Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 662/2018-T
Data da decisão: 2019-10-23  IMI  
Valor do pedido: € 102.189,00
Tema: IMI - cessação da suspensão da tributação em IMI nos termos da al. e) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 9.º do CIMI; caso decidido ou resolvido.
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ACÓRDÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Dr. José Pedro Carvalho, árbitro presidente, Professor Doutor Fernando Araújo e Dr. João Menezes Leitão, árbitros vogais, que constituem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

I. Relatório 

 

1. A..., S.A., NIPC..., com sede na ..., n.º..., ..., ..., ...-... LISBOA (a seguir a Requerente), apresentou em 21.12.2018, nos termos do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.1, com as alterações posteriores (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a seguir RJAT) e no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15.10, pedido de pronúncia arbitral em matéria tributária, em que peticiona, na sequência do indeferimento dos recursos hierárquicos interpostos das decisões das reclamações graciosas apresentadas, a anulação dos actos de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relativos a 2011, 2012 e 2013 com os n.ºs 2011..., 2012..., 2013..., 2013... e 2013..., respectivamente de €40.246,55, €30.971,70, €10.323,90, €10.323,90 e 10.323,90 €, num total de €102.189,95, a restituição do que foi indevidamente pago a título de IMI por força das referidas liquidações, os correspondentes juros indemnizatórios, bem como, a título de pedido subsidiário, que “por aplicação do n.º 4 do art.º 37º do CPPT, aceitar-se que o meio de reacção contra o acto notificado (de afastamento do benefício de suspensão da liquidação de IMI para os anos de 2011, 2012 e 2013) não indicado na notificação (...) pode ainda vir a ser apresentado no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão”, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir Requerida ou AT).

 

2. Atento o estabelecido pelo art. 11.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15.10, relativo ao “Cometimento de processos tributários pendentes para a arbitragem”, a Requerente fez acompanhar o pedido de pronúncia arbitral de certidão judicial eletrónica, emitida em 19.12.2018 pelo Tribunal Tributário de Lisboa-Unidade Orgânica 1, do requerimento apresentado para a extinção da instância judicial respeitante ao processo de impugnação n.º .../15...BELRS.

 

3. Conforme exposto no pedido de pronúncia arbitral (a seguir, também petição inicial ou PI), a anulação das liquidações de IMI sindicadas e dos actos subsequentes que as mantiveram é peticionada pela Requerente com base na ilegalidade da cessação do benefício da suspensão da tributação do IMI nos anos de 2011 a 2013 a que se reporta a al. e) do n.º 1 do art. 9.º do Código do IMI (CIMI), o que surge fundamentado, em súmula, nas seguintes alegações principais:

i) o arrendamento das fracções autónomas em causa nos autos não modificou, para os efeitos do artigo 9.º, n.º 2 do CIMI, a "utilização" para venda que lhes foi dada;

ii) a própria doutrina administrativa em vigor à data dos factos e aplicável ao IMI - Ofício-Circular n.º A-2/93, de 28.10.2003 - admite a outorga de contrato de arrendamento sem que isso determine que o regime de suspensão da tributação previsto na alínea e) do n.º 1 do art. 9.º do CIMI cesse;

iii) com a celebração dos contratos de arrendamento pretendia-se rentabilizar as fracções autónomas e, simultaneamente, promover a respectiva venda junto de potenciais compradores interessados em manter o contrato de arrendamento actualmente em vigor;

iv) o facto de as fracções autónomas se encontrarem arrendadas permitia até favorecer a respectiva alienação e aumentar o seu valor no mercado, uma vez que se encontrava assegurada para os terceiros potenciais interessados a respectiva rentabilização através do arrendamento já celebrado;

v) as fracções autónomas permaneciam disponíveis para venda, continuando a Requerente a desenvolver esforços nesse sentido, não passando os arrendamentos de uma decisão de gestão, para valorização das fracções, assegurando a rentabilização presente e futura das mesmas;

vi) mantendo-se a intenção de venda das fracções em causa deve manter-se, igualmente, o correspondente benefício da suspensão do início da tributação de IMI, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea e) do CIMI para os anos de 2011 a 2013.

No que concerne ao pedido subsidiário deduzido, o quadro alegatório invocado pela Requerente prende-se com considerar que “há um efectivo erro omissivo na enunciação dos meios de reacção contenciosos contra o acto notificado” no Ofício n.º..., de 14.10.2013, junto como doc. n.º 5 à PI, relativo à cessação da suspensão da tributação em IMI, pois “tal ofício deveria dizer que a aqui requerente poderia, querendo, apresentar junto do Tribunal Administrativo e Fiscal competente, impugnação judicial autónoma (acção administrativa especial) nos termos da alínea p) do n.º 1 do artigo 97.º e do n.º 2 do mesmo normativo legal, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), da alínea j) do artigo 101.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 46.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) no(s) prazo(s) estatuídos no artigo 58.º deste último diploma legal”, e dado que, por força do direito  constitucional  à  tutela   judicial   efectiva   e  ao  direito à impugnação contenciosa de todos os actos administrativos lesivos (art. 20.º, n.º 1 e art. 268 n.º 4 da CRP), “não pode aceitar-se a preclusão de direitos de impugnação contenciosa relativamente a efeitos lesivos de actos de cessação de benefícios fiscais, nem sequer afirmados no texto das referidas notificações e, por isso, que delas não decorriam necessariamente e em relação aos quais não era exigível que a destinatária se apercebesse agindo com a diligência adequada na situação”, deve ser observada, “na impossibilidade de convolação (e a este propósito concordamos que assim é)”, “a norma contida no n.º 4 do artigo 37.º do CPPT, facultando ao contribuinte a possibilidade de utilizar o meio de reacção adequado no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão judicial que o admitisse”, pois “a aqui requerente não pode ser prejudicada por uma errónea (por omissão) indicação do meio contencioso para reagir, quando esse erro é da inteira responsabilidade da Administração que até se quer, depois, prevalecer dele, sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem depositar nas informações emanadas da própria Administração, já que se trata de expectativas e confiança que merecem ser tuteladas”.

