Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 334/2019-T
Data da decisão: 2020-01-15  IRC  
Valor do pedido: € 3.689.506,30
Tema: Dedutibilidade de custos. Contribuição sobre o sector bancário. Princípio da tributação segundo o lucro real. Princípio da igualdade.
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Decisão Arbitral

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

               

                1. A..., S.A., sociedade comercial anónima com sede na ..., ..., ...-... Lisboa, titular do Número único de Identificação de Pessoa Coletiva ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do indeferimento parcial da reclamação graciosa deduzida contra a autoliquidação em IRC relativa ao ano de 2016, na parte referente à não dedutibilidade dos montantes suportados com a contribuição sobre o sector bancário.

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é uma instituição de crédito com sede e direção efectiva em território português que, no âmbito da sua actividade comercial, se dedica fundamentalmente ao comércio bancário.

 

Em 29 de Junho de 2016, a Requerente apresentou a declaração Modelo 26 destinada à autoliquidação da contribuição sobre o sector bancário (CSB), tendo por base os resultados apurados no exercício de 2015, tendo apurado a esse título a quantia de € 3.689.506,30.

 

Posteriormente, em 31 de Maio de 2017, apresentou a declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2016, tendo inscrito o montante de € 3.940.000,00 a título de CSB.

 

A Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação de IRC referente a 2016, alegando que acresceu indevidamente no campo 780 do Quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC a quantia de € 250.493,70 a título de CSB, e, simultaneamente, requereu a correção da autoliquidação de IRC do exercício de 2016, por considerar dedutível para efeitos fiscais a CSB, no montante de € 3.689.506,30, suportada por referência a esse exercício.

 

Não obstante, a reclamação graciosa foi objecto de decisão de indeferimento parcial, entendendo-se que a CSB não é dedutível como custo fiscal nos termos da alínea p) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC.

Entende a Requerente que a interpretação da alínea p) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, no sentido de não ser fiscalmente dedutível a CSB suportada no respetivo exercício, padece de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da tributação segundo o rendimento real e da capacidade contributiva, previstos nos artigos 104.º, n.º 2, e 13.º da CRP, na medida em que a concretização desses princípios constitucionais implica o reconhecimento de que todas as componentes do rendimento, quer positivas, quer negativas, tenham relevância tributária no âmbito do cálculo do lucro tributável atendível para efeitos de IRC.

 

Além de que essa norma viola o princípio da igualdade ao impedir, sem fundamento material bastante, que um custo decorrente da actividade que normalmente seria fiscalmente dedutível, não o seja quando se reporta à CBS, discriminando negativamente as entidades que suportam o pagamento desse tributo em relação aos diversos outros sectores de actividade.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita a excepção da incompetência do tribunal arbitral para conhecer do pedido, porquanto a Requerente pretende pôr em causa a legalidade da norma que prevê a CSB, e não propriamente o acto de autoliquidação em sede de IRC, além de que a CSB constitui uma contribuição financeira e não um imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária por efeito do disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pelo qual a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.

Em sede de impugnação, a Administração sustenta que a CBS teve o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados, constituindo uma receita do Fundo de Resolução. E, por outro lado, a não dedutibilidade como gasto fiscal, nos termos da alínea p) do n.º 1 do artigo 23.º-A, inscreve-se nos objectivos que presidiram à criação dessa contribuição financeira, assim se compreendendo que não lhe tenha sido dado o mesmo tratamento legislativo que outras contribuições periódicas destinadas ao financiamento do Fundo de Resolução.

 

Quanto à alegada violação do princípio da tributação das empresas segundo o rendimento real, a Autoridade Tributária invoca que o artigo 104.º, n.º 2, da Constituição não estabelece um critério absoluto de tributação, mas antes uma regra de aproximação tendencial entre a matéria coletável e os lucros efectivamente auferidos, sem excluir que possam ser desconsiderados para efeitos do apuramento da matéria colectável certos gastos, desde que não ofenda o princípio da igualdade e da justiça material, sendo que, no caso, existe um efetivo e real motivo para impedir que a CSB  seja considerada como custo fiscalmente dedutível, que se traduz na cobertura de financiamento do Fundo de Resolução.

