DECISÃO ARBITRAL
O Árbitro Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 14 de Junho de 2019, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:
RELATÓRIO
1.1. A... (doravante designada por “Requerente”), pessoa colectiva nº..., com domicílio na Rua ..., ..., em Lisboa, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 28 de Março de 2019, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).
1.2. A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral se pronuncie e proceda à “anulação, por ilegalidade, do despacho de indeferimento parcial da Reclamação Graciosa, na parte em que aquele despacho indeferiu essa Reclamação”, à “anulação das autoliquidações de IUC e de JC aqui impugnadas, com a consequente restituição da totalidade do IUC/JC indevidamente pago, € 4.692,03”, ao “reconhecimento do direito da Requerente a juros indemnizatórios (…)” e à “condenação da Requerida no pagamento da taxa arbitral e demais encargos, se os houver”.
1.3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 29 de Março de 2019 e foi notificado, na mesma data, à Requerida.
1.4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro, em 23 de Maio de 2019, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
1.5. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
1.6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 14 de Junho de 2019, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, “apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, querendo, solicitar a produção de prova adicional”.
1.7. Em 11 de Julho de 2019, a Requerida apresentou a sua Resposta tendo-se defendido por impugnação e concluído que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido”.
1.8. Adicionalmente, na mesma data a Requerida juntou aos autos cópia do processo administrativo.
1.9. Por despacho arbitral de 11 de Julho de 2019, tendo em consideração “o facto de não ter sido deduzida, na Resposta apresentada (…) matéria de excepção de que cumpra conhecer” e “o facto da posição das Partes estar plenamente definida nos Autos e suportada pelos meios de prova documental juntos”, foi decidido pelo Tribunal Arbitral, “ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19º, nº 2, e 29º, nº 2, do RJAT), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT (…)”, “dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT” e “determinar que o processo prossiga com alegações escritas facultativas, a apresentar no prazo sucessivo de 10 dias, a contar da notificação do presente despacho”, tendo sido designado “(…) o dia 4 de Outubro de 2019 para efeitos de prolação da decisão arbitral”.
1.10. Adicionalmente, foi a Requerente ainda advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente (…) e comunicar esse pagamento ao CAAD”.
1.11. Em 2 de Setembro de 2019 foram ambas as Partes notificadas de despacho arbitral com o seguinte teor:
“(…). Em resultado de uma análise detalhada da informação constante do processo administrativo anexado aos autos, em 11 de Julho de 2019, pela Requerida, verificou este Tribunal Arbitral que nas Informações emitidas pela Autoridade Tributária de apreciação do teor da referida reclamação graciosa, foi considerado que nos termos do disposto no nº 1 do artigo 70º do CPPT, o prazo legal para apresentação da Reclamação Graciosa é de 120 dias contados dos factos previstos no nº 1 do artigo 102º do mesmo diploma (…) e que considerando os elementos disponibilizados no Processo de Reclamação e, atendendo ao termo do prazo para pagamento voluntário das liquidações em crise (…), e tendo a Reclamação Graciosa sido recepcionada (…) em 21.03.2018, afigura-se-nos ser, a presente, tempestiva. Não obstante, tendo em consideração o prazo previsto para sua apresentação, entende este Tribunal Arbitral que a mesma pode ter sido extemporaneamente apresentada para algumas das liquidações cuja anulação se pedia na referida reclamação graciosa. Ora, tendo em consideração, nomeadamente, o teor do Acórdão do TCAN (processo nº 01584/09.3BEPRT), de 11-10-2017, no sentido que só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a extemporaneidade da reclamação (…) conduz à sua necessária improcedência (…), bem como o teor do Acórdão do TCAS (processo nº 07644/14), de 23-03-2017, no sentido que estando a reclamação graciosa fora de prazo à data em que foi apresentada, (…), a impugnação judicial também será intempestiva, a intempestividade parcial da reclamação graciosa terá de ter repercussões no pedido arbitral, porquanto, a confirmar-se, configura matéria de excepção que deve ser suscitada oficiosamente pelo Tribunal Arbitral. Nestes termos, notifiquem-se ambas as Partes para, no prazo para alegações (a decorrer), notificado através do despacho arbitral de 11 de Julho de 2019, se pronunciarem querendo sobre o teor desta excepção. (…)”
1.12. A Requerente apresentou requerimento em 6 de Setembro de 2019 nos termos do qual veio referir que “a reclamação graciosa em questão foi apresentada a 06/03/2018 (…) e não em 21/03/2018 (…)” e que “(…) como se demonstra (…), em nenhuma das liquidações decorreram mais de 120 dias entre a data das mesmas e a data da apresentação da reclamação graciosa”, concluindo que “a reclamação graciosa foi apresentada tempestivamente relativamente a todas as liquidações”, reiterando que “mantém-se tudo quanto foi alegado no requerimento inicial arbitral, cujo teor, por brevidade de exposição, se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais”.
1.13. A Requerida apresentou requerimento em 10 de Setembro de 2019 nos termos do qual afirma que “concorda com o despacho arbitral de 2019-09-02, no sentido de que a reclamação graciosa foi extemporaneamente apresentada para algumas das liquidações cuja anulação a Requerente solicita, pelo que também o pedido arbitral será parcialmente extemporâneo”, concluindo que, nessa medida, deve “(…) a AT ser absolvida do pedido”.
2. CAUSA DE PEDIR
2.1. A Requerente pretende, com o pedido de pronúncia arbitral:
2.1.1. “a declaração de ilegalidade do (…) despacho, na parte em que este indeferiu a Reclamação Graciosa”,
2.1.2. “a declaração de ilegalidade das autoliquidações de IUC e respectivos JC que somam € 4.692,03 (parte não deferida/autoliquidações não anuladas)”.
2.2. “A Requerente é (…) uma instituição financeira especializada no ramo automóvel”, adquirindo “viaturas novas aos importadores nacional B... e C... e por norma faz locações (…) dessas mesmas viaturas a favor de terceiros”, sendo que “após o termo de tais contratos, a Requerente procede à transmissão da propriedade das viaturas aos correspondentes locatários ou a terceiros, por um valor residual”.
2.3. Esclarece ainda a Requerente que, “em casos excepcionais, (…) concede crédito/financiamento a terceiros, para a aquisição automóvel reservando contudo a propriedade das viaturas”
2.4. Refere a Requerente que “uma vez que foi sempre seu apanágio ter a situação tributária devidamente regularizada (…)”, “as autoliquidações aqui impugnadas foram integralmente pagas pela Requerente, apesar delas discordar”, “(…) na medida em que não era o sujeito passivo do IUC e inerente JC aqui em discussão”.
2.5. Assim, “(…) apresentou Reclamação Graciosa contra essas autoliquidações de IUC e JC (…)”, a qual foi parcialmente indeferida, vindo aqui impugnar não só o despacho que a indeferiu parcialmente, “(…) bem como aquelas autoliquidações de IUC e JC (…)” por entender que as mesmas “padecem de erro nos pressupostos de facto e de vício de violação de lei – pelo que deve ser declarada a ilegalidade daquele despacho, naquele segmento, e daquelas autoliquidações, com a sua consequente anulação”.
