Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 387/2019-T
Data da decisão: 2019-10-23  Selo  
Valor do pedido: € 941.872,81
Tema: IS - Incompetência. Indeferimento tácito de recurso hierárquico. Acto que não aprecia legalidade de acto de liquidação.
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DECISÃO ARBITRAL  (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. João Pedro Rodrigues e Prof. Doutor Eduardo Paz Ferreira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 20-08-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A... - SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., (doravante apenas “Requerente”), com o número de identificação fiscal ... e com sede na ..., ..., ..., ...-... ..., na qualidade de sociedade gestora e em representação do FUNDO ABERTO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO – B... (doravante, “Fundo”), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a pronúncia sobre a ilegalidade dos seguintes atos de liquidação de Imposto do Selo:

 

O pedido de pronúncia arbitral é apresentado na sequência de formação de indeferimento tácito de um recurso hierárquico.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-06-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 30-07-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 20-08-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, suscitando as exceções de incompetência material por inidoneidade do meio processual e de incompetência material e da intempestividade para a impugnação direta dos atos de liquidação.

Por despacho de 03-10-2019, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, podendo a Requerente dar resposta às exceções apresentadas por escrito.

A Requerente respondeu às exceções.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar prioritariamente as questões de incompetência suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2. Matéria de facto relevante para apreciar as exceções

 

a)            A 20-08-2018, a Requerente apresentou junto da AT um pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT, com vista à anulação dos atos tributários de Imposto do Selo que são impugnados no presente processo, referentes à verba 17 da TGIS (Tabela Geral de Imposto de Selo), que foram efetuados pelo Banco C..., S.A. e cobrados à Requerente, entre Julho de 2014 e Junho de 2016, no valor total de € 941.872,81;

b)           O pedido de revisão oficiosa foi liminarmente indeferido, com os fundamentos da informação que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

V. DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

15. Compulsados os presentes autos, somos, desde já, a verificar se existe, com efeito, qualquer razão, diga-se, exceção, nem dilatória nem perentória, suscetível de obstar ao conhecimento do mérito da presente causa.

16. O Contribuinte, aqui Requerente, A..., S.A., dispõe de personalidade e capacidade tributária, nos termos do preceituado nos art.ºs 15.º e 16.º, ambos da LGT e art.º 3.º do CPPT, perante a falta de personalidade jurídica do FAII B... .

17. O Requerente, não tem legitimidade no procedimento tributário, devido a não ser o sujeito passivo de imposto, mas sim o titular do encargo do imposto, nomeadamente, nos termos da alínea f) e g) do n.º 3 do art.º 3º do Código do Imposto do Selo (CIS), uma vez que na situação em apreço, é o utilizador do crédito, sendo o sujeito passivo do imposto, a entidade financeira, neste caso, o C... nos termos do art.º 2.º n.º 1 alínea b) do CIS, cabendo-lhe a liquidação e pagamento do respetivo imposto, de acordo com o disposto nos artigos 23.º e 41.º do referido diploma legal.

18. Pois, no campo tributário a forma de garantir o princípio constitucionalmente consagrado no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). respeitante à tutela efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, é concretizável através do direito de reclamar, recorrer, requerer e impugnar.

19. Porém, o exercício desses direitos, implica previamente que se preencham os pressupostos procedimentais gerais e específicos de cada meio garantístico previsto nas diversas leis tributárias, no sentido de que a cada pretensão apresentada corresponda um meio adequado, a exercer nos prazos legais, em salvaguarda do princípio da segurança jurídica, fundamento do Estado de Direito.

20. Para aferir da legitimidade do Requerente no presente procedimento, importa atender à sua posição na relação jurídica tributária subjacente às liquidações contestadas e determinar se é possível enquadrá-la no lado passivo desta relação.

21. Em sede de imposto do selo, na operação financeira que se analisa, a norma de incidência subjetiva constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS prevê que é sujeito passivo do imposto a entidade concedente de crédito, neste caso o C... .

22. Por sua vez, o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo diploma determina que "O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico (...)", esclarecendo a alínea f) do n.º 3 do mesmo preceito que, nas concessões de crédito, o utilizador do crédito é quem tem o encargo do imposto. Consta também da alínea g) do mesmo n.º 3 que "Nas restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas".

23. Nestes casos, o encargo do imposto é refletido sobre terceiro (adquirente de bens e serviços, no caso do IVA, ou titular do interesse económico nas situações tributadas pelo Imposto de Selo).

24. O terceiro sobre quem é repercutido o encargo do imposto não é sujeito passivo da relação jurídica, conforme dispõe o n.º 4 do art.º 18.º da LGT.

25. O sujeito passivo de IVA ou de IS é o devedor do imposto ao Estado, não havendo, neste caso, qualquer substituição. Há, outrossim, um terceiro, o repercutido, que suportará, em termos económicos, o encargo do imposto, sem que seja sujeito passivo da relação jurídico-legal.

