Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 533/2018-T
Data da decisão: 2019-10-25  IVA  
Valor do pedido: € 864.392,61
Tema: IVA – Inversão do Sujeito Passivo – Serviços de Construção Civil – Art. 2.º, n.º 1 al. j) do CIVA
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral, Dra. Alexandra Coelho Martins, árbitro presidente, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães, designado pela Requerente, e Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima, designado pela Requerida, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A..., S.A. (doravante “Requerente”), pessoa coletiva número ..., com sede na ..., ..., Rua ..., n.º ..., ...-... ..., Oeiras, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes.

 

A Requerente vem deduzir pedido de pronúncia arbitral de anulação das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) referentes a diversos períodos dos anos 2015, 2016 e 2017 e dos juros compensatórios inerentes, perfazendo o total de € 864.392,61, bem como a condenação da AT ao reembolso das despesas incorridas com a prestação de garantia bancária, nos termos dos artigos 171.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e 53.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

A Requerente designou como Árbitro o Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.

 

Em 30 de outubro de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT, em 5 de novembro de 2018.

 

Nos termos do disposto do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da AT designou como Árbitro o Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima.

 

Na sequência do requerimento apresentado pelos árbitros designados pelas partes para que o árbitro-presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico, foi, por despacho de 21 de dezembro de 2018, do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico, designada a Dra. Alexandra Coelho Martins nessa qualidade, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), II parte do RJAT.

 

Todos os árbitros comunicaram a aceitação do encargo, tendo o Presidente do CAAD informado as partes dessa designação em 21 de dezembro de 2018, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 11 de janeiro de 2019.

 

Como causa de pedir a Requerente invoca a discordância da qualificação de “serviços de construção civil” que a AT atribuiu aos serviços de execução de divisórias em pladur, madeira e vidro que lhe foram prestados pela sociedade B..., LDA. e o consequente entendimento de que devia ocorrer a inversão do sujeito passivo, de acordo com o artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA. Para a Requerente, as mencionadas divisórias são componentes amovíveis sem caráter de permanência, não enquadráveis como serviços de construção civil, pelo que considera correta a faturação, pelo fornecedor, do IVA que foi pago e entregue à AT.

 

Quanto às prestações de serviços realizadas pela Requerente aos seus clientes C... e D..., relativamente à montagem, reparação e manutenção de equipamentos hidromecânicos e de aproveitamento hidroelétrico em Centrais Hidroelétricas e à manutenção, certificação e reparação de equipamentos de elevação e movimentação (designadamente pórticos ou pontes rolantes integrados nos edifícios das barragens), também em Centrais Hidroelétricas e na Central Térmica da D..., aquela entende que os mesmos consubstanciam serviços de construção civil, sendo correto o tratamento em IVA que foi conferido nas faturas por si emitidas aos referidos clientes, sem liquidação deste imposto e com a menção “IVA devido pelo adquirente”, conforme preceitua o artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA. 

 

Segundo a Requerente, quanto aos serviços por si prestados, estão reunidos todos os pressupostos de que a norma em referência faz depender a aplicação do “Reverse Charge” ou regime de inversão do sujeito passivo, porquanto configura um sujeito passivo de IVA que possui sede no território nacional e pratica operações que conferem o direito à dedução deste imposto e os serviços em causa são subsumíveis às categorias de trabalhos de construção civil previstas no Decreto-lei n.º 12/2004, de 9 de janeiro, e na Portaria n.º 19/2004, de 10 de janeiro, aplicáveis até 4 de julho de 2015, data em que lhes sucedeu a Lei n.º 41/2015, de 3 de junho, na qual também se enquadram.

 

Idêntica conclusão retira a Requerente da delimitação do conceito de serviços de construção civil efetuada pelo Ofício-Circulado n.º 30101, da Direção de Serviços do IVA, de 24 de maio de 2007. Deste modo, as liquidações de IVA impugnadas também violam o disposto no artigo 68.º-A da LGT, na medida em que contrariam o entendimento administrativo vertido neste Ofício-Circulado. 

