DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros Alexandra Coelho Martins (Árbitro Presidente), Maria do Rosário Anjos e Nuno Cunha Rodrigues, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, na seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
1. No dia 10 de dezembro de 2018, A..., LDA., adiante designada por Requerente, NIPC..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral coletivo, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), com as alterações subsequentes , e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
2. A Requerente peticiona a anulação do despacho de indeferimento, de 7 de setembro de 2018, proferido pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças, no uso de competência subdelegada pela Diretora de Finanças Adjunta de ..., que recaiu sobre a Reclamação Graciosa (RG) apresentada contra o ato tributário de liquidação de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) e inerentes juros compensatórios, referente ao ano 2015, no montante total de € 77.568,40 [€ 72.480,93 de IRS e € 5.087,47 de juros compensatórios], e, bem assim, a anulação da referida liquidação de retenções da fonte (de IRS) e de juros compensatórios, emitida sob o n.º 2017... (demonstração de liquidação n.º 2017 ...).
3. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, a seguir identificada por “AT” ou “Requerida”.
4. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, a ilegalidade do despacho de indeferimento da RG e do ato de liquidação de IRS e de juros compensatórios subjacente, por entender que os mesmos enfermam de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto entende: (a) não existir facto tributário, por falta de fundamento e suporte em norma de incidência; (b) que as operações são economicamente justificadas e não tendo ocorrido qualquer comportamento dirigido à obtenção de uma vantagem fiscal; (c) não se ter verificado qualquer enriquecimento do sócio.
5. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD no dia 11 de dezembro de 2018 e, automaticamente, notificado à AT.
6. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
7. Em 4 de fevereiro de 2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
8. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 25 de fevereiro de 2019.
9. Em 26 de fevereiro de 2019, foi a Requerida notificada apresentar a sua resposta, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT.
10. No dia 3 de abril de 2019, a Requerida apresentou a sua resposta, na qual se defende por impugnação, tendo junto aos autos o respetivo Processo Administrativo (PA), em 4 de abril de 2019.
11. Em 9 de abril de 2019, foi proferido despacho arbitral, com a indicação da data agendada para a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT. Face ao requerimento apresentado pela Requerente, em 14 de maio de 2019, prescindindo da produção de prova testemunhal, foi, na mesma data, proferido novo despacho arbitral que deu sem efeito o agendamento da inquirição de testemunhas e dispensou a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT, nos termos do disposto nas alíneas c) e e) do artigo 16.º, e n.º 2 do artigo 29.º, ambos do RJAT.
12. As Partes apresentaram alegações escritas nas quais reiteraram e desenvolveram as respetivas posições jurídicas.
13. Em 19 de agosto de 2019, foi proferido despacho arbitral fundamentado, prorrogando o prazo para prolação da decisão arbitral, face ao período de férias judiciais, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT.
14. Já em 18 de setembro de 2019, veio a Requerida apresentar e requerer a junção aos autos de documento superveniente, no caso, a decisão arbitral proferida no processo do CAAD n.º 622/2018-T, na qual foi apreciada idêntica matéria de facto e de direito respeitante à mesma Requerente embora relativa a diferentes anos.
15. A junção de documento foi admitida por despacho arbitral de 19 de setembro de 2019.
16. Em 2 de outubro de 2019, a Requerente exerceu o contraditório quanto ao requerimento da Requerida supra referido, argumentando, entre outras razões, que não tinha recorrido da dita decisão proferida no processo arbitral n.º 622/2018-T, por impossibilidade face ao regime consagrado em sede de arbitragem tributaria, mas que de todo se conformou ou aceita como correta tal decisão, pugnando pelo entendimento que verteu no presente pedido arbitral e invoca, em abono desta posição, alguma jurisprudência dos Tribunais superiores e, bem assim, jurisprudência arbitral, nomeadamente a vertida na decisão nº 437/2019-T.