26. Não obstante o encargo do imposto ser do utilizador de crédito e/ou do cliente da instituição de crédito (art.º 3.º n.º 3 als. f) e g) do CIS), não podemos descurar que nos termos da lei, o C... é o Sujeito Passivo do imposto, nos termos do art.º 2º n.º 1 al. b) do CIS, e ao mesmo compete a liquidação do imposto (art. 23º n.º 1 do CIS), bem como dever de pagamento do imposto (art.º 41.º do CIS)

27. Como explicam J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas ("vide" Os Impostos sobre o Património Imobiliário. O Imposto do Selo, Engifisco, 2005, pág. 557) e Casalta Nabais ("vide" Direito Fiscal. 6.a Edição, págs, 259-260), no imposto do selo, e à semelhança do que acontece nos impostos sobre o consumo, verifica-se o denominado fenómeno económico de repercussão.

28. A repercussão consiste na "transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para outrem com que este tem relações económicas" (Américo Fernandes Brás Carlos, "in" Impostos — Teoria Geral, 3.a Edição, pág. 264).

"...o repercutido não tem a qualidade de sujeito passivo, pois não se encontra numa relação jurídica tributária nos termos em que a Doutrina fiscalista tradicional a desenvolveu com o sujeito activo.

Não obstante, não restam dúvidas que é meramente por razões de eficiência recaudatória e de eficácia na cobrança que a obrigação de cobrar imposto recai sobre o vendedor e não sobre o adquirente dos bens e serviços. Na verdade, mesmo sem nos alhearmos da noção restritiva da relação jurídica, somos forçados a admitir que o repercutido tem um dever legal de contribuir para as despesas públicas e esse dever é-lhe imposto legal e constitucionalmente. Apenas no tocante aos mecanismos recaudatórios se verifica uma distorção do que seria esperado acontecer, ou seja, urna equivalência entre o sujeito passivo e o titular da capacidade contributiva." ("Da Repercussão Fiscal no IVA", do autor Bruno Botelho Antunes, Almedina, pág. 127).

29. "A Doutrina fiscal tem vindo a defender que a repercussão é um fenómeno essencialmente económico, através do qual uma pessoa transfere para outras o sacrifício económico do imposto, característica que será inerente aos impostos indiretos, onde, por razões de economia de imposto, se onera uma entidade — que, em nosso entendimento, não é a detentora da capacidade económica — com a obrigação de cobrar IVA àqueles entidades que, no contacto comercial, lhe adquirem bens ou serviços. O repercutido será, para muitos, meramente o contribuinte de facto - conceito contraposto ao de contribuinte de direito - que suporta o encargo do tributo. Não significa isto que se deva retirar à repercussão o seu carácter jurídico, mas antes que o repercutido não deve ser considerado como sujeito passivo stricto sensu, na medida em que se encontra numa situação de ausência de vínculo jurídico com a administração tributária." (págs. 43 e 44 da obra antes identificada).

30. Os referidos autores J. Silvério Mateus e L. Corvelo Freitas (ver obra citada, pág. 557), referem que as pessoas elencadas no artigo 3.º do CIS (encargo do imposto), "não obstante suportarem, por repercussão, o encargo do imposto, não têm a qualidade de sujeitos passivos, não estando, consequentemente, sujeitas a qualquer obrigação de natureza fiscal.

31. A jurisprudência confirma este fenómeno para situações como a destes autos, conforme se transcreve "Ainda que o imposto deva ser liquidado e pago pela impugnante, o mesmo é suportado por terceiro, concretamente pelo titular do interesse económico; o qual é, nas garantias, a entidade obrigada à sua apresentação (artigo 3.º/3/e), do CIS), na concessão do crédito, o utilizador do crédito (artigo 3 º/3/f), do CIS). Verifica-se assim a repercussão fiscal do imposto, dado que «o sujeito diretamente determinado pela lei para pagar o imposto não é verdadeiramente o titular da riqueza a tributar, mas apenas um sujeito sobre quem é mais fácil executar a cobrança» Diogo Feio, A substituição fiscal e a retenção na fonte: o caso específico dos impostos sobre o rendimento, Coimbra Editora, 2001, p. 93. «O contribuinte de facto é, então, o sujeito que, apesar de não estar previsto na norma de incidência fiscal, suporta realmente o montante em dívida» Diogo Feio, A substituição fiscal e a retenção na fonte a caso específico dos impostos sobre o rendimento, Coimbra Editora, 2001, p, 96.

Na repercussão fiscal, «[t]udo se passa apenas entre dois sujeitos privados, com o afastamento do sujeito ativo da relação jurídica tributária» Diogo Feio, A substituição fiscal e a retenção na fonte: o caso específico dos impostos sobre o rendimento, Coimbra Editora, 2001, p. 93.