O regime jurídico da atividade de construção civil define o conceito operação de construção civil como sendo a realização de obra nova, a incorporação de equipamento e a sua reparação, manutenção ou conservação. Neste âmbito, segundo a Requerente, a integração das operações instrumentais indispensáveis para a prestação final devem, de igual forma, beneficiar do tratamento em IVA aplicável ao elemento principal, passando a partilhar do tratamento fiscal da prestação principal, como preconizado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo C-463/16, com Acórdão proferido em 18 de janeiro de 2018, que conclui que numa prestação composta por dois ou mais elementos distintos se aplica o regime de IVA do elemento principal.

 

Por fim, refere a Requerente que a não apreciação, por parte da AT, de algumas faturas e encomenda(s) por se encontrarem em língua inglesa, impedindo-a de concluir validamente, viola os princípios da boa-fé, da justiça, da proporcionalidade e da colaboração com os particulares (artigos 7.º, 8.º, 10.º e 11.º, todos do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), assegurados pelo artigo 266.º da Constituição. Sustenta que cabia à AT, ao abrigo dos seus poderes de direção do procedimento, solicitar uma tradução e demais elementos que reputasse necessários, o que não fez (cf. artigos 56.º, 58.º e 60.º do CPA). Assim, a AT acabou por alicerçar uma decisão substantiva em razões menores de forma (em, concreto, no uso de língua inglesa, para mais justificada por se tratar de um cliente estrangeiro, tratando-se de uma obra que resultou de um concurso público internacional), em violação de uma das liberdades fundamentais do mercado único da União Europeia.

 

                A Requerente juntou 43 documentos e arrolou 3 (três) testemunhas.

 

                Em 13 de fevereiro de 2019, a Requerida apresentou Resposta, na qual começa por comunicar a revogação parcial dos atos tributários objeto da ação arbitral e, no mais, se defende por exceção e por impugnação. Na mesma data, juntou o processo administrativo (“PA”).

 

                Em matéria de exceção, considera que o pedido de pronúncia arbitral é intempestivo. Para a Requerida, tendo a impugnação sido deduzida contra os atos tributários de liquidação de IVA, está ultrapassado o prazo previsto no artigo 10.º do RJAT, que é de 90 dias a contar do momento preceituado no artigo 102.º do CPPT, ou seja, do termo do prazo de pagamento voluntário das liquidações.

 

                Apesar de reconhecer que foi apresentada reclamação graciosa destes atos tributários, a Requerida considera que o facto de a Requerente não ter formulado qualquer pedido tendente à anulação do que nessa sede foi decidido ou estivesse por decidir, não permite contar o prazo a partir desse procedimento, para o que invoca diversa jurisprudência arbitral (cf. Decisões Arbitrais nos processos n.ºs 62/2012-T, 188/2013-T, 244/2013-T, 261/2013-T, 38/2015-T, 195/2015-T, 196/2015-T, 211/2015-T, 346/2015-T, 618/2015-T).

 

                Sustenta a Requerida que estando os poderes de cognição do Tribunal Arbitral limitados pela causa de pedir e pelo pedido, o Tribunal está impedido de apreciar e de se pronunciar sobre o procedimento de reclamação graciosa, devendo o pedido formulado ser “declarado improcedente, por intempestivo”.

 

                Na defesa por impugnação, a Requerida reitera os argumentos invocados pelos Serviços de Inspeção Tributária, na parte referente às liquidações não anuladas, nomeadamente no que se prende com a exclusão das faturas referentes a penalidades contratuais, que considera excluídas do conceito de serviços de construção civil, assim como à certificação de equipamentos, que qualifica como serviços de fiscalização, reparação e manutenção que afirma não terem subjacentes quaisquer trabalhos de construção civil.

 

A Requerida pronuncia-se no sentido de ser inútil a inquirição das testemunhas e conclui pela procedência da exceção de intempestividade, ou, caso assim não seja entendido, pela improcedência do pedido, com a consequente absolvição da Requerida de todos os pedidos.