 

4. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitros os signatários, que aceitaram o encargo e a cuja designação as partes não se opuseram nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Nos termos previstos na al. c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 28.02.2019.

 

6. Na sequência da notificação, nos termos do art. 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, para resposta e junção do procedimento administrativo (a seguir PA), a Requerida, por requerimento de 29.3.2019, invocando que não constam dos autos do processo arbitral as peças processuais que compõem o processo judicial n.º .../15...BELRS e o PA junto ao mesmo e a inexistência de cópias nos serviços da AT, veio requerer a prorrogação do prazo para contestar e a notificação, ao abrigo do art. 14.º do CPTA, do Tribunal Judicial para a junção dos autos do processo judicial ou a determinação do aperfeiçoamento do pedido de pronúncia arbitral mediante junção de cópia integral do processo judicial.

 

7. Por despacho de 2.4.2019, o Tribunal Arbitral prorrogou por 10 dias o prazo para apresentação da resposta e notificou a Requerente para, no mesmo prazo, querendo, exercer o seu contraditório relativamente à questão suscitada sobre a junção de elementos provenientes do processo principal, a qual nada disse.

 

8. Em 15.4.2019, a AT apresentou resposta, na qual se defendeu por excepção, mediante a invocação da formação de caso decidido ou caso resolvido, com base em que a Requerente não impugnou, nos prazos legais, o ato de cessação do benefício fiscal, o que implica a sua absolvição da instância, e por impugnação, peticionando, por não provados, a improcedência de todos os pedidos objecto da pronúncia arbitral, alegando, em particular, que o arrendamento de prédios destinados a venda para que não determine a aplicação do n.º 2 do art. 9.º do CIMI só é de considerar em casos muito pontuais, em que os prédios permanecem destinados a esse fim por via da sua contabilização nas contas de inventário exigidas, sendo esse arrendamento precário, transitório e conjuntural, vigorando somente pelo período em que o prédio para venda esteja a beneficiar do regime de suspensão temporária de tributação.

Juntou o PA em termos incompletos, limitado aos despachos de indeferimento e informações em que se sustentam proferidos nos recursos hierárquicos com os n.ºs ...2014..., ...2014... e ...2014..., alegando que “não teve acesso ao Processo Administrativo, uma vez que consultando o Sitaf respeitante ao processo de impugnação nº .../15...BELRS (processo migrado para o CAAD), se constatou que o mesmo foi entregue presencialmente no Tribunal Tributário de Lisboa, não tendo sido digitalizado”, pelo que o que anexou “foi o que conseguiu reunir junto dos Serviços da AT”.

 

9. Por despacho de 7.5.2019, o Tribunal Arbitral, tendo presente o requerimento da Requerida de 29.3.2019 quanto à remessa do PA junto ao processo n.º .../15... BELRS do Tribunal Tributário de Lisboa, bem como que, notificada para exercer o contraditório a esse respeito, a Requerente nada disse, decidiu que o peticionado pela Requerida quanto ao Tribunal Arbitral requerer a remessa do PA junto do processo n.º .../15... BELRS carece de fundamento legal, não tendo cabimento no art.º 14.º do CPTA.

Considerando, todavia, que do processo n.º .../15...BELRS do Tribunal Tributário de Lisboa poderão constar elementos de prova úteis à boa decisão da causa, que ambas as partes têm acesso, em condições de igualdade, aos elementos juntos e que integram o referido processo, e que a cada uma das partes no processo arbitral incumbe o ónus de carrear os elementos probatórios que julgue pertinentes e necessários à sustentação das posições por si defendidas em juízo, foi igualmente decidido pelo Tribunal Arbitral facultar às partes o prazo de 30 dias para, querendo, juntarem aos autos os elementos documentais que tiverem por pertinentes, designadamente eventuais certidões de peças ou documentos que façam parte do processo n.º .../15... BELRS do Tribunal Tributário de Lisboa.

Para além disso, no mesmo despacho, foi concedida à Requerente o prazo de 10 dias para se pronunciar, querendo, sobre a matéria de excepção contida na resposta da AT.

 

10. Tendo-se verificado que nem a Requerida nem a Requerente pediram a junção aos autos de quaisquer elementos documentais provenientes do indicado processo n.º .../15... BELRS e que não estava requerida a produção de qualquer prova adicional para além da prova documental já incorporada nos autos, assim como que já tinha sido assegurado à Requerente a faculdade de se pronunciar autonomamente sobre a matéria de excepção, em atenção aos princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis que vigoram no processo arbitral, o Tribunal Arbitral, por despacho de 5.7.2019, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, dispensou a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT e facultou às partes a possibilidade de apresentarem alegações escritas sucessivas.

Nenhuma das partes formulou alegações.

 

11. Por despacho de 27.8.2019, tendo em conta o período de férias judiciais em curso e o disposto no art.º 17.º-A do RJAT, nos termos e para os efeitos do art.º 21.º, n.º 2 do RJAT, prorrogou-se por dois meses o prazo para emissão e notificação da decisão arbitral.

 

12. O Tribunal arbitral é competente para julgar o pedido de pronúncia arbitral (art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT), encontra-se regularmente constituído (arts. 5.º, n.ºs 1 e 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade, e mostram-se devidamente representadas.

 

13. A cumulação de pedidos relativa aos diversos atos em matéria tributária atinentes às liquidações de IMI n.ºs 2011..., 2012..., 2013..., 2013... e 2013... é admissível em face do art. 3.º, n.º 1 do RJAT, dada a procedência dos pedidos depender da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.

