DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Dr. Augusto Vieira e Prof. Doutor Francisco José Nicolau Domingos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
Em 12 de janeiro de 2019, A..., S.A., doravante designada por “Requerente”, pessoa coletiva número ..., com sede no lugar de ..., freguesia de..., concelho de Barcelos, notificada da liquidação de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) referente ao ano 2016, no montante de € 211.132,45, incluindo juros compensatórios, com data limite de pagamento em 15 de outubro de 2018, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
A Requerente deduz pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade, e consequente anulação, da mencionada liquidação de retenções na fonte de IRS relativa a 2016, com fundamento na alegação de que as transferências, que perfizeram o valor de € 696.000,00, das suas contas bancárias para as contas pessoais das suas acionistas, tiveram por único objetivo a salvaguarda de uma nova tentativa de apreensão judicial promovida pela administradora da insolvência da sociedade que havia vendido à Requerente o prédio, cujo produto da venda está na origem desses valores. Contextualiza, para este efeito, que a administradora da insolvência já tinha procedido à apreensão do bem imóvel que era propriedade da Requerente, gerando um contencioso de anos até ao seu desfecho no Supremo Tribunal de Justiça (“STJ”).
Do mencionado valor, a Requerente considera, desde logo, comprovado que a importância de € 544.905,80 foi usada única e exclusivamente em seu proveito, no pagamento de encargos diversos que lhe são imputáveis.
Por outro lado, a Requerente argui que a AT não provou a existência de lucros, ou que estes tivessem sido colocados à disposição dos sócios. Para a Requerente, a AT entendeu, sem fundamento, que as quantias entregues às suas acionistas o foram a título de adiantamento por conta de lucros, enquadráveis no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do Código do IRS, sem sequer ter apelado à presunção legal prevista no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, que permite qualificar como distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros lançamentos feitos em contas correntes dos sócios.
Sendo que esta presunção também não seria aplicável por não ter sido efetuado, em 2016, qualquer lançamento na conta de sócios (conta 25 – sócios), na contabilidade da Requerente.
Assim, a AT não satisfez o ónus de alegar e provar factos-índice de que pudesse extrair aquela conclusão, de acordo com o artigo 74.º da Lei Geral Tributária (“LGT”). Com efeito, na perspetiva da Requerente, não ficou demonstrado que as transferências efetuadas se reportassem a “fundos próprios gerados em resultados”, apurados nos termos do artigo 17.º, n. 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e de acordo com os pressupostos exigidos pelo artigo 297.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais. Pelo que, em seu entender, inexiste facto tributário na esfera das acionistas, o que inquina o ato tributário impugnado de vício de violação de lei, com a consequente inexistência de obrigação de imposto. Em reforço da posição expendida invoca a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo (“TCA”) Norte, nos Acórdãos proferidos nos processos n.º 545/10.4BECBR, de 9 de junho de 2016, e n.º 865/13.6BEPRT, de 8 de março de 2018.
Termina concluindo que:
“a) Não foi provada a existência de lucros na sociedade, nem os havia, motivo pelo qual nunca a importância de € 696 000,00 poderia ser considerada como adiantamento por conta de lucros, como foi, e;
b) Mesmo que tivesse sido utilizada a presunção do nº 4 do artigo 6º do CIRS, o que não aconteceu, dos autos resulta ilidida tal presunção na medida em que parte do valor já foi utilizado em proveito da Requerente e, a parte restante, continua a fazer parte do património da mesma, conforme se verifica da IES do ano de 2017.”
A Requerente juntou 49 documentos, não requereu prova testemunhal e prescindiu da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por entender estar apenas em causa uma questão de direito.
Em 14 de janeiro de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT em 18 de janeiro de 2019.
Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação em 4 de março de 2019, não manifestaram vontade de a recusar, nos termos dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 25 de março de 2019.
Em 6 de maio de 2019, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação e impugna toda a matéria de facto alegada pela Requerente, aderindo ao Relatório de Inspeção Tributária que esteve na origem da liquidação controvertida. Contesta que a AT não se tenha baseado na presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, porquanto, ao contrário do alegado pela Requerente, tal menção consta de forma expressa do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”). Acrescenta que a Requerente transferiu para as sócias avultados montantes sem que haja qualquer tipo de justificação legal, pelo que o único enquadramento fiscal possível é o de se presumir terem sido transferidos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, nos termos do regime legal estatuído nos artigos 5.º, n.º 2, alínea h) e 6.º, n.º 4 do Código do IRS.
Propugna ainda que a Requerente não logrou fazer a prova que lhe competia, nos termos do artigo 74.º da LGT, pelo que os rendimentos são sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, em sede de IRS, à taxa liberatória de 28%, de harmonia com o disposto no artigo 71.º, n.º 1, alínea c) do Código deste imposto.
A Requerida conclui pela improcedência do pedido arbitral, com a manutenção do ato tributário impugnado na ordem jurídica e a absolvição do pedido.
Por despacho de 9 de maio de 2019, o Tribunal Arbitral dispensou, por desnecessária, a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT.
Em 15 de maio de 2019, a Requerida procedeu à junção do processo administrativo (“PA”), composto por 189 folhas e laudas, constante de um ficheiro informatizado, e manifestou não se opor à dispensa de reunião.
Em 20 de maio de 2019, o Tribunal determinou a notificação das Partes para apresentação de alegações facultativas e sucessivas.
Em 5 de junho de 2019, a Requerente produziu as suas alegações finais, nas quais mantém a posição antes assumida e reitera que não existe qualquer deliberação no sentido da atribuição de adiantamentos por conta de lucros às acionistas, tendo as verbas em causa continuado a fazer parte do património da sociedade e sido destinadas a pagar as responsabilidades da Requerente, de onde resulta também a ilisão da presunção do artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS.
Em 24 de junho de 2019, a Requerida apresentou as suas alegações, remetendo para o entendimento expresso na Resposta e salientando que as alegações da Requerente não têm a virtude de contrariar a posição já assumida.
Em 16 de setembro de 2019, a Requerente solicitou a junção da Decisão Arbitral de 6 de setembro de 2019, proferida no processo do CAAD n.º 604/2018-T, que versa sobre factualidade alegada nos presentes autos arbitrais, a qual foi admitida por se tratar de documento superveniente.
Por despacho de 20 de setembro de 2019, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer do ato de liquidação de retenções na fonte de IRS, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, tendo em conta que a data limite de pagamento da liquidação foi fixada em 15 de outubro de 2018 e que o pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 12 de janeiro de 2019.
Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
A. A sociedade anónima A..., S.A., aqui Requerente, está registada na Conservatória do Registo Comercial de Barcelos, desde 27 de fevereiro de 1998, e tem por objeto social a “gestão e promoção imobiliária e turística, investimentos loteamentos urbanos, construção de edifícios, compra e venda, revenda e administração de propriedades, incluindo arrendamentos” – cf. Documento 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) e RIT, p.2, junto com o PA.