32. Posto que, é o sujeito passivo aqui, a entidade C... que está adstrito à obrigação principal de pagamento do imposto do selo (isto é, à liquidação, cobrança e entrega nos cofres do Estado do imposto devido), em conformidade, conforme antes contestado, com os arts. 23.º n.º 1 e 41.º ambos do CIS.

33. Recaindo também sobre o sujeito passivo as obrigações acessórias de natureza declarativa e contabilística (arts. 52º a 56º e 60º todos do CI).

34. E este sujeito passivo, repita-se, são as entidades referidas no art. 2.º n.º 1 do CIS, "in casu" nas operações financeiras que se analisam a norma de incidência subjetiva constante da alínea b) do n.º 1, prevê que é sujeito passivo do imposto a entidade concedente do crédito, credora de juros, comissões e outras contraprestações.

35. Neste sentido veja-se ainda o ensinado por Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa ("in" Lei Geral Tributária Anotada e Comentada. 4.ª Edição 2012, pág.187):

"A exclusão do terceiro repercutido do âmbito da noção de sujeito passivo tem larga consagração na doutrina (vd., DIOGO LEITE CAMPOS e MÔNICA HORTA NEVES LEITE DE CAMPOS, 06. C/T., 2." ed., Coimbra, 2000, Parte II, A Obrigação tributária). Entre ele e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito do sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. A obrigação do repercutido é só perante o sujeito passivo. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado. E que o sujeito passivo deve cumprir a sua obrigação de imposto antes e, mesmo, independentemente do cumprimento do repercutido.".

6. Os mesmos autores explicam ainda:

"Aprofundemos a questão de saber se o repercutido algo deve ao ente público.

E se pode construir-se uma figura de sujeito passivo com base em alguém que nada deve ao ente público. Há que levar em conta que o Estado nem sempre recebe o montante dos impostos, directa ou imediatamente, dos sujeitos que devem contribuir por serem dotados de capacidade tributária. Mas utiliza diversas técnicas de cobrança dos tributos. Estas, por vezes, consistem em obter o montante dos tributos, não dos sujeitos que devem contribuir, mas de outros sujeitos, eventualmente sem capacidade contributiva, mas que se constituem como simples intermediários para cobrar os tributos de outros sujeitos com capacidade contributiva. A lei obriga diretamente um sujeito a quem atribui a faculdade de exigir a um terceiro o montante do imposto pago.

Sob o ponto de vista exclusivamente jurídico, o repercutido está obrigado a contribuir. Está obrigado legalmente a reembolsar o sujeito passivo da obrigação tributária, por que ele é o titular da capacidade contributiva prevista pela norma.

No caso do IVA, e em geral dos impostos sobre o consumo, visa-se uma manifestação de capacidade económica, o consumo, capacidade contributiva que é manifestada pelos repercutidos. Parece que não teria sentido impor um imposto ao vendedor, quando a capacidade contributiva visada peio imposto é detida pelo comprador.

Pode afirmar-se que há um sujeito passivo do imposto que é quem o vai pagar ao Estado, e um sujeito passivo de uma obrigação legal, não perante o Estado, mas sim perante o sujeito passivo, a cargo do titular da capacidade contributiva.

Assim, nos impostos sobre o consumo, o sujeito passivo é obrigado legalmente a entregar o montante do imposto. Mas como não é ele o titular da capacidade contributiva, este montante deve ser-lhe entregue pelo titular dessa capacidade, que é o repercutido. O repercutido não tem qualquer obrigação perante o sujeito ativo. Aliás, o sujeito passivo pode exigir o pagamento do repercutido mesmo antes de entregar o imposto ao credor" (ver obra cilada no artigo anterior, pág. 188).

7. Assim se concluindo que, não deve proceder o argumento do Requerente, pelo facto de que quem tem legitimidade no procedimento são os sujeitos passivos da relação tributária, conforme dispõe o art. 65º da LGT e art.º 9.º nº 1 do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

38. Pois, sistematicamente incluídas no Título II da Lei Geral Tributária (LGT). respeitante â regulação da relação jurídica tributária, as normas constantes do artigo 18.º visam esclarecer as noções de sujeito ativo e de sujeito passivo, dispondo os números 3 e 4 especificamente sobre as titularidades passivas, em especial, o sujeito passivo, substitutos, responsáveis e repercutidos.

39. Dispõe o n.º 3 deste preceito que o "sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável".

40. No que diz respeito à substituição tributária, resulta do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 20.º, da LGT, o confinamento legal desta figura às situações de retenção na fonte, o que, adiante-se desde já, na situação em análise, não se verifica.

41. A alínea a) do n.º 4 do aludido artigo 18.º prossegue no sentido da delimitação da figura do sujeito passivo, estabelecendo que não é sujeito passivo quem: "a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitrai nos termos das leis tributárias".