 

Por despacho de 15 de fevereiro de 2019, foi a Requerente notificada para exercício do contraditório sobre a matéria de exceção e sobre a desnecessidade de prova testemunhal alegada pela Requerida.

 

Em 28 de fevereiro de 2019, a Requerente pronunciou-se sobre a exceção de intempestividade deduzida pela parte contrária no sentido de que o prazo para a propositura da presente ação se conta da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra os atos de liquidação controvertidos, pelo que o pedido deu entrada em prazo, de acordo com a aplicação conjugada dos artigos 70.º do CPPT, 57.º da LGT e 102.º do CPPT.

 

A Requerente alega que foi feita expressa referência à reclamação graciosa no pedido de pronúncia arbitral, logo no início, no ponto “II. Objeto”, onde explicita que esta foi apresentada e que se formou indeferimento tácito (artigo 106.º do CPPT), tendo sido junta aos autos como documento 42. Invoca a jurisprudência arbitral do processo n.º 426/2017-T, que remete para jurisprudência vária dos Tribunais Administrativos e Arbitrais. Segundo a Requerente, tratando-se de indeferimento tácito, a ilegalidade dos atos de liquidação de IVA impugnados é o único fundamento da declaração de “ilegalidade do indeferimento tácito por identidade de objeto”.

 

Sustenta a Requerente que, quando muito, estaríamos perante uma mera deficiência do pedido, suprível nos termos do artigo 18.º, n.º 1 do RJAT e da Decisão Arbitral proferida no processo do CAAD n.º 592/2016-T, sendo que interpretação contrária violaria o princípio da confiança e o acesso à tutela jurisdicional efetiva (artigos 2.º e 20.º da Constituição).

 

Quanto à anulação parcial das liquidações, que aceita como correspondendo ao decaimento da Requerida, pede a condenação nas respetivas custas e declara manter o interesse no prosseguimento dos autos. Refere ainda que os argumentos para essa anulação aplicam-se, de igual modo, a outras liquidações, o que revela incongruência da AT, além de que esta autoridade está impedida de praticar novos atos tributários, pois tal procedimento ofende o disposto no artigo 13.º, n.º 3 do RJAT. A Requerente alega que as correções substitutivas feitas a seu favor não contêm fundamentação, o que configura vício superveniente que implica a ilegalidade dos atos de liquidação ainda mantidos na ordem jurídica.

 

A Requerente juntou 20 documentos adicionais e manifestou não ser de prescindir da prova testemunhal por a considerar relevante.

 

Em 18 de março de 2019, a Requerente procedeu à junção de 2 documentos alegadamente supervenientes. A junção foi admitida, concedendo-se prazo de vista à AT, que se veio pronunciar no sentido de que o documento não era superveniente, solicitando o seu desentranhamento.

 

O Tribunal indeferiu o requerido pela AT, por serem prevalecentes no âmbito tributário os princípios da verdade material e da oficiosidade, na sua primacial orientação ao princípio da legalidade (tributária), devendo o Tribunal conhecer todos os elementos que possam contribuir para a correta solução de mérito (cf. artigo 13.º do CPPT, ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea a) do RJAT) e artigos 16.º, alínea c) e 19.º do RJAT).

 

                Tendo em vista o apuramento dos factos, em 5 de abril de 2019, realizou-se no CAAD a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, na qual foram ouvidas as testemunhas da Requerente. O Tribunal relegou o conhecimento da exceção para a decisão final e, na sequência de convite ao aperfeiçoamento, a Requerente clarificou que o pedido arbitral formulado abrange a anulação do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa com fundamento na ilegalidade das liquidações adicionais impugnadas. As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas sucessivas e fixada a data para prolação da decisão arbitral.

 

A Requerente apresentou alegações finais em 29 de abril de 2019 e a Requerida em 17 de maio de 2019. Ambas reiteram as respetivas posições vertidas nos articulados iniciais.