2.6. Com efeito, segundo a Requerente, “a AT, no despacho de indeferimento parcial aqui impugnado, pronuncia-se sobre a (i)legalidade das autoliquidações de imposto (…)”, baseando-se “(…) única e exclusivamente na informação constante do Registo Automóvel, particularmente a falta de registo de qualquer locação e locatário, e a circunstância das viaturas estarem registadas em nome da Requerente nas datas da exigibilidade do IUC (datas de aniversário das viaturas em relação à data da matrícula inicial)”.
2.7. Contudo, a Requerente alega que, em matéria de Reclamação Graciosa, anexou documentos “(…) respeitantes aos veículos identificados pelo respetivo número de matrícula, no qual se pode verificar a alocação das viaturas aos respetivos contratos de locação financeira e de locação operacional com promessa de compra e venda”, incluindo “(…) cópia dos contratos de locação financeira bem como de locação operacional com promessa de compra e venda, consoante os casos”, “sendo certo que nos contratos de locação estão claramente identificados os utilizadores dos veículos em questão”.
2.8. Em consequência, entende a Requerente que “nas datas da exigibilidade do IUC respeitante às viaturas em causa, a Requerente já os havia locado a favor de terceiros, conforme alegou e demonstrou na Reclamação Graciosa (…)”.
2.9. Ora, segundo a Requerente, “nos termos do artigo 3º nº 1 do CIUC (…) os responsáveis pelo pagamento/sujeitos passivos do IUC são os proprietários dos veículos à data da exigibilidade do IUC, ou seja, na data da matrícula ou nas datas de aniversário em relação à data da matrícula” mas, “em casos de locação financeira (leasing), aluguer de longa duração (ALD) e aluguer operacional de viaturas (AOV), segundo o artigo 3º nº 2 do CIUC os sujeitos passivos do IUC são outrossim os (…) locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação, uma vez que estes são equiparados aos proprietários dos automóveis”.
2.10. Nestes termos, “nos períodos em apreço, e para as viaturas visadas pelas notas de autoliquidação (…), a Requerente era a locadora financeira ou a locadora em contratos de ALD com promessa de compra e venda nas datas da exigibilidade do imposto – os locatários eram terceiros como é possível observar pelas cópias dos contratos de locação financeira e de locação operacional com promessa de compra e venda, entre outros documentos, que constam do dossier relativo a cada uma das viaturas em análise (…)”.
2.11. Ora, “considerando a lei que, nestes casos, para efeitos de IUC os proprietários dos veículos são os locatários financeiros ou os titulares de direitos de opção de compra por força de contrato de locação/ALD, consoante os casos”, “a Requerente não se conforma com as autoliquidações de IUC e JC em questão, na medida em que não era o sujeito passivo do imposto nas respectivas datas de exigibilidade” do imposto porquanto “nessas datas a Requerente já tinha locado as viaturas a terceiros (…) que eram, assim, os utilizadores dos veículos (…)”.
2.12. Assim, entende a Requerente que “(…) o artigo 3º nº 1 do CIUC estabelece uma presunção legal iuris tantum (e não iure et de iure) - ou seja, susceptível de prova em contrário” pelo que, “sendo que o artigo 73º da LGT afirma claramente que as presunções consignadas em normas de incidência tributária (como é o caso) admitem sempre prova em contrário, em concretização dos princípios constitucionais vigentes no domínio fiscal” e “embora o IUC seja devido pelos proprietários dos veículos, é Jurisprudência unânime que as pessoas em nome de quem os veículos estejam matriculados ou registados podem ilidir a (mera) presunção legal que decorre do registo automóvel”.
2.13. Acrescenta ainda a Requerente que, “correlacionado com a questão antecedente, está o vício da violação do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material (…)”, “princípio, este, corolário do primado do interesse público e que é fundamental na correcta compreensão das regras de funcionamento do ónus da prova em direito e processo tributário (…) – substancialmente distantes daquelas que vigoram num processo de partes, entre privados, onde prevalece o interesse privado das partes litigantes”, sendo que “de acordo com o artigo 58º da LGT, (…) a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.
2.14. Segundo a Requerente, “in casu, a AT demonstrou total desinteresse na procura da verdade material (…)” porquanto “não atendeu, designadamente, às facturas de venda das viaturas em causa, das quais tem pleno conhecimento oficioso (…)” não tendo a AT encetado “qualquer diligência ao seu dispor para a descoberta da verdade material”.
2.15. E, “não sendo devido imposto, pelas razões sobreditas, não são igualmente devidos quaisquer JC, acessórios do imposto principal, com base no qual são liquidados e do qual dependem” pelo que “(…) devem ser igualmente anulados”.
2.16. E “dado que as autoliquidações aqui impugnadas foram pagas, para além da devolução do IUC e JC indevidamente pago, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento, por erro de facto e de Direito da AT (…)”.
3. RESPOSTA DA REQUERIDA
3.1. A Requerida, na resposta apresentada, começa por referir que “(…) as alegações da Requerente não podem de todo proceder, porquanto faz uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso sub judice notoriamente errada” porquanto “(…) o entendimento propugnado pela Requerente incorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC”.
3.2. Adicionalmente, entende também a Requerida que a Requerente atribui um valor “inflacionado” à jurisprudência arbitral.
Da incidência subjectiva do IUC
3.3. Quanto ao cerne da questão, ou seja, a questão da incidência subjetiva do IUC, entende a Requerida que “o primeiro equívoco subjacente à interpretação defendida pela Requerente prende-se com uma enviesada leitura da letra da lei”, porquanto “estabelece o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC que são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”.
3.4. Ora, segundo a Requerida, “(…) é no texto da lei que deve ser procurada a resposta para qualquer problema; é este o ponto de partida do processo hermenêutico e também um seu limite, na medida em que não é possível considerar aqueles sentidos que não tenham (…) na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, sendo que “o legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1 quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), (…)”.
3.5. E, reitera a Requerida, “o legislador não usou a expressão “presumem-se”, como poderia ter feito (…)” sendo que “o normativo fiscal está repleto de previsões análogas à consagrada na parte final do n.º 1 do artigo 3.º, em que o legislador fiscal, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, expressa e intencionalmente, consagra o que deve considerar-se legalmente, para efeitos de incidência, de rendimento, de isenção, de determinação e de periodização do lucro tributável, para efeitos de residência, de localização, entre muitos outros”.
3.6. Nestes termos, é para a Requerida “imperativo concluir que, no caso dos presentes autos de pronúncia arbitral, o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como (…) proprietários ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas (…) as pessoas em nome das quais os (…) veículos (…) se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal”.
3.7. Assim, para a Requerida, “entender que o legislador consagrou aqui uma presunção, seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem”, pelo que conclui a Requerida que “em face desta redacção não é manifestamente possível invocar que se trata de uma presunção, conforme defende a Requerente”, tratando-se “de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel”, concluindo que “o artigo 3.º do CIUC não comporta qualquer presunção legal (…)”.