42. E, tem-se hoje por pacífico que o imposto do selo sobre as operações financeiras - nos termos conjugados da verba 17 da TGIS, das alíneas g) e f) do n.º 3 do artigo 3.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS -, funciona por repercussão legal. José Maria Fernandes Pires e outros afirmam mesmo que o exemplo paradigmático de repercussão legai ocorre no imposto do selo, onde a própria lei distingue o sujeito passivo do imposto (aquele a quem o sujeito ativo pode exigir o pagamento), daquele que suporte efetivamente o respetivo encargo do imposto, nos artigos 2.º e 3.º. (...).

43. Ou seja, a lei determina expressamente que a relação jurídico-tributária estabelece-se em primeira linha entre o sujeito ativo (Estado, através da AT) e o sujeito passivo agindo como tal, e as pessoas singulares ou coletivas e outras entidades equiparadas (n.º 2 do artigo 1.º da LGT).

44. O legislador define assim o sujeito passivo como aquele que se encontra vinculado ao cumprimento da obrigação tributária, desde que preencha os pressupostos de incidência do imposto. Donde em termos gerais assiste ao repercutido, isto é, a quem suporta o encargo do imposto, o direito a impugnar graciosamente ou judicialmente essa repercussão.

45. Da conjugação do quadro legal supra traçado, e retornando ao caso em concreto, resulta claro que o Requerente, não obstante ter suportado o encargo do imposto, não é sujeito passivo, visto que não está vinculado, perante o sujeito ativo da relação jurídica tributária, ao cumprimento da prestação tributária, não sendo contribuinte direto, responsável, ou substituto tributário.

46. Se por um lado, a atribuição de legitimidade no procedimento tributário está, em regra, diretamente associada à determinação de quem é sujeito passivo da relação jurídica tributária, advém, por outro lado, do artigo 9.º do CPPT, que também têm legitimidade "(...) quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido."

47. Conforme estabelece o art.º 18.º n.º 3 da LGT, "O sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável" e aqui se enquadram as entidades referidas no art.º 2." do CIS.

48. No entanto, remata o art.º 18.º n.º 4 da LGT. que "Não é sujeito passivo quem: a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitrai nos termos das leis tributárias".

49. Ficando expressamente salvaguardada, na parte final da alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, a legitimidade do repercutido para reclamar, recorrer, impugnar ou - após a Redação da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro - apresentar pedido de pronúncia arbitral.

50. Todavia, fora do alcance do repercutido ou substituído, quis o legislador deixar a revisão oficiosa.

51. Isto é, não tendo o legislador atribuído ao repercutido a faculdade de usar a revisão oficiosa como meio de defesa, impõe-se ao intérprete que, em obediência ao princípio da legalidade tributária (n.º 1 do artigo 8.º da LGT), também não o faça.

52. Posto isto, consideramos a revisão oficiosa inidónea para fazer valer a pretensão de qualquer titular do encargo do imposto do selo, incluindo o Requerente, pelo que a mesma deverá ser liminarmente rejeitada.

53- Atento o exposto nos parágrafos anteriores, concluímos que a reclamação graciosa seria o meio gracioso idóneo ao dispor do Requerente para poder obter a anulação dos atos tributários pretendidos e ver assim restituído o imposto que considera indevidamente pago, razão pela qual se afigura relevante averiguar da possibilidade de, à data do pedido, se encontrar dentro do prazo para, como tal, ser apreciado.

54. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 68º do CPPT "o procedimento de reclamação graciosa visa a anulação total ou parcial dos atos tributários por iniciativa do contribuinte", podendo ser deduzido, segundo o n.º 1 do 70.º "com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial (...)", no prazo de 120 dias contados dos factos estabelecidos no n.º 1 do artigo 102.º (regra geral).

55. Porém, verifica-se que as liquidações que fundamentam o presente pedido se caracterizam como autoliquidação, nos termos do art.º 23.º do CIS, em virtude de terem sido levadas a cabo pelo sujeito passivo, substituto tributário e não pela AT.

56. Face ao estabelecido no nº 1 do artigo 131.º do CPPT: "Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração."

57. Assim, atendendo ao disposto no artigo 131,º do CPPT, o qual tem por escopo vedar ao interessado o acesso direto à via contenciosa, obrigando-o a esgotar primeiro a via administrativa, conjugado com o artigo 9.º e a alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, que confere ao repercutido o direito de reclamar, afigura-se que se deva, em sede de imposto do selo, estender este regime da reclamação graciosa prévia necessária ao titular do encargo, ainda que a liquidação de retenção na fonte seja do sujeito passivo e não do Requerente.

58. Esta legitimidade advém ainda do art.º 9.º n.º 1 do CPPT, quando concretamente dispõe que “Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido", dai enquadrar-se a legitimidade das entidades do art.º 3.º do CIS, como o caso do Requerente, pelo que, mesmo não sendo qualificado corro sujeito passivo do imposto, não está prejudicada a faculdade de reagirem contra a liquidação quando esta fira os seus legítimos interesses. Ficando expressamente salvaguardada, na parte final da alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, a legitimidade do repercutido para reclamar, recorrer, impugnar ou - após a Redação da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro - apresentar pedido de pronúncia arbitral.