* * *
17. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do artigo 5.º e da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º, todos do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e no artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
18. O processo não enferma de nulidades, nem foi identificado qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir decisão sobre a matéria de facto e de direito em discussão nos presentes autos.
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos provados
1) A..., LDA., aqui Requerente, é uma sociedade comercial por quotas, que exerce a atividade de comércio por grosso de bens, com incidência na área da cordoaria, destinados ao setor agrícola e construção civil, sob o CAE 46762, desde 22 de abril de 1980 – cf. Relatório de Inspeção Tributária (RIT) que consta do PA.
2) Em 23 de março de 2017, os Serviços de Inspeção Tributária iniciaram uma ação de fiscalização externa à Requerente, de âmbito geral, abrangendo os exercícios de 2014 e 2015, que veio a ser concluída em 30 de maio de 2017 – cf. RIT.
3) Na sequência desta ação inspetiva, a AT propôs e efetivou, entre outras, correções relativas a Retenções na Fonte de IRS, no valor de € 72.480,93 (a que subsequentemente foram adicionados juros compensatórios de € 5.087,47, perfazendo o montante global de € 77.568,40), referentes ao ano 2015, por falta de retenção em rendimentos de capitais auferidos pelo sócio-gerente (vantagem económica em espécie procedente de elementos patrimoniais de natureza mobiliária), ao abrigo do n.º 1 do artigo 5.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRS – cf. RIT e cópia da demonstração de liquidação de retenções na fonte que consta do PA (procedimento de reclamação graciosa).
4) O entendimento dos Serviços de Inspeção Tributária foi posteriormente sufragado pela Direção de Finanças competente – cf. RIT.
5) Como fundamento para as correções efetuadas, refere o RIT, em síntese, que:
a. Durante os anos 2015 e 2016, a sociedade Requerente suportou encargos relativos à construção de um armazém em terreno que é propriedade do sócio-gerente B... .
b. Circunstância que produziu uma vantagem patrimonial, um aumento do património individual do sócio B..., integralmente suportado pela sociedade aqui Requerente (da qual aquele é também gerente), cujo montante não corresponde ao novo VPT do prédio em causa, mas antes aos gastos efetivamente suportados na referida construção.
c. Independentemente de a sociedade [aqui Requerente] estar a usufruir do referido armazém no âmbito da sua atividade, a realidade é que o bem não é sua propriedade, nem aquela detém sobre o mesmo qualquer direito.
d. Atendendo a que B... não é trabalhador dependente da sociedade Requerente, nem foi registado ou assumido qualquer empréstimo (entre sociedade e sócio) relativamente a esta operação, a situação em apreço não pode merecer outro enquadramento que não seja a da vantagem económica em espécie procedente de elementos patrimoniais de natureza mobiliária, prevista no n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRS, ou seja, a título de rendimento de capitais. De facto, esta vantagem (aumento do património individual do sócio) decorre diretamente do facto de o mesmo ser titular do capital da sociedade, sendo certo que a sociedade não o faria se estivéssemos perante um terceiro independente.
e. A operacionalidade daquela "vantagem económica" efetivou-se no momento em que a sociedade se substituiu ao sócio, ou seja, em cada pagamento (das obras/construção) efetuado de facto pela Requerente e cujo beneficiário era o sócio B... .
f. Assim sendo, e na justa medida em que tais gastos/pagamentos são atribuíveis à esfera particular do sócio e detentor de metade do capital da Requerente, à luz do n.º 1 (rendimentos em espécie) e da alínea p) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS, são tais verbas de considerar como rendimentos de capitais (categoria E), cuja operacionalidade ocorre na data do pagamento (data da vantagem económica efetiva).
g. Não obstante estarmos perante rendimentos tributáveis na esfera do sócio, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRS, tais rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%, pelo que estava a Requerente obrigada a fazer retenção na fonte àquela taxa no momento em que os colocou à disposição, no caso em apreço, no momento do pagamento.
h. Assim sendo, em face do exposto, por via deste procedimento (não retenção de IRS relativamente a rendimentos sujeitos) a Requerente deixou de reter e entregar nos cofres do Estado, imposto no montante global de € 72.480,93 no ano de 2015.