Da interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime
3.8. Entende a Requerida que “da articulação entre o âmbito da incidência subjectiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorre inequivocamente que só as situações jurídicas objecto de registo (…) geram o nascimento da obrigação de imposto (…)” sendo que este se “considera exigível no primeiro dia do período de tributação (…)”, “ou seja, o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação directa com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo”.
3.9. Assim, “na falta de tal registo (…) será o proprietário notificado para cumprir a correspondente obrigação fiscal, pois a Requerida (…) não terá que proceder à liquidação do imposto com base em elementos que não constem de registos e documentos públicos (…) pelo que a não actualização do registo será imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na do Estado Português, enquanto sujeito activo deste Imposto”.
3.10. Prossegue a Requerida argumentando que, “a aceitar-se a posição defendida pela Requerente (…) a Requerida teria de proceder à liquidação de IUC relativamente a esse outrem identificado pela pessoa constante do registo automóvel a quem havia primeiramente liquidado o IUC (…)”.
3.11. “Por sua vez, após liquidar o IUC relativamente a esse outrem, este também poderia alegar e provar que entretanto já celebrou (…) locação financeira (…) com um outro terceiro, mas que este também não registou (…)”, “(…) e assim sucessivamente (…)”, “colocando (…) em causa o prazo de caducidade do imposto” pelo que, no entender da Requerida, “não pode de todo acompanhar-se tal leitura”.
Da interpretação que ignora o elemento teleológico de interpretação da lei
3.12. Neste sentido, alega a Requerida que “(…) o novo regime de tributação do IUC veio alterar de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando a ser sujeitos passivos do imposto os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública”.
3.13. E citando o teor dos debates parlamentares em torno da aprovação do Decreto-Lei
nº 20/2008, de 31 de Janeiro, resulta inequívoco para a Requerida que “o IUC passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos”, tendo aquele diploma “(…) como objectivo estabelecer os procedimentos tendentes a adaptar o registo automóvel ao novo regime de tributação, de molde a evitar os problemas existentes, nomeadamente, os relacionados com o facto de existirem muitos veículos não registados em nome do real proprietário”.
3.14. Assim, segundo a Requerida, “resulta claro que os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei (…)”, na medida em que à luz do disposto na legislação aplicável, “(…) era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC”.
Quanto aos documentos juntos com vista à ilisão da presunção
3.15. Nesta matéria, entende a Requerida que sendo “a Requerente, na qualidade de proprietária constante da Conservatória do Registo Automóvel, o sujeito passivo do IUC (…) todo o raciocínio propugnado pela Requerente se encontra eivado de erro, não sendo possível ilidir a presunção legal estabelecida”.
3.16. “Todavia (…) aceitando-se ser admissível a ilisão da presunção à luz da jurisprudência (…), importará ainda assim, apreciar os documentos juntos pela Requerente e o seu valor probatório com vista a tal ilisão”.
3.17. Com efeito, para a Requerida, as “(…) cópias de contratos de aluguer de veículo sem condutor e promessa de venda” anexadas pela Requerente aos autos, não constituem “(…) prova suficiente para abalar a (suposta) presunção legal estabelecida no artigo 3º do CIUC”, impugnando a Requerida, “(….) para todos os efeitos legais os documentos juntos ao pedido arbitral” (negrito e sublinhado da Requerida).
3.18. E, segundo entende a Requerida, dado que “as regras do registo automóvel (ainda) não chegaram ao ponto dos contratos poderem substituir o requerimento de registo automóvel (…)”, não tendo a Requerente anexado “(…) cópias do (…) modelo oficial para registo de propriedade automóvel quando podia e devia tê-lo feito (…) no requerimento do pedido de pronúncia arbitral (…)” encontra-se “(…) agora precludida a possibilidade de o fazer em momento ulterior”.
3.19. Por outro lado, entende ainda a Requerida que “(…) os meros documentos unilaterais não possuem valor probatório bastante com vista a ilidir a presunção legal constante do registo”, concluindo que “(…) o que a Requerente apresenta é insuficiente para ilidir uma presunção legal decorrente do registo das viaturas em seu nome nas datas de exigibilidade dos impostos” (sublinhado da Requerida).
Do pagamento dos juros indemnizatórios
3.20. A este respeito, alega a Requerida que “o registo automóvel constitui a pedra angular de todo o edifício em que assenta o IUC”, mas “a competência para o registo automóvel não se encontra na esfera da Requerida, mas sim atribuída a várias entidades exteriores (…) a quem cabe transmitir à Requerida as alterações que se venham a verificar quanto à propriedade dos veículos automóveis”.
3.21. Assim, alega a Requerida que “o IUC não é liquidado de acordo com informação gerada pela própria Requerida (…)” pelo que “não tendo a Requerente cuidado da actualização do registo automóvel (…) forçoso é concluir que a Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível”, levando “(…) a Requerida a limitar-se a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita (…)”.
3.22. Nestes termos, entendendo a Requerida não ter sido “(…) quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a própria Requerente”, em consequência defende que “deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral (…)”.
3.23. Para a Requerida, “o mesmo raciocínio se aplica relativamente ao pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Requerente”, porquanto “não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatórios (…)”.
3.24. Adicionalmente, “estando fixados os factos sobre os quais é requerida a decisão e dado parecer estar em causa apenas matéria de direito, os documentos juntos pela Requerente e pela Requerida (…) são suficientes à emissão da decisão arbitral”, peticiona a Requerida que o Tribunal Arbitral dispense a realização da reunião referida no artigo 18º do RJAT “e caso a Requerente não se oponha, se passe directamente à decisão da causa”, requerendo também o indeferimento da prova testemunhal requerida no pedido.
3.25. Nestes termos, conclui a Requerida a resposta apresentada no sentido que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados, (...) absolvendo-se (…) a Requerida do pedido”.
4. SANEADOR
4.1. O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.
4.2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
4.3. No que diz respeito à tempestividade do pedido, vide Capítulo 6 desta Decisão, sob a epígrafe “Questão prévia” relativa à análise da excepção oficiosamente suscitada pelo Tribunal Arbitral.
4.4. A cumulação de pedidos é legal e válida, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT, dado que a procedência daqueles depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
4.5. Não foram suscitadas outras excepções de que cumpra conhecer, nem se verificam nulidades processuais.
5. MATÉRIA DE FACTO
Dos factos provados
5.1. A Requerente é uma sucursal da sociedade financeira D..., S.A., sociedade francesa que incorporou, por operação de fusão incorporação transfronteiriça, com efeitos a 1 de Julho de 2016, as operações financeiras da E..., bem como todas as suas responsabilidades legais.
5.2. A E... era uma Instituição Financeira que, no âmbito da sua actividade, praticava operações permitidas aos bancos, com a excepção da recepção de depósitos, podendo celebrar com os seus clientes contratos de Aluguer de Longa Duração (ALD), de Aluguer de Curta Duração e contratos de Locação Financeira (Leasing) de veículos automóveis.
