualdade tributária, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto no artigo 13.º e no artigo 103.º da CRP;
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Por fim, reputa-se tal interpretação normativa, qual seja, a de permitir a dedução dos encargos financeiros incorridos entre 2009 e 2013, portanto na vigência do artigo 32.º do EBF, ao lucro tributável de 2014, e em face da absoluta inexistência de norma legal que o preveja, de materialmente inconstitucional, por violação do princípio do Estado de Direito democrático, da reserva da lei fiscal, e da separação de poderes, com a consequente subordinação dos tribunais à lei, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto nos artigos 2.º, 103.º, 165.º e 202.º da CRP;
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Concluindo-se pela necessária improcedência da pretensão formulada pela Requerente;
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Importa recordar que o desiderato da Requerente consubstancia-se numa aplicação retroactiva da lei, de uma só vez, por via da imputação ao lucro tributável de 2014 da regra de dedutibilidade dos encargos de natureza suportados entre 2004 a 2007 com a aquisição de partes sociais e, cujas mais-valias e menos-valias realizadas não entravam para o cômputo do lucro tributável, nos termos dos disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF;
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Deve a Requerida ressalvar também que a Requerente não demonstra os factos que invoca, diferentes dos constantes das suas declarações periódicas, as quais gozam da presunção de veracidade, de acordo com o disposto no artigo 74.º da LGT;
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Daí decorrendo, mesmo sem mais considerandos, a improcedência do pedido arbitral, como decorre das regras atinentes ao ónus da prova Veja-se que «O ónus da prova pode ser entendido num sentido subjectivo e num sentido objectivo. Na primeira acepção, o ónus da prova refere-se à exigência que é imposta às partes de provarem os factos em que assenta a sua pretensão ou a sua defesa, e que será definida, em cada caso, segundo os critérios de repartição do ónus da prova que se encontram estabelecidos nos artigos 342º e seguintes do Código Civil. O ónus da prova objectivo, por sua vez, respeita às consequências da não realização da prova pela parte que com ela está onerada, permitindo determinar qual o sentido ou conteúdo da decisão a proferir pelo juiz quando, finda instrução do processo, se chega a uma situação de incerteza ou de non liquet sobre os factos relevantes. (…) verificando-se uma situação de falta ou insuficiência da prova relativamente a algum ou alguns dos factos alegados indispensáveis para a decisão da causa, estes devem ter-se como inexistentes, na medida em que não podem ser considerados como provados nem como não provados (Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, 4º vol. (policopiadas), pág. 114), implicando que o tribunal emita uma pronúncia desfavorável em relação à parte a quem incumbia fazer a prova desses factos.(…) A solução pode estar, neste tipo de processos, em distribuir o ónus da prova, não em função da posição que as partes ocupam na relação processual, mas antes por referência às posições que lhes correspondem na relação jurídica material que está subjacente ao processo. Assim haveria que distinguir essencialmente entre os actos de conteúdo positivo em que a Administração impõe comandos, proibições e ablações, em que se justifica que seja a entidade administrativa a provar a existência dos pressupostos legais da sua actuação, e os actos de conteúdo negativo, pelos quais a Administração nega um interesse pretensivo do administrado, e em que competiria já a este demonstrar, em sede jurisdicional, que preenche os requisitos legais da autorização ou benefício que pretende obter.» - cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Dicionário de Contencioso Administrativo, Coimbra, Almedina, 2006.
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Em anotação ao artigo 100.º do CPPT, escreveu o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa,“Trata-se da concretização prática da eliminação no domínio do contencioso tributário da presunção de legalidade dos actos da administração tributária, substituída por uma presunção de veracidade dos actos do cidadão-contribuinte, que foi anunciado no ponto 1 do preâmbulo do CPT. Esta regra consubstancia uma aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre ónus da prova no procedimento tributário enunciada no artigo 74.º, nº 1 da LGT, em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova de certos factos no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário.”
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Bem como, cabe referir a Jurisprudência dos nossos tribunais superiores, de que é exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no proc. 0338-07, em 31-10-2007: “em sido entendimento pacífico da jurisprudência de que “à Administração Tributária cumpre apenas, tendo em conta o princípio da legalidade administrativa e em termos correspondentes ao disposto no artº 342º do CC, o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação. Ao contribuinte cabe provar a existência de factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, isto é, a efectiva existência das alegadas transacções” (acórdão desta Secção do STA de 23/5/07, in rec. nº 128/07). Como se escreveu no Acórdão desta Secção do STA de 17/4/02, in rec. nº 26.635, “cabe à administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, ou seja,… da existência dos factos de que depende legalmente que ela deva agir ou possa agir em certo sentido”, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua a sua actividade.
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Apresentando-se a Requerente à Administração Tributária invocando haver liquidado IRC em situações em que não seria devido, em suma, por haver acrescido, nos cinco exercícios anteriores, imposto que pretende dedutível em 2014, nos termos de um hipotético regime transitório, que entende aplicável (por analogia), inequivocamente está onerada com a demonstração dos factos constitutivos do imposto que alega ter sido indevidamente liquidado;
Face ao exposto, relativamente à posição das Partes e aos argumentos apresentados, para determinar se o acto tributário sub judice é ou não ilegal será necessário verificar qual é a interpretação que deve ser efectuada à norma constante do artigo 32.º, n.º 2 do Código do IRC.
Vejamos o que deve ser entendido.
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Enquadramento jurídico das SGPS
Como decorre do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 42/2014, de 11 de Fevereiro, “12.1 — As SGPS têm como antecedentes as sociedades holding, as quais encontram a primeira regulação no Decreto-Lei n.º 46032, de 27 de abril de 1965. Seguiu -se -lhe o Decreto -Lei n.º 271/72, de 2 de agosto, estabelecendo o regime jurídico das sociedades que comportem como objeto a gestão de participações, distinguindo entre “sociedades de controlo”, “sociedades de investimento” e “sociedades de aplicações de capitais”, e reconhecendo -lhes papel importante na organização e reforço do tecido empresarial nacional, através do estabelecimento e dinamização de um mercado financeiro que lhe sirva de apoio. Já assim se lhes referira o legislador, na edição de isenção da tributação de Imposto de Capitais sobre juros e dividendos, através do Decreto -Lei n.º 44561, de 10 de setembro de 1962, dizendo: “[t]rata -se de remover um obstáculo de peso à criação de empresas cuja atividade consiste na mera gestão de uma carteira de títulos, e que no estrangeiro, por toda a parte — e até, nos últimos anos, particularmente em países em vias de desenvolvimento — tão grande papel desempenham, sobretudo as sociedades de colocação de capitais, na mobilização do aforro de certas classes, e na sua criteriosa aplicação naquele ou naqueles setores que um eficiente serviço de estudos económico -financeiros demonstre serem os de menor risco e de melhores expectativas de rendabilidade. Desnecessário será encarecer o alcance desta inovação”.
Em 1988, o regime jurídico dessas sociedades viria a ser alterado — modificação inscrita na reforma fiscal que entrou em vigor em 1989 -, através do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, passando a adotar a designação de sociedades gestoras de participações sociais. Logo aí se sinalizou a essencialidade do estabelecimento de um regime que comportasse vantagens fiscais para tais sociedades, mormente no domínio da tributação de mais-valias e menos-valias obtidas, referindo o preâmbulo do diploma que, de outro modo, as SGPS teriam “viabilidade duvidosa e pouco interesse prático”.
Na verdade, resulta do preâmbulo do decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro que o propósito subjacente ao regime previsto para as SGPS foi o de “proporcionar aos empresários um quadro jurídico que lhes permitisse reunir numa sociedade as suas participações sociais, em ordem à sua gestão centralizada e especializada.” Mais se diz que “O regime fiscal que o presente diploma adopta para as SGPS, em sequência da Lei n.º 98/88, de 17 de Agosto, tem em vista a concessão de benefício, sem os quais, de resto, tais sociedades teriam viabilidade duvidosa ou pouco interesse prático.”
No fundo, desde a sua criação que a atractividade pela constituição e manutenção das SGPS tem andado de mão dada com a maior ou menor atractividade do respectivo regime fiscal[3].Com o propósito de incentivar os grupos societários a reorganizarem-se, com vista a reforçar a sua competitividade, instituiu-se um regime específico de tributação das SGPS, que incidia sobre os principais rendimentos resultantes da gestão de participações sociais: os dividendos e as mais-valias.
Tendo em conta que, no presente caso, está em causa precisamente a aplicação do regime específico de tributação das mais-valias realizadas pela Requerente - SGPS, iremos analisar de seguida o regime fiscal àquela aplicável, até à revogação operada pela Lei 83-C/ 2013, de 31 de Dezembro.
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Regime específico de tributação das mais e menos-valias obtidas por SGPS
Aquando da criação do regime jurídico das SGPS previa-se, em relação aos dividendos, que as SGPS estavam dispensadas do cumprimento dos requisitos relativos à participação e permanência exigidos para efeitos de aplicação do regime de eliminação da dupla tributação económica.[4] No que respeita às mais-valias e menos-valias, o regime de tributação previa inicialmente a não concorrência para a formação do lucro tributável das mais-valias e das menos-valias realizadas por SGPS mediante a transmissão onerosa de partes de capital, desde que detidas por um período não inferior a 1 ano. De igual modo, previa-se a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição das partes de capital.
O regime fiscal aplicável às SGPS passou, após a publicação e a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, a constar do EBF.
Tendo presente o propósito de reforço da competitividade expresso no Relatório do OE 2003, a Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do OE 2003), aditou o n.º 2 ao artigo 31.º do EBF, que corresponde ao artigo 32.º, n.º 2 do EBF, em discussão nos presentes autos:
“2- As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”
A este propósito foi sendo entendido que “o objectivo do regime instituído em 2003 foi o de contrabalançar a atribuição de um benefício – a exclusão total de tributação das mais-valias – com a não concorrência de certos encargos financeiros suportados, criando um ambiente de neutralidade entre os eventuais ganhos com determinados activos (certas imobilizações financeiras) e o passivo necessário à criação das condições para a obtenção de tais ganhos, isto é, o passivo relacionado com a aquisição de tais participações.”[5]
Sobre o regime fiscal específico introduzido neste domínio em 2003, o Tribunal Constitucional pronunciou-se também, no Acórdão n.º 42/14, de 11 de Fevereiro de 2004, considerando que “a intervenção legislativa operada (…) assumiu preocupação balanceada e intrinsecamente conexionada nos dois campos que regula: ao mesmo tempo que se procura atingir maior competitividade ao regime fiscal nacional, através da isenção das mais-valias realizadas desde que verificadas certas condições, procedeu-se ao alargamento da base tributável, desconsiderando os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações sociais numa preocupação de matching entre ganhos e custos das SGPS.”
Consta-se, assim, que, desde a entrada em vigor do regime jurídico das SGPS que o enquadramento fiscal aplicável à diferença positiva entre as mais e menos-valias de partes de capital foi sempre mais favorável quando comparado com o tratamento fiscal conferido ao apurado por outras sociedades comerciais.[6]
Vejamos a natureza jurídica do normativo em discussão.
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Natureza Jurídica do artigo 32.º, n.º 2 do EBF
Encontrando-se o artigo 32.º, n.º 2 do EBF inserido na parte II, do capítulo III, do Código dos Benefícios Fiscais, entende-se, no quadro da dogmática do Código, tratar-se de um benefício fiscal de carácter estrutural e não de um benefício fiscal de carácter temporário.[7]
Não obstante parte da doutrina e da jurisprudência defender que o artigo 32.º, n.º 2 do EBF não se configura como uma medida que impeça a tributação, não sendo, portanto, um benefício fiscal, tendo em conta o seu carácter desvantajoso,[8] certo é, no entanto, que a base legal aqui em discussão constava do EBF, como um benefício fiscal estrutural, resultando do regime previsto uma vantagem fiscal potencial, comparativamente ao regime de tributação-regra previsto para as SGPS.
Como ensina Nuno Sá Gomes,[9] “a definição normativa do sistema de benefícios fiscais articula-se com o próprio sistema de tributação-regra cujo universo tributário pretende, excepcionalmente, desagravar, isto é, os benefícios fiscais hão-de articular-se, orgânica e sistematicamente, com a própria tributação-regra, em termos qualitativos, enquanto excepções ao modelo da mesma tributação-regra.”
Neste sentido, entende-se que o artigo 32.º, n.º 2 do EBF constitui um benefício fiscal, enquanto desagravamento fiscal derrogatório do princípio da igualdade tributária, instituído para a tutela de interesses extrafiscais de maior relevância.[10]
Considerando a natureza da norma sub judice, iremos proceder à sua interpretação, no âmbito do quadro legal aplicável.
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Interpretação jurídica do artigo 32.º, n.º 2 do EBF
Resulta do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) que a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação.
Os princípios gerais de interpretação estão estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil (CC), nos seguintes termos:
“Artigo 9.º
Interpretação da lei
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1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
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De acordo com o disposto na Lei Geral Tributária, a interpretação de normas fiscais obedece aos seguintes cânones:
“Artigo 11.º
Interpretação
1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2 - Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3 - Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
4 - As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.”
Sobre a interpretação de benefícios fiscais determina-se no EBF, o seguinte:
“Artigo 10.º
Interpretação e integração das lacunas da lei
As normas que estabeleçam benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva.”
Assim, considerando o quadro normativo aplicável, importa atender ao disposto no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, que estabelece o seguinte:
“As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”;
Do ponto de vista literal, entende-se que a norma em análise incide sobre as mais-valias, as menos-valias e os encargos financeiros, estatuindo-se em relação àqueles factos tributários como consequência a sua irrelevância para efeitos de determinação do lucro tributável.
Tendo em conta que para que qualquer obrigação tributária nasça é necessário que se preencham todos os elementos que compõem o facto que gera essa obrigação, os factos tributários constantes da norma em análise só existem quando se verificam os pressupostos exigidos na sua definição jurídica, no caso concreto em análise, a alienação de participações sociais.[11] Embora os factos tributários previstos possam ocorrer em diferentes momentos temporais, estão os mesmos sujeitos à mesma estatuição normativa, sendo certo que a não dedutibilidade dos custos, que se pretendem afectar ao benefício fiscal, depende da realização das mais ou menos valias das participações sociais em causa. Na verdade, caso se isole o facto – encargos financeiros – dos restantes factos tributários – mais ou menos-valias – o benefício fiscal em análise converter-se-ia num “prejuízo fiscal” injustificado, em face das regras gerais de dedutibilidade dos gastos e em absoluta contradição com os propósitos subjacentes à criação do regime fiscal específico aplicável às SGPS. Também considerando que a norma foi criada com um propósito de neutralidade, certo é que sem o referido “balanço” ou conexão não é possível considerar a tributação agravada dos encargos financeiros, como facto tributário relevante, por falta de coerência.