6) Durante os anos de 2015 e 2016 a Requerente suportou todos os encargos relativos à construção de um armazém em terreno que é propriedade do sócio-gerente B...– cf. RIT, também provado por acordo.
7) O Valor Patrimonial Tributário (VPT) do prédio antes da construção do dito armazém era de € 12,20 (referente ao prédio rústico, artigo matricial R-...da freguesia de..., concelho de ...) e, após a referida construção e alteração para prédio urbano, passou a ser de € 213.820,00 (referente ao artigo matricial U-..., freguesia de ..., concelho de...), mantendo-se o prédio registado a favor do sócio-gerente da Requerente, B...– cf. RIT.
8) O VPT do prédio urbano com o artigo U-... acabado de referir é inferior aos gastos efetivos com a construção do armazém que foram suportados pela Requerente em aproximadamente 260 mil euros – cf. RIT.
9) O armazém em causa, concluído em meados de 2016, foi sendo contabilizado na empresa como Ativo Fixo Tangível em curso e, uma vez concluído, foi transferido para Ativos Fixos Tangíveis – Edifícios e Outras Construções, embora se tratasse de uma construção de edifício em propriedade alheia, não estando registado em nome da Requerente, mas do sócio B...– cf. RIT.
10) É a Requerente que está a usufruir do referido armazém no âmbito da sua atividade, sendo certo que o bem não é sua propriedade – cf. RIT.
11) O sócio B... não é trabalhador dependente da Requerente, nem foi registado qualquer empréstimo entre esta e aquele sócio relativamente a esta operação – cf. RIT.
12) A AT considerou que todos os gastos suportados pela Requerente, na referida construção do armazém, bem assim como as depreciações registadas na contabilidade daquela, estão corretos e foram contabilisticamente relevados – cf. RIT.
13) Em 31 de julho de 2017, foi emitida à Requerente a liquidação n.º 2017 ... relativa a Retenções na Fonte de IRS e juros compensatórios inerentes, reportada ao ano 2015, no valor de € 72.480,93 [IRS] e de € 5.087,47 [juros compensatórios], perfazendo o total de € 77.568,40, tendo a respetiva demonstração de liquidação, com o n.º 2017..., fixado como data limite de pagamento (voluntário) 27 se setembro de 2017 – cópia da demonstração de liquidação de retenções na fonte que consta do PA (procedimento de reclamação graciosa).
14) Não se conformando com esta liquidação de retenções na fonte de IRS e juros compensatórios correlativos, a Requerente apresentou reclamação graciosa, que correu termos sob o n.º ...2018..., a qual foi apreciada na Direção de Finanças de ..., tendo sido indeferida por despacho de 7 de setembro de 2018, do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de ...(no uso de competência subdelegada pela Diretora de Finanças Adjunta de ...), notificado pelo ofício n.º..., de 10 de setembro de 2018 – cf. PA (procedimento de reclamação graciosa).
15) Em 27 de novembro de 2017, a Requerente procedeu ao pagamento dos valores indicados na liquidação oficiosa e respetivos juros, na importância global de € 77.568,40 – cf. PA (procedimento de reclamação graciosa).
16) Em 10 de dezembro de 2018 a Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, para impugnação da decisão de indeferimento da RG e da liquidação de Retenções na Fonte de IRS e dos juros compensatórios subjacentes.
A.2. Factos não provados
19. Não se provou a constituição de um direito de superfície a favor da Requerente, por ausência absoluta de comprovação registral, sendo o registo predial requisito constitutivo do direito alegado. Com relevo para a decisão, não existem outros factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
20. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal atendeu à prova documental junta aos autos pelas partes, concretamente aos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e ao teor do processo administrativo junto pela AT, bem assim como aos factos reconhecidos pelas partes, já que a divergência respeita à interpretação e aplicação do Direito e não à base factual.
21. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (n.º 2 do artigo 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
22. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do disposto no n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul, de 26 de junho de 2014, proferido no processo n.º 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
23. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO MÉRITO DO PEDIDO
24. A questão que se coloca nos presentes autos diz respeito a saber se a liquidação de IRS – retenção na fonte realizada, por se ter considerado existir uma vantagem económica de que beneficiou o sócio-gerente da Requerente, é, ou não, ilegal.
25. A Requerida alega que se verificou um acréscimo patrimonial na esfera do sócio B..., em consequência do registo do prédio urbano supra descrito em nome do mesmo sócio-gerente B..., que faz presumir a propriedade deste sobre o prédio, devendo esse acréscimo ser qualificado como rendimento de capitais uma vez que estaria enquadrado no n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRS.
26. Importa, assim, decidir se a liquidação impugnada é ilegal, verificando se estão preenchidos os pressupostos da norma de incidência do n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRS, invocada pela Requerida.
Vejamos.
27. O Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, dispunha da seguinte forma relativamente aos artigos em discussão:
“Artigo 5.º
Rendimentos da categoria E
1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e rendimentos tributados noutras categorias. […]”
“Artigo 7.º
Momento a partir do qual ficam sujeitos a tributação os rendimentos da categoria E
1 - Os rendimentos referidos no artigo 5.º ficam sujeitos a tributação desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respetivo quantitativo, conforme os casos. […]”
28. O n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRS consagra uma cláusula aberta relativa à tipificação de rendimentos da categoria E. Como é bem observado no acórdão do TCA Sul, de 20 de dezembro de 2012, processo n.º 03410/09, a propósito deste mesmo artigo, “a definição de “rendimentos de capitais”, implantada, pela L. 30 -G/2000 de 29.12., no art. 5.º n.º 1 CIRS, traduz e incorpora uma regra de incidência tão ampla, distendida, que é capaz de englobar qualquer situação, envolvente de valores mobiliários, que não seja tributada noutra das categorias, em que opera o IRS.”
29. É por isso que “são suscetíveis de integrar a versada previsão legal, «vantagens económicas», independentemente da natureza ou denominação, pecuniárias ou em espécie, provenientes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, bem como, da respetiva modificação, transmissão ou cessação”.
Por outras palavras, não sendo fechado o elenco de situações consideradas como rendimento, há rendimento de capitais, sujeito a IRS, desde que sejam satisfeitas as condições previstas no n.º 1, ou seja, tratar-se de (i) vantagem económica, (ii) independente de natureza ou denominação, (iii) pecuniária ou em espécie, (iv) procedente direta ou indiretamente de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, (v) com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
No caso presente, a Requerida considera que o acréscimo patrimonial que se verificou na esfera do sócio B... deve ser qualificado como rendimento de capitais.
Situação idêntica foi apreciada no processo arbitral n.º 622/2018-T, que correu termos no CAAD, bem como no processo 0203/17.9BEVIS, de 11 de setembro de 2019, do Supremo Tribunal Administrativo (STA) que, aqui e ali, seguiremos de perto.
30. Ficou provado que, após a construção do armazém no terreno da propriedade de B..., este [armazém] foi registado em nome do mesmo proprietário e sócio-gerente da Requerente –B...– o que faz presumir a propriedade deste sobre o prédio.
31. Devemos, por isso, analisar se o dispêndio de verbas com a construção, por parte da Requerente, e o subsequente registo da propriedade do armazém sub judice em nome de B... implicou uma vantagem económica para este último.
32. A Requerente invoca, em requerimento apresentado, que “não obstante o imóvel se encontrar registado na Conservatória do Registo Predial em nome do proprietário do terreno, a sua propriedade económico-fiscal é da sociedade.”