 

Conclui no sentido da procedência das excepções dilatórias e, se assim se não entender, pela improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, a Requerente respondeu à matéria de excepção, dizendo que o pedido de pronúncia arbitral não coloca a questão da inconstitucionalidade da própria contribuição sobre o sector bancário mas a questão da inconstitucionalidade da proibição da dedutibilidade em sede de IRC dos montantes apurados a esse título, que decorre do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea p), do Código do IRC, e, por outro lado, o pedido tem por objecto um acto tributário concreto, qual seja a autoliquidação de IRC do exercício de 2016, que constitui uma pretensão relativa à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, a que se refere o artigo 2.º, alínea a), do RJAT.

 

Tendo determinado, por despacho de 12 de Outubro de 2019, o prosseguimento do processo para alegações, as partes não alegaram.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 22 de Julho de 2019.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e foi invocada a excepção da incompetência do tribunal arbitral.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.

 

A)           Em 29 de Junho de 2016, a Requerente apresentou a declaração Modelo 26 destinada à autoliquidação da contribuição sobre o sector bancário (CSB), tendo por base os resultados apurados no exercício de 2015, tendo registado a esse título a quantia de € 3.689.506,30;

 

B)           Em 31 de Maio de 2016, a Requerente apresentou a declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2017, na qual inscreveu no Campo 780 do “Quadro 07 – Apuramento do Lucro Tributável” o montante de € 3.940.000,00 a título de CSB;

 

C)           Em 28 de Dezembro de 2018, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra o acto de autoliquidação em sede de IRC referente a 2016, solicitando, por um lado, a correcção do montante inscrito na declaração de rendimentos Modelo 22 correspondente à CSB, porquanto o valor efectivamente suportado foi de € 3.689.506,30, e não de € 3.940.000,000, e invocando, por outro lado, a dedutibilidade para efeitos fiscais da CSB suportada por referência a esse exercício com fundamento na inconstitucionalidade da alínea p) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC;

 

D)           Por despacho de 7 de Fevereiro de 2019, do Chefe de Divisão do Serviço Central, praticado com delegação de competências, e notificado por ofício dessa data, a reclamação graciosa foi indeferida parcialmente;

 

E)            Nesse despacho, por remissão para a informação n.º 21-AIR1/2019, considerou-se ser de corrigir o montante inscrito no campo 780 do quadro 07 da declaração Modelo 22, por se ter verificado uma discrepância de € 260,494,00 entre o valor efectivamente suportado a título do CSB (€ 3.689.506,00) e valor inscrito para efeitos de apuramento do lucro tributável (€ 3.940.000,00). Quanto à questão de constitucionalidade suscitada, o despacho refere que não cabe à Administração apreciar a conformidade constitucional das normas jurídicas, mantendo o entendimento de que a CSB, nos termos da alínea p) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, não é dedutível para efeitos fiscais;

 

F)            A decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa foi rectificada por despacho do chefe de divisão de 21 de Fevereiro de 2019, por se ter constado um lapso material no montante a corrigir na declaração Modelo 22, que é de € 250.593,70 e não € 260,494,00;

 

G)           A Requerente procedeu ao pagamento da CBS considerada como devida, no montante de € 3.689.506,00.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária.

 

Matéria de direito

 

Incompetência do tribunal arbitral

 

5. A Autoridade Tributária suscitou a excepção da incompetência do tribunal arbitral para conhecer do presente pedido com dois diferentes fundamentos: a Requerente pretende pôr em causa a legalidade da norma que prevê a contribuição sobre o sector bancário e não propriamente o acto de autoliquidação em sede de IRC; estando em causa uma contribuição financeira e não um imposto, a pretensão da Requerente encontra-se excluída da arbitragem tributária por efeito do disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pelo qual a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.

A arguição mostra-se ser inteiramente improcedente.

A Requerente formulou um pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do acto de autoliquidação de IRC relativamente ao exercício de 2016 e da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra esse acto, pedindo a final a anulação contenciosa quer da autoliquidação de IRC quer da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

Como causa de pedir, a Requerente invocou a inconstitucionalidade da norma da alínea p) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, quando interpretada no sentido de não ser fiscalmente dedutível a contribuição sobre o sector bancário, por violação dos princípios da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva e da igualdade.

 

A referida norma do artigo 23.º-A do CIRC, sob a epígrafe “Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais”, na parte que mais interessa considerar, determina o seguinte:

 

1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

(…)

p) A contribuição sobre o sector bancário;

(…).