No fundo, do ponto de vista literal entende-se que a norma em análise prevê a realização de três factos tributários distintos: as mais-valias, as menos-valias e os encargos financeiros, que se subordinam à mesma estatuição – a sua irrelevância para efeitos de determinação do lucro tributável – sendo certo que esses factos tributários têm como fonte de obrigação tributária a alienação das participações sociais, isto é, a estatuição da norma só pode operar em termos definitivos com a alienação das participações sociais.
Do ponto de vista teleológico, isto é, atendendo ao sentido e fim da norma a interpretar, a criação do benefício fiscal em análise teve como propósito proporcionar às SGPS vantagens fiscais relativamente à obtenção de mais-valias com a alienação de participações sociais. Como decorre do Acórdão do TC n.º 42/20014, de 11 de Fevereiro, “Denota -se, então, que a intervenção legislativa operada neste domínio em 2003 assumiu preocupação balanceada e intrinsecamente conexionada nos dois campos que regula: ao mesmo tempo que se procura atingir maior competitividade ao regime fiscal nacional, aproximando-o de outros modelos reputados mais atrativos através da isenção de tributação em sede de IRC de mais -valias realizadas, desde que verificadas certas condições (sobre os modelos comparados, designadamente o modelo holandês, Júlio Tormenta, ob. cit., pp. 73 a 95), procedeu -se ao alargamento da base tributável, desconsiderando os encargos financeiros que estavam na base da aquisição das participações sociais, contrabalançando dessa forma o benefício concedido às SGPS face aos demais sujeitos passivos de IRC.”
Contrariamente ao defendido pela AT, não se perceciona que o regime instituído no artigo 32.º do EBF, pela Lei do Orçamento de Estado para 2003, fosse um misto de [não] tributação de mais-valias ou menos-valias geradas pelas SGPS com a alienação de partes de capital e ao mesmo tempo de captação de imposto ao impedir a dedução dos encargos financeiros suportados para a sua aquisição, como de forma evidente resulta do próprio Relatório do OE 2003.” Na verdade, o que resulta destacado daquele Relatório é o propósito de “No que respeita ao reforço da competitividade das empresas nacionais, “criar “um novo sistema de tributação das SGPS, com um regime semelhante ao vigente nos Países Baixos;[12]
Na verdade, desde a sua criação, as SGPS sempre tiveram associadas a um conjunto de vantagens fiscais, em especial, no que respeita à obtenção de mais-valias, que serviram o propósito subjacente à sua criação, que foi o de incrementar a competitividade das empresas em Portugal.
Analisada a norma jurídica em apreço constata-se, no entanto, que o benefício fiscal atribuído, consistente na “não concorrência para a formação do lucro tributável” das mais-valias e menos-valias obtidas com a alienação de participações sociais era “contrabalançado” com a igual “não concorrência para a formação do lucro tributável” dos encargos financeiros subjacentes.
Pretendeu o legislador, ao criar o benefício fiscal em análise, potenciar a neutralidade fiscal subjacente ao negócio de compra e venda de participações sociais, não tributando as mais-valias, nem deduzindo os custos associados à sua obtenção.
A relação entre os factos tributários previstos – mais-valias, menos-valias e encargos financeiros – é conduzida pelo vocábulo “bem assim” à mesma estatuição - não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.
Como ensina Alberto Xavier[13], “o facto tributário é a “fonte da obrigação tributária”. Esta última nasce directamente da realização do facto tributário, embora o seu fundamento normativo seja sempre a lei, de acordo com o princípio da legalidade tributária.” Para que qualquer obrigação tributária nasça é necessário que se preencham e se conjuguem todos os elementos que compõem o facto que gera essa obrigação, ou seja, o facto tributário não existe enquanto não se verificarem todos os pressupostos exigidos na sua definição jurídica.[14]
Considerando tal como Gianni de LUCA que “o facto tributário contém quatro elementos que o compõem e que a doutrina tradicional apoia: material, espacial, temporal e quantitativo.” [15], constata-se que os factos tributários identificados correspondem ao rendimento/gasto que se pretende tributar/isentar, de acordo com as taxas de IRC aplicáveis, em Portugal.
Relativamente ao elemento temporal, tem sido entendido que “todo o facto tributário necessita de um determinado período, ainda que ínfimo, para se realizar. Todavia, noutros casos, dada a sua maior complexidade, o aspecto temporal adquire autonomia, carecendo de fixação através de preceitos legais especiais que, por especificarem um elemento do facto tributário, integram as normas de incidência do imposto.”[16]
No que concerne aos rendimentos decorrentes de mais-valias, a doutrina maioritária sustenta que o facto tributário que está subjacente à percepção do rendimento que constitui a mais-valia é um facto tributário de formação instantânea, que se reporta ao momento em que ocorre a alienação ou transmissão de activos.[17]
Relativamente aos encargos financeiros, à semelhança do que tem sido entendido em matéria de tributação autónoma, entende-se que os encargos financeiros constituem um facto de formação instantânea que se verifica sempre que o contribuinte incorre em determinada despesa sujeita a tributação.[18]
Sucede que, como resulta da teleologia da norma em análise, a não dedutibilidade dos encargos financeiros depende da verificação dos factos tributários constantes da previsão da norma – realização de mais-valia ou menos-valia.[19]
Tendo em conta que os momentos temporais associados aos factos tributários em análise não seriam coincidentes, a AT, através da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, veio esclarecer que os encargos financeiros incorridos com vista à obtenção de mais-valias pela alienação de participações sociais, consideram-se sujeitos à estatuição da norma em análise, no momento em que ocorrem, isto é, não são dedutíveis no momento em que ocorrem, para que possam ser susceptíveis de usufruir do benefício fiscal, em análise, sendo certo que, outros encargos financeiros incorridos por SGPS ou outros sujeitos passivos são, em regra, dedutíveis, nos termos gerais. Caso não venha a ocorrer o facto gerador de imposto – a obtenção de mais ou menos-valias, através da alienação de participações sociais – nas condições previstas no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, “proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.”[20]
Encontrando-se a estatuição dependente da verificação da previsão da norma, parece claro que a não dedutibilidade dos encargos financeiros depende da verificação de outro facto tributário – a obtenção de mais ou menos-valias, através da alienação de acções. No fundo, o facto gerador do imposto, enquanto situação abstracta descrita na lei, que se verifica em concreto, é que dá origem à obrigação tributária, ao relacionamento jurídico entre o contribuinte e o Estado.
Entende-se, por isso, que qualquer outra interpretação que não aceite a subordinação jurídica da verificação/consumação dos factos tributários à sua estatuição, não permite sustentar a racionalidade/sistematicidade da norma.
Assim, não tendo a Requerente obtido as mais ou menos-valias associadas aos encargos financeiros incorridos, registados nos exercícios fiscais correspondentes aos anos de aquisição das participações sociais, com a revogação da norma em análise com efeitos a 1 de Janeiro de 2014, o anterior regime específico das SGPS deixou de produzir efeitos, não podendo ser aplicável à Requerente, no futuro, isto é, aquando da verificação das condições anteriormente previstas no n.º 2 do artigo 32.º do EBF.
Assim, na falta de disposição transitória estabelecida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro são aqui aplicáveis as regras previstas na LGT e no Código Civil[21] relativamente à sucessão de leis no tempo, que determinam a aplicação das novas normas tributárias aos factos posteriores à sua entrada em vigor, prevendo-se que a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor, quando o facto for de formação sucessiva.[22]
Vejamos, então, quais são as consequências.
e) Efeitos da revogação da norma em análise
Na falta de disposição transitória sobre os efeitos da revogação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, os efeitos da revogação da norma são todos os que resultam da cessação da sua vigência, sendo certo que nova norma (regime) só é aplicável aos factos posteriores, nos termos previstos no artigo 12.º da LGT.
Na verdade, a Lei revogada cessa a sua vigência, deixando, em regra, de se aplicar para o futuro. Tendo a situação fáctica em análise ocorrido, aquando da vigência da lei antiga, o novo regime fiscal denominado de “participation exemption” só é aplicável aos factos tributários que se venham a projectar na vigência da Lei nova, sob pena de violação do princípio da proibição da retroactividade da Lei fiscal. Acresce que, os regimes em causa têm diferentes âmbitos de incidência, quer subjectivos, quer objectivos, não sendo, portanto, regimes substancialmente equiparáveis, desde logo pela diferença no que respeita à tributação/não tributação dos gastos incorridos.
Deste modo, com a cessação de vigência do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, não mais se verificará o facto gerador de imposto subjacente ao registo e qualificação dos encargos financeiros associados às participações sociais adquiridas pela Requerente, ao abrigo da Lei antiga. Em consequência, os encargos financeiros, que foram acrescidos ao lucro tributável com base na expectativa de ser obtido o benefício fiscal constante do n.º 2 do artigo 32.º do EBF (devidamente registados contabilisticamente para esse fim), aquando da verificação do facto gerador de imposto (no passado, ao abrigo da Lei antiga),
estão incorretamente registados e tributados, como factos tributários isolados, isto é, gastos, em face da revogação da norma. Conquanto, na sequência da revogação da norma sub judice, o benefício fiscal extinguiu-se.[23]
Acresce que, as SGPS tinham a expectativa legítima de manutenção do benefício fiscal em causa e, assim, de que a desconsideração dos encargos financeiros num determinado momento teria como contrapartida a ulterior não tributação das mais-valias.
Neste sentido, a Requerente adoptou a interpretação prevista neste ponto 6 da Circular n.º 7/2004, tendo desconsiderado no exercício de 2014 os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais.
Uma alteração legislativa que impossibilite a obtenção do benefício fiscal de não tributação das mais-valias implica a extinção da razão que legitimava a desconsideração dos encargos financeiros, pelo que deve ser aplicada a tributação regra, isto é, a tributação nos termos aplicáveis na ausência da norma entretanto revogada.[24]
O que não é admissível, à luz dos princípios da tutela da confiança e da boa-fé, é o entendimento segundo o qual a revogação do regime comtemplado no art. 32.º, n.º 2, do EBF implica simultaneamente a não obtenção do benefício que o mesmo previa e a cristalização da desconsideração dos encargos financeiros, que se conexionavam com aquele benefício, o que se traduziria, verdadeiramente, numa alteração das “regras do jogo” no decorrer do “jogo”.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 14.º do EBF, configurando-se a revogação da norma como um acto extintivo do benefício fiscal,[25] “A extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra.”
Como, aliás, decorre da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março ao prescrever que “Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.”
Assim, considerando a relação de subordinação entre a norma relativa aos encargos financeiros e a integralidade das condições para a aplicação do regime de não concurso entre mais ou menos-valias, devem ser alterados os registos dos encargos financeiros, em razão da sua “desafectação” contabilística e fiscal ao benefício fiscal revogado, com as demais consequências, mormente a anulação do acto de autoliquidação de IRC de 2014.
Conclui-se, assim, que o indeferimento da reclamação graciosa e do acto de autoliquidação de IRC de 2014, enferma de erro de interpretação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, na redacção aplicável à data dos factos.
f) Inconstitucionalidades invocadas pela Requerida
Princípio da legalidade
Na resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que “é materialmente inconstitucional a interpretação normativa proposta pela requerente, no sentido de ser permitida a dedução dos encargos financeiros incorridos entre 2004 e 2007, portanto na vigência do artigo 32.º do EBF, ao lucro tributável de 2014, em face da absoluta inexistência de norma legal que o preveja, por violação do princípio da legalidade tributária”.
O princípio da legalidade previsto no artigo 106.º, n.º 2, da Constituição da República e os consequentes princípios da tipicidade e determinação em que aquele se desdobra, estabelece que as normas de incidência têm de ser pré-determinadas no seu conteúdo.
No caso, não se trata de inexistir uma norma aplicável mas, conforme supra referido, a adoção pela Requerente do disposto no n.º 6 da Circular 7/2004, no sentido em que lhe é admitida a dedução dos encargos financeiros uma vez verificada a impossibilidade de aplicação do regime, interpretação adotada pela AT por via de orientação genérica, à qual está vinculada nos termos do n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT. Esta interpretação tem o seu respaldo no n.º 2 do artigo 32.º do EBF e, por isso, não há aqui qualquer vazio legal a preencher mas tão só a concretização do disposto nesta norma: os encargos financeiros não são aceites no pressuposto de aplicação do regime especial de isenção; verificada a sua não aplicação, deixa de existir fundamento legal para a sua não dedutibilidade.
Neste sentido se pronunciou o TC no Acórdão 42/2014:
“A circunstância de a Administração Tributária ficar vinculada (n.º 1 do artigo 68.º-A da lei Geral Tributária) às orientações genéricas constante de circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário e de ter o dever de proceder à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, em determinadas circunstâncias (n.º 3 do artigo 68.º da LGT), não altera esta perspetiva porque não transforma esse conteúdo em norma com eficácia externa.
É certo que o administrado pode invocar, no confronto com a administração, o conteúdo da orientação administrativa publicitada e, se for o caso, fazê-lo valer perante os tribunais, mesmo com sacrifício do princípio da legalidade (cf. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, lei Geral Tributária, comentada e anotada, 3.ª ed., pág. 344). Mas é ao abrigo do princípio da boa fé e da segurança jurídica, não pelo seu valor normativo, que o conteúdo das circulares prevalece. O administrado só as acata se e enquanto lhe convier, pelas mesmas razões que justificam que possa invocar informações individuais vinculativas que o favoreçam (artigo 59.º, n.º 3, alínea e) e artigo 68.º da LGT).”
Ou seja, o princípio da legalidade, na sua vertente material (ou tipicidade) não está aqui em causa por força da autovinculação, nos termos do artigo 68.º-A, da AT ao conteúdo da Circular.