 

II. Questões a decidir

 

14. Atentas as posições assumidas e os fundamentos alegados pelas partes no âmbito do presente processo arbitral, tal como emergem da PI da Requerente e da resposta da Requerida, que acima se sumariaram, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

i) a excepção invocada de caso decidido ou caso resolvido, por não impugnação, nos prazos legais, dos actos de cessação da suspensão da tributação em IMI relativamente às fracções autónomas A, B, C, D, E, F e G do prédio inscrito sob o atual artigo ... da freguesia do ..., concelho de Lisboa;

ii) a invocada ilegalidade, por erro nos pressupostos, da cessação da suspensão da tributação em IMI, nos termos do n.º 2 do art. 9.º do CIMI, relativamente às fracções autónomas em causa nos autos, por afectação a destino diferente do previsto na alínea e) do n.º 1 do art. 9.º do CIMI, dada a celebração pela Requerente de contratos de arrendamento sobre essas fracções e, consequentemente, a invocada violação de lei das liquidações adicionais de IMI daí decorrentes e dos actos subsequentes que as mantiveram;

iii) a pretensão, formulada a título subsidiário, para, “por aplicação do n.º 4 do art.º 37º do CPPT”, ser declarado que “o meio de reacção contra o acto notificado (de afastamento do benefício de suspensão da liquidação de IMI para os anos de 2011, 2012 e 2013) não indicado na notificação (...) pode ainda vir a ser apresentado no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão”.

Assinale-se que, para além da subsidiariedade formulada, a resolução de todas as questões indicadas pressupõe, evidentemente, que a respectiva apreciação não seja prejudicada pela solução dada a outra, designadamente quanto à questão da excepção de caso decidido ou resolvido (artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força da al. e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

 

III. Decisão da matéria de facto

 

15. É conveniente, antes de proceder à apreciação jurídica das questões que constituem o thema decidendum, fixar a matéria factual para tanto relevante.

A este respeito, importa ter presente que, para além dos pontos não controvertidos admitidos por acordo, a convicção do Tribunal sobre a realidade empírica dos factos se formou unicamente com base na prova documental apresentada pela Requerente e nas peças do PA juntas pela Requerida, dado que, conforme exposto no relatório antecedente, nenhuma das partes, não obstante o convite do Tribunal Arbitral, procedeu à junção a estes autos de meios probatórios que façam parte do processo n.º .../15... BELRS do Tribunal Tributário de Lisboa.

 

a) Factos provados

 

16. Assim, em face das alegações constantes das peças processuais apresentadas e do exame da prova documental junta com a PI e das peças do PA constantes destes autos, o Tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

 

I. A Requerente tem como objecto social a promoção e gestão imobiliária, consultoria, estudos e projectos, compra e venda de imóveis, administração e serviços.

II. A Requerente é proprietária das fracções autónomas A, B, C, D, E, F e G do prédio inscrito na matriz da Freguesia do ... sob o artigo ... (que correspondia ao anterior artigo ... da Freguesia de ...), concelho de Lisboa (cfr. doc. n.º 1 junto à PI).

III. Invocando o destino dessas fracções para venda, a Requerente requereu em 15.4.2011, conforme doc. n.º 1 junto à PI, a não sujeição a IMI dos referidos imóveis ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do art. 9.º do CIMI, tendo instruído esse requerimento com os seguintes documentos: i) elementos contabilísticos demonstrativos da transferência das fracções da conta 36 - "Produtos e trabalhos em curso" para a conta 3411 - "Produtos acabados e intermédios - existências"; ii) "Print'' relativo à situação cadastral da Requerente demonstrativo da sua inscrição no exercício de actividade de compra e venda de imóveis; iii) certidão comprovativa da inexistência de dívidas à Segurança Social.

IV. Por despachos do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ..., de 26.8.2011 para a fracção A e de 16.8.2011, para as fracções B, C, D, E, F e G, foi concedida, por referência à al. e) do n.º 1 do art. 9.º do CIMI, a suspensão de tributação em sede de IMI para as referidas fracções pelo período de 3 anos, de 2011 a 2013, inclusive (cfr. notificações constantes do doc. n.º 2 à PI).

V. A Requerente celebrou em 1.6.2012 contrato de arrendamento relativamente às indicadas fracções, em que constam as seguintes cláusulas (factualidade reconhecida nos arts. 22.º e 24.º da PI e descrição constante do doc. n.º 5 à PI):

"O presente contrato produz efeitos a partir de 1 de Junho de 2012 e tem o prazo de duração inicial de 10 (dez) anos, renovando-se automaticamente por períodos iguais e sucessivos de 3 (três) anos, no termo do prazo de duração inicial ou da renovação que estiver em curso.";

"No final do quinto ano da vigência do contrato (...)" "(...) o senhorio poderá denunciar o presente contrato caso a arrendatária não aceite uma revisão nos termos do número cinco da cláusula quinta.";

"Durante a vigência do presente contrato, todos os encargos e despesas correntes respeitantes aos Locados e suas partes comuns são da responsabilidade da arrendatária, incluindo os relacionados com manutenção e consumos (...);

"Caso o senhorio tenha intenção de alienar o imóvel, a arrendatária terá direito do preferência";

"A renda mensal é de € 66.445,00 (...)".

VI. A requerente foi notificada pelo Oficio n.º..., de 23.8.2013, conforme doc. n.º 3 à PI, para exercer o direito de audição prévia com referência ao projecto de decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ... de cessação da suspensão da tributação do IMI relativamente às mencionadas fracções autónomas A, B, C, D, E, F e G, em que se referia que: "Atenta a informação que antecede, com a qual concordo, uma vez que a contribuinte deixou de reunir os pressupostos para a isenção de IMI prevista na alínea e) do nº 1 do art.º 9.º do CIMI, deve a mesma ser retirada e liquidar-se o imposto desde 2011, ano da aquisição das referidas fracções (n.º 2 do art.º 9 do CIMI)”, sendo que na informação na sua base se consignou o seguinte:

“Em 24/10/2012 foi recebido através de correio eletrónico, proveniente dos Serviços de Inspeção Tributaria da AT, a informação relativa à presumível cessação da suspensão da tributação de IMI, concedida ao abrigo do art.º 9.º do CIMI referente à Sociedade A... SA, NIPC: ..., pelo facto de a Sociedade em causa ter celebrado um contrato de arrendamento para as frações A, B, C, D, E, F e G do prédio em regime de propriedade horizontal inscrito na matriz da Freguesia de ... sob o artigo ... .

Consultada a matriz predial verifica-se efectivamente que a Sociedade em causa está a beneficiar da Suspensão da Tributação de IMI prevista no art.º 9 do CIMI, desde o ano 2011.