33. Em suporte deste entendimento, a Requerente refere diversas informações vinculativas da AT, tais como a informação n.º 371, com despacho de 4 de março de 2010, do SDG do IVA; a informação vinculativa n.º 1843, com despacho de 21 de junho de 1998; ou a informação n.º 2095, de 16 de novembro de 2012, da Direção de Serviços do IVA, bem como a decisão arbitral no processo do CAAD n.º 347/2018-T.
34. Sabendo-se que as informações vinculativas se reportam sempre a um caso concreto e que, como tal, não constituem nenhuma orientação genérica (artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária), é igualmente certo que as informações vinculativas invocadas, bem como a decisão arbitral citada no número anterior, referem-se ao direito à dedução de IVA no âmbito da construção e instalação de uma fábrica em terreno alheio.
35. Nas situações invocadas pela Requerente – onde, reitere-se, estava em causa o direito à dedução de IVA – existia um contrato que conferia a um terceiro o direito a deduzir o IVA suportado nas obras na medida em que tais despesas contribuíssem, de facto, para o exercício da atividade tributada e uma vez que as mesmas, independentemente em nome de quem viessem a ser inscritas na matriz, ficassem a fazer parte integrante dos prédios em apreço.
36. Ora, no caso em apreço, não se discute o (eventual) direito à dedução do IVA suportado pela Requerente na construção do armazém.
37. Por outro lado, também não se pode acompanhar a afirmação da Requerente de que detém a “propriedade económico-fiscal” do armazém, pois a afetação ou utilização de um bem por parte da sociedade [Requerente] no âmbito da sua atividade não equivale à aquisição de um domínio titulado sobre o bem, inerente ao direito de propriedade. Essa utilização pode ser feita ao abrigo de contratos de arrendamento, aluguer, comodato e tantos outros que de modo algum envolvem a aquisição da qualidade de proprietário dos bens por parte da entidade utilizadora, ou à disposição da qual foram colocados.
38. Acresce que o conceito invocado pela Requerente de “propriedade económico-fiscal” não se encontra juridicamente recortado, pelo que não é operativo, nem tem cabimento na hipótese de incidência das normas aplicadas. Seguro é que o sócio B... era o proprietário do imóvel – prédio rústico – no qual foi edificado o armazém, tendo subsequentemente promovido a correspondente alteração para prédio urbano, mantendo-se sempre como proprietário do mesmo, em nome do qual o imóvel se encontra registado e coletado no Serviço de Finanças.
39. De igual modo, não foi questionada pela AT a justificação económica da utilização ou da construção do armazém, cujos encargos foram suportados pela Requerente.
40. O que está em causa é, sublinhe-se, saber se houve um acréscimo patrimonial na esfera do sócio-gerente B... em virtude da construção, pela Requerente, de um armazém num terreno da propriedade daquele sócio.
41. Ora não restam dúvidas de que o imóvel da propriedade do sócio-gerente B... foi amplamente valorizado em consequência das obras realizadas pela Requerente na qual é sócio e gerente, como foi dado como provado.
42. Importa, assim, determinar se esses valores pecuniários disponibilizados para construção do armazém, devem ser havidos como rendimentos de capital, por configurarem uma vantagem económica. Ou, dito de outro modo, se a liquidação de IRS por falta de retenção na fonte deve, ou não, ser mantida na ordem jurídica.
43. Num caso recentemente decidido e que pode, mutatis mutandis, ser considerado a propósito da situação em apreço, no processo 0203/17.9BEVIS, de 11 de setembro de 2019, o STA decidiu que “Deve ser considerado rendimento de capitais enquadrável na numeração exemplificativa do artº 5º nº 2 do CIRS o valor de obras realizadas na moradia dos cônjuges detentores de capital de uma sociedade anónima e que ali desempenham as funções de Administrador (cônjuge marido) e Vogal do Conselho de Administração (Cônjuge mulher), na circunstância de as faturas das obras terem sido pagas ao empreiteiro pela referida sociedade sem qualquer deliberação de distribuição antecipada de lucros.”