Princípio da igualdade
Acrescenta ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que tal interpretação normativa da Requerente é “materialmente inconstitucional, também por violação do princípio da legalidade tributária, na vertente da generalidade e abstração da lei fiscal, decorrentes do princípio da legalidade e enquanto instrumentos da igualdade fiscal, e, portanto, igualmente por violação do princípio da igualdade tributária, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto no artigo 13.º e no artigo 103.º da CRP”.
Não tendo a Requerida concretizado em que sentido é que o princípio da igualdade é violado, não deixaremos de aferir da sua aplicação ao caso concreto.
Conforme refere Ana Paula Dourado, “[o] princípio da igualdade na sua vertente negativa proíbe as discriminações e os privilégios fiscais (artigo 13.º, n.º 2 da CRP). (...) na sua vertente positiva (...) é preciso tratar de igual modo situações iguais, de modo desigual, situações desiguais, corrigido ainda desigualdades (componente ativa ou material da igualdade).”[26]
A aplicação da interpretação da circular ora sustentada a todos os contribuintes concretiza o princípio da igualdade no sentido de tratamento igual a todas as situações iguais: todos aqueles a quem não foi aplicado o regime especial, podem deduzir os encargos financeiros.
Por outro lado, como se refere no Acórdão do CAAD de 2 de outubro de 2019, relativo ao Proc. 144/2019-T, “... se o que a Autoridade Tributária e Aduaneira pretende dizer é que a possibilidade de deduzir os encargos financeiros não deduzidos antecipadamente cria uma situação de discriminação positiva injustificada para as SGPS é manifesto que não tem razão, pois a regra geral, aplicável à generalidade das sociedades, é a da dedutibilidade dos encargos financeiros, no termos do artigo 23.º, n.º 1, alínea c) do CIRC.”
Por isso, a norma do artigo 32,º, n.º 2, do EBF, na parte em que prevê a indedutibilidade dos encargos financeiros, implica uma discriminação negativa para as SGPS, em relação a todas as outras sociedades, que só encontra explicação racional na contrapartida aí prevista que constitui a possibilidade de as SGPS virem a beneficiar de uma discriminação positiva, em relação a todas as outras sociedades, a nível da tributação de mais-valias.
Sendo assim, a aplicação apenas da discriminação negativa, pretendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, sem a correspondente aplicação da discriminação positiva que a justifica, é que implicaria inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade, pois a discriminação negativa passaria a não ter justificação.”
Não há, pelo exposto, qualquer violação do princípio da igualdade quer no seu sentido positivo quer no sentido negativo.
O entendimento ora perfilhado respeita também princípio da capacidade contributiva enquanto concretização do princípio da igualdade, na medida que afere a capacidade contributiva segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” de cada sujeito passivo (Acórdão do TC n.º 84/2003). Vamos mais longe ainda: a consideração do gasto nos mesmos termos em que foi aplicado a todos os sujeitos passivos a quem a exclusão de tributação se verificou constitui uma manifestação do princípio da igualdade.
É interessante, aliás, que o Tribunal Constitucional no já citado Acórdão n.º 42/2014, considere que a aplicação do disposto no ponto 6 da Circular n.º 7/2004 uma manifestação do princípio da proporcionalidade face ao método aplicado e defendido pela AT: “Assim o entendeu o Tribunal a quo, em linha com a orientação interpretativa sufragada pela Administração Tributária no ponto 6 da Circular n.º 7/2004, inscrevendo no critério normativo aplicado a consideração de que "a desconsideração dos encargos financeiros deve operar de imediato, não dependendo da alienação das participações sociais e da realização de mais-valias, o que implica não considerar, ab initio, os custos financeiros incorridos com a aquisição de participações sociais que possam vir a beneficiar da exclusão de tributação prevista no n.º 2 do artigo 31.º do EBF, corrigindo-se essa desconsideração inicial se se constatar, a posteriori, que o requisito temporal previsto naquele normativo se não verificou".
Ou seja, segundo a jurisprudência constitucional, a legalidade do regime resulta claramente da premissa de que não são dedutíveis os encargos financeiros se o regime previsto no artigo 32.º for aplicável e, em sentido inverso, serão dedutíveis aqueles encargos, se o regime não for aplicável.
Princípio do Estado de Direito democrático, reserva da lei Fiscal e da separação de poderes
No artigo 119.º da Resposta, a Requerente alega ainda a inconstitucionalidade da interpretação normativa aqui subjacente por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da reserva da lei fiscal, e da separação de poderes, com a consequente subordinação dos tribunais à lei, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto nos artigos 2.º, 103.º, 165.º e 202.º da CRP.
As referências ao princípio do Estado de Direito e ao princípio da legalidade têm, na nossa opinião, igual sentido e âmbito de aplicação, pelo que remetemos para a análise já efetuada.
Sem prejuízo, o princípio de reserva de lei da lei fiscal deriva também do princípio da legalidade ao implicar que haja a intervenção do parlamento na definição dos impostos, numa dupla vertente: reserva de lei formal implica que haja uma intervenção de lei parlamentar, seja a fixar a disciplina do imposto ou uma intervenção forma a autorizar o governo a legislar; reserva de lei material exige que a lei contenha a disciplina tão completa quanto possível da matéria reservada nomeadamente a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
Não se vê de que modo é que terá havido uma violação do princípio da reserva de lei, salvo quanto à própria legalidade constitucional da circular mas sobre esta matéria o Tribunal Constitucional foi claro no Acórdão 42/2014: as circulares explicitam, desenvolvem os preceitos legais, são modos de decisão padronizada e asseguram a igualdade de tratamento entre contribuintes mas, em momento algum, constituem um normativo com eficácia externa. A sua relevância jurídica advém da possibilidade de os contribuintes poderem, nos termos do artigo 68.º-A, n.º 1 da LGT, o seu conteúdo e fazê-lo valer em tribunal. Este direito resulta de uma norma aprovada pela Assembleia da República, cumprindo-se assim o princípio de reserva de lei.
Não tendo havido especial fundamentação, o princípio de separação de poderes foi assegurado quer na aprovação da lei pelo órgão legislativo competente, quer na intervenção e exercício do poder da administração fiscal, quer, por fim, na intervenção dos tribunais na interpretação e aplicação da lei.
Princípios da capacidade contributiva, tributação do lucro real e especialização
Segundo a Requerida, a dedutibilidade dos encargos financeiros em 2014 “desrespeita ainda, frontalmente, o princípio constitucional da capacidade contributiva e tributação do lucro real (artigo 104.º, n.º 2 da CRP).”
A alegação de inconstitucionalidade por violação dos princípios da capacidade contributiva e tributação do lucro real tem sido invocada de forma reiterada para contestar a não dedutibilidade dos encargos no âmbito de aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º e não o seu contrário.
Com efeito, o princípio da capacidade contributiva tem ínsita a ideia de igualdade económica, no sentido de o imposto se aplicar a todos aqueles que manifestem capacidade para o fazer. Por outro lado, o princípio de tributação do lucro real pressupõe que, em regra, as empresas são tributadas pelo seu rendimento real (rendimentos e ganhos do período), apurado nos termos definidos pelas normas fiscais (por contraposição, aos rendimentos presumidos).
Ora, a dedutibilidade dos encargos financeiros é uma manifestação do cumprimento quer do princípio da capacidade contributiva (“capacidade de gastar”) quer do rendimento real (não está em causa que os encargos financeiros existiram). A presente decisão cumpre, por isso, estes princípios e salvaguarda a sua constitucionalidade.
Não estando em causa a aplicação do regime especial previsto no artigo 32.º, não há razão para não aplicar a norma geral de dedutibilidade dos encargos suportados, tal como expressamente previsto no artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do CIRC. Esta regra é aplicável à generalidade dos sujeitos passivos de IRC que podem deduzir os encargos suportados para obter o rendimento, segundo as regras de consideração dos gastos efetivos e necessários para o desenvolvimento da atividade do sujeito passivo.
A dedutibilidade dos encargos financeiros é a expressão dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do lucro real, pois, os encargos suportados determinaram a redução dos resultados obtidos pela empresa.
A contrario, aplicar o regime especial de indedutibilidade de encargos financeiros sem que lhe seja aplicado o correspondente benefício, faria soçobrar o fundamento da sua excecionalidade de não aplicar a regra da dedutibilidade sustentada na regra da tributação fundamentalmente com base no lucro real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP).
Diz-se no Acórdão 42/2014 que “Sendo o rendimento real conceito normativamente modelado, não viola o princípio constante do n.º 2 do artigo 104.º da Constituição o regime fiscal que, em prol da neutralidade fiscal - não sendo tributado o ganho, o custo que lhe esteja associado também não o deve ser -, estabeleça a indedutibilidade de um custo em função da suscetibilidade da realização de mais-valias isentas de tributação, cuja realização futura se considere provável ou expectável.
Da mesma maneira que a jurisprudência constitucional considerou que respeita o princípio de tributação do rendimento real que não sendo tributado o ganho, também não seja tributado o custo; mutatis mutandis, não sendo aplicável o regime de isenção, o gasto deve ser tributado, sob pena de violação daquele princípio e do princípio da proporcionalidade.
Por último, também não é violado o princípio de especialização, desde logo porque este princípio não é absoluto e deve ter em conta não só a solidariedade entre períodos, bem como a natureza das próprias operações: protelam-se sucessivamente os encargos financeiros ao longo dos períodos de tributação enquanto não se verifica a realização das mais-valia que, pela sua natureza, ocorrem num único período de tributação. Salvaguarda-se, ainda assim, nos termos do ponto 6 da Circular 7/2004, que caso a alienação não revista os requisitos para a aplicação do regime especial de isenção e mais-valias, os encargos são considerados pela sua totalidade nesse período.
Ou seja, a AT defendeu e vinculou-se a que o princípio de especialização deveria ser derrogado neste caso especial para garantia da neutralidade fiscal resultante do regime especial de isenção de tributação presente no artigo 32.º.
Em conclusão, a interpretação ora sustentada respeita e cumpre os princípios constitucionais alegados.
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DECISÃO
Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente ao acto de autoliquidação de IRC referente ao ano 2014, na parte em que se reporta à não consideração dos encargos financeiros suportados pela Requerente nos exercícios de 2004 a 2007, no valor de €2.626.128,74;
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Não tomar conhecimento dos restantes pedidos formulados, nos termos do artigo 24.º, n.º 1 do RJAT.
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VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em €2.626.128,74,
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CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €33.966,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de Outubro de 2020
Os Árbitros,
Fernanda Maçãs, árbitro presidente
Vencida fundamentalmente pelas razões constantes da Decisão Arbitral proferida no processo n.º 610/2017.Com todo o devido respeito pela Decisão em apreço, não a posso acompanhar porquanto, na minha óptica, acaba por aderir a uma solução que não encontra arrimo, quer no regime jurídico então vigente, quer no atual. Não tendo a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro estabelecido nenhuma disposição transitória sobre os efeitos da revogação do artigo 32.º, n.º2, do EBF, tal circunstância pode ser ou não censurada, mas não autoriza o aplicador a suprir qualquer insuficiência imputada ao legislador. Dito por outras palavras, na ausência de norma transitória deliberadamente omitida pelo legislador, a mesma não pode ser suprida por via interpretativa.
(Magda Feliciano)
(Amândio Silva)
(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
A..., SGPS, S.A, pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ..., ...-... ... (adiante Requerente), apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), com o objectivo de obter a declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2017..., de 16 de Outubro de 2018, e, consequentemente do acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2014, no valor de €2.626.128,74.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD em 18 de Janeiro de 2019 e automaticamente notificado à AT.
Em conformidade com o preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 27 de Março de 2019.
A AT respondeu, defendendo a verificação de excepção de incompetência do Tribunal Arbitral e a improcedência do pedido.
Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, dado não ter sido solicitada a produção de qualquer prova e em face do teor da matéria contida nos autos. Tendo as Partes sido convidadas a apresentar alegações escritas, fizeram-no em 12 de Junho de 2019 e em 14 de Junho de 2019.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e não ocorrem quaisquer nulidades. A invocada excepção de incompetência do Tribunal será apreciada prioritariamente.
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MATÉRIA DE FACTO
Com base nos elementos que constam do processo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (“SGPS”), nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, e tem como objecto social a gestão de participações de outras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas;
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A Requerente é também a sociedade dominante do grupo sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, na redacção em vigor em 2014, designado por Grupo B...– SGPS, S.A.;
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No exercício de 2014, o Grupo B... era constituído pela Requerente e pelas seguintes sociedades:
• C..., S.A.;
• D... Lda.;
• E..., S.A.;
• F... S.A.;
• G..., S.A.;
• H..., S.A.;
• I..., S.A.;
• J..., S.A.;
• K..., S.A.;
• L..., S.A.;
• M... Lda.;
• N..., Lda.;
• O..., S.A.;
• P..., S.A.;
• Q..., S.A.;
• R... Lda.;
• S... Lda.;
• T..., S.A.;
• U... S.A.;
• V... Lda.; e
• W..., S.A..
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Em cumprimento do preceituado na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços do IRC (“DSIRC”) – que estabelecia o método de imputação de encargos financeiros às participações sociais detidas pelas SGPS para efeitos de aplicação do regime previsto no referido artigo 32.º, n.º 2, do EBF – nos períodos de tributação compreendidos entre 2004 e 2007, a Requerente acresceu, para efeitos do apuramento do seu lucro tributável e, em consequência, do lucro tributável do Grupo B..., o montante global de €3.677.616,81, a título de encargos financeiros imputáveis à aquisição de participações sociais;
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Em 11 de Maio de 2015, a Requerente apresentou a sua declaração Modelo 22 de IRC individual, respeitante ao exercício de 2014, no âmbito da qual apurou um prejuízo fiscal de €11.023.016,21, e um imposto a recuperar de €214.382,39;
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A 2 de Junho de 2015, a Requerente procedeu ao apuramento do lucro tributável e do IRC do Grupo B..., referente ao exercício de 2014, e submeteu a correspondente declaração de rendimentos modelo 22 de IRC;
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A 31 de Maio de 2017, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra a autoliquidação de IRC, respeitante ao exercício de 2014;
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A 30 de Julho de 2018, a Requerente foi notificada do projecto de decisão de indeferimento da referida Reclamação Graciosa;
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Não tendo sido exercido o direito de audição prévia, a Reclamação Graciosa n.º ...2017... foi indeferida por despacho do Senhor Director de Finanças Adjunto, da Direcção de Finanças de Lisboa, datado de 16 de Outubro de 2018;
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Nos períodos de tributação compreendidos entre 2004 e 2007, a Requerente acresceu, para efeitos de apuramento do seu lucro tributável, o montante global de €3.677.616,81, a título de encargos financeiros imputáveis à aquisição de participações sociais (documentos n.º 2,3,4 e 5 juntos aos autos);
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Do referido valor, o montante de €2.626.128,74 respeita às participações detidas pela Requerente, a 31 de Dezembro de 2013 (documentos n.º 6 a 10 juntos aos autos);
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A Requerente não beneficiou da isenção de tributação de mais-valias ao abrigo do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, na redacção vigente até 1 de Janeiro de 2014, relativamente ao conjunto de participações sociais por si detidas, uma vez que as mesmas não chegaram a ser alienadas até ao momento da revogação do regime previsto no n.º 2 daquele preceito legal.