 

Por despachos de 14 de junho e de 2 de setembro de 2019, atenta a complexidade das questões, foi sucessivamente prorrogado por dois meses o prazo de prolação da Decisão Arbitral.

 

 

II.            SANEAMENTO. DA EXCEÇÃO DE INTEMPESTIVIDADE

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos atos de liquidação de IVA e inerentes juros compensatórios controvertidos, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

No que se refere à tempestividade, a Requerida veio arguir ter sido ultrapassado o prazo de 90 dias para a apresentação do pedido de constituição de Tribunal Arbitral, conforme previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado do termo do prazo de pagamento voluntário das liquidações, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT.

 

Todavia, afigura-se que a exceção de intempestividade não é de proceder, pois o prazo de 90 dias deve ser contado a partir da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa que foi apresentada pela Requerente, de acordo com a alínea d) do citado artigo 102.º, n.º do CPPT, prazo que não tinha ainda decorrido quando da apresentação do pedido arbitral que deu origem à presente ação.

 

Com efeito, conforme decidido na Decisão Arbitral proferida no processo do CAAD n.º 336/2018-T, sobre idêntica matéria e que a seguir se acompanha, resulta do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT – por remissão para o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT – que o prazo para impugnar, nas situações em que houve reclamação graciosa ou recurso hierárquico, em que se formou a presunção de indeferimento tácito se conta do momento em que se formou essa presunção e não do termo do prazo de pagamento voluntário da liquidação legalmente notificada ao contribuinte.

                De acordo com o artigo 57.º, n.º 5 da LGT, o incumprimento do prazo de quatro meses para conclusão do procedimento previsto no n.º 1 da mesma norma faz presumir o seu indeferimento, para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial.

 

Dado que a reclamação graciosa se reporta à própria liquidação impugnada, a reação à decisão de indeferimento da reclamação toma esta decisão por objeto imediato, mas o objeto mediato é, necessariamente, a própria liquidação. No caso de indeferimento tácito, como sucede nos autos, nem sequer existe decisão administrativa, pelo que, por maioria de razão, o objeto da lide não pode deixar de reportar-se ao(s) ato tributário(s) em discussão. 

 

Não é descabido que, por cautela, sejam expressamente impugnados, em simultâneo, ambos os atos, o de liquidação (mediatamente) e o de indeferimento (imediatamente). Mas não se afigura que isso seja indispensável, ou sequer necessário, e ainda menos na situação de indeferimento tácito. 

 

Em rigor, a jurisdição arbitral só tem competência material para apreciar a ilegalidade da liquidação, não os vícios do indeferimento de reclamações (e recursos, se aplicável). Em contrapartida, não se impõe que a via arbitral deva ser a primeira forma de reação à ilegalidade de uma liquidação, excluindo a via administrativa; pelo contrário, a via arbitral é conformada como um meio adequado de reação ao esgotamento da via administrativa, num plano paralelo ao da via jurisdicional nos tribunais administrativos e fiscais.

 

Em caso de indeferimento expresso de uma reclamação graciosa que manteve uma liquidação cuja legalidade se contesta, o que materialmente se aprecia são os vícios da liquidação, em relação à qual aquele indeferimento se apresenta como ato de segundo grau. Ora, quando se trata de um indeferimento meramente presumido, nem sequer existem outros fundamentos ou vícios a apreciar para além dos que se prendem com os próprios atos tributários (de liquidação) impugnados, pelo que a fortiori, nada mais há a apreciar.

 

Acresce que está em causa conferir uma tutela jurisdicional efetiva aos direitos da Requerente (cf. artigo 268.º, n.º 4 da Constituição), não a condicionando em função da primeira escolha que tenha feito – nomeadamente, não prejudicando a impugnação da liquidação pelo facto de a Requerente ter começado pela via administrativa, reservando para mais tarde o recurso à via arbitral, para a hipótese de insucesso na via administrativa – como faria com o recurso à via jurisdicional.