 

A norma insere-se nas disposições gerais relativas à determinação do lucro tributável das pessoas colectivas, concretizando especificamente quais os encargos que não são dedutíveis para efeitos fiscais. Entre esses encargos encontra-se a contribuição sobre o sector bancário e a questão que vem colocada no pedido arbitral é a de saber se a não dedutibilidade desse tipo de encargo é susceptível de violar a Constituição.

Não está em causa, como é bem de ver, a constitucionalidade da contribuição sobre o sector bancário, mas a constitucionalidade de uma norma do CIRC que regula o apuramento do lucro tributável das pessoas colectivas.

Por isso mesmo, o pedido arbitral não se dirige contra a exigência legal do pagamento da contribuição sobre o sector bancário, mas contra o acto de autoliquidação em IRC e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esse acto, na parte em que tomam em consideração a não dedutibilidade para efeitos fiscais do encargo suportado com essa contribuição.

É assim claro que o pedido arbitral se reporta à conformidade legal de um acto de autoliquidação em IRC e de um acto de segundo grau a ele referente, e tem por base uma norma do CIRC e não qualquer das disposições que regulam a contribuição sobre o sector bancário.

Não estando em causa a constitucionalidade ou a legalidade da contribuição sobre o sector bancário não tem qualquer relevo para o caso discutir se a dita contribuição é uma contribuição financeira ou é um imposto. O que interessa reter é que os tribunais arbitrais são competentes para a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de liquidação de tributos, incluindo no tocante aos actos de autoliquidação (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT) e a Portaria de Vinculação apenas exclui da jurisdição dos tribunais arbitrais as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos do recurso à via administrativa (artigo 2.º, alínea a)), sabendo-se que não é essa a situação do caso.

O tribunal arbitral é, por conseguinte, competente para conhecer do pedido.

 

Questão de fundo

 

6. Entende a Requerente que a norma da alínea p) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, interpretada no sentido de não ser fiscalmente dedutível a contribuição sobre o sector bancário, suportada relativamente ao exercício de 2015, padece de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da tributação segundo rendimento real e da capacidade contributiva, bem como do princípio da igualdade, consagrados no artigos 104.º, n.º 2, e 13.º da Constituição.

 

Para assim concluir, a Requerente considera, em suma, que a concretização dos princípios da tributação segundo o rendimento real e da capacidade contributiva implica que todos os custos incorridos que se encontrem relacionados com a obtenção de rendimentos devem ser dedutíveis para efeitos fiscais e qualquer desvio a essa regra terá de encontrar-se justificado através de um fundamento racional bastante. E, por outro lado, em aplicação do princípio da igualdade, a dedutibilidade dos gastos e perdas, genericamente consagrado no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, deverá ser aplicada uniformemente aos diversos sectores de actividade empresarial, pelo que a alínea p) n.º 2 do artigo 23.º-A do CIRC, ao impedir a dedução do gasto com a contribuição sobre o sector bancário relativamente às entidades sobre que incide essa contribuição viola esse princípio constitucional.

 

Sobre essa mesma questão, com os mesmos contornos de facto, pronunciou-se já em sentido negativo o acórdão proferido no Processo n.º 706/2018-T, em que se analisava pedido idêntico, formulado pela aqui Requerente, e que se referia ao período de tributação de 2015.

E não há motivo para alterar agora o entendimento que foi aí sufragado. 

Num primeiro plano de análise, não pode deixar de reconhecer-se que, nos termos do artigo 23.º do CIRC, na redação resultante da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com efeitos desde 1 de janeiro de 2014, “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC” (n.º 1), especificando o n.º 2, a título exemplificativo, os gastos e perdas que se encontram abrangidos por essa cláusula geral.

 

Essa nova redação, substituindo o anterior requisito de indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos que são sujeitos ao imposto, visou implementar um maior grau de certeza na aplicação concreta dos critérios de dedutibilidade, passando a consagrar como princípio geral que são dedutíveis os gastos relacionados com actividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados, reforçando a ideia de que basta a conexão com a actividade empresarial, independentemente da efectiva contribuição para os rendimentos sujeitos a imposto (cfr. Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, 30 de junho de 2013).