Considerando que o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, foram seleccionados os factos relevantes para a decisão (Cfr. artigo 123.º, n.º 2 do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 a) e e) do RJAT.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (Cfr. artigo 596.º, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1 e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
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MATÉRIA DE DIREITO
A – Excepção de Incompetência
A AT alega na sua resposta a incompetência do Tribunal Arbitral o que, a verificar-se, conduzirá à absolvição da instância. Assim, vejamos:
A Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária “com vista à obtenção da declaração de ilegalidade da mencionada decisão e, bem assim, dos referidos atos de autoliquidação de IRC, na parte em que não consideram a dedução do valor de €2.626.128,74, referente aos encargos financeiros acrescidos em anos anteriores em cumprimento do disposto no artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais e da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março” (Cfr. Petição Arbitral).
No pedido final apresentado pela Requerente na sua petição arbitral, a Requerente reitera o pedido de declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC, individual e do grupo B..., referentes ao exercício de 2014, por não reflectirem a dedução do valor de €2.626.128,74 e, bem assim, da decisão de reclamação graciosa n.º ...2017..., que manteve tais actos na ordem jurídica, com as demais consequências legais, nomeadamente:
“a) a correção alteração do prejuízo fiscal apurado individualmente pela requerente no exercício de 2014, de € 11.023.016,21 para € 13.649.144,95;
b) a correção à alteração do resultado fiscal negativo apurado pelo grupo B... no mesmo exercício, de € 3.210.291,16 para € 5.836.419,90;
c) a correção, em conformidade, do valor do prejuízo fiscal disponível para reporte nos anos subsequentes; e a correção de todos os atos de liquidação subsequentes que devessem refletir tal acréscimo de reporte/ dedução.”
Alega a AT que não se insere no âmbito da competência arbitral a apreciação do pedido de reconhecimento do direito formulado pela Requerente, na parte em que apura e peticiona:
“a) a correção/ alteração do prejuízo fiscal apurado individualmente pela requerente no exercício de 2014, de € 11.023.016,21 para €13.649.144,95;
b) a correção à alteração do resultado fiscal negativo apurado pelo grupo B... no mesmo exercício, de € 3.210.291,16 para € 5.836.419,90;
c) a correção, em conformidade, do valor do prejuízo fiscal disponível para reporte nos anos subsequentes; e a correção de todos os atos de liquidação subsequentes que devessem refletir tal acréscimo de reporte/ dedução.”.
De acordo com o disposto nos artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 101.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis ex vi do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a determinação da competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.
Em consequência, tendo em conta que a procedência da excepção invocada pela AT, a verificar-se, obsta ao conhecimento das demais questões suscitadas, importa delimitar o âmbito de competência da jurisdição arbitral tributária e aferir se a competência do tribunal abrange, ou não, o pedido da Requerente.
Assim, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, o Governo foi autorizado “a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”, devendo, segundo o seu n.º 2, “constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”
Concretizando a referida autorização legislativa, o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu artigo 2.º” fazendo “depender a vinculação da administração tributária de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça” (vide a fundamentação do acórdão arbitral proferido no Processo n.º 76/2012 acima referido).
O âmbito da jurisdição arbitral tributária ficou, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos [alínea a)].
Através da Portaria n.º 112-A/2011, de 20 de Abril (adiante Portaria), o Governo, pelos Ministros de Estado e das Finanças e Justiça, vinculou os serviços da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo que a estes serviços corresponde, presentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, que aprova a estrutura orgânica desta Autoridade, resultante da fusão de diversos organismos.
Nesta Portaria, estabelecem-se condições adicionais e limites de vinculação tendo em conta a especificidade das matérias e o valor em causa.
Dispõe o artigo 2.º da Portaria, o seguinte:
“Artigo 2.º
Objecto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.”
Nos termos do citado artigo 2.º, alínea a) da Portaria resulta, claro, que são excluídas da arbitragem todas as pretensões conexas com actos de “autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta”, a não ser que tais pretensões tenham sido precedidas de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
Ora, o pedido apresentado pela Requerente diz respeito à declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC relativo ao ano 2014 e do indeferimento da reclamação graciosa que manteve aquele acto. Subsume-se, portanto, a situação em análise na primeira parte da norma prevista na alínea a) do artigo 2.º da Portaria, na medida em que está em causa a declaração de ilegalidade de um acto tributário. Contrariamente ao defendido pela AT, as consequências que a Requerente entende resultarem da anulação do acto não integram o pedido, enquanto objecto da presente petição arbitral, razão pela qual não se verifica a invocada incompetência do Tribunal.
Conclui-se, assim, que o pedido objecto da presente decisão é o pedido de declaração da ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC, individual e do Grupo B..., referente ao exercício de 2014 e do indeferimento da reclamação graciosa, sendo, portanto, improcedente a excepção de incompetência invocada pela AT.
B – Questão Decidenda
A principal questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber se os encargos financeiros incorridos pela Requerente respeitantes à aquisição de participações sociais, no período de 2004 a 2007, podem ser deduzidos à matéria colectável, atenta a revogação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF.
A este propósito, a Requerente alega no seu pedido de pronúncia arbitral o seguinte:
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Na redacção dada pelo artigo 144.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, o n.º 2 do referido artigo 32.º do EBF previa que “As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”;
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De acordo com o artigo 3.º, n.º 3, do EBF, na redacção dada pela Lei do Orçamento do Estado para 2012, o artigo 32.º do EBF constitui um benefício fiscal excluído do princípio da vigência por cinco anos, estabelecido no n.º 1 do artigo 3.º do EBF;
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Segundo o Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (ROE), sob o título “Principais alterações em sede de IRC,” e a epígrafe “Alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade”, aponta-se a isenção de tributação em IRC das mais-valias realizadas pelas SGPS com a alienação de partes de capital detidas há mais de um ano, acompanhada de medidas conducentes a evitar o planeamento fiscal abusivo, aproximando o regime nacional do modelo holandês.
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No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 42/2014, proferido no processo n.º 564/12 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), defendeu-se que “a intervenção legislativa operada neste domínio em 2003 assumiu preocupação balanceada e intrinsecamente conexionada nos dois campos que regula: ao mesmo tempo que se procura atingir maior competitividade ao regime fiscal nacional, aproximando-o de outros modelos reputados mais atractivos através da isenção de tributação em sede de IRC de mais-valias realizadas, desde que verificadas certas condições (…), procedeu-se ao alargamento da base tributável, desconsiderando os encargos financeiros que estavam na base da aquisição das participações sociais, contrabalançando dessa forma o benefício concedido às SGPS face aos demais sujeitos passivos de IRC”;
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A este respeito, importa ter em consideração que, à luz do previsto no artigo 23.º do Código do IRC, os encargos de natureza financeira em geral beneficiam de uma presunção legal de indispensabilidade nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC (na redacção em vigor antes da reforma de 2014), concorrendo, portanto, como componente negativa, para o apuramento do lucro tributável;
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Este regime de não-tributação das mais-valias realizadas com a alienação daquelas participações, encontrava-se, pois, umbilicalmente ligado com a não-dedutibilidade dos encargos financeiros directamente associados à aquisição de tais participações sociais por parte das SGPS (entre outros, José Engrácia Antunes, in “A tributação dos grupos de sociedades” in Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 45, janeiro- março 2001, p. 20);
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A Direcção de Serviços do IRC emitiu a Circular n.º 7/2004 de 30 de Março, na qual estabeleceu, com carácter geral e vinculativo para os Serviços, o momento e o modo como deveriam ser deduzidos os encargos financeiros para efeitos de aplicação do referido n.º 2 do então artigo 31.º do EBF;
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No ponto 6 da referida Circular n.º 7/2004, a AT veio estabelecer o seguinte: “Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 31º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias”;
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No mesmo número, a AT determinava também que “Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores”.
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Tal como foi explicitado no Acórdão do Tribunal Arbitral de 10 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 645/2017-T do CAAD, “Para a Autoridade Tributária e Aduaneira, embora, à face do referido regime previsto no EBF, as mais-valias só fossem desconsideradas para efeitos de formação do lucro tributável no exercício em que fossem realizadas, os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital deveriam ser desconsiderados como gastos (custos, na terminologia a redacção do CIRC de 2009) no exercício em que os mesmos fossem suportados, acrescendo ao lucro tributável de cada um desses exercícios, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias, que só era possível apurar no momento da realização. Mas, como a aplicação deste regime especial dependia da verificação de condições a apurar posteriormente, a Administração Tributária adoptava naquele n.º 6º da Circular n.º 7/2004 o entendimento de que “caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores” - (cf. citado Acórdão, tal como os demais citados infra, disponíveis em www.caad.org.pt);
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Assim, no ponto 7 da referida Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, a AT estabeleceu que “Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição”;
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O valor de €2.626.128,74 corresponde a encargos financeiros suportados, em exercícios anteriores, por referência a participações sociais que não chegaram a ser alienadas até ao dia 1 de Janeiro de 2014 pela Requerente.
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O regime previsto no artigo 32.º do EBF, foi revogado pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014).
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Tendo em consideração que relativamente às participações sociais que mantinha em 31 de Dezembro de 2013 não seria possível à Requerente beneficiar do regime previsto no artigo 32.º do EBF, entende a mesma que dever poder deduzir, no exercício de 2014 (isto é, no exercício em que ocorreu a revogação daquele benefício fiscal), os encargos financeiros que acresceu, por referência a tais participações sociais, de acordo com o método previsto na Circular n.º 7/2004;
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A revogação do regime previsto no referido preceito legal determina, por maioria de razão, a impossibilidade futura da sua aplicação, pelo que, no entender da Requerente, deverá ser deduzido, no exercício de 2014, o valor global dos encargos financeiros que foram acrescidos por referência às participações sociais que a mesma tinha e relativamente às quais não lhe seria já possível usufruir do benefício, em virtude da sua revogação;
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Quanto a esta matéria e em situações idênticas à da Requerente, a jurisprudência arbitral tem entendido que se deve considerar a existência de uma correspetividade entre o comportamento do sujeito passivo, traduzido no acréscimo dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, e a atribuição do benefício do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, encontrando-se essa mesma correspetividade plasmada na Circular n.º 7/2004 da Direcção de Serviços do IRC, quando prevê que, no momento da alienação das participações, se consideraria como custo fiscal todos os encargos financeiros não considerados nos exercícios anteriores, caso se concluísse pela inaplicabilidade do regime especial de isenção de mais-valias (neste sentido, vd. os Acórdãos do Tribunal Arbitral de 10 de Maio de 2018 e de 24 de Maio de 2018, proferidos, respectivamente, nos processos números 645/2017-T e 285/2017-T);
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Foi, pois, com base nessa ideia de correspectividade, que o Tribunal Arbitral determinou o seguinte: “No pressuposto, adotado na referida Circular, a desvantagem fiscal que constitui a desconsideração dos encargos financeiros está condicionada à obtenção do ulterior benefício fiscal que constitui a não tributação de mais-valias. A vantagem fiscal será uma contrapartida da desvantagem que constitui a não consideração dos encargos financeiros, pelo que tem de se concluir que, na perspectiva da referida Circular, a impossibilidade de vir a ser aplicado um regime privilegiado a nível da alienação será justificação para que seja eliminada a desvantagem referida. Utilizando a terminologia da referida Circular, poderá dizer-se que, tendo sido revogado o regime referido antes do «momento da alienação das participações», tem de se concluir, definitivamente, que o regime do artigo 32.º, n.º 2, não poderá ser aplicado” - (cf. Acórdão proferido no processo n.º 645/2017-T);
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No âmbito do processo arbitral n.º 285/2017-T, o Tribunal Arbitral entendeu também que “a rigidez deste princípio “da especialização dos exercícios” está longe de ser uniformemente, ou invariavelmente, defendida – porque em várias circunstâncias se percebe que tal princípio tem que ser colmatado ou temperado com a invocação do valor da justiça: por exemplo, em situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do acto tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado.”;
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Para sustentar essa posição e citando o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 269/12, o Tribunal Arbitral afirma que “O princípio da justiça é um princípio básico que deve enformar toda a actividade da Administração Tributária, como resulta do preceituado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, cuja relevância não se esgota no âmbito dos actos praticados no exercício de poderes discricionários, embora tenha aí um domínio primacial de aplicação. Não fazendo o artigo 266.º, n.º 2, da CRP, qualquer distinção, na aplicação da legalidade, tanto pela Administração como pelos tribunais, não pode ser encarada isoladamente cada norma que enquadra uma determinada actuação da Administração, antes terá de se atender à globalidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (artigo 9º, nº1, do CC). Não se pode afirmar, que, nos casos de exercício de poderes vinculados, a obediência a uma determinada lei ordinária se sobrepõe aos princípios constitucionais referidos, pois estes princípios fazem também parte do bloco normativo aplicável, eles são também definidores da legalidade e, como normas constitucionais, são de aplicação prioritária em relação ao direito ordinário”.