5.3. A Requerente, enquanto sucursal da D..., S.A. (sociedade incorporante da E...) é, em Portugal, uma Instituição Financeira, especializada no ramo automóvel e, nesse sentido, adquire viaturas novas aos importadores nacionais B... e C... de modo a poder celebrar futuros contratos de Leasing ou de ALD com terceiros.
5.4. A Requerente procede à transmissão da propriedade das viaturas aos correspondentes locatários ou a terceiros, após o termo de tais contratos de Leasing ou de ALD, por um valor residual.
5.5. Em casos excepcionais, a Requerente concede crédito/financiamento a terceiros para a aquisição automóvel, reservando contudo a propriedade das viaturas.
5.6. Para efeitos fiscais, a Requerente encontra-se registada junto do serviço periférico local territorialmente competente (Serviço de Finanças de Lisboa ...), com o CAE 64190 – Outra Intermediação Monetária e integra o grupo de contribuintes considerados contribuintes de elevada relevância económico e fiscal (ou grandes contribuintes).
5.7. Relativamente ao ano 2017, na data aniversário da matrícula, encontravam-se registadas em nome da Requerente, na base de dados do Registo Automóvel, as seguintes viaturas:
MATRÍCULA
# DATA
... 27-04-2016
... 27-04-2016
... 27-04-2016
... 26-09-2016
... 30-09-2015
... 30-09-2015
... 30-11-2015
... 30-11-2015
... 30-11-2015
... 31-08-2016
... 31-08-2016
... 31-08-2016
... 29-10-2015
... 29-10-2015
... 29-10-2015
... 29-10-2015
... 29-10-2015
... 29-10-2015
... 29-10-2015
... 29-10-2015
... 29-10-2015
... 29-10-2015
... 29-11-2016
... 29-11-2016
... 11-11-2016
... 30-09-2013
... 01-11-2015
... 21-09-2016
... 26-08-2016
... 30-04-2015
... 08-09-2016
... 30-11-2016
... 30-11-2016
... 29-04-2016
... 29-04-2016
... 09-09-2016
... 30-11-2016
... 25-11-2016
... 14-04-2015
... 21-09-2015
... 13-09-2016
... 26-09-2016
5.8. Nas respectivas datas de exigibilidade do IUC relativo ao ano 2017, as referidas viaturas estavam abrangidas pelos seguintes contratos de aluguer de veículo sem condutor e promessa de compra e venda:
CONTRATO
MATRÍCULA# DATA DE EXIGIBILIDADE DO IUC DATA DE INÍCIO DATA DE FIM
... 27-04-2017 02-05-2016 01-05-2019
... 27-04-2017 02-05-2016 01-05-2019
... 27-04-2017 02-05-2016 01-05-2019
... 26-09-2017 14-10-2016 13-10-2020
... 30-09-2017 01-10-2015 30-09-2019
... 30-09-2017 29-02-2016 28-02-2018
... 30-11-2017 18-12-2015 17-12-2019
... 30-11-2017 11-12-2015 10-12-2020
... 30-11-2017 02-12-2015 01-12-2019
... 31-08-2017 09-09-2016 08-09-2020
... 31-08-2017 09-09-2016 08-09-2020
... 31-08-2017 26-12-2016 25-12-2021
... 29-10-2017 12-01-2016 11-01-2020
... 29-10-2017 12-01-2016 11-01-2020
... 29-10-2017 12-01-2016 11-01-2020
... 29-10-2017 13-01-2016 12-01-2020
... 29-10-2017 13-01-2016 12-01-2020
... 29-10-2017 30-12-2015 29-12-2019
... 29-10-2017 30-12-2015 29-12-2019
... 29-10-2017 30-12-2015 29-12-2019
... 29-10-2017 30-12-2015 29-12-2019
... 29-10-2017 06-01-2016 05-01-2020
... 29-11-2017 30-11-2016 29-11-2020
... 29-11-2017 20-09-2016 19-09-2020
... 11-11-2017 15-11-2016 14-11-2020
... 30-09-2017 30-01-2014 29-01-2019
... 01-11-2017 03-12-2015 02-12-2020
... 21-09-2017 23-09-2016 22-09-2020
... 26-08-2017 07-09-2016 06-09-2020
... 30-04-2017 11-05-2015 10-05-2019
... 08-09-2017 09-09-2016 08-09-2020
... 30-11-2017 09-12-2016 08-12-2022
... 30-11-2017 27-12-2016 26-12-2020
... 29-04-2017 20-05-2016 19-05-2020
... 29-04-2017 17-05-2016 16-05-2020
... 09-09-2017 14-09-2016 13-09-2020
... 30-11-2017 14-12-2016 13-12-2020
... 25-11-2017 25-12-2016 24-06-2019
... 14-04-2017 09-05-2015 08-05-2018
... 21-09-2017 23-09-2015 22-09-2019
... 13-09-2017 26-09-2016 25-09-2020
... 26-09-2017 29-09-2016 28-09-2020
5.9. A Requerente não liquidou, na data da exigibilidade do imposto IUC, qualquer IUC relativo ao ano 2017 respeitante às viaturas acima identificadas.
5.10. A Requerente foi notificada das seguintes liquidações oficiosas de IUC relativo ao ano 2017, no montante total de EUR 4.692,03, como a seguir se detalha:
MATRÍCULA Nº LIQUIDAÇÃO MONTANTE
... ... 102,55
... ... 102,55
... ... 102,55
... ... 167,97
... ... 178,12
... ... 52,41
... ... 100,66
... ... 144,00
... ... 144,00
... ... 144,80
... ... 144,80
... ... 101,22
... ... 32,08
... ... 32,08
... ... 32,08
... ... 32,08
... ... 32,08
... ... 32,08
... ... 32,08
... ... 32,08
... ... 32,08
... ... 32,05
... ... 144,00
... ... 144,30
... ... 144,00
... ... 100,87
... ... 144,00
... ... 52,41
... ... 178,74
... ... 146,70
... ... 144,30
... ... 144,00
... ... 144,00
... ... 146,70
... ... 181,07
... ... 100,87
... ... 144,00
... ... 144,07
... ... 181,08
... ... 178,11
... ... 178,11
... ... 144,30
TOTAL 4.692,03
5.11. A Requerente efectuou o pagamento das liquidações oficiosas acima identificadas dentro do prazo legalmente notificado para o fazer.
5.12. A Requerente apresentou, em 06/03/2018, reclamação graciosa (processo nº ...2018...) relativa aos actos de liquidação identificados no ponto 5.10., supra.
5.13. Dado integrar a Unidade de Grandes Contribuintes, a competência para a decisão da referida reclamação graciosa cabe ao Director da Unidade de Grandes Contribuintes.
5.14. A Requerente foi notificada de Ofício (número ilegível), de 28/11/2018, relativo à notificação do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa acima identificada, proferido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central, ao abrigo de Delegação de competências, com base na Informação nº …-APT2/2018, de 26/11/2018, bem como para exercer por escrito, no prazo de 15 dias, o direito de audição prévia.