59. Ou seja, de harmonia com o que dispõem 131º do CPPT, o substituído que quiser impugnar dispõe do prazo de dois anos após a apresentação da declaração para apresentar a necessária reclamação graciosa.

60. O Requerente apresentou a revisão oficiosa em 20-08-2018, conforme entrada n.º... de 21-08-2018 da DSMIT e dado que os atos tributários de imposto do seio, referente à verba 17 da TGIS, ora reclamados, são referentes ao período de julho a dezembro de 2014, janeiro a dezembro de 2015 e janeiro a junho de 2016, verifica-se que é intempestiva uma vez que, na data em que a mesma veio a ser apresentada, o prazo já se tinha completado, pelo que há que concluir que contudo, a convolação do presente procedimento numa reclamação graciosa afigura-se impossível, por intempestividade, uma vez que o pedido foi apresentado para além dos dois anos legalmente previstos no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.

61. Podemos assim concluir, que o presente pedido gracioso, foi apresentado no dia 20-08-2018, que deu entrada nos Serviços da DSMIT, é com efeito intempestivo, em conformidade com o estabelecido no art.º 131.º do CPPT, ex vi n.º 1 do artº 49.º do CIS, não permitindo assim a convolação do presente procedimento de revisão oficiosa em procedimento de reclamação graciosa.

62. Conforme refere Lima Guerreiro, in LGT Anotada, a existência de um dever de decisão depende do facto e de o pedido apresentado pelo interessado preencher um conjunto de pressupostos procedimentais subjetivos e objetivos, consistindo os primeiros na legitimidade do seu autor (existência de interesse legitimo), e na competência do órgão a quem o dirige (sendo suficiente uma competência genérica), e os segundos na inteligibilidade, unidade e tempestividade do pedido.

63. Concluímos assim, conforme se verificou supra, consideramos a revisão oficiosa inidónea para fazer valer a pretensão de quaisquer titular do encargo do imposto do selo, incluindo o Requerente, por falta de legitimidade, estando fora do alcance de qualquer repercutido ou substituído, pelo que a mesma deverá ser liminarmente rejeitada, uma vez que o legislador não atribuiu ao repercutido a faculdade de usar a revisão oficiosa corno meio de defesa.

 

VI. DA CONCLUSÃO E DA DECISÃO

Face ao exposto, analisados que foram os fundamentos invocados na petição e demais documentos constantes dos presentes autos de Revisão Oficiosa, deve o presente pedido de revisão ser rejeitado liminarmente, por ilegitimidade e bem como pela inidoneidade do meio processual utilizado, promovendo-se, em consequência, o arquivamento do mesmo.

Mais se informa que, em caso de Concordância Superior, se promova a notificação da Requerente através de ofício nos termos do previsto nos artigos 35.º a 41.º, todos do CPPT, com todas as consequências legais, não cabendo aqui a faculdade estabelecida na norma inserta no art.º 60º da Lei Geral Tributária.

 

c)            Sobre a informação referida o Senhor Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes proferiu em 19-12-2018, despacho em que refere o seguinte:

Concordando com o informado, determino a rejeição liminar do pedido formulado nos autos, com todas as consequências legais, disso se notificando o Requerente para os termos e efeitos do disposto nos artigos 35.º a 41.º do CPPT, conforme Parecer infra.

 

d)           A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa através do ofício datado de 19-12-2018 que consta do documento n.º 5, em que se refere, além do mais o seguinte:

Fica por este meio notificado de que no procedimento supra identificado, em 19-12-2018 foi proferido despacho de Rejeição, pelo Chefe de Divisão de Serviço Central, ao abrigo de Delegação de competências.

Fica ainda notificado de que deste despacho pode recorrer hierarquicamente no prazo de trinta dias, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 66.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT) ou interpor impugnação de atos administrativos no prazo de três meses, nos termos do art.º 50.º e da al. b) do nº 1 do art.º 58.º, ambos do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

A contagem dos prazos referidos inicia-se no dia útil seguinte aquele em que a notificação se concretizou, nos termos do n.º 10 do art.º 39.º do CPPT.