B. Por escritura de 12 de maio de 2016, a Requerente vendeu à sociedade B..., S.A., pessoa coletiva n.º..., pelo valor de € 900.000,00, o prédio inscrito na matriz urbana da união de freguesias de ... e ..., sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º .../... . Este prédio era o único imóvel detido pela Requerente desde 2009, esgotando-se, com esta venda, o seu ativo – cf. Documento 2 junto com o ppa e RIT, pp. 2 e 11.
C. O prédio acima identificado (ponto B) havia sido adquirido à sociedade C..., LDA., pessoa coletiva n.º..., por escritura outorgada em 30 de novembro de 1998, tendo esta sido declarada insolvente em 28 de janeiro de 2009, no processo n.º .../0...TBBRG, do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos – cf. Documentos 3 a 5 juntos com o ppa.
D. A administradora da insolvência da sociedade C..., LDA. promoveu a apreensão do prédio em questão, com fundamento em alegada simulação da venda efetuada à Requerente, não obstante já terem decorrido 11 anos sobre a venda do mesmo – cf. Documentos 3 a 5 juntos com o ppa.
E. A apreensão do prédio foi impugnada judicialmente pela Requerente, que obteve ganho de causa, tendo o processo ficado concluído em 2016, por Acórdão de 25 de novembro de 2014, do Supremo Tribunal de Justiça (“STJ”), proferido no processo n.º .../0... .TBBRG-N.G2.S1. Na sequência desta decisão do STJ, foi ordenada a desapensação da ação executiva do processo de insolvência, em 23 de novembro de 2015 – cf. Documentos 3 a 5 juntos com o ppa.
F. Em 22 de março de 2016, a Requerente deliberou proceder à alienação do prédio pelo referido preço de € 900.000,00 (ponto B supra) – cf. ata n.º 23, junta como Documento 6 com o ppa.
G. Na mesma data [22 de março de 2016], foi ainda deliberado que do valor de € 100.000,00 a receber a título de sinal e de princípio de pagamento, com a assinatura do contrato promessa de compra e venda relativo ao mesmo prédio (identificado no ponto B), a importância de € 85.000,00 seria entregue à D..., S.A., para pagamento de uma dívida da Requerente ao E..., em execução no Tribunal da Comarca de Braga, no âmbito do processo n.º .../07...TBBCI, ficando o remanescente (de € 15.000,00) na Requerente – cf. ata n.º 23, junta como Documento 6 com o ppa.
H. Com a celebração da escritura de compra e venda do prédio (identificado no ponto B), em 12 de maio de 2016, a Requerente recebeu a parte restante do preço, no valor de € 800.000,00, que foi depositado na sua conta no BANCO F... . Assim, o saldo constante do extrato bancário da Requerente neste banco, que em 2 de maio de 2016 era de € 10.251,49, passou, em 13 de maio de 2016, para € 810.251,49. Depois de pagas diversas despesas da Requerente (como serviços de contabilidade, revisão oficial de contas, advocacia, salários em atraso, dívidas fiscais), em 1 de junho de 2016, esse saldo cifrava-se em € 703.775,38 – cf. Documentos 2, 7 e 8 juntos com o ppa e RIT, p. 11.
I. No decurso do mês de junho de 2016, a Requerente transferiu verbas no valor global de € 696.000,00 para as suas acionistas, nos seguintes moldes: (i) através de cheque emitido no valor de € 526.000,00 à acionista G...; (ii) por transferência de caixa, no valor de € 10.000,00, a favor da mesma acionista; (iii) por diversas transferências bancárias para as contas pessoais das acionistas G... e H..., no valor remanescente de € 160.000,00. Na sequência destas transferências a conta bancária da Requerente ficou com um saldo de € 3.262,44, com referência a 15 de junho de 2016 – cf. Documentos 7 e 8 juntos com o ppa e RIT, pp. 2 a 7 e 11.
J. Uma parte destas transferências de fundos monetários teve correspondência em lançamentos contabilísticos nas contas 2685102 – “G...” e 2685103 – “H...”, nos montantes de € 80.000,00 e € 90.000,00, respetivamente, no total de € 170.000,00 – cf. Documentos 7 e 8 juntos com o ppa e RIT, pp. 2 a 7 e 11.
K. Até à data da propositura da presente ação, do valor de € 696.000,00 transferido pela Requerente para as suas acionistas, o montante parcial de € 543.273,80 tinha sido utilizado pelas acionistas para realizar pagamentos devidos pela Requerente a terceiros, incluindo a importância de € 400.000,00, relativa ao sinal pago no âmbito de um contrato promessa de compra e venda de 6 lotes (24 a 29) pertencentes a um loteamento em curso no concelho de Lagos, celebrado, em 27 de junho de 2016, com a sociedade I..., LDA., pessoa coletiva n.º.... O valor remanescente cifra-se em € 152.726,20 – cf. Documentos 9 a 45 juntos com o ppa.
L. O contrato-promessa de compra e venda relativo aos 6 lotes sitos em Lagos, que estipulava que o preço de venda dos lotes seria de € 1.450.000,00, foi incumprido pela Requerente, que comunicou à contraparte não ter conseguido obter o financiamento para pagamento do restante valor da compra e não lhe ser possível a celebração do contrato definitivo de compra dos lotes, tendo o contrato promessa sido resolvido e a sociedade promitente vendedora ficado com a quantia de recebida a título de sinal (€ 400.000,00), por aplicação do disposto no artigo 442.º, n.º 2 do Código Civil. Este valor de € 400.000,00 foi registado pela Requerente como gasto na conta “688838 – outras penalidades” – cf. matéria de facto fixada na Decisão Arbitral n.º 604/2018-T, de 6 de setembro de 2019, e Documentos 9 a 14 e 49 juntos com o ppa.
M. As acionistas beneficiárias das transferências de meios financeiros da Requerente não ficaram credoras desta relativamente ao valor de pagamentos (materialmente) efetuados por sua conta [da Requerente] – cf. extratos das contas 2685102 e 2685103 dos anos 2015, 2016 e 2017, juntos como Documento 47 com o ppa.
N. O balanço da Requerente relativo aos exercícios de 2015, 2016 e 2017 regista os seguintes valores nas rubricas de capital próprio:
RUBRICAS 2015 2016 2017
CAPITAL REALIZADO/SUBSCRITO 50.000,00 € 50.000,00 € 50.000,00 €
RESERVAS LEGAIS 16.176,95 € 16.176,95 € 16.176,95 €
RESULTADOS TRANSITADOS (50.874,14 €) (69.136,78 €) 76.277,61 €
RESULTADO LÍQUIDO DO PERÍODO (18.262,64 €) 145.414,39 € (3.095,94 €)
TOTAL DO CAPITAL PRÓPRIO (2.959,83 €) 142.454,56 € 139.358,62 €
– cf. Documento 48 junto com o ppa.
O. Em 5 de março de 2018, foi iniciado um procedimento inspetivo externo à Requerente, determinado pela ordem de serviço OI2018..., relativa ao ano 2016, de âmbito parcial, abrangendo IRC e retenções na fonte de IRS, que resultou num Projeto de Correções, notificado pelo ofício n.º..., datado de 23 de julho de 2018, em relação ao qual a Requerente optou por não exercer direito de audição – cf. RIT, pp. 1 e 22).