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Neste contexto, o Tribunal Arbitral esclareceu, ainda, que, «Liberta do espartilho de uma leitura rígida do princípio “da especialização dos exercícios”, a interpretação do n.º 6 da Circular nº 7/2004 permitia concluir que, por um lado, a desconsideração dos encargos financeiros estava dependente da verificação, no momento da alienação das participações sociais, das condições para aplicação daquele regime, pelo que, até esse momento ocorrer, estava sempre em aberto a possibilidade de relevância daqueles encargos como gastos do exercício em que se viesse a ocorrer a alienação; e, por outro lado, que, embora se refira na Circular o momento da alienação como aquele em que se pode concluir pela verificação, ou não, de todos os requisitos de aplicação do regime, deve a Circular ser entendida, por interpretação declarativa do final do seu nº 6, como admitindo a aplicação desse entendimento às situações em que possa concluir-se, antes do momento da alienação, que o regime já não pode ser aplicado, pois o que é relevante para viabilizar a dedução dos encargos é apenas a conclusão segura de que não se verificam os requisitos de aplicação daquele regime”;
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Uma eventual interpretação em sentido contrário, contenderia com a proteção da confiança dos contribuintes que, em cumprimento do preceituado pela Administração tributária, acresceram os encargos financeiros, deparando-se, no momento da revogação do regime, com uma impossibilidade superveniente de retirar vantagem daquele benefício.
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Note-se que “A decisão de ingresso da Requerente no regime do artigo 32°, 2 do EBF, envolvendo o "sacrifício" do direito à dedução dos encargos de natureza financeira associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS, toma por base inequívoca a expectativa assumida, e, por correspectividade, o resultado prometido, de ocorrer posteriormente uma compensação do sacrifício com a isenção fiscal atribuída no momento de realização das mais-valias. Tornando-se impossível efectivar essa isenção posterior, o sacrifício que a precede, e que existia para legitimá-la, perde o seu objecto próprio, devendo, em nome da justiça aí implicada, desencadear-se um processo materialmente equivalente a uma restituição: se existiu um sacrifício visando uma contrapartida, e essa contrapartida directa se torna impossível, deixa aquele que recebeu o sacrifício, e não presta a contrapartida, de ocupar uma posição legítima na relação de correspectividade” (cf. Acórdão arbitral, já anteriormente citado, proferido no âmbito do processo nº 285/2017-T).
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Com efeito, como se explicitou no Acórdão arbitral proferido no processo 645/2017-T, a solução que acima se preconiza não decorre unicamente da revogação daquele preceito, mas assenta, essencialmente, no facto de a Administração tributária, invocando que se encontrava a interpretar o mesmo, ter divulgado, com caráter geral e vinculativo para os Serviços, os procedimentos que os sujeitos passivos deveriam adotar para efeitos de aplicação do mesmo;
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Acresce que o entendimento da Administração tributária, vertido na decisão da Reclamação Graciosa, colide ainda como princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, na medida em que discrimina negativamente as SGPS que tenham sido surpreendidas numa situação como a da Requerente;
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De facto, estas são discriminadas negativamente face às SGPS que tenham deduzido a totalidade dos encargos financeiros suportados sem adoptar o critério circulatório e que apenas tenham procedido ao acréscimo dos encargos imputáveis às participações sociais no momento da venda das participações;
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Com efeito, nesse caso, os encargos financeiros suportados pelas SGPS apenas seriam acrescidos se e quando o sujeito passivo viesse a apurar uma mais ou menos valia com a transmissão de partes de capital;
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Nessa circunstância, caso a Requerente se tivesse afastado do critério adoptado pela Circular n.º 7/2004, os encargos financeiros suportados com a aquisição das partes de capital que permaneceriam no seu balanço a 31 de Dezembro de 2013 nunca teriam sido acrescidos para efeitos do apuramento do seu lucro tributável;
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Dito de outro modo, acatando o entendimento preconizado na Circular n.º 7/2004, nos períodos de tributação compreendidos entre 2004 e 2007, a Requerente acresceu, para efeitos do apuramento do seu lucro tributável, montantes correspondentes aos encargos financeiros incorridos (€2.626.128,74) com a aquisição de partes de capital que não haviam sido alienadas a 31 de Dezembro de 2013 e que, por conseguinte, não deram origem a qualquer mais ou menos valia que pudesse beneficiar do regime previsto no artigo 32.º do EBF. Por sua vez, as SGPS que optaram por se afastar daquele entendimento (legitimamente, em face das diversas dúvidas que se colocaram quanto ao momento em que os encargos financeiros deviam ser acrescidos ao seu lucro tributável) veriam os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital concorrer para o apuramento do seu lucro tributável;
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Assim, para que da aplicação daquela Circular não resultasse qualquer efeito contrário à lei ou que contrariasse os princípios atrás indicados, impunha-se à Administração proceder - como peticionado em sede de Reclamação Graciosa - à correcção da situação fiscal da Requerente e do Grupo B..., permitindo a dedução dos encargos financeiros acrescidos relativos às partes de capital de que esta era titular à data da revogação do artigo 32.º do EBF;
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Em suma, à luz dos princípios da justiça, da confiança dos interessados, bem como do princípio da igualdade, os encargos financeiros acrescidos, e que foram imputados a partes de capital cuja mais-valia associada acabou por não beneficiar do regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, deverão ser reconhecidos como gasto fiscal no período de tributação de 2014, momento em que se concluiu pela impossibilidade efectiva de aplicação daquele regime, em virtude da sua revogação;
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Deve ser declarada a ilegalidade dos actos de autoliquidação referentes ao exercício de 2014 e da decisão que os manteve na ordem jurídica, sendo a Administração tributária condenada a proceder à correcção da autoliquidação da Requerente e do Grupo B..., no sentido de ser reflectida dedução do valor de €2.626.128,74, respeitante ao valor de encargos financeiros que foram desconsiderados nos exercícios anteriores no pressuposto de que seria aplicado o benefício fiscal de isenção de tributação de mais-valias previsto no regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF.
Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:
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Defende a Requerente que, tendo desconsiderado, nos exercícios de 2004 a 2007, a dedução ao lucro tributável dos encargos financeiros associados à aquisição das partes de capital detidas à data de 31.12.2013, a revogação do artigo 32.º pelo artigo 210.º da Lei n.º 83-C/2013 permite considerar a dedutibilidade dos encargos financeiros acrescidos ao lucro tributável individual e do grupo Fiscal, do exercício de 2014;
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A AT desconhece se os valores reclamados pela Requerente são definitivos ou se foram objecto de alguma correcção; A AT não sabe quais foram os cálculos efectuados pela Requerente que permitiram determinar os encargos financeiros que respeitam às partes de capital alienadas até 2013 e as partes de capital detidas à data de 31.12.2013, o que equivale a dizer que o montante cuja dedução é peticionada carece de confirmação;
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A linha argumentativa desenvolvida pela Requerente peca, desde logo, por duas omissões relevantes: por um lado, nada refere sobre a falta de previsão, na sequência da revogação do artigo 32.º do EBF, de um regime transitório que dê suporte legal às SGPS para a dedução dos encargos suportados nos exercícios anteriores e, por outro lado, obnubila que o regime especial constante do artigo 32.º do EBF foi substituído, por redundante, por um regime de participation exemption que alarga a todos os sujeitos passivos de IRC que detenham uma participação qualificada (aquelas que são típicas das SGPS, refira-se) a isenção das mais valias geradas na alienação de participações sociais, permitindo ainda a dedução dos encargos financeiros incorridos para a sua aquisição.
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O regime do artigo 32.º do EBF, instituído pela Lei do Orçamento de Estado para 2003, era um misto de [não] tributação de mais-valias ou menos-valias geradas pelas SGPS com a alienação de partes de capital e ao mesmo tempo de captação de imposto ao impedir a dedução dos encargos financeiros suportados para a sua aquisição, como de forma evidente resulta do próprio Relatório do OE 2003;
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Nos termos da Circular n.º 7/2004, “Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.”.
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Em 2014, a Lei n.º 2/2014, de 16.01, que procedeu à reforma da tributação das sociedades (comummente designada "reforma do IRC”), introduziu no nosso ordenamento jurídico o denominado regime de participation exemption, que determinou assim a revogação do regime fiscal das SGPS (Cfr. artigo 210.º da Lei n.º 83-C/2013), em virtude de o mesmo ter passado a abranger todas as sociedades independentemente da natureza jurídica que apresentem, passando a prever-se a dedutibilidade dos encargos financeiros nos termos dos artigos 23.º e 67.º do Código do IRC;
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Aliás, embora a revogação do artigo 32.º do EBF tenha sido promovida pela Lei n.º 83-C/2013 e não pela Lei n.º 2/2014, a verdade é que a eliminação foi proposta pela Comissão para a Reforma do IRC, conforme consta do Relatório sobre o Anteprojecto de Reforma (páginas 128/129)[27]: «[…] a adopção do novo regime de participation exemption veio tornar redundantes na perspectiva da Comissão de Reforma, diversos regimes especiais actualmente existentes. Por esta razão, propõe-se a eliminação dos seguintes regimes: (…) c) uma vez que o novo regime também consome o regime fiscal previsto para as SGPS, e atendendo a que estas não lograram atingir o objectivo originariamente proposto de se afirmarem como veículo de investimento fiscalmente competitivo no plano internacional, propõe-se a eliminação do artigo 32.º do EBF […].”
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A este respeito, pela sua clareza, importa transcrever o resumo feito no acórdão arbitral proferido no processo n.º 610/2017:
“Como resulta do Relatório da Comissão de Reforma do IRC, a eliminação do regime das SGPS’s esteve sempre relacionado com a entrada em vigor do regime de participation exemption, motivo pelo qual o intérprete não pode desligar os dois acontecimentos legislativos, a revogação do regime de tributação das SGPS’s e a introdução do regime de participation exemption previsto no novo artigo 51.º-C do Código do IRC. É assim sobretudo no que respeita ao ponto de vista da continuidade dos regimes de exclusão de tributação de mais e menos-valias de participações sociais. No que concerne aos encargos financeiros, a revogação do artigo 32.º do EBF implica a aplicação às SGPS do regime de dedução de encargos financeiros previsto nos artigos 23.º e 67.º do Código do IRC.”
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Deste modo, pode afirmar-se sem qualquer margem de dúvida que o denominado regime de participation exemption sucedeu, porque o substituiu, ao regime especial das SGPS.
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Acresce que, na presente situação, o legislador deixou expressa a razão da opção tomada, explícita no Relatório sobre o Anteprojecto de Reforma, pelo que resulta de forma inequívoca que a revogação do artigo 32.º do EBF e a inexistência de regime transitório não se tratou de lapso;
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Ademais, por força da natureza do regime especial de tributação das SGPS qualificado como benefício fiscal estrutural, i.e., não abrangido pela regra de caducidade quinquenal (Cfr. n.º 3 do artigo 3.º do EBF), entendeu o legislador que, à luz do disposto no artigo 11.º do EBF, não subsistiam direitos adquiridos a salvaguardar;
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Como bem assinala a decisão arbitral proferida no processo n.º 610/2017-T:«[…] “não se previram normas transitórias para a situação de revogação de benefícios fiscais, contrariamente a outras situações de revogação e alteração legislativa que mereceram a atenção do legislador”, incluindo as disposições – números 3, 12 e 14 do art.º 12.º da Lei n.º 2/2014 - sobre alguns efeitos da aplicação do art..º 51.º-C do Código do IRC relativamente às situações pré-existente. Pelo que, o legislador não ignorou que a entrada em vigor da Reforma do Código do IRC poderia ter efeitos em relações jurídicas pré-existentes, que começaram a produzir efeitos ao abrigo da lei antiga que se prolongavam no domínio da lei nova. Mas, ainda assim, no caso da revogação do artigo 32.º do EBF o legislador optou por não salvaguardar quaisquer efeitos.”
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Efectivamente, não cabe à AT, nem mesmo aos Tribunais, corrigir opções de política legislativa, permitindo o preenchimento de lacunas, contrariando a motivação expressa da Comissão de Reforma do IRC, criando regimes transitórios que não constam da lei;
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Isto, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária, também na vertente da generalidade e abstracção que permitem e potenciam a igualdade dos contribuintes perante a lei fiscal, e portanto, sob pena de violação do princípio da igualdade na vertente fiscal, os quais decorrem do disposto no artigo 13.º e no artigo 103.º da CRP;
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Por conseguinte, a pretensão da Requerente não pode proceder por falta de base legal que a sustente e também não tem razão ao invocar o ponto 6 da Circular n.º 7/2004, porque aí expressamente era dito que a possibilidade de dedução dos encargos financeiros apenas havia de fazer-se no momento da alienação das partes de capital, facto que não ocorreu no exercício de 2014;
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Ora o que a Requerente pretende é, sem alienar as partes de capital, deduzir ao lucro tributável de 2014, os encargos incorridos no passado com a sua aquisição, num quadro jurídico em vigor que lhe garante simultaneamente a isenção da tributação de eventuais mais-valias que possa vir a obter;
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Lembra-se que o binómio dedução dos encargos financeiros-alienação das partes de capital, para o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 42/2014, constituía o corolário lógico do “princípio da homogeneidade entre custos dedutíveis e os rendimentos ou proventos sujeitos a imposto a que estejam ligados, de forma a que não seja atribuído um tratamento à causa (custo) e outro ao efeito (rendimento ou proveito), mormente no plano do âmbito de aplicação temporal do regime pertinente (…)” sem atentar contra os princípios da tributação do lucro real e da capacidade contributiva.”
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Entende-se, assim, por todo o exposto, como materialmente inconstitucional a interpretação normativa proposta pela Requerente, no sentido de ser permitida a dedução dos encargos financeiros incorridos entre 2004 e 2007, na vigência do artigo 32.º do EBF, ao lucro tributável de 2014, em face da absoluta inexistência de norma legal que o preveja, por violação do princípio da legalidade tributária;
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Por fim, reputa-se tal interpretação normativa, de materialmente inconstitucional, por violação do princípio do Estado de Direito democrático, da reserva da lei fiscal, e da separação de poderes, com a consequente subordinação dos tribunais à lei, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto nos artigos 2.º, 103.º, 165.º e 202.º da CRP;
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Tal pretensão desrespeita ainda, frontalmente, o princípio constitucional da capacidade contributiva e tributação do lucro real (artigo 104.º, n.º 2 da CRP). É que mesmo que se aceite que a lacuna da lei possa ser integrada, o que, face ao antedito, se admite por mera cautela e dever de representação, nunca poderá, atento tal princípio constitucional, aceitar-se a dedução integral dos encargos financeiros em 2014;
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Com efeito, a imputação dos gastos suportados ao lucro tributável de cada período de tributação rege-se pelo princípio da especialização dos exercícios e tratando-se de gastos de natureza financeira, como os juros dos empréstimos, o critério geral de imputação está ligado ao tempo de utilização dos capitais alheios e ao capital em dívida em cada exercício, sendo que este critério geral pode sofrer adaptações, em situações específicas tipificadas em norma especial, como era o caso dos n.ºs 2 e 3 do artigo 32.º do EBF, tal como interpretado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 42/2014 e pela Administração fiscal na Circular n.º 7/2004;
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Dali resulta que é dada prevalência ao princípio da correlação entre gastos e rendimentos/ganhos, ínsito no princípio da especialização dos exercícios, considerando que as mais-valias estão associadas a valorizações de activos que, em regra, não são geradas num só exercício, mas antes ao longo de um período mais ou menos longo.