Consultada a aplicação de gestão dos contratos de arrendamento, verifica-se igualmente que a referida Sociedade celebrou um contrato de arrendamento para as referidas fracções com início no dia 01/06/2012.

De acordo com a alínea e) do nº 1 do art.º 9.º do CIMI;

“O imposto é devido a partir: do 3.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a sua venda”.

E ainda, de acordo com o nº. 2 do mesmo artigo:

Nas situações previstas nas alíneas d) e e) do número anterior, caso ao prédio seja dada diferente utilização, liquida-se o imposto para todo o período decorrido desde a sua aquisição.

Analisados as factos e verificando-se efectivamente que desde 01-06-2012 a Sociedade celebrou um contrato de arrendamento para as fraccões em causa e como lhes foi dada diferente utilização da referida na alínea e) do nº 1 do art.º 9 do CIMI, sou da opinião de que deva cessar o benefício concedido e ser liquidado imposto por todo o período decorrido desde a aquisição de cada uma das fracções de acordo com o determinado no referido n.º 2 do art.º 9.º do CIMI, mas sem que antes se notifiquem os S.P. com vista a exercer o direito de audição sobre o assunto”.

VII. A Requerente exerceu em 12.9.2013 o direito de audição relativamente ao projecto de decisão indicado no ponto antecedente nos termos do requerimento junto como doc. n.º 4 à PI, que aqui se dá por reproduzido, no qual, alegando, em síntese, que se mantém a intenção de venda das fracções em causa, requereu “a anulação do projecto de decisão em questão, mantendo-se a suspensão do início da tributação de IMI, nos termos e com os efeitos do artigo 9.º, n.º 1, alínea e) do CIMI”.

VIII. Por despacho da Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ..., de 11.10.2013, foi decidido o seguinte, conforme doc. n.º 5 à PI:

“Atenta a informação e parecer que antecedem e com as quais concordo, determino a cessação da suspensão de tributação em IMI relativamente ao atual artigo..., fracções A, B, C, B, E, F e G da freguesia do ..., que corresponde ao anterior art.º ... da freguesia de ..., em conformidade com o que determina o n.º 2 do art.º 9.º do CIMI.

Se é certo que o arrendamento das fracções possa não constituir, de per si, fundamento para que se entenda ter sido dado "destino diferente" às fracções, a verdade é que, embora seja alegado pela sociedade proprietária que mantém a intenção de revender as fracções acima identificadas, dos elementos trazidos aos autos em sede de audição prévia, nada fica provado quanto a essa intenção”.

Na informação associada de 24.9.2013, em que se suporta tal despacho, refere-se que:

“uma vez que o que está em causa é a utilização ou destino dado a um bem imóvel adquirido para revenda, parece-me existirem tais factos determinante da perda de isenção, nomeadamente:

- a celebração do contrato de arrendamento;

- a duração do contrato de arrendamento;

- todos os encargos e despesas do imóvel passarem a ser imputados ao arrendatário;

- a não manifestação no contrato de que o imóvel em causa se destina a revenda;

- o valor da renda mensal que constitui um rendimento tributado em sede de IRC.

Muito embora a Sociedade em causa reitere no direito de audição a intenção de vender as fracções autónomas, após análise dos factos, julgo ser inequívoco que às mesmas foi dado um destino diferente, como tal sou da opinião de que deva manter-se a decisão de cessação da suspensão de tributação de IMI relativa às fracções em causa, pelo facto de às mesmas ter sido dada diferente utilização que não a de revenda”.

IX. Este despacho, com o parecer e a informação em que se suporta, foi notificado à Requerente pelo Ofício n.º..., de 14.10.2013, recebido em 17.10.2013, conforme doc. n.º 5 junto à PI, que apresenta o seguinte teor:

“Fica por este meio notificado(a) do teor do despacho de 11-10-2013 da Chefe de Finanças e da informação que lhe está associada, que recaiu sobre o processo de isenção de IMI efectuado ao abrigo do art.º 46.º, n.º 1 do EBF, de que se junta fotocópia.

Do presente despacho cabe recurso hierárquico no prazo de 30 dias, nos termos do art.º 66º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro”.

 X. A Requerente foi notificada, conforme docs. n.ºs 6-A, 6-B e 6-C juntos à PI, das liquidações adicionais de IMI relativas às indicadas fracções autónomas e aos anos de 2011, 2012 e 2013 com os n.ºs 2011..., emitida em 15.10.2013, no valor de €40.246,55, 2012..., emitida em 15.10.2013, no valor de €30.971,70, 2013..., emitida em 9.3.2014, no valor de €10.323,90 (1.ª prestação), 2013..., emitida em 9.3.2014, no valor de €10.323,90 (2.ª prestação) e 2013..., emitida em 9.3.2014, no valor de €10.323,90 (3.ª prestação), no montante total de 102.189,95 €.

XI. A Requerente apresentou reclamação graciosa relativamente às liquidações adicionais de IMI indicadas no número anterior em que requereu a respectiva anulação por padecerem de violação de lei e a manutenção do benefício concedido ao abrigo do disposto na al. e) do n.º 1 do art. 9.º do CIMI (cfr. doc. n.º 7 à PI quanto à liquidação relativa ao ano de 2011 e reconhecimento no art. 6.º da resposta quanto às restantes).

XII. Notificada do projecto de decisão de indeferimento das reclamações graciosas, que se mostra junto como doc. n.º 8 à PI, a Requerente exerceu o direito de audição, renovando o anteriormente alegado sobre a ilegalidade das liquidações adicionais de IMI de 2011 a 2013 (cfr. doc. n.º 9 à PI e reconhecimento das partes nos articulados).

XIII. Por despachos de 17.9.2014 do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ..., que converteu em definitivo os projectos indicados, foram indeferidas as reclamações graciosas referidas (cfr. doc. n.º 10 à PI e reconhecimento das partes).

XIV. Em 20.10.2014, a Requerente interpôs recursos hierárquicos das decisões das reclamações, a que foram atribuídos os n.ºs ...2014..., ...2014... e ...2014... (cfr. doc. n.º 11 à PI e reconhecimento das partes).

