Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 152/2019-T
Data da decisão: 2019-09-18  IMT  
Valor do pedido: € 320.595,28
Tema: IMT - Isenção; Revogação; Destino diferente.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Ana Teixeira de Sousa e Raquel Franco, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 06 de março de 2019, A..., S.A., NIPC..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto Municipal sobre Transmissão Onerosas de Bens Imóveis (doravante,“IMT”) n.º..., com data de 12-12-2018, e respectivos juros compensatórios, no montante global de €295.131,82 e do acto de liquidação de IMT n.º..., com data de 12-12-2018, e respectivos juros compensatórios, no valor global de €25.463,56.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:

 

i.             Erro sobre os pressupostos de facto e de direito;

ii.            A fundamentação externada pela AT não é suficiente para que se considere ter sido atribuído um destino diferente à totalidade dos imóveis em causa;

iii.           Erro na determinação da base tributável, nas liquidações de IMT correspondentes às fracções individualizadas pelas letras “T”, “Z”, “AA”, “AD”, “AE”, “AF”, “AH”, “AI”, “AJ”, “AL” (eliminada), “AM”, “NA”, “AO” e “AP”, “U”, “AC”, “AB” e “X”.

 

3.            No dia 07-03-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 26-04-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 16-05-2019.

 

7.            A Requerida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou a sua resposta, tendo junto o processo administrativo.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é uma sociedade anónima cujo objecto social consiste no exercício da actividade de prestação de serviços de alojamento mobilado a turistas, exploração de estabelecimentos hoteleiros com restaurante, promoção imobiliária/desenvolvimento de projectos imobiliários, prestação de serviços de arquitectura, elaboração de estudos e projectos, compra e venda de imóveis ou de direitos sobre os mesmos e revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento, gestão e administração de imóveis, bem como a urbanização de terrenos para construção.

2-            Em 27-12-2013, a Requerente celebrou com o B..., S.A. um contrato de locação financeira, pelo prazo de 15 anos, que tinha por objecto, entre outras, as 37 fracções autónomas do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ... (Lisboa), a que corresponde, actualmente, o artigo ... da freguesia de ... (Lisboa) (doravante “Prédio da Rua da ...”).

3-            Em 27-05-2015, foi celebrada uma escritura pública pela qual a Requerente e o B..., S.A. acordaram, na qualidade de locatária e de locador, respectivamente, a resolução do referido contrato de locação financeira.

4-            Em simultâneo, a Requerente adquiriu ao B..., S.A. as 37 fracções autónomas, pelo preço de €4.321.745,68.

5-            A transmissão onerosa da propriedade do Prédio da Rua da ..., a favor da Requerente, foi isenta de IMT, nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do CIMT, por se tratar de imóvel adquirido com a finalidade de revenda.

6-            O Prédio da Rua da ... encontrava-se degradado pela passagem do tempo e pela ausência prolongada de utilização.

7-            Durante o ano de 2014, tiverem início as obras no Prédio da Rua da ... .

8-            As obras a que o Prédio da Rua da ... foi sujeito, entre 2014 e 2015, visaram dotá-lo das condições para uma normal utilização e efectuar as adaptações necessárias para o exercício da actividade de alojamento local.

9-            Considerando a natureza dos serviços de alojamento local, a afectação das fracções teria de ser alterada para habitacional.

10-         À data da escritura de compra e venda, as fracções não dispunham de certificado energético e de qualidade do ar interior, uma vez que ainda não se encontravam concluídas as obras.

11-         Os pedidos de alteração da afectação do edifício e de licenciamento das respectivas obras foram efectuados quando o prédio ainda era propriedade do B...,S.A.

12-         Conforme o Alvará de obras n.º .../EO/2014, emitido pela Câmara Municipal de Lisboa, em 29-09-2014, foi aprovada uma obra de alteração na qual, além de ser mantida a área de implantação (482m2) e os pisos acima e abaixo da cota soleira (5), existia, ainda, a obrigação de “manutenção da(s) fachada(s) e empena(s)”.