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Ora, pretender fazer valer uma solução em que apenas os encargos financeiros suportados em exercícios passados seriam deduzidos ao lucro tributável desligados da incorporação de quaisquer rendimentos ou ganhos associados, isto é, sem a alienação das correspondentes participações sociais, afronta as regras de periodização do lucro tributável enunciadas no artigo 18.º do Código do IRC, e por não ter sido salvaguardada em norma transitória, enferma de vício de ilegalidade, violando igualmente o princípio constitucional da capacidade contributiva e tributação do lucro real (artigo 104.º, n.º 2 da CRP);
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Em suma, a não dedutibilidade dos encargos financeiros estava sempre associada à isenção das mais-valias que, por sua vez, se encontrava sujeita a condicionalidades que, em última instância, redundavam no decurso de um período de tempo mínimo (1 ano ou 3 anos), ou seja, se as partes sociais fossem alienadas antes do cumprimento desse prazo, as mais-valias estariam sujeitas ao regime geral de tributação e os encargos financeiros seriam dedutíveis, desde que observadas as regras gerais de dedutibilidade dos gastos e perdas;
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A opção do legislador, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, de alterar expressamente, com a Lei n.º 2/2014, a partir de 01-01-2014, a concepção de balanceamento entre gastos e rendimentos não colide com o princípio da igualdade, da capacidade contributiva, da segurança jurídica ou da tutela da confiança legítima, decorrentes do princípio do Estado de Direito Democrático, constante do artigo 2.º da CRP, na medida em que foi assegurada a manutenção de um dos pilares do regime especial de tributação das SGPS – a isenção das mais-valias, até com maior extensão, por ter sido alargada a outros instrumentos de capital próprio associados às partes sociais;
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Ademais, quanto ao princípio da segurança jurídica reforce-se que, segundo jurisprudência constante do TC (cf. entre outros, Acórdão n.º 287/90, n.º 42/2014, n.º 309/2018), para que haja lugar à tutela sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança é necessário que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados “expectativas” de continuidade; tais expectativas devem ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do comportamento” estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa;
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Face a todo o exposto, resulta, pois, que a revogação do regime especial de tributação das SGPS e a sua abrangência pelo regime da participation exemption, que confere maiores vantagens fiscais, visou a prossecução do interesse público de atracção de investidores e de reforço do tecido empresarial, pelo que não está em causa a segurança jurídica articulada com o princípio da tutela da confiança ou sequer o princípio da igualdade;
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Razões pelas quais deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente.
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Por máxima cautela e sem conceder, mais se dirá a pretensão da Requerente reconduz-se ao preenchimento de uma lacuna, ao referir que a revogação do regime do artigo 32.º do EBF deixa um vazio legal;
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Cabe a este propósito mencionar a jurisprudência recente do Tribunal Constitucional n.º 139/2016, citando o acórdão do mesmo Tribunal n.º. 753/14 o seguinte: “ainda que, em tese geral, o princípio da capacidade contributiva implique que deva ser considerado como tributável apenas o rendimento líquido, com a consequente exclusão de todos os gastos necessários à produção ou obtenção do rendimento, o certo é que não pode deixar de reconhecer-se ao legislador – como admite a doutrina – «uma certa margem de liberdade para limitar a certo montante, ou mesmo excluir, certas deduções específicas, que, embora relativas a despesas necessárias à obtenção do correspondente rendimento, se revelem de difícil apuramento» (Casalta Nabais, ob. cit., pág. 521) [a obra em causa é O Dever Fundamental de Pagar Impostos]. O ponto é que tais limitações ou exclusões tenham um fundamento racional adequado e se apliquem à generalidade dos rendimentos em causa. Trata-se de opções de política fiscal que assentam numa ideia de praticabilidade, que exige ao legislador a elaboração de leis cuja aplicação e execução seja eficaz e económica ou eficiente, e que conduzam a resultados consonantes com os objetivos pretendidos. Com essa finalidade, com que se pretende também assegurar os princípios materiais da igualdade e da justiça fiscal, é constitucionalmente justificável que o legislador possa recorrer não apenas às referidas presunções legais, mas também a técnicas de tipificação e de simplificação, que permitam disciplinar certos aspetos do direito dos impostos segundo critérios de normalidade, afastando as situações atípicas ou anormais (idem, págs. 622-623). […]Como se deixou exposto num outro momento, o artigo 104.º, n.º 2, não institui um critério absoluto e rigoroso de tributação das empresas segundo o lucro real, apontando antes para uma aproximação tendencial entre a matéria coletável e os lucros efetivamente auferidos, sem excluir o recurso a rendimentos presumidos e a métodos indiciários.”;
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Efectivamente, não cabe à Administração Fiscal, nem mesmo aos Tribunais, corrigir opções de política legislativa, permitindo, afinal, a repristinação de regimes de benefício e o preenchimento de lacunas, contrariando a motivação expressa da Comissão de Reforma do IRC, criando regimes transitórios que não constam da lei;
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No acórdão arbitral de 20-07-2018, proferido no processo n.º 21/2018-T[28], onde também se julgou um pedido arbitral que se sustentava num entendimento que, caso viesse a ser acolhido pelo Tribunal, resultaria na correcção de opções de política legislativa e permitiria a repristinação de regimes de benefício e o preenchimento de lacunas, contrariando a motivação expressa da Comissão de Reforma do IRC e criando regimes transitórios que não constam da lei, entendeu o Tribunal que “A interpretação normativa que a Requerente propõe teria como consequência a própria abrogação do regime legal vigente quanto à dedução de prejuízos fiscais, permitindo que o sujeito passivo - em detrimento do estabelecido no artigo 52.º, n.º 1 - pudesse deduzir em 2014 prejuízos fiscais de exercícios anteriores” e que “na falta de norma expressa que salvaguarde esse efeito, será impossível, por via interpretativa, vir a reabrir situações jurídicas já consolidadas na ordem jurídica nacional.”
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Com efeito, a interpretação, rectius, integração da lei fiscal, nos termos propostos pela Requerente no presente processo, atentaria contra os princípios da certeza e segurança jurídica e da igualdade entre todos os cidadãos, bem como contra o princípio da legalidade;
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Entende-se, por todo o exposto, como materialmente inconstitucional a interpretação normativa proposta pela Requerente, no sentido de ser permitida a dedução dos encargos financeiros incorridos entre 2009 e 2013, portanto na vigência do artigo 32.º do EBF, ao lucro tributável de 2014, em face da absoluta inexistência de norma legal que o preveja, por violação do princípio da legalidade tributária.
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Bem assim, reputa-se tal interpretação normativa de materialmente inconstitucional, também por violação do princípio da legalidade tributária, na vertente da generalidade e abstracção da lei fiscal, decorrentes do princípio da legalidade e enquanto instrumentos da igualdade fiscal, e portanto, igualmente por violação do princípio da igualdade tributária, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto no artigo 13.º e no artigo 103.º da CRP;
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Por fim, reputa-se tal interpretação normativa, qual seja, a de permitir a dedução dos encargos financeiros incorridos entre 2009 e 2013, portanto na vigência do artigo 32.º do EBF, ao lucro tributável de 2014, e em face da absoluta inexistência de norma legal que o preveja, de materialmente inconstitucional, por violação do princípio do Estado de Direito democrático, da reserva da lei fiscal, e da separação de poderes, com a consequente subordinação dos tribunais à lei, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto nos artigos 2.º, 103.º, 165.º e 202.º da CRP;
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Concluindo-se pela necessária improcedência da pretensão formulada pela Requerente;
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Importa recordar que o desiderato da Requerente consubstancia-se numa aplicação retroactiva da lei, de uma só vez, por via da imputação ao lucro tributável de 2014 da regra de dedutibilidade dos encargos de natureza suportados entre 2004 a 2007 com a aquisição de partes sociais e, cujas mais-valias e menos-valias realizadas não entravam para o cômputo do lucro tributável, nos termos dos disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF;
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Deve a Requerida ressalvar também que a Requerente não demonstra os factos que invoca, diferentes dos constantes das suas declarações periódicas, as quais gozam da presunção de veracidade, de acordo com o disposto no artigo 74.º da LGT;
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Daí decorrendo, mesmo sem mais considerandos, a improcedência do pedido arbitral, como decorre das regras atinentes ao ónus da prova Veja-se que «O ónus da prova pode ser entendido num sentido subjectivo e num sentido objectivo. Na primeira acepção, o ónus da prova refere-se à exigência que é imposta às partes de provarem os factos em que assenta a sua pretensão ou a sua defesa, e que será definida, em cada caso, segundo os critérios de repartição do ónus da prova que se encontram estabelecidos nos artigos 342º e seguintes do Código Civil. O ónus da prova objectivo, por sua vez, respeita às consequências da não realização da prova pela parte que com ela está onerada, permitindo determinar qual o sentido ou conteúdo da decisão a proferir pelo juiz quando, finda instrução do processo, se chega a uma situação de incerteza ou de non liquet sobre os factos relevantes. (…) verificando-se uma situação de falta ou insuficiência da prova relativamente a algum ou alguns dos factos alegados indispensáveis para a decisão da causa, estes devem ter-se como inexistentes, na medida em que não podem ser considerados como provados nem como não provados (Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, 4º vol. (policopiadas), pág. 114), implicando que o tribunal emita uma pronúncia desfavorável em relação à parte a quem incumbia fazer a prova desses factos.(…) A solução pode estar, neste tipo de processos, em distribuir o ónus da prova, não em função da posição que as partes ocupam na relação processual, mas antes por referência às posições que lhes correspondem na relação jurídica material que está subjacente ao processo. Assim haveria que distinguir essencialmente entre os actos de conteúdo positivo em que a Administração impõe comandos, proibições e ablações, em que se justifica que seja a entidade administrativa a provar a existência dos pressupostos legais da sua actuação, e os actos de conteúdo negativo, pelos quais a Administração nega um interesse pretensivo do administrado, e em que competiria já a este demonstrar, em sede jurisdicional, que preenche os requisitos legais da autorização ou benefício que pretende obter.» - cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Dicionário de Contencioso Administrativo, Coimbra, Almedina, 2006.
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Em anotação ao artigo 100.º do CPPT, escreveu o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa,“Trata-se da concretização prática da eliminação no domínio do contencioso tributário da presunção de legalidade dos actos da administração tributária, substituída por uma presunção de veracidade dos actos do cidadão-contribuinte, que foi anunciado no ponto 1 do preâmbulo do CPT. Esta regra consubstancia uma aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre ónus da prova no procedimento tributário enunciada no artigo 74.º, nº 1 da LGT, em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova de certos factos no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário.”
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Bem como, cabe referir a Jurisprudência dos nossos tribunais superiores, de que é exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no proc. 0338-07, em 31-10-2007: “em sido entendimento pacífico da jurisprudência de que “à Administração Tributária cumpre apenas, tendo em conta o princípio da legalidade administrativa e em termos correspondentes ao disposto no artº 342º do CC, o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação. Ao contribuinte cabe provar a existência de factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, isto é, a efectiva existência das alegadas transacções” (acórdão desta Secção do STA de 23/5/07, in rec. nº 128/07). Como se escreveu no Acórdão desta Secção do STA de 17/4/02, in rec. nº 26.635, “cabe à administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, ou seja,… da existência dos factos de que depende legalmente que ela deva agir ou possa agir em certo sentido”, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua a sua actividade.
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Apresentando-se a Requerente à Administração Tributária invocando haver liquidado IRC em situações em que não seria devido, em suma, por haver acrescido, nos cinco exercícios anteriores, imposto que pretende dedutível em 2014, nos termos de um hipotético regime transitório, que entende aplicável (por analogia), inequivocamente está onerada com a demonstração dos factos constitutivos do imposto que alega ter sido indevidamente liquidado;
Face ao exposto, relativamente à posição das Partes e aos argumentos apresentados, para determinar se o acto tributário sub judice é ou não ilegal será necessário verificar qual é a interpretação que deve ser efectuada à norma constante do artigo 32.º, n.º 2 do Código do IRC.
Vejamos o que deve ser entendido.
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Enquadramento jurídico das SGPS
Como decorre do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 42/2014, de 11 de Fevereiro, “12.1 — As SGPS têm como antecedentes as sociedades holding, as quais encontram a primeira regulação no Decreto-Lei n.º 46032, de 27 de abril de 1965. Seguiu -se -lhe o Decreto -Lei n.º 271/72, de 2 de agosto, estabelecendo o regime jurídico das sociedades que comportem como objeto a gestão de participações, distinguindo entre “sociedades de controlo”, “sociedades de investimento” e “sociedades de aplicações de capitais”, e reconhecendo -lhes papel importante na organização e reforço do tecido empresarial nacional, através do estabelecimento e dinamização de um mercado financeiro que lhe sirva de apoio. Já assim se lhes referira o legislador, na edição de isenção da tributação de Imposto de Capitais sobre juros e dividendos, através do Decreto -Lei n.º 44561, de 10 de setembro de 1962, dizendo: “[t]rata -se de remover um obstáculo de peso à criação de empresas cuja atividade consiste na mera gestão de uma carteira de títulos, e que no estrangeiro, por toda a parte — e até, nos últimos anos, particularmente em países em vias de desenvolvimento — tão grande papel desempenham, sobretudo as sociedades de colocação de capitais, na mobilização do aforro de certas classes, e na sua criteriosa aplicação naquele ou naqueles setores que um eficiente serviço de estudos económico -financeiros demonstre serem os de menor risco e de melhores expectativas de rendabilidade. Desnecessário será encarecer o alcance desta inovação”.