XV. A Requerente foi notificada, em 9.9.2015, pelos Ofícios n.ºs..., ... e ..., todos de 7.9.2015, das decisões de indeferimento de 27.7.2015 dos recursos hierárquicos interpostos, conforme doc. n.º 12 à PI e despachos juntos do PA, constando das várias informações em que se sustentam aquelas decisões de indeferimento o seguinte texto comum (exceptuadas as referências ao ano em apreciação):

“Tendo a Recorrente sido notificada da cessação da suspensão da tributação do IMI, prevista na alínea e) do n.º  1 do artigo 9º do CIMI, em 2013-10-17, poderia aquela reagir contra o acto administrativo em matéria tributária, por duas vias: a via contencioso, através de acção administrativa especial, ou a via administrativa, através de Recurso Hierárquico, apresentado no prazo do 30 dias, nos termos do artigo 66.º do CPPT.

Ora, a Recorrente não optou por qualquer uma das mencionadas vias, tendo em alternativa, optado, em 2014-07-07 [ou 2014-03-24], pela apresentação de uma Reclamação Graciosa da liquidação do IMI referente ao ano de 2011 [ou 2012 ou 2013].  

Tendo  em  conta  que  o  meio  procedimental válido para reagir contra um acto administrativo em matéria tributária é o Recurso Hierárquico e que o prazo para o interpor é de 30 dias, não pode ser apreciado o mérito do acto de cessação da suspensão, uma vez que não foi utilizado o meio legal, nem tampouco foi respeitado a prazo legal para a sua interposição, sendo inviável, igualmente, a sua convolação, pois esta só seria possível se a petição fosse tempestiva face ao procedimento adequado, ainda que não o fosse face ao meio procedimental inadequado por que optou a Recorrente.

Destarte, considerando a AT, que o despacho que cessou a suspensão da tributação do IMI, prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 9º do CIMI, é um acto administrativo autónomo, isto é, um acto destacável da liquidação e anterior a esta, e que não foi atacado no devido tempo, este consolidou-se na ordem jurídica, pelo que a Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação do IMI de 2011 [ou 2012 ou 2013], fundamentando-se na ilegalidade da referida cessação, não pode proceder e consequentemente não poderá proceder o Recurso Hierárquico interposto.".

XVI. Os montantes de imposto objecto das liquidações de IMI de 2011, 2012 e 2013 acima indicados em X, foram pagos, respectivamente, em 28.7.2014, 28.11.2013, 24.4.2014 (1.ª Prestação), 28.7.2014 (2.ª prestação) e em 27.11.2014 (3.ª prestação), conforme docs. n.ºs 13-A, 13-B e 13-C à PI.

XVII. A Requerente apresentou impugnação judicial no Tribunal Tributário de Lisboa das decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos indicados em XV que correu termos pelo processo n.º .../15... BELRS.

XVIII. Em 06.12.2018, a Requerente solicitou a extinção da instância do referido   processo n.º .../15... BELRS para efeitos da submissão do presente pedido de pronúncia arbitral neste Centro de Arbitragem Administrativa (cfr. a certidão electrónica acima referida no n.º 2 do Relatório).

 

b) Factos não provados

 

17. Não existem, com relevância para a decisão da causa em face das diversas soluções de direito plausíveis, factos não provados que importe registar como tal.

 

c) Motivação da decisão da matéria de facto

 

18. A convicção do Tribunal quanto aos factos provados acima enunciados resultou do exame dos documentos não impugnados que constam dos autos e das peças do PA apenso nos termos especificados em cada número do probatório, bem como no reconhecimento e admissão de factos pelas partes nos articulados, designadamente pela Requerida no art. 10.º da sua resposta, sempre que não conste do processo prova documental pertinente (como sucede em relação aos docs. 7-B, 7-C, 8-B, 8-C, 9-B, 9-C, 10-B, 10-C, 11-B e 11-C que, não obstante referenciados na PI, não se mostram juntos aos autos).

 

IV. Do Direito. A matéria da excepção de caso decidido ou resolvido

 

a) Posições das partes

 

19. Na sua resposta (arts. 11.º e segs.), a Requerida invocou a ocorrência de caso decidido ou caso resolvido, alegando que a Requerente não impugnou nos prazos legais o acto de cessação do benefício fiscal da suspensão da tributação em IMI nos termos do n.º 2 do art. 9.º do CIMI, contra o qual poderia ter reagido pela via administrativa, por recurso hierárquico, a apresentar no prazo de 30 dias, conforme previsto no artigo 66.º do CPPT, ou pela via contenciosa, nomeadamente mediante competente acção administrativa, nos termos da alínea p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT, sendo que o ato de cessação de benefícios fiscais é um ato dotado de lesividade e externalidade, como tal susceptível de impugnação contenciosa, assumindo carácter de ato definitivo num procedimento autónomo ao da liquidação e que não se confunde com este, pelo que se formou, relativamente esse ato, caso decidido ou caso resolvido, o que envolve que o ato adquiriu um carácter de incontestabilidade.

Assinala ainda a Requerida que, na sua petição, a Requerente não coloca em causa nenhum aspecto atinente à própria liquidação tributária, não apontando qualquer vício de violação de lei que especificamente a inquine, mas antes dirige a sua impugnação relativamente à ilegalidade dos atos de liquidação em causa em atenção às decisões anteriormente não impugnadas.

Daí que peticione a procedência da excepção atinente ao caso decidido ou caso resolvido, cuja cominação determina a absolvição da entidade demandada da instância, em conformidade com o disposto na al. e) do n.º 1 do artigo 278.º do CPC, aplicável ex vi al. e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

20. Muito embora, conforme acima referido no n.º 9, a Requerente não se tenha pronunciado autonomamente, após a resposta da Requerida, sobre a excepção assim invocada, como a questão do caso decidido já tinha sido suscitada em sede de decisão dos recursos hierárquicos, conforme descrito no ponto XV do probatório, verifica-se que na PI, nos respectivos arts. 39.º e seguintes, esta questão foi abordada.

