DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dra. Fernanda Maçãs (Presidente), Professor Doutor Sérgio Vasques e Dr. Henrique Nogueira Nunes (Vogais), designados pelo Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I – RELATÓRIO
1.1. A..., S.A. (doravante designada por “Requerente”), titular do número de identificação fiscal..., com sede social na Rua ..., nr.º..., ..., requereu, no dia 21 de Maio de 2019, a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).
1.2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 27 de Maio de 2019.
1.3. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.°..., apresentado por referência à decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.° ...2016... que teve por base a liquidação adicional de IVA n.º 2016..., relativa ao 4.° trimestre de 2015.
1.4. Entende a Requerente que a supra referida liquidação adicional de IVA é ilegal por padecer de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo ser anulada e ordenar-se a devolução do imposto indevidamente pago no valor de € 240.448,17.
1.5. O Tribunal Arbitral foi constituído em 31 de Julho de 2019.
1.6. A AT ou Requerida, por requerimento apresentado no SGP do CAAD em 01 de Outubro de 2019, já após a constituição do Tribunal Arbitral, veio informar o Tribunal sobre a revogação da administrativo de liquidação adicional de IVA em causa nos autos, por despacho proferido pelo Senhor Subdirector-Geral da gestão da área tributária – IVA, por considerar que o pedido da Requerente merece total procedência, mais determinando, em sede de execução, o reembolso do valor pago e de juros indemnizatórios.
1.7. O Requerente, notificado pelo Tribunal em 01 de Outubro de 2019, para se pronunciar sobre a revogação do acto administrativo em causa nos autos, o que determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, veio informar o Tribunal nada ter a opor à mesma, mais requerendo a devolução do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios e a restituição da taxa de arbitragem paga.
II – SANEADOR
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
III – FUNDAMENTAÇÃO
1. MATÉRIA DE FACTO
§1. Factos provados
Com interesse para a decisão a proferir nos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade de direito português que exerce a sua atividade na área da indústria e comercialização de bebidas, vegetais e conservas de frutos.
b) A Requerente ficou numa situação de crédito de IVA, tendo solicitado, na declaração periódica de IVA referente ao 4.º trimestre de 2015 o reembolso de IVA no montante de € 1.007.607,17 cfr. declaração de IVA do 4.º Trimestre de 2015, cuja cópia foi junta aos autos pela Requerente como Documento n.º 2.
c) A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção interna conduzida pela Divisão VI, Equipa 61, Departamento B, do Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, com o objetivo de aferir a legitimidade do referido reembolso.
d) No âmbito da ação inspetiva em apreço, a Requerente foi notificada, a 14 de abril de 2016, do projeto de relatório da inspeção, em que a Autoridade Tributária e Aduaneira propôs correções em sede de IVA, no montante total de EUR 240.448,17 - cfr. projeto de relatório de inspeção tributária junta pela Requerente Documento n.º 3.
e) A Requerente exerceu o respectivo direito de audição relativamente ao projeto de relatório de inspeção - cfr, direito de audição junto pela Requerente como Documento n. º 4.
f) Na sequência da ação inspetiva referida supra, a Requerente foi notificada a 23 de junho de 2016 da demonstração da liquidação adicional de IVA identificada sob o n.º 2016..., respeitante ao período do 4 º trimestre de 2015 - cfr. liquidação de IVA, cuja cópia foi junta pela Requerente como Documento n.º 25.
g) Da referida liquidação adicional de IVA resultou um valor de IVA a pagar de € 240.448,17 (duzentos e quarenta mil, quatrocentos e quarenta e oito euros e dezassete cêntimos) - cfr. Documento n. º 25 junto aos autos pela Requerente.
h) Não concordando com a legalidade do referido ato de liquidação adicional de IVA, a Requerente apresentou reclamação graciosa, tendo em vista a anulação do mesmo e o reembolso do montante de imposto pago indevidamente - cfr. reclamação graciosa junto aos autos pela Requerente como Documento n.º 26.