13-         Até ao início das obras, o Prédio da Rua da ... encontrava-se divido da seguinte forma:

             Uma fracção afecta ao comércio/indústria ou serviços (Fracção B);

             Duas fracções para arrecadações e arrumos – sótãos (Fracções F e G);

             Três fracções afectas a serviços – escritórios (Fracção C, D e E);

             Trinta e uma fracções afectas a estacionamento coberto.

14-         Na primeira escritura de alteração da propriedade horizontal, celebrada em 25-11-2015, consta o seguinte: “o edifício em causa está a ser sujeito a obras de conservação e alteração (...) destinadas à sua exploração como estabelecimento de alojamento local, que implica a manutenção do exterior e remodelação do interior do imóvel, mantendo a estrutura existente no edifício e introduzindo a função habitacional do mesmo, e mantendo os pisos enterrados como estacionamento”.

15-         Foi criada uma nova fracção, identificada como “AQ”, afeta a estacionamento coberto.

16-         O Prédio da Rua da ... passou a ser composto por trinta e nove fracções autónomas distribuídas da seguinte forma:

             Uma fracção situada no piso 0 destinada a comércio;

             Dezoito fracções localizadas nos pisos superiores, destinadas a habitação;

             Vinte fracções situadas nos pisos abaixo do solo, destinadas a estacionamento.

17-         Depois da conclusão da obra foi necessário proceder a pequenas alterações decorrentes da implantação do projecto no edifício bem como acertos de natureza técnica decorrentes da instalação de equipamentos de segurança nas partes comuns do prédio.

18-         Tais alterações determinaram a redistribuição de espaços das zonas comuns, o que implicou a alteração da configuração e afectação de alguns lugares de estacionamento, que constituem partes comuns, ao uso exclusivo das fracções autónomas e a eliminação da fracção autónoma “AL” correspondente ao estacionamento 15.

19-         A alteração das permilagens e dos valores atribuídos a cada uma das fracções autónomas resultou do facto de ter sido eliminada a fracção “AL” e, consequentemente, o imóvel ter passado a ser constituído por 38 fracções autónomas.

20-         Com a conclusão das obras iniciadas em 2014, o prédio deixou de ter como principal afectação o comércio e serviços para passar a ter uma afectação primordialmente habitacional.

21-         Em 01-12-2015, a Requerente entregou 20 declarações Modelo 1 de IMI.

22-         A Requerente procedeu de forma faseada à revenda de 19 fracções autónomas do prédio da Rua da ...:

a)            Fração autónoma individualizada pela letra “B”, alienada mediante documento particular autenticado de compra e venda em 29 de dezembro de 2016;

b)           Fração autónoma individualizada pela letra “C”, alienada mediante escritura pública de compra e venda celebrada em 18 de maio de 2016;

c)            Fração autónoma individualizada pela letra “D”, alienada mediante escritura pública de compra e venda celebrada em 18 de maio de 2016;

d)           Fração autónoma individualizada pela letra “E”, alienada mediante escritura pública de compra e venda celebrada em 14 de julho de 2017;

e)           Fração autónoma individualizada pela letra “F”, alienada mediante documento particular autenticado de compra e venda em 21 de abril de 2016;

f)            Frações autónomas individualizadas pelas letras “G” e “R”, alienadas mediante escritura pública de compra e venda celebrada em 22 de abril de 2016;

g)            Fração autónoma individualizada pela letra “H”, alienada mediante documento particular autenticado de compra e venda em 21 de abril de 2016;

h)           Fração autónoma individualizada pela letra “I”, alienada mediante documento particular autenticado de compra e venda em 21 de junho de 2016;

i)             Fração autónoma individualizada pela letra “J”, alienada mediante documento particular autenticado de compra e venda em 21 de abril de 2016;