 

e)           Em 15-01-2019, a Requerente apresentou o recurso hierárquico cuja cópia consta do documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que, além de invocar a ilegalidade da decisão do pedido de revisão oficiosa, defendeu a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo;

f)            O recurso hierárquico não foi decidido até 03-06-2019, data em que a Requerente apesentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.1. Factos não provados

 

Não há factos potencialmente relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos dados como provados constam do processo administrativo junto com a Resposta e dos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral que se indicaram.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Questão de incompetência do Tribunal Arbitral por inidoneidade do meio processual

 

3.1. Posições das Partes

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita esta exceção de incompetência material pelas seguintes razões, em suma;

– a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral na sequência do indeferimento tácito de um recurso hierárquico de uma decisão de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa;

– nos termos do artigo 97.º, n.ºs 1, alíneas d) e p), e 2, do CPPT, a utilização do processo de impugnação judicial ou da ação administrativa depende do conteúdo do ato impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável a ação administrativa”

– como na decisão do pedido de revisão oficiosa não foi apreciada a legalidade dos atos de liquidação e o indeferimento tácito a mantém, está-se perante impugnação de ato que não comporta a apreciação da legalidade de atos de liquidação, para que é meio adequado a ação administrativa;

– o processo arbitral tributário encontra-se estabelecido por referência e com objeto em tudo semelhante ao processo de impugnação judicial, em relação à qual «deve constituir um meio processual alternativo»;

– assim, a sindicância do ato em questão está fora do âmbito das matérias suscetíveis de apreciação em sede arbitral, conforme resulta do artigo 2.º do RJAT.

 

A Requerente, na resposta que apresentou, diz o seguinte, em suma, sobre esta exceção:

– adere ao entendimento exposto pela AT na sua Resposta, estando perfeitamente ciente que, em situações em que os contribuintes suscitam, em sede de Revisão Oficiosa, a pronúncia da AT sobre a legalidade de atos de liquidação de tributos e esta entidade vem a indeferir liminarmente tais pedidos, o Tribunal Arbitral apenas é competente para sindicar tais decisões de indeferimento na medida em que tais decisões tenham comportado a apreciação da legalidade do ato de liquidação que constituía o seu objeto;

– assim, é certo que a jurisdição arbitral é competente para arbitrar pretensões relativas à declaração da legalidade de atos de liquidação de tributos - atos de primeiro grau - quando, num ato de segundo grau, a AT se tenha pronunciado relativamente à legalidade tal ato;

– mas, a questão que coloca é a da «competência do CAAD para apreciar a legalidade de decisões de indeferimento tácito de petições dos sujeitos passivos (atos de terceiro grau), emitidas após anteriores decisões de indeferimento liminar de atos de segundo grau»;

– o Recurso Hierárquico era o meio procedimental adequado para a ora Requerente reagir daquela decisão de indeferimento, a própria notificação do indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa indica o Recurso Hierárquico como um dos meios alternativos a empreender pela ora Requerente;

– a Requerente teve conhecimento que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem reconhecido a ilegalidade de atos de liquidação do tipo dos autos e no Recurso peticionou expressamente a pronúncia da AT quanto ao tema de fundo daquele processo – a legalidade das liquidações de Imposto do Selo;

– teve a AT toda a oportunidade para, caso entendesse, se pronunciar relativamente à legalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo em crise. Contudo, não o fez;

– estando em crise uma decisão de indeferimento tácito de um Recurso Hierárquico no qual a entidade à data Recorrente havia fornecido à AT todos os elementos necessários à apreciação da legalidade dos atos tributários emitidos, na esteira do disposto no RIAMT, não teve a ora Requerente dúvidas que o CAAD se afigurava competente para a apreciação da decisão de indeferimento (tácito) do Recurso Hierárquico por si interposto;

– decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT que estão abrangidos no âmbito da jurisdição do Tribunal Arbitral todos os tipos de atos passíveis de serem impugnados através de impugnação judicial, desde que tenham por objeto os atos mencionados no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT;

– e, em concreto, prevê a alínea d), do n.º 1, do artigo 102.º do CPPT, a possibilidade de apresentação de impugnação judicial, no prazo de 3 meses contados a partir da “Formação da presunção de indeferimento tácito";

– em face da conjugação das referidas disposições normativas, resulta inequívoco que a apreciação do indeferimento tácito de um recurso hierárquico encontra-se compreendida no âmbito da competência do Tribunal Arbitral, sendo este Tribunal concretamente competente para conhecer do pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento tácito sub judice e, bem assim, dos atos tributários subjacentes ao mesmo;

– o ato de indeferimento tácito comporta, em certa medida, a apreciação indireta da legalidade do ato tributário, sendo, portanto, o processo de impugnação judicial (ou o processo arbitral) adequado para o apreciar.

 

3.2. Questão da limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para conhecer de atos de segundo ou terceiro grau que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação

 

3.2.1. Competência para apreciar atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;

 

Para além da apreciação direta da legalidade de atos deste tipo, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, designadamente de atos que decidam reclamações graciosas e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas) e à «decisão do recurso hierárquico».

No art. 2.º do RJAT, em que se define a «Competência dos tribunais arbitrais», não se inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos tributários, pois, na redação introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, apenas se indica a competência dos tribunais arbitrais para «a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» e «a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais».

Porém, o facto de a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de atos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de atos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objeto um ato de um dos tipos indicados naquele artigo 2.º do RJAT.

Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).

Mas, este mesmo argumento que se extrai da autorização legislativa conduz à conclusão de que estará afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando, no processo judicial tributário, não for utilizável a impugnação judicial ou a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Na verdade, sendo este o sentido da referida lei de autorização legislativa e inserindo-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre o «sistema fiscal», inclusivamente as «garantias dos contribuintes» [artigos. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] (   ), e sobre a «organização e competência dos tribunais» [art. 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP], não pode o referido artigo 2.º do RJAT, sob pena de inconstitucionalidade, por falta de cobertura na lei de autorização legislativa que limita o poder do Governo (artigo 112.º, n.º 2, da CRP), ser interpretado como atribuindo aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para a apreciação da legalidade de outros tipos de atos, para cuja impugnação não são adequados o processo de impugnação judicial e a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

No caso presente, as Partes estão de acordo quanto a não ser o processo de impugnação judicial o meio adequado para, nos tribunais tributários, impugnar a decisão de indeferimento liminar do pedido de revisão oficiosa.

Na verdade, o ato de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação constitui um ato administrativo, à face da definição fornecida pelo artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no artigo 2.º, alínea d), da LGT, 2.º, alínea d), do CPPT, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que, no exercício de poderes públicos visou produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta. Por outro lado, é também inquestionável que se trata de um ato em matéria tributária, pois é feita nele a aplicação de normas de direito tributário.

Assim, aquele ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui um «ato administrativo em matéria tributária».

Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de atos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou ação administrativa (a que se reportam as referências recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses atos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de atos administrativos de liquidação. (   )

Eventualmente, como exceção a esta regra poderão considerar-se os casos de impugnação de atos de indeferimento de reclamações graciosas, pelo facto de haver uma norma especial, que é o n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. (   ) Outras exceções àquela regra poderão encontrar-se em normas especiais, posteriores ao CPPT, que expressamente prevejam o processo de impugnação judicial como meio para impugnar determinado tipo de atos. (   )

Mas, nos casos em que não há normas especiais, é de aplicar aquele critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa.

À face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa, os atos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes atos de autoliquidação. Se o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de ato de autoliquidação não comporta a apreciação da legalidade deste será aplicável a ação administrativa para o impugnar. Trata-se de um critério de distinção dos campos de aplicação dos referidos meios processuais de duvidosa justificação, mas o certo é que é o que resulta do teor das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e tem vindo a ser uniformemente adotado pelo Supremo Tribunal Administrativo. (   )

Por outro lado, esta constatação de que há sempre um meio impugnatório processual adequado para impugnar contenciosamente o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de ato de autoliquidação, conduz, desde logo, à conclusão de que não se está perante uma situação em que no processo judicial tributário pudesse ser utilizada a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois a sua aplicação no contencioso tributário tem natureza residual, uma vez que essas ações «apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido» (artigo 145.º, n.º 3, do CPPT).

Uma outra conclusão que permite a referida delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa é a de que, restringindo-se a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao campo de aplicação do processo de impugnação judicial, apenas se inserem nesta competência os pedidos de declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos autoliquidação que comportem a apreciação da legalidade destes atos.

A preocupação legislativa em afastar das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de atos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da diretriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta com clareza da alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objetos possíveis do processo arbitral tributário «os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação», pois esta especificação apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objetos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos atos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação.

No caso em apreço, o motivo invocado para o indeferimento da revisão oficiosa foi a ilegitimidade da Requerente, o que, obviamente, não implica apreciação da legalidade ou não de qualquer ato de liquidação ou de autoliquidação.

Porém, à face do critério de repartição dos campos do processo de impugnação judicial e da ação administrativa especial delineado pelas alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, não é necessário que a apreciação da legalidade de um ato de liquidação seja o fundamento da decisão procedimental ou que no pedido formulado se peça a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, bastando que esse ato a comporte, o que, neste contexto, significa que no ato impugnado se inclua um juízo sobre a legalidade de um ato de liquidação, mesmo que não seja a sua legalidade ou ilegalidade o fundamento da decisão.

Ora, no caso em apreço, não se pode entender que a decisão do pedido de revisão oficiosa inclua a apreciação da legalidade de qualquer ato de liquidação ou autoliquidação.

Por isso, é correto o entendimento, sobre o qual as Partes estão de acordo, de que os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não são competentes para apreciar a legalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

3.3. Questão da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciação de indeferimentos tácitos de recursos hierárquicos

 

 A Requerente, além de questionar no recurso hierárquico a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, colocou também a questão da ilegalidade das liquidações.

Por isso, entende que Requerente que «o ato de indeferimento tácito comporta, em certa medida, a apreciação indireta da legalidade do ato tributário, sendo, portanto, o processo de impugnação judicial (ou o processo arbitral) adequado para o apreciar».

Não é esse, porém, o regime que resulta da lei.