5.15. A Requerente não exerceu o direito de audição prévia.
5.16. O mandatário da Requerente foi notificado de Ofício nº..., de 26/12/2018, relativo à notificação do despacho de Deferimento Parcial da reclamação graciosa acima identificada, proferido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central, ao abrigo de Delegação de competências, com base na Informação nº …-APT2/2018 emitida pela Unidade de Grandes Contribuintes – Divisão de Justiça Tributária.
5.17. A Requerente apresentou pedido arbitral em 28 de Março de 2019.
Motivação quanto à matéria de facto
5.18. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, devendo selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado [cf. artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT], e consignar se a considera provada ou não provada [cf. artigo 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento de Processo Tributário (“CPPT”)].
5.19. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cf. artigo 607.º, n.º 5 do CPC).
5.20. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (como no caso da força probatória plena dos documentos autênticos, prevista no artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação da prova produzida o princípio da livre apreciação.
5.21. No tocante à matéria de facto provada, a convicção deste Tribunal Arbitral fundou-se na análise crítica dos documentos anexados aos autos pelas Partes e na posição por estas assumida em relação aos factos.
Dos factos não provados
5.22. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.
6. FUNDAMENTOS DE DIREITO
Questão prévia – apreciação da excepção da intempestividade do pedido, oficiosamente suscitada pelo Tribunal Arbitral
6.1. Preliminarmente à apreciação do pedido, foi verificado por este Tribunal, a título oficioso, se poderia eventualmente proceder alguma excepção, com as consequências daí decorrentes, tendo sido identificada a possibilidade de eventualmente proceder a da intempestividade parcial do pedido de pronúncia arbitral que poderia obstar ao conhecimento integral do mérito da causa, determinando a absolvição Requerida do pedido.
6.2. Na verdade, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 576º do CPC, as excepções peremptórias “consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor”.
6.3. Ora, sendo a caducidade do direito de acção uma excepção peremptória, porquanto configura uma causa a que a lei substantiva atribui a cessação do direito que aquele invoca como já validamente constituído, é pertinente analisar, desde já, qual é o prazo legalmente previsto para a apresentação, no caso em análise, do pedido arbitral, tendo em consideração que já houve previamente a apresentação de reclamação graciosa relativamente às liquidações de IUC agora impugnadas.
6.4. Em termos gerais, tendo em consideração o disposto no n° l do artigo 102° do CPPT, o prazo de dedução da impugnação judicial é de três meses contados dos factos enumerados naquele artigo, nomeadamente, do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte” ou da “da notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código”.
6.5. Por outro lado, de acordo com o previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma (...)”.
6.6. Nesta matéria, saliente-se que a natureza arbitral deste tribunal e a aplicação do regime de arbitragem tributária não acarretam qualquer modificação relativa à natureza, modalidades e forma de contagem dos prazos, como se extrai da leitura do RJAT e, se dúvidas houvesse, dispõe o artigo 29º do RJAT a aplicação subsidiária das normas de natureza procedimental ou processual tributárias, das normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários, do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e do CPC.
6.7. Adicionalmente, refira-se que de acordo com o previsto no artigo 70º, nº 1 do CPPT, “a reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102º” ou seja, nomeadamente, do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.
6.8. No caso em análise, tendo em consideração que a Requerente havia interposto reclamação graciosa relativamente às liquidações oficiosas de IUC e juros, do ano 2017, acima identificadas no ponto 5.10., supra (cuja anulabilidade é peticionada), foi necessário aferir se aquela reclamação graciosa tinha sido atempadamente interposta de modo a verificar se, neste âmbito, não havia qualquer irregularidade que pudesse condicionar a contagem do prazo para apresentação deste pedido de pronúncia arbitral.
6.9. Nesta matéria, foi verificada a data das liquidações oficiosas do IUC relativo ao ano 2017 e referente às viaturas já identificadas, a data de interposição da reclamação graciosa , a data do despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa e a data de apresentação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral.
6.10. Assim, verifica-se que foram cumpridos pela Requerente os diversos prazos legais aplicáveis e, tendo em conta que no pedido de pronúncia arbitral está também incluído o pedido de sindicância da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações de IUC e de juros identificadas (como forma de poder declarar, em última instância, a ilegalidade das liquidações objecto do pedido), o pedido de pronúncia arbitral deve ser considerado tempestivo.
6.11. Deste modo, ultrapassada que está a questão prévia de eventual intempestividade do pedido (oficiosamente suscitada), cumpre agora decidir do mérito do pedido arbitral.
6.12. No âmbito do pedido arbitral importa analisar e decidir da (i)legalidade das liquidações oficiosas de IUC notificadas à Requerente, respeitantes às viaturas identificadas nos autos, respeitante ao ano 2017 (vide ponto 5.10., supra), por alegada violação do disposto no artigo 3º do Código do IUC quanto aos pressupostos de incidência subjectiva de imposto, com a determinação do consequente reembolso do montante pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, bem como decidir da (i)legalidade da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa interposta, na medida em que indeferiu a pretensão da Requerente de anulação das referidas liquidações de imposto e de juros.
6.13. Com efeito, no pedido de pronúncia arbitral a Requerente invoca a circunstância de “(…) nas datas da exigibilidade do IUC respeitante às viaturas em causa, a Requerente já os havia locado a favor de terceiros” pelo que entende a Requerente não já não era, naquelas datas, o sujeito passivo do IUC.
6.14. Com efeito, entende a Requerente que não obstante “nos termos do artigo 3º nº 1 do CIUC (…) os responsáveis pelo pagamento/sujeitos passivos do IUC são os proprietários dos veículos à data da exigibilidade do IUC, ou seja, na data da matrícula ou nas datas de aniversário em relação à data da matrícula”, “em casos de locação financeira (leasing), aluguer de longa duração (ALD) e aluguer operacional de viaturas (AOV), segundo o artigo 3º nº 2 do CIUC os sujeitos passivos do IUC são outrossim os (…) locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação (…)”.
6.15. Neste âmbito, considera a Requerente não ser o sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado porquanto entende que, de acordo com o disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, aí está consagrada uma presunção ilidível, ou seja, que admite prova em contrário, nomeadamente, através da demonstração que as viaturas automóveis na origem das liquidações de IUC estavam locadas a terceiros na data da verificação do facto gerador do imposto no ano de 2017.
6.16. Em sentido contrário, a Requerida considerou que o disposto no “(…) artigo 3º CIUC não comporta qualquer presunção legal (…)” sendo que defende que “(…) o novo regime de tributação do IUC veio alterar de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando a ser sujeitos passivos do imposto os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública”.
6.17. Assim, entende a Requerida que “o IUC passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos” sendo que, no caso, “(…) à luz do disposto no artigo 3º, nº 1 e 2, do CIUC e do artigo 6º do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC”.
6.18. Neste âmbito, tendo em consideração a redação do artigo 3º, nº 1 e 2 do Código do IUC, em vigor à data a que se reportam as liquidações de imposto e de juros impugnadas (2017), cumpre decidir quem deveria ser considerado como responsável pelo pagamento das mesmas, enquanto sujeito passivo do imposto.