j)             Frações autónomas individualizadas pelas letras “L” e “M”, alienadas mediante documento particular autenticado de compra e venda em 21 de abril de 2016;

k)            Fração autónoma individualizada pela letra “N”, alienada mediante escritura pública de compra e venda celebrada em 22 de junho de 2016;

l)             Fração autónoma individualizada pela letra “O”, alienada mediante escritura pública de compra e venda celebrada em 21 de abril de 2016;

m)          Fração autónoma individualizada pela letra “P”, alienada mediante documento particular autenticado de compra e venda em 21 de abril de 2016;

n)           Fração autónoma individualizada pela letra “Q”, alienada mediante escritura pública de compra e venda celebrada em 29 de setembro de 2016;

o)           Fração autónoma individualizada pela letra “S”, alienada mediante escritura pública de compra e venda celebrada em 30 de novembro de 2016;

p)           Fração autónoma individualizada pela letra “V”, alienada mediante escritura pública de compra e venda celebrada em 22 de abril de 2016;

q)           Fração autónoma individualizada pelas letras “AG”, alienada mediante escritura pública de compra e venda celebrada em 22 de abril de 2016.

23-         As fracções autónomas “U”, “X”, “AB” e “AC” foram vendidas para revenda.

24-         Em 27-05-2018, a Requerente era titular do direito de propriedade sobre 14 fracções autónomas: 13 destinadas a estacionamento, e uma a habitação:

 

25-         As fracções individualizadas pelas letras “T”, “Z”, “AA”, “AD”, “AE”, “AF”, “AH”, “AI”, “AJ”, “AL” (eliminada), “AM”, “NA”, “AO” e “AP” do prédio da Rua da ... não foram revendidas no prazo de três anos, previsto no n.º 5 do artigo 11.º do CIMT.

26-         Através dos Ofícios n.º ... e ..., de 19-09-2018, o Serviço de Finanças de Lisboa ..., notificou a Requerente para, querendo, se pronunciar sobre a caducidade de isenção de IMT, de que beneficiou a aquisição das várias fracções do Prédio da Rua da ... . Do referido Ofício constava o seguinte:

 

27-         A Requerente não apresentou direito de audição.

28-         Através dos Ofícios n.º ... e ..., de 30-10-2018, assinados pela Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças de Lisboa ..., foi comunicada à Requerente a caducidade da isenção de IMT concedida aquando da aquisição das fracções do prédio da Rua da ....

29-         A Requerente foi notificada da liquidação de IMT n.º..., no valor de €295.131,82 e da liquidação de IMT n.º..., no valor de €25.463,56.

30-         A Requerente procedeu ao pagamento das referidas liquidações em 14-12-2018 e 12-12-2018, respectivamente.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

Tendo a Requerente procedido à aquisição do prédio descrito na matéria de facto, com intenção de revenda, e beneficiado tal aquisição de isenção de IMT, nos termos do art.º 7.º do CIMT, conforme estão de acordo as partes na presente acção arbitral, a questão decidenda consiste em apurar o sentido da expressão “destino diferente”, constante da norma do art.º 11.º, n.º 5 do CIMT, e na sua aplicação ao caso concreto.

                A redacção da norma referida é a seguinte:

“A aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.”.

                Questão análoga foi objecto de apreciação no Acórdão do STA de 17-09-2014, proferido no processo n.º 01626/13 , citado pela Requerente.

                Vejamos então.

 

*

                O referido Acórdão entendeu, em suma, que “Para efeitos de caducidade da isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) que decorre da conjugação das normas contidas nos arts. 7º e 11º nº 5 do CIMT (isenção pela aquisição de prédios para revenda), não importa se o imóvel adquirido é ou não revendido no preciso estado em que foi adquirido; o que importa é que não haja uma metamorfose ou alteração substancial do bem que foi adquirido para revenda.”.