Na verdade, o indeferimento tácito, que é um conceito que ainda vigora no contencioso tributário (depois de ter sido abandonado no contencioso administrativo, na reforma de 2002/2004), não constitui um ato, mas uma presunção destinada a permitir aos contribuintes a impugnação contenciosa ou administrativa, nos casos em que pretendem utilizar meios processuais que têm um ato como seu objeto, como se infere do preceituado no n.º 5 do artigo 57.º da LGT.

Nos casos de recurso hierárquico, em que é impugnado um anterior ato expresso, existe já um anterior ato impugnável, pelo que, no caso de indeferimento tácito do recurso hierárquico, é esse anterior ato expresso e não o indeferimento tácito o objeto da impugnação, como resulta do preceituado no artigo 198.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT: o decurso do prazo para decisão do recurso hierárquico «sem que haja sido tomada uma decisão, conferem ao interessado a possibilidade de impugnar contenciosamente o ato do órgão subalterno ou de fazer valer o seu direito ao cumprimento, por aquele órgão, do dever de decisão».

Assim, o ato do subalterno, que se presume confirmado tacitamente no caso do recurso hierárquico não ser decidido no prazo legal, é o relevante para aferir a idoneidade do meio processual.

É neste sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre o indeferimento tácito de recurso hierárquico (à face do artigo 175.º, n.º 3, do Código do Procedimento Administrativo de 1991, que, para este efeito, tem alcance substancialmente idêntico ao artigo 198.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo de 2015), como pode ver-se pelo acórdão de 21-11-2007, processo n.º 0444/07, em que se entendeu:

               

«Nos casos de indeferimento tácito de recurso hierárquico considera-se indeferido o recurso (art. 175.º, n.º 3, do CPA), pelo que, quando a decisão da reclamação graciosa impugnada conheceu da legalidade de acto de liquidação (no caso, deferindo parcialmente a pretensão formulada), aquele indeferimento tácito considera-se também ter por objecto a legalidade do acto de liquidação cuja legalidade foi apreciada na decisão da reclamação.»

 

Assim, nos casos de indeferimento tácito de recurso hierárquico interposto de ato expresso, é à face do conteúdo deste ato recorrido que se afere se foi ou não apreciada a legalidade de ato de liquidação.

No caso em apreço, o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de que foi interposto recurso hierárquico não apreciou a legalidade de ato de liquidação, pelo que tem de se concluir que o meio processual idóneo para a apreciação do indeferimento tácito do recurso hierárquico é a ação administrativa.

Consequentemente, a apreciação do indeferimento tácito do recurso hierárquico não se insere na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.  

 

4. Questão da Incompetência material e da intempestividade para a impugnação direta dos atos de liquidação

 

A Requerente refere pretender pronúncia sobre a ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo praticados pelo Banco C... entre Julho de 2014 e Junho de 2016 e pede que sejam parcialmente anulados.

Não se está perante situação de incompetência material, pois a Requerente fez preceder o pedido de pronúncia arbitral de utilização da via administrativa, sendo o pedido de revisão oficiosa equiparável à reclamação administrativa, para efeitos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, como se tem entendido em várias decisões arbitrais e é aceite pelo Tribunal Central Administrativo Sul (acórdão de 11-07-2019,processo n.º 147/17.4BCLSB).

No entanto, tendo as liquidações sido efetuadas  entre Julho de 2014 e Junho de 2016 e tendo os pagamentos sido efetuados nos anos de 2014, 2015 e 12016 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) é manifesto que à data em que foi apresentado o pedido de constituição do tribunal arbitral, em 2019, já havia há muito transcorrido o prazo para impugnação direta dos atos referidos, com a consequente caducidade do direito de ação respetivo.

Na verdade, o artigo 10.º, n.º 1, do RJAT estabelece que «o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado» «no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico» e «no prazo de 30 dias, contado a partir da notificação dos atos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 2.º, nos restantes casos».

No caso em apreço, o início do prazo de 90 dias tem lugar com o conhecimento do ato, nos termos do artigo 102.º, n.º 1, alínea f), do CPPT, conjugado com a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

Por isso, tendo as liquidações sido pagas nos anos de 2014 a 2016, tem de se concluir que é intempestivo o pedido de pronúncia arbitral para impugnar diretamente os atos de liquidação.

 

5. Questões de conhecimento prejudicado

 

De harmonia com o exposto procedem as exceções da incompetência material e da intempestividade suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que se verificam obstáculos à apreciação de ambos os pedidos formulados pela Requerente.

Consequentemente, impõe-se absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no processo.

 

 6. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar procedentes as exceções da incompetência material deste Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e a exceção da intempestividade quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação;

– absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira em relação a ambos os pedidos.

            

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 941.872,81.

 

8. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 13.158,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 23-10-2019

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(João Pedro Rodrigues)

(Eduardo Paz Ferreira)