P. O Projeto de relatório convolou-se em definitivo, por despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de ..., notificado pelo ofício n.º..., datado de 21 de agosto de 2018, com a manutenção das correções preconizadas que, com relevância para os presentes autos, se circunscrevem à matéria de retenções na fonte de IRS – cf. ofício constante do PA e RIT.
Q. Como fundamento das referidas correções, que ascenderam a € 194.880,00, a que posteriormente foram acrescidos € 16.252,45 de juros compensatórios, perfazendo o total de € 211.132,45, refere o RIT (junto com o PA – cf. pp. 2-8) o seguinte:
“III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável
III. 1. Retenção na Fonte de IRS
III. 1.1. Entregas efetuadas pela sociedade a acionistas
Durante o mês de junho de 2016, o sujeito passivo efetuou entregas de valores monetários a acionistas da empresa (qualidade verificada por listas de presenças de reuniões de Assembleia Geral de 22-03-2016, 01-04-2016 e 09-06-2017 […], sem que tenham sido sujeitos a qualquer tipo de tributação, nas datas e montantes relacionados no quadro abaixo, anexando-se a este relatório fotocópia dos documentos constantes na contabilidade:
Em EUR
Nº
Diário Data da
Entrega Beneficiário NIB Conta Bancária Beneficiário Valor Transferência Doc. Anexo
2-4 07-06-2016 H... […] 30.000,00 II
2-5 07-06-2016 J... (*)/G... […] 25.000,00 III
2-6 08-06-2016 J.../G... […] 15.000,00 IV
2-7 08-06-2016 H... […] 30.000,00 V
2-8 13-06-2016 H... […] 30.000,00 VI
2-9 13-06-2016 J.../G... […] 30.000,00 VII
2-11 15-06-2016 G... […] 526.000,00 VIII
2-12 30-06-2016 G... Transferência de caixa 10.000,00 IX
696.000,00
Notas:
(*)J... consta na base de dados da AT como sujeito passivo A de G..., conforme abaixo se reproduz:
[…]
III. 1.2. Transferências bancárias e cheque emitido
Como se pode verificar pelos Anexos II a IX, fotocópia dos documentos que serviram de base ao registo dos movimentos financeiros relacionados no quadro incluído no ponto anterior, com a exceção do movimento descrito no quadro como «Transferência de caixa», registado na contabilidade com o Nº Diário 2-12 na data de 30-06-2016, todos os outros movimentos foram efetuados por transferência bancária ou por emissão de cheque.
As transferências bancárias tiveram origem em conta da sociedade no Banco F... (NIB...) e teve como destino contas bancárias, identificadas nesses documentos, cujos titulares são duas acionistas da empresa – H... e G... .
De realçar que as transferências que têm como destinatário «J... / G...» se destinam à acionista G..., pois além de J... ser o seu cônjuge, nos documentos constantes na contabilidade está manuscrito «G... ».
O cheque emitido, como valor de 526.000,00 EUR foi depositado em conta bancária da acionista como se pode verificar pelo extrato da conta de que esta é titular no Banco K...[…].
Assim, os movimentos registados na contabilidade em 30-06-2016, com os números 2-4, 2-5, 2-6, 2-7, 2-8, 2-9 e 2-11, relacionados no quadro incluído no ponto anterior, refletem a entrega de valores monetários no total de 686.000,000 EUR, em contas bancárias de acionistas.
Em conta bancária da acionista G... foi entregue pela sociedade, o montante de 596.000,00 EUR (70.000,00 EUR por transferência bancária e 526.000,00 EUR por depósito de cheque) e em conta bancária da acionista H... foi entregue pela sociedade o montante de 90.000,00 EUR (por transferência bancária), conforme sistematizado, no quadro abaixo:
Em EUR
Data da entrega Acionista Valor
07-06-2016 G... 25.000,00
08-06-2016 G... 15.000,00
13-06-2016 G... 30.000,00
15-06-2016 G... 526.000,00
Total 596.000,00
07-06-2016 H... 30.000,00
08-06-2016 H... 30.000,00
13-06-2016 H... 30.000,00
Total 90.000,00
Pelo referido não há qualquer dúvida, que o montante de 686.000,00 EUR saiu de conta bancária do sujeito passivo tendo como destino contas bancárias de acionistas.
Deste modo conclui-se que estas transferências bancárias e depósito de cheque a favor de acionistas, foram efetuadas como adiantamento por conta de lucros e consequentemente enquadráveis como rendimentos de capitais, uma vez que, pertencendo tal montante à sociedade, como proveito, dele se tendo apropriado acionistas, não pode deixar de ser imputado às respetivas acionistas com[o] seus rendimentos, conforme alínea h) do nº 2 do artigo 5º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).
Não prescindindo do referido, e não sendo necessário o recurso à presunção prevista no nº 4 do artigo 6º do CIRS no enquadramento legal das entregas identificadas neste ponto, salientamos que os movimentos registados com os números 2-4, 2-5, 2-6, 2-7, 2-8 e 2-9, foram lançados a débito em contas correntes das acionistas G...(«conta 2685102 – G...») e H...(«conta 2685103 - H...», conforme se pode verificar por extratos contabilísticos que se juntam como ANEXO X, e sistematizado no quadro seguinte:
Em EUR
Nº Diário Data de contabilização Conta-corrente Valor débito
2-5 30-06-2016 2685102 – G... 25.000,00
2-6 30-06-2016 2685102 – G... 15.000,00
2-9 30-06-2016 2685102 – G... 30.000,00
2-12 30-06-2016 2685102 – G... 10.000,00
Total lançado na conta 2685102 80.000,00
2-4 30-06-2016 2685103 – H... 30.000,00
2-7 30-06-2016 2685103 – H... 30.000,00
2-8 30-06-2016 2685103 – H... 30.000,00
Total lançado na conta 2685103 90.000,00
Assim, esses valores lançados a débito em contas correntes das acionistas seriam também enquadrados como rendimentos de capital pela presunção prevista no nº 4 do artigo 6º do CIRS, que prevê que os lançamentos a favor dos sócios, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a titulo de lucros ou adiantamento dos lucros.
III. 1.3. Transferência de caixa
Em relação ao movimento descrito no quadro incluído no ponto III.1.1 como «Transferência de caixa», registado na contabilidade com o Nº Diário 2-12 na data de 30-06-2016, ANEXO IX, verifica-se que foi lançado na conta corrente da acionista G... (conta «2685102 – G...»), conforme se pode verificar por extratos contabilísticos que se juntam como ANEXO X, e o registo contabilístico foi efetuado com base em Nota de Lançamento onde consta a seguinte contabilização:
Débito Crédito Designação Valor
2685102 111 TRF p/ H.../ de caixa 10.000,00
Analisado o extrato bancário da conta da empresa, integrante do ANEXO IX., consta um movimento, deste montante, em 07-06-2016, com o descritivo «410 — Recibo de Caixa».