O quadro alegatório a este respeito apresentado pela Requerente prende-se com a sustentação de que se trata in casu não de actos destacáveis, mas de actos meramente interlocutórios, pelo que as respectivas ilegalidades que afectam o procedimento tributário podem ser aduzidas na reacção contenciosa contra as decisões finais de liquidação do IMI.

Assim, a Requerente, depois de referir que, por força do princípio da impugnação unitária consagrado no art. 54.º do CPPT, a obrigatoriedade de impugnação autónoma de actos interlocutórios é restringida aos actos que forem imediatamente lesivos ou às situações em que haja norma expressa nesse sentido, alega, em termos específicos, que: i) os “despachos de cessação da suspensão do IMI de 2011, 2012 e 2013 aqui em causa não são imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte, só o sendo as liquidações (adicionais) subsequentemente recebidas do IMI e que aqui se sindicam e que, essas sim, materializam e consubstanciam as decisões de cessação do benefício a que se reporta a alínea e) do n.º 1 do art.º 9º do CIMI”; ii) “fossem eles actos destacáveis por emergência da lesividade dos referidos actos, nada foi dito a tal propósito nas notificações que vão juntas como Doc. n.º 3 e como Doc. nº 5, podendo perfeitamente a aqui requerente não se ter apercebido dessa lesividade (associada à declaração da  cessação  da  aludida  suspensão  e dos seus efeitos),  já que ela não foi ali simplesmente ali anunciada”; iii) “não existe qualquer normativo que preveja a impugnabilidade autónoma das decisões de cessação da suspensão da liquidação do IMI de 2011, 2012 e 2013, pelo que decorria daí a impossibilidade de impugnação contenciosa direta de tais decisões, nos termos e em conformidade com o disposto no citado e transcrito art.º 54º do CPPT” e “nem se diga que ela resulta do disposto na alínea p) do nº 1 do artº 97º do CPPT, já que essa disposição não prevê qualquer obrigatoriedade a tal propósito, limitando-se a prever ali os tipos de processos que se integram no conceito de processo judicial tributário, estando, por isso, nos antípodas da referida obrigatoriedade ou imposição”.

 

b) Apreciação jurídica do Tribunal

 

21. A título preliminar, importa referir que, efectivamente, como acima descrito no n.º 3, constata-se que os elementos de facto e de direito que são invocados para sustentar a ilegalidade das liquidações objecto dos presentes autos arbitrais limitam-se exclusivamente aos vícios apontados às decisões de cessação do benefício da suspensão da tributação do IMI nos anos de 2011 a 2013, não sendo convocada, para além desta, qualquer outra matéria factual ou jurídica no pedido de pronúncia arbitral para fundamentar a invalidade das liquidações impugnadas.

 

22. Isto posto, comece-se por assinalar que, em termos de quadro normativo, para além do disposto no art. 54.º do CPPT, segundo o qual “Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”, relevam para a apreciação da presente questão as disposições específicas dos arts. 9.º, n.º 1, al. e) (“O imposto é devido a partir: e) Do 3.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a sua venda”) e n.º 2 (“Nas situações previstas nas alíneas d) e e) do número anterior, caso ao prédio seja dada diferente utilização, liquida-se o imposto por todo o período decorrido desde a sua aquisição”), mas igualmente o estabelecido pelos arts. 54.º, n.º 1, al. d) da LGT que alude a que: “O procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários, designadamente: d) O reconhecimento ou revogação dos benefícios fiscais” (que autonomiza da “liquidação dos tributos quando efectuada pela administração tributária” referida na al. b) do mesmo dispositivo) e 44.º, n.º 1, al. d) do CPPT, que também se reporta em termos autónomos em relação à “liquidação dos tributos, quando efectuada pela administração tributária” (al. b) do referido preceito), à “emissão, rectificação, revogação, ratificação, reforma ou conversão de quaisquer outros actos administrativos em matéria tributária, incluindo sobre benefícios fiscais”, bem como pelo n.º 4 do art. 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, segundo o qual: “O acto administrativo que conceda um benefício fiscal não é revogável, nem pode rescindir-se o respectivo acordo de concessão, ou ainda diminuir-se, por acto unilateral da administração tributária, os direitos adquiridos, salvo se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele acto pode ser revogado”.

 

23. Ora, por força destes dispositivos dos arts. 14.º, n.º 4 do EBF, 54.º, n.º 1, alínea d), da LGT e 44.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, constata-se que os actos de reconhecimento ou, como importa para o caso em apreço, os actos de cessação de benefícios fiscais inserem-se em procedimentos diferentes dos de liquidação dos tributos de que são pressuposto, não podendo, pois, reputar-se puros actos interlocutórios deste mesmo procedimento de liquidação.

Como se referenciou no acórdão arbitral proferido em 20.10.2015 no proc. n.º 79/2013-T deste CAAD, “não são actos interlocutórios do procedimento de liquidação os que não se inserem nesse procedimento, por serem proferidos em procedimentos próprios autónomos, que culminam com um acto administrativo, como é o caso dos actos de reconhecimento ou concessão e de cessação ou revogação de benefícios fiscais, à face do preceituado nos artigos 14.º, n.ºs 4 a 7, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, 54.º, n.º 1, alínea d), da LGT e 44.º, n.º 1, alínea d), do CPPT”.             

 

24. Precisamente, deve assinalar-se que cada um dos actos de cessação da suspensão da tributação em IMI relativamente às fracções em causa, pelo motivo invocado de ter sido dado a tais fracções um destino diferente do previsto na al. e) do n.º 1 do art. 9.º do CIMI, constitui um acto proferido num procedimento próprio autónomo, dirigido à revogação do benefício da suspensão de tributação em IMI nos anos de 2011 a 2013. Nessa medida, esses actos não se incluem no âmbito dos próprios procedimentos administrativo-tributários respeitante à prática dos actos finais de liquidação do imposto, ainda que constituam deles pressuposto, já que a extinção dos benefícios fiscais tem como consequência a reposição da tributação-regra, tal como determinado pelo n.º 2 do art. 9.º do CIMI e pelo n.º 1 do art. 14.º do EBF.