Esse era, de resto, o entendimento que vinha sendo seguido pela doutrina e a jurisprudência, que apontava no sentido de que a actividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito (e não um obrigatório nexo de causalidade imediata) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento. E assim a actividade produtiva não deverá ser entendida em sentido restritivo, mas sim em sentido amplo, significando actividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos (cfr. neste sentido, com maiores desenvolvimentos, SALDANHA SANCHES, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra, 2006, pág. 215, RUI MORAIS, Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, págs. 86-87 e, entre outros, o acórdão do STA de 29 de março de 2006, Processo nº 1236/05).

O artigo 23.º-A do CIRC, aditado pela referida Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro - correspondente ao antigo artigo 42.º-, veio entretanto elencar, através de enumeração taxativa, um conjunto de encargos que, tendo sido efectiva e comprovadamente suportados pelas empresas, não podem ser levados em conta para efeito do cálculo do lucro tributável. Entre esses encargos encontram-se o IRC, incluindo as tributações autónomas, as despesas não documentadas, as despesas que não se encontrem comprovadas através dos documentos legalmente exigíveis, as despesas ilícitas, multas e coimas, os impostos, taxas e outros tributos que incidam sobre terceiros que o sujeito passivo não esteja legalmente obrigado a suportar,  e, dentro de certo condicionalismo, as ajudas de custo e os encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, e os gastos relativos à participação nos lucros por membros de órgãos sociais e trabalhadores da empresa.

 

São ainda incluídos entre os encargos não dedutíveis para efeitos fiscais a contribuição sobre o sector bancário, criada pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a contribuição sobre o sector enérgico, criada pelo artigo 228.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro, e a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica, criada pelo artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, a que se referem as alíneas p), q) e s) do n.º 1 do artigo 23.º-A, esta última aditada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro.

 

Referindo-se à correspondente disposição do artigo 42.º do CIRC, SALDANHA SANCHES sublinha que a indedutibilidade de certos custos – como os que se encontravam descritos nessa disposição – é uma opção legistativa que exige uma justificação especial, tratando-se de “normas de anti-sistémicas que se podem manter apenas com base nas razões especiais que as legitimam”.

 

Nesse sentido, os diversos dispositivos do artigo 42.º, prevendo a não dedutibilidade de encargos para efeitos fiscais, poderiam ser enquadrados, em tese geral, em três grupos: (a) normas de mera técnica de quantificação do imposto, como sucede quando se proíbe a dedução da  coleta do IRC; (b) normas que procuram evitar a dedução de custos que correspondem a actos que são reprováveis à luz do ordenamento jurídico, como é o caso das multas, coimas e despesas ilícitas; (c) normas que visam excluir os custos que se inserem na zona de confluência entre esfera privada dos sócios e esfera empresarial, tais como despesas com ajudas de custo e compensação pela deslocação do trabalhador (ob. cit., págs. 393-394).

 

Em resumo - como conclui o mesmo Autor -, a legitimação específica para instituir excepções à regra da dedutibilidade dos custos comprovados e necessários para o desenvolvimento da actividade empresarial terá de ser analisada a partir do elemento teleológico de interpretação que permita ter em conta a valoração e ponderação dos diversos interesses  que a norma pretende regular e possam revelar a razão de ser da lei (ibidem).

 

6.  A contribuição sobre o sector bancário foi criada pelo artigo 141.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011, entretanto alterada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, como uma contribuição extraordinária, tendo como sujeitos passivos as instituições de crédito com sede principal e efectiva da administração situada em território português, as filiais em Portugal de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efectiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efectiva fora da União Europeia (artigo 2.º). Tem como âmbito de incidência objectiva o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos dentro do condicionalismo previsto na alínea a) do artigo 3.º (com a redacção da Lei n.º 7-A/2016) e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos (alínea b).

 

A liquidação é efectuada pelo próprio sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, que deve ser enviada anualmente por transmissão electrónica de dados, até ao último dia do mês de Junho (artigo 5.º) e paga até ao último dia do prazo estabelecido para o envio da declaração, sendo o pagamento efectuado nos termos do n.º 1 do artigo 40.º da Lei Geral Tributária (artigo 6.º).