Nos termos do nº 4 do artigo 6º do CIRS, os lançamentos a favor dos sócios, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, enquadráveis como rendimento de capital nos termos da alínea h) do nº 2 do artigo 5º do CIRS.
Assim, a «Transferência de caixa», registada na contabilidade com o Nº Diário 2-12 na data de 30-06-2016, ANEXO IX, enquadra-se como rendimento de capital nos termos da alínea h) do nº 2 do artigo 5º do CIRS.
III. 1.4. Movimentos a crédito nas contas de acionistas
Como já referido no ponto III.1.2., e sistematizado em quadro constante desse ponto, foram efetuados lançamentos a débito em contas correntes das acionistas G...(conta «2685102 – G...») e H...(conta «2685103 – H...»).
Na conta «2685102 -G..., foram registados com a data de 30-06-2016, os movimentos com os números 2-5, 2-6, 2-9 e 2-12, no montante total de 80.000,00 EUR e na conta «2685103 - H...», foram registados com a data de 30-06-2016, os movimentos com números 2-4, 2-7 e 2-8 no montante total de 90.000,00 EUR.
Analisados os respetivos extratos de conta-corrente constata-se que nessas contas foram efetuados lançamentos a crédito do mesmo montante, conforme constante do quadro abaixo:
Em EUR
Nº Diário Data de contabilização Conta-corrente Valor crédito
2-12 30-06-2016 2685102 – G... 70.000,00
2-5 31-07-2016 2685102 – G... 10.000,00
Total lançado na conta 2685102 80.000,00
Nº Diário Data de contabilização Conta-corrente Valor crédito
2-12 30-06-2016 2685103 – H... 9.000,00
2-5 31-07-2016 2685103 – H... 81.000,00
Total lançado na conta 2685103 90.000,00
Apesar de estes movimentos contabilísticos aparentarem uma devolução do dinheiro à sociedade, tal não foi o sucedido. Esses movimentos contabilísticos corresponderam a depósitos, mas em conta bancária no banco K..., com NIB […], cuja titular é a acionista G... como se pode verificar por extratos da conta bancária, que se juntam como ANEXO XI, não correspondendo um ativo pertencente à sociedade.
III. 1.5. Conclusão
Como exposto nos pontos anteriores, durante o mês de junho de 2016, a sociedade entregou a acionistas o montante de 696.000,00 EUR, do seguinte modo:
1. 160.000,00 EUR através de transferências bancárias com origem em conta da sociedade no Banco F... […] e com destino contas bancárias de acionistas da empresa, valor enquadrável como adiantamento por conta de lucros, uma vez que, pertencendo tal montante à sociedade, como proveito, foi apropriado por acionista, sendo rendimento de capital imputável a este conforme alínea h) do nº 2 do artigo 5º do CIRS;
2. 526.000,00 EUR através de cheque emitido e depositado em conta bancária de acionista da empresa, valor enquadrável como adiantamento por conta de lucros, uma vez que, pertencendo tal montante à sociedade, como proveito, foi apropriado por acionista, sendo rendimento de capital imputável a este conforme alínea h) do nº 2 do artigo 5º do CIRS;
3. 10.000,00 EUR através de saída de caixa, lançada a débito em conta corrente de acionista, presumindo-se nos termos do nº 4 do artigo 6º do CIRS, que foram feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, porquanto não resultaram de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, enquadráveis como rendimento de capital nos termos da alínea h) do no 2 do artigo 50 do CIRS.
Assim, estas saídas de meios financeiros da empresa a favor de acionistas deverão ter o tratamento fiscal dos adiantamentos por conta de lucros (alínea h) do nº 2 do artigo 5º do CIRS) nomeadamente no previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 71º do CIRS, sendo sujeitos a retenção na fonte a título definitivo à taxa de 28%.
De acordo com o disposto no nº 2 do artigo 7º do CIRS tais rendimentos ficam sujeitos a retenção desde «o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respetivo quantitativo, conforme os casos». Assim, o imposto deveria ter sido retido no mês das entregas às acionistas (junho de 2016) e entregue até ao dia 20 do mês seguinte, conforme o previsto no nº 3 do artigo 98º do CIRS.
Pelo exposto, o sujeito passivo deveria ter efetuado uma retenção no montante de 194.880,00 EUR, conforme quadro resumo seguinte, retenção essa que deveria ter sido entregue até 20-07-2016:
Em EUR
Mês Valor entregue a acionistas Taxa retenção Retenção
Junho/2016 696.000,00 28% 194.880,00
TOTAL 194.880,00
Nestes termos, por não ter sido efetuada a retenção na fonte a título definitivo, às taxas previstas no artigo 71º do CIRS, conforme previsto no nº 2 do artigo 101º do CIRS, é originariamente responsável o substituto tributário pelo imposto não retido na fonte, de acordo com o disposto no nº1 do artigo 28º da Lei Geral Tributária (LCT).”
R. A Requerente foi notificada do ato de liquidação de retenções na fonte de IRS referente ao ano 2016, emitido sob o n.º 2018..., datado de 6 de setembro de 2018, no valor total de € 211.132,45, sendo € 194.880,00 de imposto e € 16.252,45 de juros compensatórios, com data limite de pagamento fixada em 15 de outubro de 2018 – cf. cópia do ato de liquidação junto aos autos pela Requerente.
S. Em discordância com a liquidação acima identificada (ponto Q), a Requerente apresentou no CAAD, em 12 de janeiro de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do ppa no SGP do CAAD.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que H... tenha suportado a importância de € 1.755,00 relativa a verbas pagas da responsabilidade da Requerente, tendo apenas resultado comprovado, quanto a este valor, o pagamento de € 123,00 relativo a uma fatura emitida em nome da Requerente. A parcela remanescente de € 1.632,00 respeita a pagamentos de taxas de justiça sem identificação da parte ou do processo ou qualquer elemento que os permita relacionar com a Requerente (artigo 51.º do ppa), sendo que surge num dos extratos de conta (Documento 47) um lançamento de taxa de justiça, mas com referência a uma data sem correspondência à dos documentos exibidos (Documento 45).
De referir que a Requerente invoca a IES como Documento 49 (artigo 58.º do ppa), não tendo, no entanto, procedido à junção dessa declaração, pelo que não materializou a prova do aí alegado.
Com relevo para a decisão não existem outros factos que devam considerar-se não provados.
3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais e na análise crítica da prova documental junta aos autos, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente.
A falta de contestação especificada dos factos é livremente apreciada pelo julgador, de harmonia com o disposto no artigo 110.º, n.º 7 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), pelo que o facto de a Requerida referir no seu articulado (artigo 11.º) que, genericamente, impugna toda a matéria de facto alegada pela Requerente não contraria a força probatória dos documentos carreados ao processo, cuja autenticidade e genuinidade não foram postas em causa e que, em parte, também constam do PA.
IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
1. QUESTÕES DECIDENDAS
Suscitam-se essencialmente duas questões. A primeira consiste em determinar se as saídas de meios financeiros a favor das acionistas devem ser qualificadas como adiantamento por conta de lucros e, nessa medida, como rendimento de capitais, de acordo com a previsão do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do Código do IRS. A segunda prende-se com a aplicação da presunção vertida no artigo 6.º, n.º 4 do mesmo Código e com a ilisão dessa presunção por parte da Requerente.
2. TRIBUTAÇÃO DOS RENDIMENTOS DE CAPITAIS, COM DESTAQUE PARA OS ADIANTAMENTOS POR CONTA DOS LUCROS E PRESUNÇÃO CONSAGRADA NO ART. 6.º, N.º 4 DO CÓDIGO DO IRS
O legislador, pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, consagrou uma definição geral de rendimentos de capitais – artigo 5.º, n.º 1 do Código do IRS, com o seguinte teor: “Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias”.
A lista, de natureza exemplificativa, dos ganhos que se encontram sujeitos à categoria E de IRS encontra-se prevista no artigo 5.º, n.º 2 do Código do IRS, com a seguinte formulação normativa:
“Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:
a) os juros e outras formas de remuneração decorrentes de contratos de mútuo, abertura de crédito, reporte e outros que proporcionem, a título oneroso, a disponibilidade temporária de dinheiro ou outras coisas fungíveis;
b) os juros e outras formas de remuneração derivadas de depósitos à ordem ou a prazo em instituições financeiras, bem como de certificados de depósitos e de contas de títulos com garantia de preço ou de outras operações similares ou afins;
c) os juros, os prémios de amortização ou de reembolso e as outras formas de remuneração de títulos da dívida pública, obrigações, títulos de participação, certificados de consignação, obrigações de caixa ou outros títulos análogos, emitidos por entidades públicas ou privadas, e demais instrumentos de aplicação financeira, designadamente letras, livranças e outros títulos de crédito negociáveis, enquanto utilizados como tais;
d) os juros e outras formas de remuneração de suprimentos, abonos ou adiantamentos de capital feitos pelos sócios à sociedade;
e) os juros e outras formas de remuneração devidos pelo facto de os sócios não levantarem os lucros ou remunerações colocadas à sua disposição;
f) o saldo dos juros apurado em contrato de conta corrente;
g) os juros ou quaisquer acréscimos de crédito pecuniário resultantes da dilação do respetivo vencimento ou de mora no seu pagamento, sejam legais sejam contratuais, com exceção dos juros devidos ao Estado ou a outros entes públicos por atraso na liquidação ou mora no pagamento de quaisquer contribuições, impostos ou taxas e dos juros atribuídos no âmbito de uma indemnização não sujeita a tributação nos termos do n.º 1 do artigo 12.º;
h) os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º;
i) o valor atribuído aos associados na amortização de partes sociais sem redução de capital;
j) os rendimentos distribuídos das unidades de participação em fundos de investimento;
l) os rendimentos auferidos pelo associado na associação em participação e na associação à quota, bem como, nesta última, os rendimentos referidos nas alíneas h) e i) auferidos pelo associante depois de descontada a prestação por si devida ao associado;
m) os rendimentos provenientes de contratos que tenham por objeto a cessão ou utilização temporária de direitos da propriedade intelectual ou industrial ou a prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, quando não auferidos pelo respetivo autor ou titular originário, bem como os derivados de assistência técnica;
n) os rendimentos decorrentes do uso ou da concessão do uso de equipamento agrícola e industrial, comercial ou científico, quando não constituam rendimentos prediais, bem como os provenientes da cedência, esporádica ou continuada, de equipamentos e redes informáticas, incluindo transmissão de dados ou disponibilização de capacidade informática instalada em qualquer das suas formas possíveis;
o) os juros que não se incluam em outras alíneas deste artigo lançados em quaisquer contas correntes;
p) quaisquer outros rendimentos derivados da simples aplicação de capitais;
q) o ganho decorrente de operações de swaps de taxa de juro;
r) a remuneração decorrente de certificados que garantam ao titular o direito a receber um valor mínimo superior ao valor de subscrição.
s) as indemnizações que visem compensar perdas de rendimentos desta categoria;
t) os montantes pagos ou colocados à disposição do sujeito passivo por estruturas fiduciárias, quando tais montantes não estejam associados à sua liquidação, revogação ou extinção, e não tenham sido já tributados nos termos do n.º 3 do artigo 20.º”.
A técnica normativa utilizada – enumeração aberta – para a tipificação dos rendimentos de capitais procura concatenar a luta contra a evasão fiscal com a previsibilidade para os contribuintes dos rendimentos sujeitos à categoria de IRS em estudo. O fundamento teleológico da utilização da sobredita técnica encontra-se nas constantes mutações dos produtos financeiros, circunstância que podia abrir a porta à evasão .
Deste modo, os factos geradores de rendimentos de capitais são descritos pelo legislador em função do resultado económico produzido e, assim, não atendem ao tipo de negócio subjacente .
Consequentemente, a enumeração aberta, na descrição normativa dos rendimentos sujeitos à categoria E de IRS, constitui a resposta adequada para o segmento económico regulado – capitais.
Importa igualmente destacar que no conceito geral de “rendimentos de capitais”, vertido na norma de incidência objetiva, cabem os “frutos” e as “vantagens económicas”.
Já o artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, relativamente às presunções respeitantes a rendimentos da categoria E, determina o seguinte: “Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”.
Relativamente à possibilidade de ilisão da presunção, o artigo 6.º, n.º 5 do Código do IRS prevê que: “As presunções estabelecidas no presente artigo podem ser ilididas com base em decisão judicial, ato administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira”.
Importa, assim, efetuar uma análise doutrinal e jurisprudencial da aludida presunção. Para XAVIER DE BASTO : “A previsão de presunções deriva da própria natureza dos rendimentos de capitais, alguns deles de relativamente fácil sonegação. Assim, em certos casos, a lei presume a existência desses rendimentos, não aceitando, por exemplo, sem prova, que os contratos que lhes dão origem sejam qualificados de gratuitos, não produzindo, portanto, rendimento. As presunções, todavia, como é hoje regra geral do direito fiscal, estabelecida no artigo 73.º da Lei Geral Tributária, são ilidíveis, isto é, admitem prova em contrário. O n.º 5 acima citado permite a ilisão com base em decisão judicial, ato administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direção-Geral dos Impostos”.
Nesta linha, defende PAULA ROSADO PEREIRA que: “… o legislador fiscal considerou não ser possível abdicar da adoção de algumas presunções relativamente aos rendimentos de capitais. Entre as razões subjacentes ao recurso a tais presunções, conta-se a dificuldade sentida pela AT, face à natureza específica dos rendimentos desta categoria, em assegurar a eficiência da tributação. As presunções desempenham a função de facilitar a prova da AT relativamente à existência de certos rendimentos e à respetiva quantificação. (…) é possibilitada a ilisão das presunções estabelecidas – o que se afigura absolutamente essencial para a constitucionalidade do regime em apreço.(…) Para que se verifique a ilisão da presunção, é necessário que, por qualquer das formas acima referidas, se provem factos, condições ou taxas de juro distintos dos que resultariam da aplicação da presunção”.