44. No caso sub judice, verifica-se que o património pessoal do sócio cresceu, desde logo, na medida do aumento do valor patrimonial tributário do prédio – resultante da alteração de rústico para urbano, no montante de € 213.820,00 (sabendo-se que o anterior valor patrimonial tributário se cifrava em € 12,20) – o que é plenamente provado pela situação registral do imóvel em causa. Mas não só, pois os encargos de construção do armazém registados na contabilidade da Requerente foram de aproximadamente 260 mil euros, pelo que o benefício efetivamente imputável ao sócio-gerente é desta última ordem de grandeza.
45. O acréscimo patrimonial do sócio-gerente da Requerente resultou do pagamento dos encargos de construção do armazém por esta. Ou, dito de outro modo, atendendo ao resultado económico verificado, o dispêndio de verbas pela Requerente na construção de um armazém em terreno do sócio-gerente representou, para este, uma vantagem económica.
46. Como tal, houve uma vantagem económica, associada aos valores despendidos pela Requerente na construção do armazém em terreno da propriedade do seu sócio-gerente, que se repercutiu diretamente na esfera pessoal do sócio-gerente.
47. Na verdade, a circunstância de a Requerente se encontrar a utilizar o armazém no âmbito da atividade social e a contabilização das faturas de construção na esfera da Requerente não pode ter o efeito pretendido por esta, uma vez que o bem imóvel sub judice não é da propriedade da Requerente e não existe qualquer direito desta sobre o mesmo.
48. Acresce que, como ficou demonstrado, houve um correspetivo crescimento do património pessoal do sócio em resultado da construção do armazém pela Requerente e da transformação do prédio rústico em urbano e concomitante registo deste em nome do sócio-gerente.
49. O que corresponde a dizer que os pagamentos dos encargos de construção do armazém pela Requerente em terreno da propriedade do sócio-gerente equivalem a rendimentos de capital por representarem uma vantagem económica auferida por uma pessoa singular – o sócio-gerente B...– que é detentor de capital social da Requerente e que assumia a função de gerente no momento dos fluxos monetários em apreço, i.e., do dispêndio de verbas, pela Requerente, com a construção do armazém.
Consequentemente estamos face a rendimentos que se subsumem ao conceito de rendimentos de capitais, previsto no n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRS, atendendo à existência de uma vantagem económica para o sócio-gerente em apreço.
50. Encontrando-se desta forma verificadas as condições que determinam a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRS, anteriormente enumeradas.
51. Assim, soçobra o vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, imputado à liquidação de IRS (retenções na fonte) e respetivos juros, e, bem assim, à decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que confirmou esse ato tributário.
52. Consequentemente, improcedem os pedidos acessórios de reembolso do montante das retenções na fonte e juros compensatórios pagos e de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, por falta de preenchimento do pressuposto de que derivam, i.e., da invalidade do ato tributário de liquidação de IRS controvertido, que não se dá por verificada.
53. Por fim, de referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou, em qualquer caso, cuja apreciação seria inútil – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
III. DECISÃO
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide-se julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Manter na ordem jurídica a liquidação de Retenções na Fonte de IRS e juros compensatórios emitida sob o n.º 2017..., referente ao ano 2015 e a demonstração de liquidação correspondente, n.º 2017..., no valor global de € 77.568,40, bem como a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que a confirmou;
c) Condenar a Requerente nas custas do processo, abaixo fixadas.
IV. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor da causa em € 77.568,40€ (setenta e sete mil quinhentos e sessenta e oito euros e quarenta cêntimos), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
V. CUSTAS
Ao abrigo do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 17 de outubro de 2019
Os Árbitros
(Alexandra Coelho Martins)
(Maria do Rosário Anjos)
(Nuno Cunha Rodrigues)