 

Importa ainda notar que a CSB constitui receita do Fundo de Resolução, criado mediante a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro, ao Regime das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (artigo 153.º-F, alínea a)) e definido como pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, que funciona junto do Banco de Portugal (artigo 153.º-B). O Fundo tem por objecto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas (artigo 153.º-C) e nele participam obrigatoriamente, entre outras entidades, as instituições de crédito com sede em Portugal (artigo 153.º-D).

 

O próprio Relatório do Orçamento de Estado para 2011 explica a génese da contribuição sobre o sector bancário em termos suficientemente elucidativos quanto aos objectivos que se pretendiam atingir, aí se afirmando (pág. 73):

 

«A Proposta do Orçamento do Estado para 2011 procede ainda à criação de uma contribuição sobre o sector bancário na linha daquelas que foram já́ introduzidas noutros Estados Membros, com o propósito de aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera o resto da economia e de o fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos, protegendo também, assim, os trabalhadores do sector e os mecanismos de segurança social.

A contribuição incide, assim, sobre as instituições de crédito com sede principal e efectiva da administração situada em território português, sobre as filiais de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efectiva da administração em território português e sobre as sucursais, instaladas em território português, de instituições de crédito com sede principal e efectiva da administração em Estados terceiros».

Face ao regime jurídico sucintamente descrito, a CSB tem por base uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto dos regulados à respectiva entidade ou agência de regulação. Não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a Administração dirija aos respectivos sujeitos passivos, nem se caracteriza como um imposto, pois que não se verifica o requisito de unilateralidade: não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita (não se destina a que «as instituições participantes concorram para os gastos da comunidade, em cumprimento de um qualquer dever de solidariedade»), antes se pretendendo que o sector financeiro contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua actividade.

 

E a sua natureza não é afastada pela circunstância de as receitas provenientes da CSB serem consignadas ao Fundo de Resolução, porquanto o Fundo tem por objecto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas pelo Banco de Portugal e visa a prevenção dos riscos sistémicos do sector bancário. Esse mesmo objectivo é assinalado na nota preambular da Portaria nº 121/201, onde se refere que os elementos essenciais da CSB são definidos «em termos semelhantes aos de contribuições já introduzidas por outros Estados membros da União Europeia, com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados».

 

Como se concluiu no acórdão do STA de 19 de Junho de 2019 (Processo n.º 02340/13), a motivação legislativa constante dos diplomas que regularam a contribuição para o sector bancário e o Fundo de Resolução legitima a ilação de a contribuição visou, em primeiro lugar e desde o início, atenuar as consequências resultantes das intervenções públicas no sector financeiro, face à situação de crise financeira então desencadeada no âmbito desse mesmo sector, reconduzindo-se a um instrumento de apoio na prevenção dos inerentes riscos do sistema, não se destinando a colmatar necessidades genéricas de financiamento do Estado.

 

Trata-se, nestes termos, de um tributo que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efectiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades financeiras das entidades desse sector, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira.

 

E nesse mesmo sentido se pronunciaram as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 347/2017-T e 182/2019-T.

 

7. Efectuado o enquadramento dos encargos não dedutíveis para efeitos fiscais em sede de IRC e definidos o âmbito de incidência, os objectivos e a natureza jurídica da contribuição para o sector bancário, é o momento de enfrentar as questões de constitucionalidade que vêm suscitadas pela Requerente.

 

A Requerente associa o princípio das tributação segundo o rendimento real e o princípio da capacidade contributiva, declarando que o primeiro desses princípios exige que o imposto incida sobre o rendimento efectivamente auferido e, como necessária consequência, haverá lugar à dedução para efeito do apuramento do lucro tributável de todos os custos incorridos que se relacionem com a obtenção de rendimentos, concluindo que a contribuição para o sector bancário corresponde um custo legalmente imposto de que depende o exercício da actividade bancária, pelo que a sua desconsideração para efeitos fiscais conduz à violação de qualquer desses princípios constitucionais.

 

Esses dois princípios não são, no entanto, inteiramente equivalentes.

O princípio das tributação segundo o rendimento real encontra-se consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição e dele decorre que a determinação do lucro tributável das empresas deva assentar fundamentalmente na respectiva contabilidade, como meio de dar a conhecer a situação económica das empresas, e tem em vista assegurar que o sistema fiscal permita efectuar o controlo dos rendimentos numa medida aproximada à realidade existente.