Observa-se, aliás, nos factos dados como provados o desenvolvimento deste procedimento próprio dirigido à cessação da suspensão da tributação em IMI nos anos de 2011 a 2013 em relação às fracções autónomas objecto dos autos, como patenteiam os pontos VI a IX do probatório, destacando-se o teor da decisão de 11.10.2013 (cfr. doc. n.º 5 junto à PI e ponto VIII do probatório), em que se determinou: “Atenta a informação e parecer que antecedem e com as quais concordo, determino a cessação da suspensão de tributação em IMI relativamente ao atual artigo ..., fracções A, B, C, B, E, F e G da freguesia do ..., que corresponde ao anterior art.º ... da freguesia de ..., em conformidade com o que determina o n.º 2 do art.º 9.º do CIMI”.

Em suma, o acto de cessação da suspensão da tributação em IMI é um acto praticado no âmbito de um procedimento administrativo-tributário distinto do procedimento de liquidação adicional de IMI, ainda que com ele relacionado, por constituir pressuposto para a emissão deste último, pois sem a revogação do benefício da suspensão da tributação não se pode concretizar a liquidação do imposto relativamente aos anos em que operou (no caso sub judice os anos de 2011 e de 2012) ou operaria (no caso sub judice o ano de 2013) essa suspensão (cfr. factos provados III, IV, V, VIII e X).

 

25. Pois bem, cabe entender que a não impugnação autónoma dos actos de cessação da suspensão da tributação em IMI relativamente às fracções autónomas em causa impede a impugnação judicial dos actos finais de liquidação do IMI para os anos de 2011 a 2013 com fundamento em vícios próprios daqueles.

É que, muito embora o art. 54.º do CPPT, acima citado, se reporte imediatamente aos actos interlocutórios de um mesmo procedimento e não aos actos finais de procedimentos ou subprocedimentos autónomos, ainda que pressupostos do procedimento de liquidação tributária, os termos em que naquele art. 54.º se excepciona o princípio da impugnação unitária são aplicáveis a esses actos proferidos em procedimentos autónomos, como sucede com o acto, aqui em causa, de revogação/cessação da suspensão da tributação em IMI nos termos do art. 9.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CIMI.

Recorde-se, então, que, por força da primeira parte do art. 54.º do CPPT, para os actos imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou relativamente aos quais disposição expressa exclua a impugnação unitária, casos em que se depara com actos destacáveis, o regime aplicável é o da sua impugnação directa e autónoma.

Ora, o acto de cessação do benefício fiscal da suspensão da tributação em IMI é imediatamente lesivo, afectando, de forma actual e imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo, pois implica, só por si, o efeito negativo imediato na esfera jurídica do contribuinte da perda do direito respectivo à suspensão do início de tributação em IMI de que a Requerente gozava (cfr. art. 9.º, n.º 2 do CIMI e art. 14.º, n.º 1 do EBF), do que resulta a sua impugnabilidade autónoma em conformidade com o n.º 1 e o n.º 2, alínea h) do art. 95.º da LGT.

Tais actos de cessação do benefício da suspensão da tributação em IMI constituem actos em matéria tributária, proferidos num procedimento relativo à revogação do benefício, pelo que a forma da sua impugnação contenciosa é a acção administrativa especial, conforme resulta da conjugação do disposto nas alíneas d) e p) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 97.º do CPPT com o artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (tem-se em atenção a redacção ainda em vigor do CPPT, anterior, pois, ao início de vigência da Lei n.º 118/2019, de 17.09)

 

26. Justamente, esta impugnação directa e autónoma de acto destacável, em derrogação do princípio da impugnação unitária, importa num ónus para o contribuinte, pelo que, caso não proceda à impugnação autónoma do acto destacável no prazo legalmente previsto, não mais o poderá fazer, o que produz a estabilização da situação definida mediante caso decidido ou caso resolvido, por força do qual fica afastada a impugnação do ato consequente com fundamento em vícios que atinjam o ato destacável pressuposto.

Assim, por força do dito “caso decidido ou resolvido”, muito embora a impugnabilidade contenciosa do acto de liquidação seja inteiramente viável em relação a tudo o que concerne esse próprio acto de liquidação, os vícios de que enfermava o acto destacável, cuja arguição tinha que se verificar na respectiva impugnação autónoma deduzida no prazo legal, já não podem ser apreciados, dada a sua estabilização definitiva, na impugnação da liquidação do imposto.

É essa a solução que se mostra em consonância com a natureza autónoma do acto pressuposto: a não impugnação desse acto dentro do prazo legal fixado para tanto determina a respetiva consolidação na ordem jurídica e a preclusão, daí decorrente, da possibilidade de invocação dos vícios que sejam estritamente atinentes a esse acto destacável no âmbito da impugnação de um ato ulterior.

 

27. Nestes termos, o contribuinte que não impugne directamente o acto de cessação do benefício da suspensão da tributação em IMI fica impossibilitado de o fazer posteriormente no âmbito da impugnação do acto de liquidação do IMI, por ter expirado o prazo legal para a invocação do vício relativo ao primeiro acto.

Precisamente, retomando o caso dos autos, dado que não ocorreu a impugnação dos actos de cessação do benefício fiscal da suspensão da tributação em IMI relativamente às fracções em causa nos prazos legais (vd. factos provados VIII, IX, X, XI e XIV), segue-se o efeito preclusivo na impugnação dos actos de liquidação tributária do IMI de 2011 a 2013 (vd. facto provado X) da inviabilidade de invocar em relação a estas liquidações adicionais vícios de que padeciam aqueles.

 

28. É certo, conforme resulta do facto provado n.º IX, que, como a Requerente destaca, no Ofício de notificação das decisões de cessação da suspensão do início de tributação em IMI das fracções em causa, não foi indicada o meio de reacção contencioso contra tais decisões, conforme determinado pelo n.º 2 do art. 36.º do CPPT.

Porém, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 37.º do CPPT, dessa omissão da indicação dos meios de reacção contra o acto notificado não decorre a impugnabilidade fora dos prazos legais desse acto relativamente ao qual se verificou a notificação insuficiente (para usar uma formulação, muitas vezes seguida, do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 245/99, o acto administrativo não fica aí “dependurado”, ou seja, indefinidamente sujeito a ser impugnado), mas, de modo diferente, confere ao interessado a faculdade de “dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento”, contando-se, então, no caso de uso dessa faculdade, o prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida.