                O dissídio sub iudice radica em apurar se no caso sub iudice se verificou “uma metamorfose ou alteração substancial do bem que foi adquirido para revenda”, entendendo a Requerente que não, e entendendo a Requerida que sim.

                O entendimento do que seja “uma metamorfose ou alteração substancial do bem que foi adquirido para revenda” deverá, em primeira linha procurar-se na fundamentação do acórdão em apreço.

                Compulsado o mesmo, verifica-se que pelo STA foi entendido que a questão ali apreciada consistia em apurar se “nos casos em que o imóvel adquirido é constituído por um terreno com um edifício habitacional já em construção ou remodelação (seja em tosco, seja em adiantada fase de construção/remodelação) a expressão para revenda exige que o imóvel seja alienado tal como existia aquando da aquisição, afastando, assim, a possibilidade de realização de uma multiplicidade de obras indispensáveis à conclusão do edifício (com excepção de obras de natureza ligeira, isto é, de mera reparação e/ou conservação) ou admite a possibilidade de realização de todas as obras necessárias à ultimação da sua construção, por forma a acabá-lo, licenciá-lo para o referido destino, constituir a propriedade horizontal e alienar as respectivas fracções autónomas.”.

                Como se vê, a decisão referida pronunciou-se expressamente sobre situações em que esteja em causa um terreno com um edifício habitacional em remodelação (seja em tosco, seja em adiantada fase de construção/remodelação), esclarecendo-se, mais adiante, que o caso julgado pelo STA se referia a uma situação em que “o imóvel era constituído por um terreno onde se encontrava já implantado um edifício destinado à habitação, devidamente licenciado e em avançada fase de construção/remodelação”.

                Compulsada a matéria de facto provada no presente processo arbitral, verifica-se que a situação dos autos não se reconduz, exactamente, à situação apreciada no acórdão em questão, uma vez que no caso sub iudice está em causa um edifício com fracções destinadas a estacionamento, comércio, escritórios e arrecadação, mas que, à data da aquisição, já se encontrava em remodelação (em adiantada fase remodelação), sendo ainda que as obras de remodelação, à data da aquisição, estavam já devidamente licenciadas para o destino que veio a ser o final.

                Não obstante poder ficar, de alguma forma, afastada a possibilidade de uma aplicação directa do acórdão em questão ao caso sub iudice, bem como a possibilidade de contradição entre aquele e o que aqui se decidir, as considerações gerais e doutrinais expendidas no mesmo aresto deverão ser ponderadas e, presumindo-se como evidenciadoras do que seria entendimento daquele Supremo Tribunal na situação ora em causa, obter o devido acolhimento.

                Prosseguindo na leitura da decisão judicial em análise, verifica-se que na mesma se esclarece que se o bem adquirido para revenda “é constituído por um terreno com um edifício habitacional já em construção, as obras feitas pelo comprador para a finalização dessa construção, de modo a vender o terreno com o edifício já acabado (ou a vender as suas fracções autónomas), não representa uma transfiguração ou alteração substancial da afectação do imóvel adquirido para revenda, não representa, em suma, um “destino diferente” da revenda do imóvel adquirido.”, asserção que é transponível para o presente caso, porquanto o imóvel aqui em causa, não era já objecto, à data da sua aquisição pela Requerente, das obras de remodelação.

                No seguimento, é então afirmado que “só constitui destino diferente a «alteração substancial» do prédio adquirido, nomeadamente a transformação de um prédio rústico em prédio urbano (pela compra de um terreno e posterior construção nele de um edifício para venda) ou a demolição de uma casa de habitação e posterior venda do terreno para construção”. Ora, neste estrito sentido, a situação aqui em juízo não integrará uma “«alteração substancial» do prédio adquirido”, dado que nem estamos perante “a transformação de um prédio rústico em prédio urbano”, nem perante “a demolição de uma casa de habitação e posterior venda do terreno para construção”, estando presentemente em causa a aquisição de um prédio urbano, com um edifício que foi remodelado em determinados termos descritos na matéria de facto.