A tributação segundo o rendimento real corresponde a um quadro típico ou caracterizador do sistema fiscal que não exclui que possa encontrar-se sujeito a desvios que se mostrem justificados no plano constitucional, e que não pode deixar de atender aos princípios de praticabilidade e de operacionalidade do sistema (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 162/2004).

O lucro tributável para efeitos de IRC assenta, por isso, no resultado contabilístico, ao qual o legislador tributário introduz as correcções extracontabilísticas necessárias para tomar em consideração os objectivos e condicionalismo próprios do direito fiscal, e, como o Tribunal Constitucional tem reconhecido, o rendimento fiscalmente relevante não constitui uma realidade de valor materialmente apreensível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável (cfr. acórdão n.º 162/2004 e, na doutrina, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 301).

Por outro lado, o princípio da capacidade contributiva não carece dum específico e directo preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respectiva “constituição fiscal” e, em especial, aqueles que decorrem já dos princípios estruturantes do sistema fiscal que constam dos artigos 103º e 104º da Constituição (CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 5ª edição, Coimbra, 2009, pág. 152).

Conforme refere este Autor, o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)» (ob. cit., págs. 151-152).

Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva – dentro da mesma linha de entendimento - «afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objecto e matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto» (idem, pág. 154).

Também o Tribunal Constitucional, mais recentemente, tem analisado o princípio da igualdade fiscal sob o prisma da capacidade contributiva, como se pode constatar designadamente no acórdão n.º 142/2004, onde se consigna que «[o] princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação».

O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adoptadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará «a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objecto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo».

O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adoptar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema.

Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 306/2010 e n.º 695/2014).

8. Revertendo à situação do caso, cabe fazer notar que a contribuição sobre o sector bancário foi criada como uma contribuição extraordinária, incidente sobre as instituições de crédito, tendo em vista, à semelhança de outras medidas de idêntica natureza já instituídas por outros Estados Membros da União Europeia, aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera a restante actividade empresarial e de fazer contribuir de forma mais intensa para a consolidação das contas públicas e para a prevenção dos riscos sistémicos que lhe estão associados.

 

Assim se compreendendo que as receitas provenientes da contribuição se encontrem consignadas ao Fundo de Resolução criado junto ao Banco de Portugal para assegurar o apoio financeiro necessário às medidas que esta instituição tenha de implementar no âmbito da regulação do sector.

 

E como se concluiu no citado acórdão do STA de 19 de Junho de 2019, o propósito legislativo que esteve na base dos diplomas que regularam a contribuição para o sector bancário e o Fundo de Resolução teve sobretudo em vista mitigar as consequências resultantes das intervenções públicas no sector financeiro, face à situação de crise financeira então desencadeada no âmbito do sector, não se destinando a satisfazer as necessidades genéricas de financiamento do Estado.

 

Por isso se entende – como antes se expôs – que a contribuição sobre o sector bancário tem a natureza jurídica de uma contribuição financeira, com um âmbito de incidência delimitado a um grupo definido de destinatários, e que se destina a compensar a intervenção da entidade reguladora para prevenir riscos acrescidos que resultem do exercício da actividade bancária, e que, nesse sentido, se caracteriza como uma contribuição com uma finalidade extrafiscal que tem também em vista modelar e orientar as condutas dos sujeitos passivos (sobre esta modalidade de contribuições, SUZANA TAVARES DA SILVA, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, Coimbra, 2008, págs. 48-53).

 

Como se deixou entrever, a limitação à dedução de encargos, como excepção à regra geral da dedutibilidade dos gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo, assenta em diversos critérios legislativos que vão desde a mera técnica de quantificação do imposto, como sucede quando se exclui da dedução a colecta de IRC, a medidas de carácter sancionatório, quando se visa evitar a imputação ao resultado do exercício dos gastos decorrentes da prática de infracções, ou a medidas de combate à fraude e evasão fiscais, quando se desconsideram despesas não documentadas ou gastos que podem corresponder a uma forma encapotada de pagamento de remunerações.