A jurisprudência constitucional conclui que :
“Aplicando este parâmetro jurisprudencial ao caso em apreço, regista-se desde logo que, ao contrário do que sustenta a recorrente, a presunção que se estabelece no n.º 4 do artigo 7.º do Código do IRS, na redação anterior à Lei n.º 30-G/2000, não é uma presunção inilidível. A comprová-lo está o facto de o n.º 5 do mesmo artigo vir definir os meios pelos quais tal presunção poderá ser ilidida. E a circunstância de entre esses meios não estarem todos os "meios em direito admissíveis" não converte a presunção numa presunção juris et de jure. Esta última é uma presunção que se estatui sem possibilidade de prova em contrário (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 1987, pp. 312-313; J. de Oliveira Ascensão, O Direito. Introdução e Teoria Geral, 6.ª ed., Coimbra, 1991, p. 526). Manifestamente, não é o que sucede no caso em apreço, em que a ilisão da presunção pode ser alcançada através de um amplo e diversificado conjunto de meios: decisão judicial, ato administrativo, declaração do Banco de Portugal, reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos.
De facto, este conjunto de meios probatórios à disposição do impugnante é suficientemente amplo para que se não possa falar numa restrição desproporcionada ou irrazoável de instrumentos de prova, suscetível de, na prática, converter uma presunção juris tantum numa presunção juris et de jure. Mais ainda e contrariamente ao que parece ser pretendido pela recorrente, a garantia de acesso ao direito e aos tribunais prevista no artigo 20.º da Constituição não contempla a possibilidade de utilização irrestrita de todos os meios de prova em qualquer processo judicial (no caso, num processo de impugnação da liquidação tributária) nem proíbe o legislador de restringir o uso de certos instrumentos probatórios, desde que tal restrição não se configure como desproporcionada ou irrazoável. Ora, no caso em apreço pode o impugnante dispor de uma decisão judicial (na qual o requerente pode utilizar todos os meios de prova em geral admissíveis), um ato administrativo, uma declaração do Banco de Portugal ou um reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos, tudo meios probatórios idóneos para proceder à impugnação judicial de uma liquidação tributária. Finalmente, havendo a possibilidade de ilisão da presunção definida no n.º 4 do artigo 7.º do Código do IRS, não fica postergado o princípio constitucional da capacidade contributiva, tal como este Tribunal vem assinalando na reiterada jurisprudência que atrás se sumariou”.
Já o Tribunal Central Administrativo Norte observa que:
“O rendimento da categoria E, como acréscimo patrimonial, resulta, também, de modo específico, da natureza dos rendimentos desta categoria genericamente configurados como frutos e demais vantagens económicas procedentes de elementos patrimoniais de natureza mobiliária (artigo 5.º, n.º 1, do Código do IRS).E esta ideia tem, também, clara concretização no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, concluindo-se que esta norma rege a presunção de “lucros” ou “adiantamento por conta de lucros”, e que a mesma só fará sentido quando o facto base da presunção consistir em fluxos financeiros da sociedade para o sócio. Em tal situação, a norma do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do Código do IRS não exige a escrituração formal dessa realidade como pressuposto de incidência, mesmo porque “deixar ao critério do sujeito passivo a “classificação” como adiantamento por conta de lucros, de realidades da vida corrente das sociedades comerciais, que constituem verdadeiros desvios de fundos em proveito dos sócios, seria frustrar o interesse público do Estado na arrecadação de impostos e no combate à fraude e evasão fiscais e permitir que ficassem por tributar verdadeiros incrementos patrimoniais dos sócios”. É comummente aceite que quando os lucros distribuídos ou adiantamento por conta de lucros são devidamente escriturados, estamos perante um rendimento sujeito a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares. Porém, o mesmo não acontece quanto uma parte do património das sociedades é afetado ou onerado, por contrapartida da transferência duma parte deste, de modo permanente e definitivo, para a esfera jurídica de um associado ou titular, sem que às mesmas operações lhes sejam dados os qualificativos de "lucros distribuídos" ou "adiantamentos por conta dos lucros". Tal situação ocorre quando os montantes, que deviam ter sido reconhecidos como proveitos das sociedades, acabam por não ser registados nas contabilidades destas e vão acrescer ao património individual dos respetivos associados ou titulares e, ainda, quando o registo, apesar de efetuado na contabilidade da sociedade, não foi relevado numa conta de proveitos, mas sim numa qualquer conta de passivo que confira ao associado ou titular o direito de, como qualquer normal credor, vir a exercer a respetiva exigibilidade - vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27/01/2009, proferido no âmbito do processo n.º 02479/08”.
Deste modo, é possível, a título preliminar, formular algumas conclusões: i) a presunção vertida no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS é uma presunção legal, estabelecida diretamente pela lei e não uma presunção simples (natural ou judicial), pois não se inspira nas máximas de experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana; ii) a decisão judicial a que alude o artigo 6.º, n.º 5 do Código do IRS respeita à impugnação judicial ou ao processo arbitral tributário e iii) a aplicação da presunção vertida no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS exige o lançamento na contabilidade do recebimento das quantias transferidas para a esfera jurídica dos sócios.
Valem aqui as regras previstas nos artigos 344.º e 350.º do Código Civil, i.e. quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz, ou, nos casos em que a lei o permitir, as presunções legais podem “ser ilididas mediante prova em contrário”, em conjugação com o artigo 73.º da LGT que dispõe que “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”. As presunções legais que podem ser ilididas por prova em contrário são designadas presunções juris tantum e as que não admitem prova em contrário, são designadas juris et de jure.
A presunção do artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS é uma presunção juris tantum, pois pode ser ilidida pelos meios previstos no n.º 5 do mesmo artigo, mediante prova em contrário.
Nos presentes autos impõe-se determinar se as saídas de meios financeiros da empresa a favor das acionistas devem ser qualificadas como adiantamento por conta dos lucros (artigo 5.º, n.º 2 do Código do IRS) e se se aplica a presunção vertida no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, relativamente às entregas monetárias registadas às acionistas e lançadas a débito na contabilidade. Em caso afirmativo, importa aferir se, e em que medida, tal presunção foi infirmada.
Por um lado, a Requerente defende que a AT não provou a existência de lucros, nem que estes foram colocados à disposição dos sócios. Acrescenta que os € 696.000,00 transferidos para as acionistas foram utilizados no pagamento de gastos inerentes ao desenvolvimento da atividade social da empresa (ou irão sê-lo) e que não se aplica a presunção por, nomeadamente, inexistirem lançamentos nas contas de sócios. Por outro lado, para a Requerida, a transferência desse valor configura um adiantamento por conta dos lucros e, como tal, sujeito à categoria E de IRS, aplicando-se a presunção na parte com lançamentos a débito na conta corrente das acionistas.