Ora, a situação sub iudice  não só não se reconduz aos exemplos dados no acórdão do STA de “«alteração substancial» do prédio adquirido”, como se reconduz, igualmente, aos exemplos subsequentes de situações em que tal alteração substancial não se verifica, ou seja, casos de “o prédio adquirido (terreno com um edifício habitacional ainda em tosco) ter sido revendido em estado diverso por força das obras de acabamento do edifício, da constituição em propriedade horizontal e da revenda das respectivas fracções autónomas.”.

Ou seja, o que se verifica é que o prédio foi revendido em estado diverso, por força da finalização das obras que já estavam em curso, e da constituição da nova propriedade horizontal.

Prossegue ainda o aresto em questão referindo que “só nos casos em que o edifício residencial adquirido em construção é sujeito a obras para alcançar uma afectação ou utilização completamente distintas (como aconteceria no caso de ser alterado para um edifício industrial, comercial ou escolar, que implicam obras de transformação profundas e uma mutação susceptível de configurar uma alteração substancial do imóvel, designadamente em termos de utilização) ou nos casos em que, ainda que mantendo a afectação habitacional, o edifício é sujeito a obras substanciais que o transformam em algo bem diverso daquilo que constava da licença de construção em vigor à data da aquisição, é possível afirmar que as obras realizadas pelo adquirente são idóneas a desviar o destino declarado: - a revenda de terreno com o edifício habitacional nele implantado ao abrigo de determinado projecto e licença de construção), integrando, assim, o conceito legal de “destino diferente””.

Na passagem transcrita, estão em causa casos de edifícios residenciais adquiridos em construção, tal como nos presentes autos, pelo que serão de aplicar in casu as considerações em questão.

Aqui chegados, pode-se concluir que, na perspectiva do acórdão analisado, preencher-se-á o conceito legal de “destino diferente”, nos casos em que se verifica:

a)            a transformação de um prédio rústico em prédio urbano; ou

b)           a demolição de uma casa de habitação e posterior venda do terreno para construção;

c)            que um edifício residencial adquirido em construção é sujeito a obras para alcançar uma afectação ou utilização completamente distintas (como aconteceria no caso de ser alterado para um edifício industrial, comercial ou escolar); e

d)           que um edifício residencial adquirido em construção, ainda que mantendo a afectação habitacional, é sujeito a obras substanciais que o transformam em algo bem diverso daquilo que constava da licença de construção em vigor à data da aquisição.

Posto isto, fácil é de ver que a situação em questão nos presentes autos de processo arbitral não se integra em qualquer dos exemplos apresentados pelo STA como situações em que será possível dar por preenchido o conceito legal de “destino diferente”, essencialmente porquanto o destino que foi dado ao imóvel era aquele que estava previsto no licenciamento das obras, que já estavam muito adiantadas à data da aquisição.

Acresce que é ainda possível extrair da fundamentação do acórdão em causa, um subsídio adicional para o esclarecimento da questão que ora se apresenta a decidir.

Efectivamente, citando o acórdão fundamento , refere-se o seguinte:

“Como assinala Nuno Sá Gomes, in CTF 380, págs. 488 e segts., o fundamento da isenção em causa está na circunstância de os prédios adquiridos se manterem, como mercadorias, no activo permutável da empresa tributada pelo exercício da actividade de aquisição de prédios para revenda, «não sendo esta característica afectada pelo acabamento dos prédios adquiridos, ainda em construção, e pela constituição posterior da propriedade horizontal».

Como, aliás, acontece com a aquisição de prédios rústicos adquiridos para revenda e posterior loteamento com venda por lotes, não obstante as numerosas obras que, em geral, tal operação implica, desde a construção da rede viária ao saneamento básico.