 

Relativamente à contribuição sobre o sector bancário nada permite concluir que o legislador não tivesse pretendido seguir o primeiro dos critérios legislativos indicados, já aplicável à colecta de IRC, tendo em vista evitar que o gasto efectivo com o pagamento da contribuição pudesse ser repercutido em desfavor do Estado através da dedução para efeitos do apuramento do lucro tributável. De facto, como se deixou exposto, a contribuição sobre o sector bancário tem uma finalidade extrafiscal, assumindo não apenas uma função compensatória relativamente às medidas que a entidade reguladora possa ser forçada a adoptar no âmbito da actividade bancária, como também uma função moderadora dos comportamentos das instituições bancárias, além de que serve também para assegurar a aproximação em termos de carga fiscal a outros sectores da actividade económica.

 

Em todo este contexto, não pode deixar de reconhecer-se que subsiste uma justificação plausível para a não dedutibilidade do encargo como meio de evitar a redução do impacto financeiro que a medida legislativa pretende alcançar. E não pode ignorar-se que o legislador adoptou idêntico tratamento legislativo em relação à contribuição para o sector energético, que igualmente em vista financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, e à contribuição sobre a indústria farmacêutica, que tem por objetivo garantir sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde na vertente dos gastos com medicamentos.

 

Não há, por isso, motivo para considerar verificada a inconstitucionalidade da norma da alínea p) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, por violação do princípio da tributação segundo o rendimento real e do princípio da capacidade contributiva.

 

9. A Requerente alega ainda que a norma da alínea p) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, interpretada no sentido de não ser fiscalmente dedutível a CSB suportada no respetivo exercício, viola o princípio da igualdade, discriminando sem fundamento material bastante, as instituições bancárias que suportam o pagamento desse tributo relativamente aos diversos outros sectores da actividade empresarial que beneficiam do regime de dedutibilidade dos gastos para efeitos fiscais.

 

Na dimensão agora enunciada, a violação do princípio da igualdade reconduz-se à desigualdade de tratamento de um grupo de destinatários da norma em relação a outro grupo de destinatários, não obstante a inexistência de qualquer diferença justificativa do tratamento desigual. O problema central traduz-se na escolha e justificação do critério distintivo que há-de servir de base à comparação das situações a tratar pela lei. E, nesta específica vertente, o princípio da igualdade identifica-se com a proibição do arbítrio, ou seja, ao legislador está vedado introduzir discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional ou para a qual se não se encontre um fundamento objectivo evidente ou onde se não detecte um mínimo de coerência entre os objectivos prosseguidos e os resultados previsíveis (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 306/2010 e n.º 695/2014, e, na doutrina, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, págs. 290-291; REIS NOVAIS, Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, pág. 111).

 

A diferenciação arbitrária é, em suma, a que não possa ser fundamentada à luz de um critério inteligível ou racionalmente apreensível, congruente com valores constitucionalmente relevantes (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 166/2010).

 

Ora, no caso em análise, o legislador fez incidir a contribuição para o sector bancário sobre um grupo definido de destinatários e com objectivos claramente definidos que só poderiam reflectir-se no âmbito da actividade bancária (cfr. supra 6.). A não dedutibilidade do encargo suportado com a contribuição corresponde, por outro lado, a uma opção legislativa que se encontra justificada pela própria natureza jurídica e finalidade extrafiscal do tributo (cfr. supra 7.).

 

Não pode estabelecer-se, por isso, um qualquer termo de comparação entre a generalidade das entidades empresariais e as instituições de crédito que integram o âmbito específico de incidência subjectiva da contribuição sobre o sector bancário. E o que está em causa não é o princípio da dedutibilidade dos gastos incorridos pelo sujeito passivo a que se refere o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, que é igualmente aplicável à Requerente, mas a não dedução de certos encargos, como os que se encontram descritos no artigo 23.º-A, n.º 1, e que no caso da contribuição sobre o sector bancário tem por base um fundamento material bastante.

 

Não ocorre, por isso, a invocada violação do princípio da igualdade.

 

Pedidos de conhecimento prejudicado

 

Havendo de julgar-se improcedente o pedido arbitral, ficam necessariamente prejudicados os pedidos de reembolso do imposto indevidamente pago e de condenação em pagamento de juros indemnizatórios.

 

III – Decisão

Termos em que se decide:

a)            Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral;

b)           Declarar prejudicados os pedidos de reembolso do imposto indevidamente pago e de condenação em pagamento de juros indemnizatórios.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 3.689.506,30, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 46.818,00, que fica a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 15 de Janeiro de 2020

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

Sampaio e Nora

 

O Árbitro vogal

Nuno Cunha Rodrigues