6.19. Preliminarmente, refira-se que, de acordo com o previsto no artigo 1º do Código do IUC, “o imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”, dando assim cumprimento ao imperativo constitucional, previsto no artigo 66º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP), nos termos do qual se refere que “para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos (…) assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida” [nº 2, alínea h)] (sublinhado nosso).
6.20. Deste modo, promover-se-á um princípio de “poluidor-pagador”, cumprindo-se com o pressuposto de igualdade material entre todos os cidadãos que dão causa ao custo ambiental e corporizando, desta forma, o IUC com as preocupações ambientes que à política fiscal se impõem.
6.21. Como escreve Sérgio Vasques , “em obediência ao princípio da equivalência, o imposto deve ser conformado em atenção ao benefício que o contribuinte retira da actividade pública, ou em atenção ao custo que imputa à comunidade pela sua própria actividade” pelo que “um imposto sobre os automóveis assente numa regra de equivalência será igual apenas se aqueles que provoquem o mesmo desgaste viário e o mesmo custo ambiental paguem o mesmo imposto; e aqueles que provoquem desgaste e custo ambiental diverso, paguem imposto diverso também” (sublinhado nosso).
6.22. Com efeito, o que se pretende alcançar através da consagração do referido princípio da equivalência é fazer com que os prejuízos que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários-utilizadores, como custos que só eles deverão suportar.
6.23. Sendo conhecida a dimensão dos danos ambientais causados pelos veículos automóveis, a lógica e coerência do sistema de tributação automóvel, em geral, e do regime inscrito no Código do IUC, em particular, apontam no sentido de que quem polui deve pagar, associando assim, o imposto aos danos ambientalmente causados.
6.24. Tratam-se, pois, de preocupações com assinalável importância, na economia do IUC, e que não se poderão deixar de, coerentemente, ter em conta na interpretação do artigo 3º, relativo à incidência subjectiva daquele imposto.
Da incidência subjectiva do IUC
6.25. Ora, de acordo com o disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 41/2016, de 1 de Agosto, em vigor desde 2 de Agosto de 2016 (ou seja, em vigor à data a que se reportam as liquidações oficiosas de IUC objecto do pedido - ano 2017) “são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos” sendo que de acordo com o nº 2 (na redação dada pelo mesmo diploma), “são equiparados a sujeitos passivos os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.
6.26. Recorde-se que na redação anterior deste artigo 3º, nº 1 e nº 2 do Código do IUC era estabelecido que eram “sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados” (nº 1) e de que eram “equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação” (nº 2) (sublinhado nosso).
6.27. Para efeitos de interpretação da anterior redação do artigo 3º, nº 1 do Código do IUC era relevante ter presente o disposto no artigo 11º da Lei Geral Tributária (LGT), na medida em que as normas tributárias devem ser interpretadas de acordo com os princípios gerais de interpretação e, bem assim, o disposto no artigo 9º do Código Civil que estabelece as regras e elementos para a interpretação das normas.
6.28. Na verdade, a actividade interpretativa é, como refere Francesco Ferrara, “a operação mais difícil e delicada a que o jurista pode dedicar-se (…)” pois “(…) o intérprete deve buscar não aquilo que o legislador quis, mas aquilo que na lei parece objectivamente querido (…)” (sublinhado nosso).
6.29. Assim, para o mesmo autor, entender a lei “não é somente aferrar de modo mecânico o sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal; é indagar com profundeza o pensamento legislativo, descer da superfície verbal ao conceito íntimo que o texto encerra e desenvolvê-lo em todas as suas direcções possíveis” (sublinhado nosso).
6.30. Como refere Baptista Machado “a disposição legal apresenta-se ao jurista como um enunciado linguístico, como um conjunto de palavras que constituem um texto. Interpretar consiste evidentemente em retirar desse texto um determinado sentido ou conteúdo de pensamento.(…)” (sublinhado nosso).
6.31. Assim, foi passível de ser concluído (e aceite), em diversas decisões arbitrais e em Acórdão de Tribunais superiores, que o artigo 3º, nº 1, do Código do IUC na anterior redação consagrava uma presunção ilidível de quem deveria ser considerado como proprietário e, consequentemente, sujeito passivo do imposto.
6.32. Com efeito, em termos gerais, de acordo com o disposto no artigo 349º do Código Civil, presunções são as ilações que a lei (ou o julgador), tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo que as presunções constituem meios de prova, tendo esta por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341º do Código Civil), pelo que quem tem a seu favor a presunção legal fica dispensado de fazer prova do facto a que ela conduz (artigo 350º, nº1 do Código Civil).
6.33. Todavia, as presunções, salvo nos casos em que a lei o proibir, podem ser ilididas, mediante prova em contrário (artigo 350º, nº 2 do Código Civil) e, tratando-se de presunções de incidência tributária, estas são sempre ilidíveis, conforme expressamente previsto no artigo 73º da LGT.
6.34. Assim, tendo em consideração as questões suscitadas em torno da anterior redação do artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, ao ser admitido que a mesma consagrava uma presunção ilidível, era possível ilidir a mesma mediante prova em contrário, ou seja, fazendo prova de quem era, de facto, o verdadeiro sujeito passivo do imposto.
6.35. Contudo, o artigo 169º da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março (Lei do Orçamento de Estado para 2016 – LOE 2016) veio conceder uma Autorização legislativa ao Governo para, no âmbito do IUC introduzir alterações no respectivo Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, no sentido de “definir, com carácter interpretativo, que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito publico ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, no n.º 1 do artigo 3º”, o que veio a ser concretizado pelo Decreto-Lei nº 41/2016, de 01/08 sem que, contudo, o legislador ordinário tenha adoptado neste diploma o referido cariz interpretativo.
6.36. Assim, a nova redação do artigo 3º do Código do IUC veio consagrar que “são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos” (nº 1) sendo “(…) equiparados a sujeitos passivos os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação” (nº 2) (sublinhado nosso).
6.37. Ora, confrontando a redação anterior do artigo 3º, nº 1 e nº 2 do Código do IUC com a que a resulta da alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 41/2016, de 01/08 (transcrita no ponto anterior), em vigor a partir do dia seguinte ao da sua publicação (ou seja, a partir de 02/08/2016), bem como o teor da norma de autorização legislativa contida no LOE para 2016, resulta que “o legislador não pretendeu fazer uso daquela autorização na vertente relativa à natureza interpretativa da alteração ao introduzir ao CIUC e que a clarificação por ele pretendida passou por afastar do âmbito da incidência subjetiva do IUC o proprietário efetivo da viatura atribuindo, para o efeito, exclusiva relevância à pessoa que constasse do registo de propriedade independentemente de ser ela ou não o proprietário ou possuidor da viatura no momento da ocorrência do facto gerador e exigibilidade do imposto”.