i) A AT não concedeu provimento à reclamação graciosa apresentada, tendo indeferido a mesma - cfr. decisão de indeferimento da reclamação graciosa junta aos autos pela Requerente como Documento n.º 27.
j) Do indeferimento supra a Requerente apresentou recurso hierárquico - cfr. recurso hierárquico, junto aos autos como Documento n.º 28.
k) A AT proferiu, a 18 de fevereiro de 2019, decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado pela Requerente - cfr. Documento n.º 1 junto aos autos pela Requerente.
l) No dia 21 de Maio de 2019 o Requerente apresentou requerimento de constituição do Tribunal Arbitral junto do CAAD – cfr. requerimento electrónico no sistema do CAAD.
m) Por requerimento apresentado no SGP do CAAD em 01 de Outubro de 2019, já após a constituição do Tribunal Arbitral, a Requerida veio informar o Tribunal sobre a revogação da administrativo de liquidação adicional de IVA em causa nos autos, por despacho proferido pelo Senhor Subdirector-Geral da gestão da área tributária – IVA, por considerar que o pedido da Requerente merece total procedência, mais determinando, em sede de execução, o reembolso do valor pago e de juros indemnizatórios.
n) O Requerente, notificado pelo Tribunal para se pronunciar sobre o requerimento apresentado pela Requerida, manifestou a sua não oposição à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
§2. Factos não provados
Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não existem factos não provados.
§3. Fundamentação dos factos provados
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, na análise crítica da prova documental, que consta dos autos, incluindo o processo administrativo.
IV - DO DIREITO
O artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, dispõe o seguinte: “A instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito.
A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.
Assim, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide traduz-se numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.
Segundo José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555), “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
In casu temos que, depois de notificada para exercer o direito de resposta, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT, a Requerida satisfez por inteiro e de modo voluntário as pretensões que a Requerente formulou nos presentes autos.
Com efeito, a Requerida veio revogar o acto administrativo - liquidação adicional de IVA - por considerar ser de proceder integralmente a pretensão da Requerente, mais arbitrando o reembolso do valor pago indevidamente e o pagamento de juros indemnizatórios.
Nessa medida, a pretensão da Requerentes com o presente processo arbitral encontra-se integralmente satisfeita.
Assim sendo, não oferece dúvida que a decisão arbitral que, normalmente seria proferida, conhecendo do mérito da pretensão deduzida, se afigura destituída de qualquer efeito útil, pelo que não se justifica a sua prolação.
Termos em que, com as devidas adaptações, se julga verificada a inutilidade superveniente da lide, que é causa de extinção da instância, nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT.
IV - RESPONSABILIDADE QUANTO A CUSTAS
Como se provou, veio a Requerida, já depois de constituído o Tribunal Arbitral, satisfazer totalmente o pedido de pronúncia arbitral que a Requerente formulou correspondendo integralmente ao peticionado pela Requerente.
Nos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.
O n.º 4 do mesmo artigo estatui, no que aqui importa atentar, que se considera, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente.
No caso em apreço, como ficou demonstrado, a pretensão da Requerente foi totalmente satisfeita voluntariamente pela AT, por esta ter revogado o ato tributário impugnado, mas já depois de constituído o Tribunal Arbitral, pelo que as custas devem-lhe ser totalmente imputáveis.
Termos em que a Requerida é condenada a pagar as custas do processo no valor de € 4.284,00.
V – DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
b) Condenar a Requerida pela totalidade das custas.
* * *
Fixa-se o valor do processo em Euro 240.448,17, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 297.º do CPC.
O montante das custas é fixado em Euro 4.284,00, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 25 de Outubro de 2019.
O Tribunal Arbitral Coletivo
(Maria Fernanda Maçãs)
(Sérgio Vasques)
(Henrique Nogueira Nunes)
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.