3. QUESTÃO DA APLICAÇÃO DA PRESUNÇÃO RELATIVAMENTE AOS LANÇAMENTOS EM CONTA CORRENTE DAS ACIONISTAS E DA QUALIFICAÇÃO DAS TRANSFERÊNCIAS BANCÁRIAS E DEPÓSITO DO CHEQUE PARA AS ACIONISTAS COMO ADIANTAMENTO POR CONTA DOS LUCROS
De acordo com a regra geral do ónus probatório estabelecida no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, em consonância com o artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, é sobre a AT que recai o ónus de alegar e provar os factos índices através dos quais se possa concluir que as quantias em apreço, no valor total de € 696.000,00, foram colocadas à disposição das acionistas a título de adiantamento por conta de lucros e que, por essa razão, constituem um rendimento de capitais – artigo 5.º, n.º 1 e 2, alínea h) do Código do IRS.
Este ónus da prova resulta, porém, invertido, por força de presunção legal, nas situações que preencham os pressupostos do artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, cabendo aí em primeira linha à Requerente fazer a demonstração de que as quantias escrituradas a favor das sócias em quaisquer contas correntes destes não correspondem a (distribuição de) lucros ou adiantamento por conta de lucros.
Assim, a presunção, mais não é do que uma regra de repartição do ónus da prova.
Condição de aplicação da presunção em apreço é que as quantias presumidas como rendimentos de capitais, a título de lucros ou adiantamento destes, sejam lançadas em contas correntes dos sócios, o que, in casu, apenas se verificou quanto a € 170.000,00 (€ 80.000,00 da acionista G... e € 90.000,00 da acionista H...). Na verdade, são esses os valores a considerar no âmbito da presunção, visto que são os fluxos financeiros que o Relatório de Inspeção descreve e contra os quais a Requerente se insurge.
À Requerente, neste âmbito, competia-lhe ilidir a presunção em apreço, através de um dos meios que se encontram previstos no artigo 6.º, n.º 5 do Código do IRS, no qual se inclui a própria ação arbitral.
Quanto a esta questão, a Requerente observa não existir na contabilidade qualquer lançamento na conta de sócios, nas suas palavras, na “conta 25” para que pudesse operar a presunção.
Já para a Requerida, relativamente aos movimentos contabilísticos lançados nas contas “2685102 –G...” e “2685103 –H...”, aplica-se a presunção do artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS.
Sucede que ao abrigo do Sistema de Normalização Contabilística (“SNC”) vigente no ano de 2016, a conta 26 deve ser utilizada para registar as operações relativas às relações da sociedade com os titulares de capital, agindo como tal. Com efeito, com a aprovação do Decreto-lei n.º 158/2009, de 13 de julho, foi introduzido um novo padrão contabilístico e revogado o Plano Oficial de Contabilidade (que tinha sido aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47/77, de 7 de fevereiro).
Deste modo, ao contrário do alegado pela Requerente, as transferências de meios financeiros em causa, no valor de € 170.000,00 foram lançadas em contas correntes das sócias, neste caso acionistas, preenchendo-se o pressuposto constante da hipótese normativa do artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS como condição constitutiva da sua estatuição. Atentos os lançamentos contabilísticos supra referidos, afigura-se que a Requerente não tem razão quando defende que não há qualquer lançamento contabilístico na conta dos sócios. Neste ponto, à Requerente competia ilidir a presunção, mediante um meio de prova descrito no artigo 6.º, n.º 5 do Código do IRS, o que como supra se referiu, pode ser efetuado no âmbito do processo arbitral tributário.
Todavia, como acima se referiu, o valor global de rendimentos de capitais sobre que incidiram retenções na fonte de IRS correspondeu a € 696.000,00, relativamente aos quais € 526.000,00 não foram escriturados em contas correntes das acionistas, recaindo o ónus da prova nesta parte sobre a AT.
Neste âmbito, afigura-se que perante a factualidade coligida no RIT, que evidencia a transferência de meios financeiros nessa exata ordem de grandeza para a esfera das sócias, por cheque, transferências bancárias ou transferência de caixa –, e que neste ponto não é contraditada pela Requerente, mas apenas tentativamente justificada como não tendo fins alheios ao seu interesse social, não pode deixar de considerar-se satisfeito o ónus que se impunha sobre a AT de congregar elementos constitutivos dos pressupostos da tributação como rendimentos de capitais, dada a qualidade de acionistas dos beneficiários dos rendimentos (cf. artigo 5.º do Código do IRS) e a ausência de causa distinta para os mesmos. Ónus este de que a AT estava dispensada em relação aos € 170.000,00, por se verificar a operatividade da presunção do artigo 6.º, n.º 4, em virtude do preenchimento da condição do facto-base, os comprovados lançamentos realizados em contas das sócias.
Em síntese, seja pela reunião de factos-índice por parte da AT, seja, na parte aplicável, por aplicação da presunção, afigura-se a priori válida a qualificação como rendimentos de capitais das mencionadas transferências de fundos no valor global de € 696.000.00.
Não obstante, a Requerente logrou demonstrar nos presentes autos que uma parte das importâncias colocadas na esfera jurídico-patrimonial das acionistas foram utilizadas em seu único e exclusivo proveito [da Requerente], tendo conseguido fazer prova de pagamentos efetuados por conta da sociedade, no valor de € 543.273,80 (pontos K e L da matéria de facto), abalando, por um lado, os factos-índice que tinham sido identificados pela AT e afastando, por outro lado, a presunção (na parte aplicável) do artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS.
Ficou, assim, por justificar o valor de € 152.726,20. Quanto a esta quantia (de base de incidência), a pretensão da Requerente deve improceder, por não se ter demonstrado, ónus que sobre si impendia, que tal verba foi ou iria ser aplicada em seu benefício, ou seja, esse valor de € 152.726,20 concorre para a matéria tributável sujeita a retenção na fonte a título definitivo, por constituir um rendimento de capital (artigo 71.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS).
Noutra linha argumentativa, a Requerente vem invocar que o facto de não existirem lucros distribuíveis naquele quantitativo [de € 696.000,00], nos termos do disposto no artigo 297.º do Código das Sociedades Comerciais , nem deliberação social de atribuição de adiantamentos por conta de lucros às acionistas, afastaria a qualificação de rendimentos de capitais. Não pode aderir-se a esta conceção de índole formalista e desprovida de suporte nas normas de incidência de IRS. A questão jurídica da admissibilidade da distribuição de lucros, designadamente no tocante ao cumprimento de rácios de capitais próprios ou outros indicadores, não é recortada como condição negativa pela norma de incidência do artigo 5.º do Código do IRS ou pelo artigo 6.º, n.º 4 do mesmo diploma. Aliás, se tal entendimento fosse procedente, estava aberto o caminho para o desfecho paradoxal de se tributarem como rendimentos de capitais os adiantamentos por conta de lucros efetuados de acordo com a legislação comercial, deixando-se sem qualquer tributação aqueles que fossem feitos em infração dessas regras. O princípio geral que rege o direito fiscal é o de que a ilicitude ou irregularidade não compromete a tributação que seja devida, de acordo com o preceituado no artigo 10.º da LGT, para além de que, como se disse acima, as normas de incidência em exame não postulam como pressuposto ou condição da tributação a observância dos requisitos previstos no artigo 297.º do Código das Sociedades Comerciais ou a existência de uma deliberação em Assembleia Geral de acionistas.