Ao contrário do sentenciado, não se está, assim, face a matérias-primas adquiridas para transformação em mercadorias – cfr. DL nº 410/89, de 21 de Novembro - mas antes de mercadorias integrantes do activo permutável da empresa.

Pelo que sendo a sisa um imposto sobre o património ou sobre a riqueza - cfr. o art. 1º do Código de Sisa e o Ac. do STA de 06/10/1999 rec. 23.831 - não deve tributar a venda de elementos do activo permutável, sujeita, antes, a impostos sobre o rendimento.”.

                Ou seja, reitera o STA o entendimento anterior, segundo o qual o critério fundamental para a aferição da existência de um “destino diferente”, radica na circunstância de o imóvel adquirido ter perdido a natureza de bem permutável – destinado a revenda – para assumir a natureza de “matéria-prima” – destinado a transformação.

                Será este, portanto, o critério a seguir, julga-se, para determinar se, in casu, se verifica, ou não, que ao prédio em questão na presente acção arbitral foi dado um “destino diferente”, sendo certo que essencial será, não a forma como o bem foi contabilizado nas existências do sujeito passivo (como activo circulante, ou como matéria-prima), mas a realidade contatada, ou seja, se, de facto, o bem foi objecto de um processo económico de transformação, ou se, pelo contrário, a intervenção efectuada assumiu um carácter acessório, de optimização do bem para a sua rentabilização no mercado.

                A questão que se coloca, portanto, é a de julgar se a actividade levada a cabo pela Requerente, após a aquisição dos imóveis, é uma actividade economicamente significativa, que alterou o bem adquirido em termos de se poder dizer que o que vem a ser colocado no mercado é um outro bem, transformado, ou se, pelo contrário, aquela actividade se limitou a preparar o mesmo bem adquirido, de modo a maximizar o seu valor aquando da sua revenda.

                À luz dos critérios plasmados no Acórdão do STA de STA de 17-09-2014, proferido no processo n.º 01626/13, previamente analisado, dever-se-á concluir que a intervenção operada pela Requerente não deverá qualificar-se como tendo dado um “destino diferente” ao bem imóvel que adquiriu.

                Com efeito, e desde logo, deverá ter-se em conta que não foi alterada a afectação do prédio que constava já do Alvará de obras n.º .../EO/2014, cuja execução a Requerente se limitou a finalizar.

                Assim, e tendo em conta a matéria de facto apurada, crê-se que, quer de um ponto de vista material, quer de um ponto de visto económico, a intervenção operada pela Requerente não se apura que tenha sido de tal molde que se deva dizer que o essencial da operação comercial de aquisição e revenda tenha sido de natureza transformadora, ou seja, que a actividade comercial executada tenha sido, na sua essência, uma actividade transformação do bem adquirido.

                Deste modo, e face a todo o exposto, julga-se que in casu, não se demonstra que tenha sido dado ao imóvel em questão no presente processo arbitral um “destino diferente”, nos termos e para os efeitos da norma do art.º 11.º, n.º 5 do CIMT, pelo que enfermará o acto tributário objecto deste mesmo processo de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo, por isso, ser anulado, procedendo, na mesma medida, o pedido arbitral .

A anulação da liquidação de imposto, acarreta, consequentemente, a anulação da liquidação de juros sobre aquele.

 

*

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta as liquidações anuladas é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que as emitiu sem o necessário suporte legal.

Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizada do pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular o acto de liquidação de Imposto Municipal sobre Transmissão Onerosas de Bens Imóveis (doravante, “IMT”) n.º..., com data de 12-12-2018, e respectivos juros compensatórios, no montante global de €295.131,82 e o acto de liquidação de IMT n.º..., com data de 12-12-2018, e respectivos juros compensatórios, no valor global de €25.463,56;

b)           Condenar a AT na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados.

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 320.595,28, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 5.508,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de Novembro de 2019

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Ana Teixeira de Sousa)

 

O Árbitro Vogal

(Raquel Franco)