6.38. Não obstante, entende este Tribunal Arbitral que, no caso em análise, e ao que a ele aproveita, não podemos ficar só pela leitura do nº 1 do referido artigo 3º do Código do IUC e pelas alterações introduzidas pelo legislador, em 2016, com o alegado propósito de “clarificar” a norma de incidência subjectiva do IUC, porquanto é aqui também relevante articular o disposto no referido nº 1 com o nº 2 do mesmo artigo, dado que o Decreto-Lei nº 41/2016, de 01/08, veio também “clarificar” que “são equiparados a sujeitos passivos os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”, ao trocar a anterior referência a “proprietários” pela menção de “sujeitos passivos”.
6.39. Ora, tendo em consideração o disposto no artigo 3º, nº 2 do Código do IUC, bem como o facto de ter sido revogado pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março (LOE 2016) o disposto no artigo 19º do Código do IUC (que estabelecia que “para efeitos do disposto no artigo 3.º do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.º da lei da respectiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados”) quem deverá ser considerado sujeito passivo de imposto quando se esteja perante contratos de locação financeira, locação operacional ou de ALD, com reserva de propriedade, e/ou opção de compra e compra?
6.40. Com efeito, o que que está em causa nos autos é determinar se a Requerente deveria ou não ser considerada sujeito passivo de IUC quanto aos veículos e período a que o IUC respeita (2017) pelo facto de, à data da exigibilidade do imposto, entender que não era “(…) o sujeito do IUC e inerentes JC (…) em discussão”, dado que “(…) já os havia locado a favor de terceiros (…)”, embora na Conservatória do Registo Automóvel ainda permanecessem registados em seu nome.
6.41. Neste processo, refira-se uma vez mais, as Partes evidenciam posições diametralmente opostas porquanto:
6.41.1. Para a Requerente, a norma de incidência subjectiva constante do artigo 3.º do Código do IUC consagra uma presunção ilidível, fundada no Registo Automóvel;
6.41.2. Para a Requerida aquela norma define como sujeito passivo da obrigação de imposto o titular do direito de propriedade do veículo automóvel.
6.42. Adicionalmente, refira-se que ambas as Partes orientam toda a estrutura de argumentação em conformidade com a anterior redação do artigo 3º, nº 1 do Código do IUC ou seja, a que vigorou até 01-08-2016, redação essa que já não será aplicável ao caso, dado que neste caso os factos se reportam ao ano 2017 (pois o facto gerador das diversas liquidações de IUC em crise ocorreu em 2017), já na pendência da vigência da nova lei e sem que a alteração por ela produzida tenha tido, como vimos, um carácter interpretativo.
6.43. Assim, no caso em concreto, o essencial da fundamentação da Requerente assenta no pressuposto de que a norma de incidência subjetiva do IUC, consagrada no artigo 3º nº 1 do Código do IUC, na redação em vigor antes da data da ocorrência do facto tributário, estabelece uma presunção susceptível de elisão, sendo que o essencial da fundamentação da Requerida consiste em contradizer o alegado pela Requerente, quanto àquele pressuposto.
6.44. Ora, tendo em consideração a redação do artigo 3º do Código do IUC, à data a que se reportam as liquidações em crise, a anterior discussão quanto à interpretação daquele normativo já aqui não se levanta porquanto com a nova redação, e em conformidade com o vertido na Decisão Arbitral nº 333/2018, de 30 de Novembro de 2018, da signatária da presente decisão (que aqui se acompanha) a alteração promovida pelo Decreto-Lei nº 41/2016, de 01/08 ao artigo 3º do Código do IUC, “(…) motivada pela necessidade de (…) ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código e com o objectivo de clarificar-se quem é o sujeito passivo do imposto, em nada alterou, na opinião deste Tribunal, no que ao caso aproveita”.
6.45. Com efeito, a alteração introduzida no artigo 3º, nº 1 veio “clarificar” que “são sujeitos passivos do imposto as pessoas (…) em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos” (e já não que “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas (…), em nome das quais os mesmos se encontrem registados”), obstando assim a que pudessem haver liquidações de IUC que, “no final do dia” ficassem sem ter um sujeito passivo a quem liquidar o imposto, dado que na redação anterior eram passíveis de ilisão da presunção todas as situações em que pudesse ser efectuada prova de que o proprietário constante do registo já não o era devido a alienação, desmantelamento/ destruição do veículo, cancelamento de matrícula (não registada), facto que obstaria à manutenção da liquidação de IUC relativamente àqueles em nome dos quais a viatura estivesse registada.
6.46. Contudo, no que diz respeito ao registo do direito de propriedade de um veículo, e em conformidade com o referido na Decisão Arbitral nº 16/2018-T, “o registo definitivo mais não constitui do que a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos exactos termos do registo (…), admitindo (…) contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência (…)”, nomeadamente, “(…) os Acórdãos do STJ nºs 03B4369 e 07B4528, respectivamente, de 19/02/2004 e 29/01/2008”.
6.47. Assim, e acompanhando-se o teor da Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo nº 145/2017-T, “a função legalmente reservada ao registo é, assim, por um lado, a de publicitar a situação jurídica dos bens (…) e, por outro, permitir-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo, o que significa que o registo não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, sendo que tais presunções são ilidíveis, seja por força do estabelecido no n.º 2 do art.º 350.º do CC, seja à luz do disposto no art.º 73.º da LGT” (sublinhado nosso).
6.48. Desta forma, e continuando a acompanhar o entendimento vertido na Decisão Arbitral citada no ponto anterior, “a interpretação do n.º 1, do art.º 3.º do CIUC, (...), tendo em conta, particularmente, a relevância legalmente conferida ao princípio da equivalência, não comporta a tributação, em IUC, do locador que, enquanto proprietário formal do veículo, não tem, consequentemente, qualquer potencial poluidor, o que significa que os danos advenientes para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis devem ser assumidos pelos seus reais utilizadores, como custos que só eles deverão suportar” (sublinhado nosso).
6.49. Assim, aqui chegados, e que ao caso releva, importa atentar no disposto no nº 2 do artigo 3º do Código do IUC, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 41/2016, de 1 de Agosto (em vigor à data das liquidações em crise), nos termos do qual se refere que “são equiparados a sujeitos passivos os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.
6.50. Ora, neste âmbito, no que diz respeito às situações em que, à data do facto gerador do imposto, a viatura esteja locada, o “locatário (…) tem o pleno uso e fruição do veículo, conforme legalmente estabelecido, sendo o (…) verdadeiro utilizador e efectivo gerador dos danos ambientais, devendo, assim, responder pelo correspondente imposto, sendo este o entendimento que, face à ratio legis do CIUC, se deve colher do disposto no n.º 2 do art.º 3.º desse mesmo Código”.
6.51. Aliás, só esta “(…) interpretação do n.º 2 do art.º 3.º do CIUC (…) permitirá perspectivar o locatário como o responsável pelo pagamento do IUC (…)”, importando aqui notar que o disposto no já revogado artigo 19º do Código do IUC impunha às entidades locadoras (para efeitos do disposto no artigo 3º do Código do IUC) a obrigação de fornecer à AT os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados (locatários), o que revelava que, nomeadamente, para efeitos da incidência do imposto, se pretendia conhecer quem eram, a final, os reais utilizadores dos veículos locados, para que fossem eles, e não outros, a suportar o imposto único de circulação, entendimento que se mostra em total sintonia com o princípio da equivalência, enquanto princípio estruturante do Código do IUC.