 

O facto de a reclamação graciosa (tal como o recurso hierárquico) ter por objeto a liquidação impugnada é que lhe confere o carácter de ato de segundo grau, face ao ato primário da liquidação. É o ato primário que se pretende impugnar ainda.

 

Daí que uma interpretação favorável ao acesso ao Direito (artigo 7.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos “CPTA”) e à tutela jurisdicional efetiva (artigo 268.º, n.º 4 da Constituição) – e, portanto, à apreciação do mérito das questões, não enredada em formalismos procedimentais e processuais –, deva incluir o indeferimento tácito ou expresso de uma reclamação graciosa (ou de um recurso hierárquico) no objeto do processo, como expressão de uma reação tempestiva à ilegalidade do ato primário.

 

Entender de outro modo seria forçar o contribuinte a uma opção exclusiva entre a via administrativa e a via arbitral, dentro do prazo para a impugnação da liquidação; mas isso contende com a arquitetura básica que presidiu ao estabelecimento da via arbitral em sede tributária – que em parte nenhuma coloca, como condição de acesso, a inexistência de uma via administrativa precedente, ou mais especificamente a inexistência de atos confirmativos que tivessem mantido, na ordem jurídica, do ato primário.

 

Mais ainda, na medida em que os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD só têm competência para apreciar a legalidade de atos de liquidação, e não de decisões de indeferimento – tácitas ou expressas – de reclamações graciosas ou recursos hierárquicos, poderíamos chegar à conclusão de que, tendo havido impugnação administrativa de atos de liquidação, e ultrapassando-se com isso o prazo de impugnação direta da liquidação, a via arbitral estaria vedada – não fosse o caso de o artigo 10.º, n.º 1, a) do RJAT explicitar, pelo contrário, que a notificação da decisão de indeferimento na via administrativa, ou a formação da presunção desse indeferimento, servem como termo inicial, afastando, assim, um tal entendimento.

 

O artigo 10.º do RJAT não confere, pois, aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a competência para apreciação direta dos atos de segundo (ou terceiro) grau; é uma norma que, referindo embora esses atos, respeita exclusivamente ao termo inicial do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral.

 

A tempestividade afere-se, portanto, em relação a esses atos de segundo (ou terceiro) grau, embora a materialidade do litígio se reporte a uma liquidação que aqueles atos se limitaram a confirmar ou em que tal se pode presumir pelo decurso do tempo, nos termos legalmente previstos.

 

Logo, em rigor, a Requerente não tem de impugnar separadamente o indeferimento tácito da Reclamação Graciosa.

 

Neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), a respeito do objeto da ação de impugnação judicial nos tribunais tributários, considerando que o que está em causa é a apreciação da (i)legalidade dos atos tributários que se repercute no juízo de (in)validade dos atos, de segundo e/ou de terceiro grau que sobre aqueles se pronunciaram, pois o objeto real da impugnação são aquelas liquidações, de que é exemplo o recente Acórdão de 3 de julho de 2019, processo n.º 02957/16.0BELRS 070/18, segundo o qual “o objeto real da impugnação é o ato de liquidação e não o ato que decidiu a reclamação graciosa, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise”.

 

Interessa notar que a Requerente mencionou expressamente no ponto “II. OBJETO” do seu pedido de pronúncia arbitral a apresentação de “Reclamação Graciosa dos atos tributários referidos em 22 de maio de 2018, que no entanto não foram objeto de decisão pela AT até ao termo do prazo legal, verificando-se o seu indeferimento tácito – art. 106º do CPPT – DOC. 42”). E se dúvidas houvesse, no convite que foi dirigido à Requerente por este Tribunal Arbitral para melhor clarificação, aquela confirmou que “o pedido formulado abrange a anulação do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa com fundamento na ilegalidade das liquidações adicionais ora impugnadas”.

