Requerente: A...
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
O árbitro Dra. Maria Antónia Torres, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 7 de Março de 2014, acorda no seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. O A..., contribuinte fiscal n.º …, doravante “Requerente”, representado por B..., S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede na Avenida …, Lisboa, requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante “RJAT”[1]).
1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a ilegalidade, e consequente anulação, dos actos tributários de liquidação de IS emitidos sob o nº ..., notificado em Dezembro de 2012, no valor de €6.871,85 e n.º ..., notificado em Abril de 2013, no valor de €13.743,70, e da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que sobre os mesmos foi deduzida, bem como a condenação da Requerida à restituição das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.
1.3. A fundamentar o seu pedido alega o Requerente que o imóvel a que se referem as liquidações de Imposto de Selo é um terreno para construção e, por esse facto, não pode ser considerado como prédio “com afetação habitacional” para efeitos de aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o pedido de declaração de ilegalidade, e consequente anulação, das liquidações controvertidas, deveria ser julgado improcedente dado que o art.º 6º, n.º 1 do CIMI integra na categoria de prédios urbanos os terrenos para construção, ao que acresce que entende que a verba 28 da TGIS remete para a “afectação” dos prédios, fazendo apelo ao coeficiente de afectação, conceito que se aplica indistintamente a todos os prédios urbanos.
1.4. Foi ainda acordada pelas partes a dispensa da reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18º do RJAT.
2. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não foram identificadas nulidades no processo.
3. QUESTÕES A DECIDIR
Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se o imóvel que foi objeto das liquidações de imposto de selo acima referidas, sendo terreno para construção, tem ou não afetação habitacional e, consequentemente, se lhe é ou não aplicável a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), redacção existente à data a que as liquidações respeitam.
4. FACTOS PROVADOS
Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, têm-se por provados os seguintes factos:
4.1 O Requerente é proprietário do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … (actualmente artigo …), da freguesia de ..., Concelho de Lisboa;
4.2 O prédio é um terreno para construção e tem um valor patrimonial de 1.374.370 €, (conforme caderneta predial), não existindo à data qualquer edificação no terreno;
4.3 O Requerente foi notificado das liquidações de IS emitidas sob o nº ..., notificada em 5 de Dezembro de 2012, no valor de €6.871,85 e n.º ..., notificada em Abril de 2013, no valor de €13.743,70, referentes ao imóvel acima referido;
4.4 O Requerente efectuou o pagamento integral de ambas as liquidações de IS, no valor total de €20.615,55;
4.5 O Requerente deduziu reclamação graciosa dos referidos actos de liquidação de IS em 19 de Abril de 2013, pugnando pela anulação dos mesmos;
4.6 A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 18 de Setembro de 2013, o qual foi notificado ao Requerente na mesma data e do qual constam os fundamentos do indeferimento da reclamação graciosa;
4.7 Tudo conforme documentos juntos com o pedido arbitral e na resposta apresentada pela Requerida;
4.8 Em 7 de Março de 2014 o Requerente apresentou pedido de constituição do Tribunal Arbitral – cf. requerimento electrónico no sistema do CAAD.
5. FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos com relevo para a decisão de mérito que não se tenham provado, sendo consensual a conformação da matéria de facto por ambas as partes.
6. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica dos documentos indicados relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto, respeitando o litígio unicamente a questões de direito.
7. DO DIREITO
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28 à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redacção:
28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);
Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;
ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;
A verba 28.1 TGIS e as subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, contêm, assim, um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária que é o de “prédio com afetação habitacional”.
O conceito mais aproximado do teor literal desta expressão utilizada é a de «prédios habitacionais», que o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI define como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.
No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS (“prédio com afectação habitacional”) com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI (“prédios habitacionais”), aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.
Acresce que, no mesmo artigo, se distingue claramente entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção.
Seguindo de perto outros acórdãos do CAAD proferidos sobre a mesma matéria, entendemos que a palavra «afetação», neste contexto de utilização de um prédio, deve significar «acção de destinar alguma coisa a determinado uso». Assim, «prédio com afetação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efetiva afetação a esse fim.
Assim, ” é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afetos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas”.
Acresce que, com a Lei de Orçamento de Estado para 2014, foi a verba 28.1 TGIS expressamente alterada, de forma a incluir, a partir de 01.01.2014, os prédios para construção, o que reforça a nossa convicção de que tais prédios não eram abrangidos pela redacção vigente até 31.12.2013.
8. DECISÃO
Ora, o prédio do Requerente é um terreno para construção detido por um fundo, não se estando perante um prédio com afetação habitacional atual, não existindo, tão pouco, qualquer edificação no referido terreno. Não se verifica assim, à data, a afectação a um fim habitacional.
Por este facto, entendemos que as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida enfermam de vício de violação daquela verba n.º 28.1 TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação (artigo 135.º do CPA).
Em face do exposto, determina-se:
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A declaração de ilegalidade e de anulação dos actos de liquidação de IS objecto do presente pedido, tudo com as legais consequências, incluindo a revogação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
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A devolução do valor de imposto pago pelo Requerente no montante global de €20.615,55; e
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O pagamento de juros indemnizatórios pela Requerida, calculados sobre a quantia de €20.615,55, à taxa legal, até integral pagamento.
No que aos juros indemnizatórios respeita, conforme já decidido no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 14/2012-T, de 29 de Junho de 2012, compreendem-se nas competências dos tribunais arbitrais tributários as pronúncias condenatórias que em processo de impugnação judicial são admitidas aos tribunais tributários estaduais, sendo de igual forma admissível o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Em consequência da ilegalidade substantiva das liquidações de IS objecto da presente acção, o Requerente pagou imposto que não era devido, impondo-se não só o respectivo reembolso, nos termos dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, como o pagamento de juros indemnizatórios por se encontrarem reunidas as respectivas condições constitutivas, de acordo com o preceituado nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia paga em excesso e contados desde as datas dos pagamentos efectuados até integral restituição.
Fixa-se o valor do processo em €20.615,55 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
O montante das custas é fixado em €1.224,00 a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 5 de Setembro de 2014
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco.
A redacção do presente Acórdão arbitral rege-se pela ortografia antiga.
O árbitro,
Maria Antónia Torres
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[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.