Como se observou, entre vários outros arestos, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8.7.2015, proc. n.º 0389/15 (onde se pode encontrar a menção de outra jurisprudência nesse sentido), “a insuficiência da notificação por falta de indicação dos meios de defesa não conduz à nulidade do acto, mas faculta ao notificando o direito de requerer a notificação dos elementos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, dentro do prazo fixado no nº 1 do artigo 37º, e, usando dessa faculdade, o prazo para reagir (graciosa ou contenciosamente) contra o acto tributário conta-se a partir da notificação dos requisitos que haviam sido omitidos ou da passagem de certidão que os contenha”, sendo que “a consequência de, na circunstância, nada ser requerido nos moldes definidos no art. 37º redunda na irrelevância da aludida insuficiência para afastar os efeitos normais da notificação já efectuada”, pois “a notificação sem todos os requisitos exigidos, mas que contenha aqueles sem os quais ela é considerada nula, indicados no n.º 9 do art. 39.º do CPPT, não deixará de valer como acto de comunicação ao destinatário quanto a tudo o que comunicou, produzindo os efeitos próprios de uma notificação quanto àquilo de que o informou, só não produzindo, no caso de o destinatário utilizar tempestivamente a faculdade prevista no art. 37.º, n.º 1, do CPPT, o efeito de determinar o início dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa do acto notificado”, o que não contende com o princípio da confiança do interessado, pois “tal falta, não sendo apta para [o] induzir em erro”, “não tem a virtualidade de criar quaisquer expectativas dignas de tutela jurídica” e o interessado “podia, se assim o entendesse, requerer a notificação dos elementos omitidos, nos termos consignados no art. 37º do CPPT”.

Acresce ainda, a este respeito, que os argumentos invocados sobre esse défice da notificação quanto aos meios de defesa contenciosa, por respeitarem à comunicação da decisão de cessação da suspensão da tributação em IMI e não à notificação dos actos de liquidação, só poderiam ser ponderados no âmbito de um processo que tivesse como objecto precípuo esse acto de revogação do benefício fiscal da suspensão da tributação, o que não ocorre com os presentes autos, que têm por objecto os actos de liquidação adicional de IMI acima indicados, sendo certo que a apreciação de actos de revogação de benefício fiscal não cabe na competência dos tribunais arbitrais do CAAD nos termos do art.º 2.º do RJAT.

               

29. Refira-se, por outro lado, que, ao contrário do invocado pela Requerente no art. 54.º da PI, este entendimento quanto ao ónus da impugnação autónoma do acto de cessação do benefício da suspensão da tributação em IMI não implica afectação do “princípio da tutela judicial efectiva ínsito na Constituição da República Portuguesa”, pois, conforme foi recentemente apreciado, ainda que a propósito de outra fenomenologia, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 718/2017, como a Requerente teve a possibilidade de reagir contenciosamente, nos termos acima indicados, contra o ato de revogação do benefício fiscal de suspensão da tributação em IMI, a exclusão da possibilidade de invocação dos vícios deste no momento ulterior da impugnação da legalidade do acto de liquidação do imposto não infringe o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva.

 

30. Conclui-se, pois, pela procedência na situação dos autos da excepção atinente ao caso decidido ou caso resolvido, a qual determina, como excepção dilatória, a absolvição da Requerida da instância, em conformidade com o disposto na al. e) do n.º 1 do artigo 278.º do CPC, aplicável ex vi al. e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

c) Questões de conhecimento prejudicado

 

31. Atenta a procedência da excepção acima indicada e não sendo invocado qualquer vício autónomo relativamente às liquidações impugnadas de IMI fica prejudicado o conhecimento de mérito da legalidade das referidas liquidações.

 

32. Mostra-se igualmente prejudicada a apreciação do pedido subsidiário que foi apresentado, dado que a situação que se coloca nos autos concerne a ausência da reacção contenciosa exigida quanto aos actos de cessação da suspensão da tributação em IMI, não um erro quanto ao meio de reacção adoptado contra o acto notificado indicado na notificação, sendo neste último caso que o meio de reacção adequado pode ser ainda exercido no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão judicial, conforme previsto no n.º 4 do art. 37.º do CPPT, que se dirige, com efeito, às situações em que, na notificação, foi indicado erroneamente um meio judicial para a impugnação contenciosa do acto objecto dessa notificação, o qual foi perfilhado pelo impugnante e que posteriormente o Tribunal considerou inadequado em termos de implicar uma decisão de rejeição, e não para os casos em que não foi adoptada qualquer reacção (para estes vale, como acima indicado, o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 37.º do CPPT).

Impõe-se, de qualquer modo, dizer, para além de tudo o mais, que não cabe nas competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD (que se circunscrevem, nos termos do artigo 2.º do RJAT, à apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e de declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais) a pronúncia sobre um tal pedido autónomo de reconhecimento da faculdade de apresentação no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão de outro meio de reacção contra o acto de cessação do benefício de suspensão da liquidação de IMI para os anos de 2011, 2012 e 2013.

Repare-se, aliás, que relativamente aos actos de liquidação adicional de IMI objecto da presente acção arbitral, não se verificam, nem é alegado que se verifiquem, os pressupostos do n.º 4 do art. 37.º do CPPT, pelo que não se poderia, em caso algum, determinar que, a partir do trânsito em julgado da presente decisão, a Requerente teria 30 dias para impugnar outros actos, designadamente os actos de revogação do benefício fiscal de suspensão da tributação, que não integram, em si mesmos, o objecto deste processo.

 

V. Decisão

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral, na procedência da excepção dilatória de caso decidido ou resolvido, em absolver a Requerida da instância.

 

VI. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €102.189,95 (cento e dois mil cento e oitenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos).

 

VII. Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.060.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente, dada a absolvição da instância da Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 5, do referido Regulamento de Custas.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 23 Outubro de 2019

 

Os Árbitros

 

José Pedro Carvalho

Fernando Araújo

João Menezes Leitão