Em 1988, o regime jurídico dessas sociedades viria a ser alterado — modificação inscrita na reforma fiscal que entrou em vigor em 1989 -, através do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, passando a adotar a designação de sociedades gestoras de participações sociais. Logo aí se sinalizou a essencialidade do estabelecimento de um regime que comportasse vantagens fiscais para tais sociedades, mormente no domínio da tributação de mais-valias e menos-valias obtidas, referindo o preâmbulo do diploma que, de outro modo, as SGPS teriam “viabilidade duvidosa e pouco interesse prático”.
Na verdade, resulta do preâmbulo do decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro que o propósito subjacente ao regime previsto para as SGPS foi o de “proporcionar aos empresários um quadro jurídico que lhes permitisse reunir numa sociedade as suas participações sociais, em ordem à sua gestão centralizada e especializada.” Mais se diz que “O regime fiscal que o presente diploma adopta para as SGPS, em sequência da Lei n.º 98/88, de 17 de Agosto, tem em vista a concessão de benefício, sem os quais, de resto, tais sociedades teriam viabilidade duvidosa ou pouco interesse prático.”
No fundo, desde a sua criação que a atractividade pela constituição e manutenção das SGPS tem andado de mão dada com a maior ou menor atractividade do respectivo regime fiscal[29].Com o propósito de incentivar os grupos societários a reorganizarem-se, com vista a reforçar a sua competitividade, instituiu-se um regime específico de tributação das SGPS, que incidia sobre os principais rendimentos resultantes da gestão de participações sociais: os dividendos e as mais-valias.
Tendo em conta que, no presente caso, está em causa precisamente a aplicação do regime específico de tributação das mais-valias realizadas pela Requerente - SGPS, iremos analisar de seguida o regime fiscal àquela aplicável, até à revogação operada pela Lei 83-C/ 2013, de 31 de Dezembro.
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Regime específico de tributação das mais e menos-valias obtidas por SGPS
Aquando da criação do regime jurídico das SGPS previa-se, em relação aos dividendos, que as SGPS estavam dispensadas do cumprimento dos requisitos relativos à participação e permanência exigidos para efeitos de aplicação do regime de eliminação da dupla tributação económica.[30] No que respeita às mais-valias e menos-valias, o regime de tributação previa inicialmente a não concorrência para a formação do lucro tributável das mais-valias e das menos-valias realizadas por SGPS mediante a transmissão onerosa de partes de capital, desde que detidas por um período não inferior a 1 ano. De igual modo, previa-se a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição das partes de capital.
O regime fiscal aplicável às SGPS passou, após a publicação e a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, a constar do EBF.
Tendo presente o propósito de reforço da competitividade expresso no Relatório do OE 2003, a Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do OE 2003), aditou o n.º 2 ao artigo 31.º do EBF, que corresponde ao artigo 32.º, n.º 2 do EBF, em discussão nos presentes autos:
“2- As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”
A este propósito foi sendo entendido que “o objectivo do regime instituído em 2003 foi o de contrabalançar a atribuição de um benefício – a exclusão total de tributação das mais-valias – com a não concorrência de certos encargos financeiros suportados, criando um ambiente de neutralidade entre os eventuais ganhos com determinados activos (certas imobilizações financeiras) e o passivo necessário à criação das condições para a obtenção de tais ganhos, isto é, o passivo relacionado com a aquisição de tais participações.”[31]
Sobre o regime fiscal específico introduzido neste domínio em 2003, o Tribunal Constitucional pronunciou-se também, no Acórdão n.º 42/14, de 11 de Fevereiro de 2004, considerando que “a intervenção legislativa operada (…) assumiu preocupação balanceada e intrinsecamente conexionada nos dois campos que regula: ao mesmo tempo que se procura atingir maior competitividade ao regime fiscal nacional, através da isenção das mais-valias realizadas desde que verificadas certas condições, procedeu-se ao alargamento da base tributável, desconsiderando os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações sociais numa preocupação de matching entre ganhos e custos das SGPS.”
Consta-se, assim, que, desde a entrada em vigor do regime jurídico das SGPS que o enquadramento fiscal aplicável à diferença positiva entre as mais e menos-valias de partes de capital foi sempre mais favorável quando comparado com o tratamento fiscal conferido ao apurado por outras sociedades comerciais.[32]
Vejamos a natureza jurídica do normativo em discussão.
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Natureza Jurídica do artigo 32.º, n.º 2 do EBF
Encontrando-se o artigo 32.º, n.º 2 do EBF inserido na parte II, do capítulo III, do Código dos Benefícios Fiscais, entende-se, no quadro da dogmática do Código, tratar-se de um benefício fiscal de carácter estrutural e não de um benefício fiscal de carácter temporário.[33]
Não obstante parte da doutrina e da jurisprudência defender que o artigo 32.º, n.º 2 do EBF não se configura como uma medida que impeça a tributação, não sendo, portanto, um benefício fiscal, tendo em conta o seu carácter desvantajoso,[34] certo é, no entanto, que a base legal aqui em discussão constava do EBF, como um benefício fiscal estrutural, resultando do regime previsto uma vantagem fiscal potencial, comparativamente ao regime de tributação-regra previsto para as SGPS.
Como ensina Nuno Sá Gomes,[35] “a definição normativa do sistema de benefícios fiscais articula-se com o próprio sistema de tributação-regra cujo universo tributário pretende, excepcionalmente, desagravar, isto é, os benefícios fiscais hão-de articular-se, orgânica e sistematicamente, com a própria tributação-regra, em termos qualitativos, enquanto excepções ao modelo da mesma tributação-regra.”
Neste sentido, entende-se que o artigo 32.º, n.º 2 do EBF constitui um benefício fiscal, enquanto desagravamento fiscal derrogatório do princípio da igualdade tributária, instituído para a tutela de interesses extrafiscais de maior relevância.[36]
Considerando a natureza da norma sub judice, iremos proceder à sua interpretação, no âmbito do quadro legal aplicável.
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Interpretação jurídica do artigo 32.º, n.º 2 do EBF
Resulta do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) que a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação.
Os princípios gerais de interpretação estão estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil (CC), nos seguintes termos:
“Artigo 9.º
Interpretação da lei
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1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
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De acordo com o disposto na Lei Geral Tributária, a interpretação de normas fiscais obedece aos seguintes cânones:
“Artigo 11.º
Interpretação
1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2 - Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3 - Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
4 - As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.”
Sobre a interpretação de benefícios fiscais determina-se no EBF, o seguinte:
“Artigo 10.º
Interpretação e integração das lacunas da lei
As normas que estabeleçam benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva.”
Assim, considerando o quadro normativo aplicável, importa atender ao disposto no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, que estabelece o seguinte:
“As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”;
Do ponto de vista literal, entende-se que a norma em análise incide sobre as mais-valias, as menos-valias e os encargos financeiros, estatuindo-se em relação àqueles factos tributários como consequência a sua irrelevância para efeitos de determinação do lucro tributável.
Tendo em conta que para que qualquer obrigação tributária nasça é necessário que se preencham todos os elementos que compõem o facto que gera essa obrigação, os factos tributários constantes da norma em análise só existem quando se verificam os pressupostos exigidos na sua definição jurídica, no caso concreto em análise, a alienação de participações sociais.[37] Embora os factos tributários previstos possam ocorrer em diferentes momentos temporais, estão os mesmos sujeitos à mesma estatuição normativa, sendo certo que a não dedutibilidade dos custos, que se pretendem afectar ao benefício fiscal, depende da realização das mais ou menos valias das participações sociais em causa. Na verdade, caso se isole o facto – encargos financeiros – dos restantes factos tributários – mais ou menos-valias – o benefício fiscal em análise converter-se-ia num “prejuízo fiscal” injustificado, em face das regras gerais de dedutibilidade dos gastos e em absoluta contradição com os propósitos subjacentes à criação do regime fiscal específico aplicável às SGPS. Também considerando que a norma foi criada com um propósito de neutralidade, certo é que sem o referido “balanço” ou conexão não é possível considerar a tributação agravada dos encargos financeiros, como facto tributário relevante, por falta de coerência.
No fundo, do ponto de vista literal entende-se que a norma em análise prevê a realização de três factos tributários distintos: as mais-valias, as menos-valias e os encargos financeiros, que se subordinam à mesma estatuição – a sua irrelevância para efeitos de determinação do lucro tributável – sendo certo que esses factos tributários têm como fonte de obrigação tributária a alienação das participações sociais, isto é, a estatuição da norma só pode operar em termos definitivos com a alienação das participações sociais.
Do ponto de vista teleológico, isto é, atendendo ao sentido e fim da norma a interpretar, a criação do benefício fiscal em análise teve como propósito proporcionar às SGPS vantagens fiscais relativamente à obtenção de mais-valias com a alienação de participações sociais. Como decorre do Acórdão do TC n.º 42/20014, de 11 de Fevereiro, “Denota -se, então, que a intervenção legislativa operada neste domínio em 2003 assumiu preocupação balanceada e intrinsecamente conexionada nos dois campos que regula: ao mesmo tempo que se procura atingir maior competitividade ao regime fiscal nacional, aproximando-o de outros modelos reputados mais atrativos através da isenção de tributação em sede de IRC de mais -valias realizadas, desde que verificadas certas condições (sobre os modelos comparados, designadamente o modelo holandês, Júlio Tormenta, ob. cit., pp. 73 a 95), procedeu -se ao alargamento da base tributável, desconsiderando os encargos financeiros que estavam na base da aquisição das participações sociais, contrabalançando dessa forma o benefício concedido às SGPS face aos demais sujeitos passivos de IRC.”
Contrariamente ao defendido pela AT, não se perceciona que o regime instituído no artigo 32.º do EBF, pela Lei do Orçamento de Estado para 2003, fosse um misto de [não] tributação de mais-valias ou menos-valias geradas pelas SGPS com a alienação de partes de capital e ao mesmo tempo de captação de imposto ao impedir a dedução dos encargos financeiros suportados para a sua aquisição, como de forma evidente resulta do próprio Relatório do OE 2003.” Na verdade, o que resulta destacado daquele Relatório é o propósito de “No que respeita ao reforço da competitividade das empresas nacionais, “criar “um novo sistema de tributação das SGPS, com um regime semelhante ao vigente nos Países Baixos;[38]
Na verdade, desde a sua criação, as SGPS sempre tiveram associadas a um conjunto de vantagens fiscais, em especial, no que respeita à obtenção de mais-valias, que serviram o propósito subjacente à sua criação, que foi o de incrementar a competitividade das empresas em Portugal.
Analisada a norma jurídica em apreço constata-se, no entanto, que o benefício fiscal atribuído, consistente na “não concorrência para a formação do lucro tributável” das mais-valias e menos-valias obtidas com a alienação de participações sociais era “contrabalançado” com a igual “não concorrência para a formação do lucro tributável” dos encargos financeiros subjacentes.
Pretendeu o legislador, ao criar o benefício fiscal em análise, potenciar a neutralidade fiscal subjacente ao negócio de compra e venda de participações sociais, não tributando as mais-valias, nem deduzindo os custos associados à sua obtenção.
A relação entre os factos tributários previstos – mais-valias, menos-valias e encargos financeiros – é conduzida pelo vocábulo “bem assim” à mesma estatuição - não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.
Como ensina Alberto Xavier[39], “o facto tributário é a “fonte da obrigação tributária”. Esta última nasce directamente da realização do facto tributário, embora o seu fundamento normativo seja sempre a lei, de acordo com o princípio da legalidade tributária.” Para que qualquer obrigação tributária nasça é necessário que se preencham e se conjuguem todos os elementos que compõem o facto que gera essa obrigação, ou seja, o facto tributário não existe enquanto não se verificarem todos os pressupostos exigidos na sua definição jurídica.[40]
Considerando tal como Gianni de LUCA que “o facto tributário contém quatro elementos que o compõem e que a doutrina tradicional apoia: material, espacial, temporal e quantitativo.” [41], constata-se que os factos tributários identificados correspondem ao rendimento/gasto que se pretende tributar/isentar, de acordo com as taxas de IRC aplicáveis, em Portugal.
Relativamente ao elemento temporal, tem sido entendido que “todo o facto tributário necessita de um determinado período, ainda que ínfimo, para se realizar. Todavia, noutros casos, dada a sua maior complexidade, o aspecto temporal adquire autonomia, carecendo de fixação através de preceitos legais especiais que, por especificarem um elemento do facto tributário, integram as normas de incidência do imposto.”[42]
No que concerne aos rendimentos decorrentes de mais-valias, a doutrina maioritária sustenta que o facto tributário que está subjacente à percepção do rendimento que constitui a mais-valia é um facto tributário de formação instantânea, que se reporta ao momento em que ocorre a alienação ou transmissão de activos.[43]
Relativamente aos encargos financeiros, à semelhança do que tem sido entendido em matéria de tributação autónoma, entende-se que os encargos financeiros constituem um facto de formação instantânea que se verifica sempre que o contribuinte incorre em determinada despesa sujeita a tributação.[44]
Sucede que, como resulta da teleologia da norma em análise, a não dedutibilidade dos encargos financeiros depende da verificação dos factos tributários constantes da previsão da norma – realização de mais-valia ou menos-valia.[45]
Tendo em conta que os momentos temporais associados aos factos tributários em análise não seriam coincidentes, a AT, através da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, veio esclarecer que os encargos financeiros incorridos com vista à obtenção de mais-valias pela alienação de participações sociais, consideram-se sujeitos à estatuição da norma em análise, no momento em que ocorrem, isto é, não são dedutíveis no momento em que ocorrem, para que possam ser susceptíveis de usufruir do benefício fiscal, em análise, sendo certo que, outros encargos financeiros incorridos por SGPS ou outros sujeitos passivos são, em regra, dedutíveis, nos termos gerais. Caso não venha a ocorrer o facto gerador de imposto – a obtenção de mais ou menos-valias, através da alienação de participações sociais – nas condições previstas no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, “proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.”[46]
Encontrando-se a estatuição dependente da verificação da previsão da norma, parece claro que a não dedutibilidade dos encargos financeiros depende da verificação de outro facto tributário – a obtenção de mais ou menos-valias, através da alienação de acções. No fundo, o facto gerador do imposto, enquanto situação abstracta descrita na lei, que se verifica em concreto, é que dá origem à obrigação tributária, ao relacionamento jurídico entre o contribuinte e o Estado.