Perante o decaimento parcial da pretensão da Requerente, coloca-se a questão da anulação parcial da liquidação em crise. A tal propósito ensina JORGE LOPES DE SOUSA : “Nos termos do art. 100.º da LGT, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, a administração tributária está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio. Desta norma infere-se a possibilidade de anulação parcial dos atos tributários. O STA tem entendido, em geral, que os atos de liquidação, por definirem uma quantia, são naturalmente divisíveis, sendo-o também juridicamente, por a lei prever a possibilidade de anulação parcial daqueles atos, no referido art. 100.º, ao prever a procedência parcial de meios processuais impugnatórios (como, anteriormente, previa o art. 145.º do CPT). Porém, tal anulação parcial só poderá ser juridicamente admissível quando o fundamento da anulação valha apenas em relação a uma parte do ato, isto é, quando haja uma ilegalidade apenas parcial. Será o que acontece quando um ato de liquidação se baseia em determinada matéria coletável e se vem a apurar que parte dela foi calculada ilegalmente, por não dever ser considerada.
Nestes casos, não há qualquer obstáculo a que o ato de liquidação seja anulado relativamente à parte que corresponda à matéria coletável cuja consideração era ilegal, mantendo-se a liquidação na parte que corresponde a matéria coletável que não é afetada…”.
No mesmo sentido, sintetiza o recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de outubro de 2019, proferido no processo n.º 01532/10.8BEBRG, que:
“A possibilidade de anulação parcial do ato tributário de liquidação tem sido afirmada, sem divergência, pela doutrina e pela jurisprudência, com fundamento na natureza divisível, inculcada na sua substância quantitativa e na autoridade da plena jurisdição da sentença de anulação
Invoca-se o princípio da economia processual, permitindo que a sentença estabeleça de imediato uma definição da situação jurídica, sem necessidade de nova pronúncia pela administração tributária (Saldanha Sanches Fiscalidade, 7/8 Julho/Outubro 2001, pp.63 e sgs., Casalta Nabais Direito Fiscal 2ª edição p.397/ acórdãos STA-SCT 12.01.2011 processo nº 583/10; 4.05.2011 processo nº 21/11; 12.01.2012 processo nº 965/10; 10.10.2012 processo nº 533/12; 5.12.2012 processo nº 477/12; 10.04.2013 Pleno da SCT processo nº 298/12; 30.04.2013 processo nº 01374/12)”
Ora, é precisamente o que acontece no caso sub judice em que este Tribunal Arbitral conclui que em relação a parte da matéria tributável, a correspondente a € 543.273,80, a Requerente logrou provar que este montante foi utilizado para pagamentos feitos por sua conta e, por conseguinte, não são qualificáveis como adiantamentos por conta de lucros às suas acionistas, nem, dessa forma, configuram rendimentos de capitais. Assim, deve ser parcialmente anulada a liquidação impugnada na parte em que considerou tal quantia como base de incidência de retenções na fonte de IRS, por erro nos pressupostos.
4. JUROS COMPENSATÓRIOS
A ilegalidade parcial da liquidação de retenções na fonte de IRS implica, de igual modo, a anulação dos juros compensatórios correspondentes. Com efeito, na situação vertente, o ato tributário de liquidação que originou valor de imposto a pagar é parcialmente inválido por vício substantivo de erro nos pressupostos, gerador de anulabilidade, pelo que, nessa medida (parcial) não se verifica o requisito constitutivo da obrigação de juros compensatórios, dado que não foi retardada a liquidação de imposto que fosse devido, nos termos do disposto no artigo 35.º, n.º 1 da LGT.
* * *
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
V. DECISÃO
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar parcialmente procedente o pedido arbitral, declarando ilegal e anulando, também parcialmente, a liquidação impugnada de retenções na fonte de IRS, incluindo juros compensatórios, relativa a 2016, na parte em que o imposto incidiu sobre a importância (base de incidência) de € 543.273,80, com as legais consequências.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 211.132,45 correspondente ao valor impugnado da liquidação de retenções na fonte de IRS em crise – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. CUSTAS
Custas no montante de € 4.284,00, repartidas na proporção do decaimento, sendo € 3.344,09 a cargo da Requerida e € 939,91 a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 12 de novembro de 2019
O Tribunal Arbitral Coletivo,
Alexandra Coelho Martins
Augusto Vieira
Francisco José Nicolau Domingos
(vencido conforme declaração de voto junta)
Voto de vencido
Se é verdade que aderimos à fundamentação de direito que obteve vencimento na decisão arbitral, não podemos acompanhar a sua aplicação aos factos dados como provados, na parte respeitante aos € 400 000,00 pagos a título de sinal.
A Requerente alega que € 400 000,00 (dos € 696 000,00 da matéria tributável) foram utilizados na celebração de um contrato-promessa de compra e venda, juntando aos autos o aludido contrato e os cheques. Contudo, se em tese se admite que o gasto está associado à atividade social da Requerente (imobiliária), esta limita-se a juntar o contrato-promessa e não qualquer documento (necessário para sindicar o benefício para a sociedade) respeitante à circunstância anormal que impediu a celebração do negócio jurídico definitivo, a não concessão de crédito.
Observa a jurisprudência quanto à categoria E de IRS:
“11. A definição de rendimentos de capitais, introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, no artº.5, nº.1, do C.I.R.S., traduz e incorpora uma regra de incidência tão ampla que é capaz de englobar qualquer situação, envolvente de valores mobiliários, que não seja tributada noutra das categorias de rendimentos em que opera o I.R.S.
12. O artº.5, nº.2, al. h), do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de I.R.S. os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respetivos associados.
13. Por sua vez, o artº.7, do C.I.R.S., define o momento da sujeição à tributação dos rendimentos de capitais, ou seja, define o momento em que o imposto se torna exigível.
14. Os valores pagos à entidade bancária decorrentes da assunção de dívida pela sociedade recorrente são considerados rendimentos de capitais a título de lucros e/ou adiantamento por conta de lucros e como tal sujeitos a tributação em sede de I.R.S. Essa tributação é feita através de retenção na fonte, a título definitivo, às taxas liberatórias consagradas no artº.71, do C.I.R.S., cabendo à sociedade ora recorrente proceder à citada retenção na fonte.”.
A mera junção do contrato-promessa de compra e venda e dos cheques não é suficiente para que se conclua que o gasto foi realizado em proveito da Requerente (sociedade comercial).
Consequentemente, na nossa opinião, este segmento da pretensão devia improceder, ou seja, o montante pago a título de sinal concorre para a matéria tributável sujeita a retenção na fonte a título definitivo. Assim, não devia ser expurgada da ordem jurídica a parte da liquidação que utiliza a matéria tributável de € 400 000,00.
Em resumo, esse montante também constitui um rendimento de capital sujeito a retenção na fonte - art. 71.º, n.º 1, alínea a) do CIRS.
Lisboa, 12 de novembro de 2019
Francisco Nicolau Domingos