 

Assim, tendo em conta a data de termo de pagamento voluntário das liquidações de IVA e juros compensatórios – 1 de fevereiro de 2018 – e a data da apresentação subsequente da Reclamação Graciosa – 22 de maio de 2018 – conclui-se que o indeferimento tácito desta se formou em 21 de setembro de 2018, pelo que em 29 de outubro desse ano, quando foi apresentado o pedido arbitral, ainda não tinha decorrido o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o que faz com que o mesmo seja tempestivo. Improcede, pois, a exceção de intempestividade deduzida pela Requerida.

 

* * *

 

A cumulação de pedidos é admissível, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, atendendo a que, apesar de os atos tributários de IVA se reportarem a diferentes períodos (meses e anos), estão em discussão idênticas circunstâncias de facto e o mesmo regime jurídico, que respeita à disciplina de inversão do sujeito passivo estabelecida no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA.

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

1.            MATÉRIA DE FACTO PROVADA

 

                Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

A.           A A..., S.A., aqui Requerente, é uma sociedade comercial que iniciou a sua atividade em 1 de agosto de 2004 e se dedica à realização de montagens e construções metalomecânicas, abrangendo a montagem, reparação e manutenção de estruturas metálicas, como tanques para armazenamento de petróleo ou gás, tubagem de transporte (pipelines), caldeiras e equipamentos de elevação e movimentação – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) constante do PA também junto com o ppa como documento 20.

 

B.            A Requerente está coletada pela atividade de “Reparação e Manutenção de Produtos Metálicos (Exc. Máq. e Equipamentos)”, sob o CAE 33110 e enquadrada no regime normal de periodicidade mensal de IVA – cf. RIT.

 

C.            Na sequência do pedido de reembolso de IVA n.º ... solicitado pela Requerente na declaração periódica deste imposto referente ao período de junho de 2017, foi iniciado um procedimento inspetivo à Requerente, determinado pelas ordens de serviço internas n.ºs OI2017..., OI2017..., OI2017... e OI2017..., relativas aos anos 2013, 2015, 2016 e 2017 (até junho), que resultou num Projeto de Correções de IVA relativamente ao qual a Requerente aceitou as que se reportavam ao período de julho de 2013 e exerceu o seu direito de audição quanto às demais – cf. RIT e documento 21 junto com o ppa. 

 

D.           A Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspeção Tributária (RIT) que manteve as correções relativas ao IVA dos serviços que lhe foram prestados pelo seu fornecedor, B..., LDA.. A AT entendeu que tais serviços se enquadravam na regra de inversão do sujeito passivo, prevista no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA, cabendo à Requerente a obrigação de autoliquidação do imposto devido que, erradamente, lhe havia sido faturado pelo fornecedor, no valor de € 2.065,40 (IVA) (base tributável € 8.980,00) – cf. RIT e documento 22 junto com o ppa.

 

E.            Os serviços em causa (do fornecedor B..., LDA.) respeitam à execução, fornecimento e instalação de divisórias em pladur com porta, em madeira e vidro; iluminação e alcatifa, por forma a criar uma área isolada de open space no edifício, tendo sido enquadrados pela AT nos seguintes moldes – cf. RIT:

 

(i)           Fornecimento e instalação das divisórias - Lista I – Ofício Circulado n.º 30101, de 24-05-2007;

(ii)          Iluminação – Lei n.º 41/2015, de 3 de junho, 4.ª categoria “Instalações elétricas e mecânicas”;

(iii)         Aplicação de alcatifa – Lei n.º 41/2015, de 3 de junho – 5.ª categoria da 1.ª – “Estuques, pinturas e outros revestimentos”.

 

F.            Na perspetiva da AT, o facto de a Requerente, no final do contrato de arrendamento, estar obrigada a remover todos estes bens do espaço arrendado não releva para a desqualificação das situações em análise como fornecimento de serviços de construção civil. “Os bens em causa não são bens móveis porque não são movimentados entre espaços, para os remover a A... terá de recorrer a outros serviços” – cf. RIT e documento 23 junto com o ppa.