Entende-se, por isso, que qualquer outra interpretação que não aceite a subordinação jurídica da verificação/consumação dos factos tributários à sua estatuição, não permite sustentar a racionalidade/sistematicidade da norma.
Assim, não tendo a Requerente obtido as mais ou menos-valias associadas aos encargos financeiros incorridos, registados nos exercícios fiscais correspondentes aos anos de aquisição das participações sociais, com a revogação da norma em análise com efeitos a 1 de Janeiro de 2014, o anterior regime específico das SGPS deixou de produzir efeitos, não podendo ser aplicável à Requerente, no futuro, isto é, aquando da verificação das condições anteriormente previstas no n.º 2 do artigo 32.º do EBF.
Assim, na falta de disposição transitória estabelecida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro são aqui aplicáveis as regras previstas na LGT e no Código Civil[47] relativamente à sucessão de leis no tempo, que determinam a aplicação das novas normas tributárias aos factos posteriores à sua entrada em vigor, prevendo-se que a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor, quando o facto for de formação sucessiva.[48]
Vejamos, então, quais são as consequências.
e) Efeitos da revogação da norma em análise
Na falta de disposição transitória sobre os efeitos da revogação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, os efeitos da revogação da norma são todos os que resultam da cessação da sua vigência, sendo certo que nova norma (regime) só é aplicável aos factos posteriores, nos termos previstos no artigo 12.º da LGT.
Na verdade, a Lei revogada cessa a sua vigência, deixando, em regra, de se aplicar para o futuro. Tendo a situação fáctica em análise ocorrido, aquando da vigência da lei antiga, o novo regime fiscal denominado de “participation exemption” só é aplicável aos factos tributários que se venham a projectar na vigência da Lei nova, sob pena de violação do princípio da proibição da retroactividade da Lei fiscal. Acresce que, os regimes em causa têm diferentes âmbitos de incidência, quer subjectivos, quer objectivos, não sendo, portanto, regimes substancialmente equiparáveis, desde logo pela diferença no que respeita à tributação/não tributação dos gastos incorridos.
Deste modo, com a cessação de vigência do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, não mais se verificará o facto gerador de imposto subjacente ao registo e qualificação dos encargos financeiros associados às participações sociais adquiridas pela Requerente, ao abrigo da Lei antiga. Em consequência, os encargos financeiros, que foram acrescidos ao lucro tributável com base na expectativa de ser obtido o benefício fiscal constante do n.º 2 do artigo 32.º do EBF (devidamente registados contabilisticamente para esse fim), aquando da verificação do facto gerador de imposto (no passado, ao abrigo da Lei antiga), estão incorretamente registados e tributados, como factos tributários isolados, isto é, gastos, em face da revogação da norma. Conquanto, na sequência da revogação da norma sub judice, o benefício fiscal extinguiu-se.[49]
Acresce que, as SGPS tinham a expectativa legítima de manutenção do benefício fiscal em causa e, assim, de que a desconsideração dos encargos financeiros num determinado momento teria como contrapartida a ulterior não tributação das mais-valias.
Neste sentido, a Requerente adoptou a interpretação prevista neste ponto 6 da Circular n.º 7/2004, tendo desconsiderado no exercício de 2014 os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais.
Uma alteração legislativa que impossibilite a obtenção do benefício fiscal de não tributação das mais-valias implica a extinção da razão que legitimava a desconsideração dos encargos financeiros, pelo que deve ser aplicada a tributação regra, isto é, a tributação nos termos aplicáveis na ausência da norma entretanto revogada.[50]
O que não é admissível, à luz dos princípios da tutela da confiança e da boa-fé, é o entendimento segundo o qual a revogação do regime comtemplado no art. 32.º, n.º 2, do EBF implica simultaneamente a não obtenção do benefício que o mesmo previa e a cristalização da desconsideração dos encargos financeiros, que se conexionavam com aquele benefício, o que se traduziria, verdadeiramente, numa alteração das “regras do jogo” no decorrer do “jogo”.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 14.º do EBF, configurando-se a revogação da norma como um acto extintivo do benefício fiscal,[51] “A extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra.”
Como, aliás, decorre da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março ao prescrever que “Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.”
Assim, considerando a relação de subordinação entre a norma relativa aos encargos financeiros e a integralidade das condições para a aplicação do regime de não concurso entre mais ou menos-valias, devem ser alterados os registos dos encargos financeiros, em razão da sua “desafectação” contabilística e fiscal ao benefício fiscal revogado, com as demais consequências, mormente a anulação do acto de autoliquidação de IRC de 2014.
Conclui-se, assim, que o indeferimento da reclamação graciosa e do acto de autoliquidação de IRC de 2014, enferma de erro de interpretação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, na redacção aplicável à data dos factos.
Face ao exposto, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento das restantes questões de violação de lei colocadas pela Requerente.
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DECISÃO
Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente ao acto de autoliquidação de IRC referente ao ano 2014, na parte em que se reporta à não consideração dos encargos financeiros suportados pela Requerente nos exercícios de 2004 a 2007, no valor de €2.626.128,74;
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Não tomar conhecimento dos restantes pedidos formulados, nos termos do artigo 24.º, n.º 1 do RJAT.
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VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em €2.626.128,74,
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CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €33.966,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de Outubro de 2019
Os Árbitros,
(Fernanda Maças), Vencida fundamentalmente pelas razões constantes da Decisão Arbitral proferida no processo n.º 610/2017.Com todo o devido respeito pela Decisão em apreço, não a posso acompanhar porquanto, na minha óptica, acaba por aderir a uma solução que não encontra arrimo, quer no regime jurídico então vigente, quer no atual. Não tendo a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro estabelecido nenhuma disposição transitória sobre os efeitos da revogação do artigo 32.º, n.º2, do EBF, tal circunstância pode ser ou não censurada, mas não autoriza o aplicador a suprir qualquer insuficiência imputada ao legislador. Dito por outras palavras, na ausência de norma transitória deliberadamente omitida pelo legislador, a mesma não pode ser suprida por via interpretativa.
(Magda Feliciano)
(Paulo Jorge Nogueira da Costa)
(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)
[2] Sendo árbitros a Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Presidente), a Dra. Cristiana Maria Leitão Campos e o Dr. Miguel Carrasqueira Baptista
[3] Moredo Santos, H., 2014: ano novo para as SGPS, in: III Congresso de Direito em sociedade em Revista, Almedina (2014), p. 494.
[4] Estes benefícios vieram a ser revogados, em 2003 e em 2010.
[5] Moura, Luís Graça, “A “Nova” Tributação do Rendimento das SGPS: Reflexões acerca da Tributação de Mais-Valias no Quadro do Princípio da Segurança Jurídica”, in Revista Jurídica da Universidade Portucalense Infante D. Henrique, n.º 10, 2003, p.122.
[6] Rafael Jaime Dupachy Sousa Uva, Análise dos efeitos resultantes da revogação do regime fiscal das SGPS, Dissertação de Mestrado em Direito Fiscal, p.. 15.
[7] Seguindo-se Guilherme Waldemar d´Oliveira Martins, in Os Benefícios Fiscais: sistema e regime, Cadernos IDEFF, n.º 6, Almedina, p. 244; Cfr. Acórdão do STA, de 13 de Julho de 2015, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 139/16, de 8 de Março de 2016, proferido no âmbito do processo n.º 927/15, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 750/17, de 15 de Novembro de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 559/16.
[8] Decisões do CAAD n.º 149/2016-T e 754/2016-T.
[9] Nuno Sá Gomes, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (165), Centro de Estudos Fiscais, 1991, DGCI, p.11.
[10] Guilherme Waldemar d´Oliveira Martins, Os Benefícios Fiscais: sistema e regime, Cadernos IDEFF, n.º 6, Almedina, p. 15.
[11] Xavier de Basto, IRS, Incidência real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora 2007, p. 427, “o facto tributário que desencadeia a obrigação de imposto ocorre no momento em que se pratica o acto que concretiza a mais-valia,” concluindo-se, por isso, que o momento relevante é, pois, o da alienação do activo em que apuram mais-valias tributáveis, ou operação a ela equiparada.”
[12] Relatório do OE 2003, p. 35.
[13] Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal I, Reimpressão, Lisboa, Manuais da Faculdade de Direito de Lisboa, 1981, p. 248.
[14] Pedro Soares Martinez, « Direito Fiscal, 7.º edição, Coimbra, Almedina, pp. 184 e ss.
[15] Gianni de LUCA, Diritto Tributario, 23.ª Edição, Nápoles, Edizioni Giuridiche Simone, 2009, p. 111.
[17] Xavier de Basto, op. cit.
[18] Paula Rosado Pereira, O Princípio da não retroactividade da lei fiscal no campo da tributação autónoma de encargos, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano IV, n.º 3, Coimbra, Almedina, 2011, p. 273.
[19]“Com efeito, para que qualquer obrigação tributária nasça é necessário que se preencham e se conjuguem todos os elementos que compõem o facto que gera essa obrigação, ou seja, o facto tributário não existe enquanto não se verificarem todos os pressupostos exigidos na sua definição jurídica.“ - Cecília da Conceição de Oliveira soares, in a Constituição da obrigação tributária em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, Dissertação de Mestrado, sob a orientação do Prof. Dr. Joaquim Freitas Rocha, Universidade do Minho, Escola de Direito, p. 83.
[20] Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, ponto 6.
[22] Tem sido entendido relativamente às mais-valias que o “facto tributário nasce e esgota-se no momento autónomo e completo da alienação e da realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um ano, pese embora o valor a considerar para a determinação da base tributável para efeitos de IRS seja o correspondente ao saldo anual apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano” – Vide Acórdão do STA, proc. 1292/94, de 16.09.2015.
[23] Nuno Sá Gomes, op. cit., p. 223, “a extinção, situar-se-á, ao nível normativo, geral e abstracto; a perda, por sua vez, ao nível concreto e individual, em termos de relação jurídica.”
[24] Artigo 5.º, n.º 2 da LGT: “A tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material."
[26] ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal – Lições, 3.ªEd., 2018, pp. 199-200.
[28] Sendo árbitros a Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Presidente), a Dra. Cristiana Maria Leitão Campos e o Dr. Miguel Carrasqueira Baptista
[29] Moredo Santos, H., 2014: ano novo para as SGPS, in: III Congresso de Direito em sociedade em Revista, Almedina (2014), p. 494.
[30] Estes benefícios vieram a ser revogados, em 2003 e em 2010.
[31] Moura, Luís Graça, “A “Nova” Tributação do Rendimento das SGPS: Reflexões acerca da Tributação de Mais-Valias no Quadro do Princípio da Segurança Jurídica”, in Revista Jurídica da Universidade Portucalense Infante D. Henrique, n.º 10, 2003, p.122.
[32] Rafael Jaime Dupachy Sousa Uva, Análise dos efeitos resultantes da revogação do regime fiscal das SGPS, Dissertação de Mestrado em Direito Fiscal, p.. 15.
[33] Seguindo-se Guilherme Waldemar d´Oliveira Martins, in Os Benefícios Fiscais: sistema e regime, Cadernos IDEFF, n.º 6, Almedina, p. 244; Cfr. Acórdão do STA, de 13 de Julho de 2015, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 139/16, de 8 de Março de 2016, proferido no âmbito do processo n.º 927/15, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 750/17, de 15 de Novembro de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 559/16.
[34] Decisões do CAAD n.º 149/2016-T e 754/2016-T.
[35] Nuno Sá Gomes, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (165), Centro de Estudos Fiscais, 1991, DGCI, p.11.
[36] Guilherme Waldemar d´Oliveira Martins, Os Benefícios Fiscais: sistema e regime, Cadernos IDEFF, n.º 6, Almedina, p. 15.
[37] Xavier de Basto, IRS, Incidência real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora 2007, p. 427, “o facto tributário que desencadeia a obrigação de imposto ocorre no momento em que se pratica o acto que concretiza a mais-valia,” concluindo-se, por isso, que o momento relevante é, pois, o da alienação do activo em que apuram mais-valias tributáveis, ou operação a ela equiparada.”
[38] Relatório do OE 2003, p. 35.
[39] Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal I, Reimpressão, Lisboa, Manuais da Faculdade de Direito de Lisboa, 1981, p. 248.
[40] Pedro Soares Martinez, «Direito Fiscal, 7.º edição, Coimbra, Almedina, pp. 184 e ss.
[41] Gianni de LUCA, Diritto Tributario, 23.ª Edição, Nápoles, Edizioni Giuridiche Simone, 2009, p. 111.
[43] Xavier de Basto, op. cit.
[44] Paula Rosado Pereira, O Princípio da não retroactividade da lei fiscal no campo da tributação autónoma de encargos, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano IV, n.º 3, Coimbra, Almedina, 2011, p. 273.
[45]“Com efeito, para que qualquer obrigação tributária nasça é necessário que se preencham e se conjuguem todos os elementos que compõem o facto que gera essa obrigação, ou seja, o facto tributário não existe enquanto não se verificarem todos os pressupostos exigidos na sua definição jurídica.“ - Cecília da Conceição de Oliveira soares, in a Constituição da obrigação tributária em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, Dissertação de Mestrado, sob a orientação do Prof. Dr. Joaquim Freitas Rocha, Universidade do Minho, Escola de Direito, p. 83.
[46] Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, ponto 6.
[48] Tem sido entendido relativamente às mais-valias que o “facto tributário nasce e esgota-se no momento autónomo e completo da alienação e da realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um ano, pese embora o valor a considerar para a determinação da base tributável para efeitos de IRS seja o correspondente ao saldo anual apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano” – Vide Acórdão do STA, proc. 1292/94, de 16.09.2015.
[49] Nuno Sá Gomes, op. cit., p. 223, “a extinção, situar-se-á, ao nível normativo, geral e abstracto; a perda, por sua vez, ao nível concreto e individual, em termos de relação jurídica.”
[50] Artigo 5.º, n.º 2 da LGT: “A tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material."
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