6.52. Ora, no caso, como à data do facto gerador do IUC, as viaturas automóveis que deram origem aos actos de liquidação objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral estavam locadas, ao abrigo de contratos de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda (identificados no ponto 5.8., supra), a Requerente anexou aos autos, para efeitos de prova, cópia dos referidos contratos celebrados entre a Requerente (locadora) e os respectivos locatários.
6.53. Assim, e independentemente do que constasse do registo, à data do facto gerador do IUC, a Requerente demonstrou que, naquelas datas, que os veículos automóveis que deram origem às liquidações de IUC em crise se encontravam entregues a terceiros (locatários), ao abrigo de contratos de locação.
6.54. Neste âmbito, como não existem quaisquer elementos que permitam entender que os dados inscritos nos contratos (cuja cópia foi anexada aos autos pela Requerente), não correspondam à verdade contratual, não viu este Tribunal razões para pôr em causa o seu teor, sendo também certo que a lei (no caso, o nº 1 do artigo 75º da LGT), atribui a esse documento uma presunção de veracidade que não foi afastada.
6.55. Em consequência, foram aquelas cópias daqueles contratos consideradas como um meio idóneo para fazer prova da qualidade de locadora e de locatário, para efeitos do disposto no nº 2 do artigo 3º do Código do IUC, ou seja, para efeitos da equiparação do locatário a sujeito passivo do imposto incidente sobre o veículo objecto do contrato de locação e da sua, consequente, vinculação ao pagamento do imposto em causa.
6.56. Assim, não subsistem dúvidas de que estando os veículos, sobre os quais incidiram as liquidações de IUC em crise, cedidos a terceiros em regime de aluguer de viatura sem condutor, o sujeito passivo de cada uma das liquidações de IUC (e de juros) terão de ser os respectivos locatários (por serem quem tem o gozo do respectivo veículo) e não a locadora (em nome da qual os veículos se encontram registado) ficando, assim, afastada a regra geral de incidência subjectiva consagrada no nº 1 daquele artigo, de que “são sujeitos passivos do imposto as pessoas (…) coletivas (…), em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos”, por via do disposto no nº 2 do mesmo artigo (“são equiparados a sujeitos passivos os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”).
6.57. Note-se que a equiparação a sujeitos passivos das entidades elencadas no nº 2 do artigo 3º não faria qualquer sentido se fosse entendido, sem mais, que os sujeitos passivos fossem sempre aqueles em nome dos quais se encontrasse registada a propriedade dos veículos.
6.58. Por outro lado, acrescente-se que entende este Tribunal Arbitral que este entendimento não esvazia de sentido a alteração à lei efectuada pelo Decreto-Lei nº 41/2016 de 01/08 porquanto com a alteração produzida passou a não ser possível invocar que, no caso de ter sido transmitido, em momento anterior ao do facto gerador do imposto, o veículo objecto de liquidação, são sujeitos passivos de imposto as entidades para as quais havia sido transferida, mas não registada, a propriedade da(s) viatura(s).
6.59. Por tudo isto, dir-se-á, em consonância com o acima exposto que se consideram ilegais os actos de liquidação de IUC e de juros, referentes aos veículos identificados nos autos, na medida em que, nas datas da exigibilidade do imposto, estavam vigentes para cada um deles contrato de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, sendo por isso sujeitos passivos do imposto os respectivos locatários, e não a Requerente, face ao disposto no nº 2 do artigo 3º do Código do IUC (na redacção aplicável).
6.60. Em face do exposto, será de concluir que não há fundamento legal para os actos de liquidação de IUC e de juros compensatórios relativos aos veículos automóveis identificados no pedido de pronúncia arbitral porquanto, à data da exigibilidade do imposto, aqueles veículos encontravam-se cedidos aos respectivos locatários ao abrigo de contrato de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, pelo que se considera procedente a pretensão da Requerente quanto ao pedido de anulação das liquidações de IUC em apreço.
Do pagamento dos juros indemnizatórios
6.61. De acordo com o disposto no nº 5 do artigo 24º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.
6.62. Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)”
6.63. Assim, nos processos arbitrais tributários haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
6.64. No caso em análise, ao promover as liquidações oficiosas do IUC, considerando a Requerente como sujeito passivo deste imposto, a Requerida limitou-se a dar cumprimento do disposto no nº 1, do artigo 3º, do Código do IUC que, como acima já foi analisado, imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, não se vislumbrando assim qualquer erro que lhe fosse imputável.
6.65. Com efeito, ao promover as liquidações de IUC considerando a Requerente como sujeito passivo deste imposto, a Requerida não poderia proceder por forma diversa, limitando-se a dar cumprimento à norma do nº 1 do artigo 3º do Código do IUC que, como acima abundantemente se referiu, imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.
6.66. Assim sendo, quanto aos actos de liquidação em crise, considerando que não ocorreu erro imputável aos serviços não haveria, consequentemente direito a juros indemnizatórios derivados da sua prática.
6.67. Todavia, estipula o artigo 100º da LGT que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
6.68. Assim sendo, tal como consignado, entre outras, nas Decisões Arbitrais proferidas no âmbito dos processos nºs 208/2015-T e 748/2016-T, ao decidir a reclamação graciosa a Requerida deveria ter acolhido a pretensão da Requerente quanto à ilegalidade das liquidações que aqui são impugnadas, sendo que o não acolhimento das pretensões da Requerente é imputável à Requerida.
6.69. Com efeito, seguindo a jurisprudência vertida naquelas decisões arbitrais, “este caso de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido (…)”, sendo que “a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção”.
6.70. Deverá, desta forma, entender-se que, a partir do momento em que se completou o prazo de decisão da reclamação graciosa, começaram a contar juros indemnizatórios, juros que deverão ser calculados à taxa legal e pagos nos mesmos termos.
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
6.71. Em consonância com as conclusões acima apresentadas, e nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
6.72. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
6.73. Nestes termos, tendo em consideração o acima analisado, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser, integralmente, atribuída à Requerida.
7. DECISÃO
7.1. Nestes termos, pelos fundamentos acima expostos, decidiu este Tribunal Arbitral:
7.1.1. Julgar improcedente a excepção da intempestividade do pedido, oficiosamente suscitada;
7.1.2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente no que diz respeito ao pedido de declaração de ilegalidade e de anulação das liquidações de IUC e de juros identificadas no pedido, por enfermarem de vício de violação de lei, com o consequente reembolso das quantias pagas acrescidas de juros indemnizatórios;
7.1.3. Em consequência, julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral no que diz respeito ao pedido de declaração de ilegalidade do despacho que indeferiu parcialmente a Reclamação Graciosa apresentada relativamente às referidas liquidações de IUC (agora anuladas), mandando-se anular o mesmo nesta conformidade;
7.1.4. Em consequência, condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.
Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de EUR 4.692,03.
Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 612,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.
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Notifique-se.
Lisboa, 4 de Outubro de 2019
O Árbitro
Sílvia Oliveira