 

G.           O RIT manteve ainda diversas correções de IVA relativas a prestações de serviços realizadas pela Requerente a clientes portugueses com a menção, na faturação emitida, de “IVA autoliquidação” [IVA a liquidar pelos adquirentes/clientes]. Segundo a AT, esses serviços não são enquadráveis como “serviços de construção civil” e, por conseguinte, não beneficiam da regra de inversão do sujeito passivo que foi aplicada pela Requerente, constante do artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA – cf. RIT.

 

H.           Neste âmbito, o RIT contém a seguinte fundamentação:

 

“Analisado o teor das faturas que a A... [Requerente] considerou abrangidas pela regra de inversão do SP, por considerar que as mesmas respeitavam à transmissão de serviços de construção civil encontramos os seguintes bens e serviços, entre outros: serviços de fiscalização, ensaios, reparação e manutenção de equipamentos, penalizações contratuais, fornecimento e montagem de equipamentos, mão-de-obra para utilizações diversas e formação […]

[…] Consideramos que todas as faturas relacionadas no ponto III.1.3.3, não respeitam à transmissão de serviços de construção civil, pois referem-se a serviços efetuados em equipamentos, a prestações de serviços diversas, e outros, que pese embora tenham sido executados numa obra hidráulica, por um lado, não respeitam a serviços que por si só, no âmbito da Portaria 19/2004, do DL 12/2004 ou da Lei nº41/2015, configurem serviços de construção civil, e por outro lado, não são parte integrante de qualquer processo construtivo. Assim, de acordo com o nº1 do art. 4º, al. a) do nº6 do art. 6º, o nº1 do art. 7º e o nº1 do art.8º, todos do CIVA, e tributados à taxa normal, de acordo com o nº1 do art. 16º e a al. c), do nº1 do art. 18º, ambos do CIVA.

[…]

IX.3.3. – Prestações de serviços faturadas a clientes portugueses com a menção «IVA autoliquidação» (ponto III.1.3 do Projeto de Relatório)

[…]

IX.3.3.5.2 – Encomenda nº ...[...]

[…]

Data      Nº Fatura            Descrição da fatura        Esclarecimentos prestados pela A...( conforme anexo nº5 do projeto de Correções)

[…]         […]         […]         […]

30-06-2017         VNC 651               Reclamação por extensão de tempo      Alteração ao Contrato por aumento em cerca de 9 meses do prazo de entrada em serviço industrial da instalação previsto inicialmente para 24 Setembro/16 por razões imputadas ao Cliente originando a seguinte natureza de custos acrescida: Gestão e administração de contrato, Atividades de Estaleiro por necessidade de manter equipas de apoio às montagens, Infraestruturas de Estaleiro para apoio às atividades de montagem. Ex. armazéns, equipamentos, transportes etc., Comerciais e financeiros com prolongamento de garantias e incremento do risco.

 

IX.3.3.5.2.2 – Em sede de direito de audição, a A... vem referir que esta encomenda respeita a «Montagem de equipamento hidroelétrico de ... …. este tipo de trabalhos referem-se a serviços de montagem de um equipamento hidromecânico para incorporação na central, desta forma podemos esclarecer que esta prestação de serviços se encontra no âmbito da regra de inversão do IVA da construção civil – Obras Hidráulicas.»

IX.3.3.5.2.3 – Juntou ainda: a encomenda, o contrato com o cliente, o contrato de consórcio que inclui a d[i]scriminação mais detalhada das diversas rubricas que compõem a encomenda, desenhos e fotografias. Estes elementos constituem o anexo nº4 do exercício de direito de audição.

IX.3.3.5.2.4 – Analisando as alegações da A... relativamente a esta encomenda e às faturas relacionadas, verificamos que:

i.             A encomenda é composta por vários itens sempre com a designação «Fornecimento e montagem de equipamentos para sistemas de comando e controlo»,

ii.            No final da encomenda encontramos em observações as seguintes referências:

a.            «Aproveitamento hidroelétrico de  ...– alteração ao contrato nº5 (Reclamação por extensão de tempo)»;

b.            «Contrato de Fornecimento dos Equipamentos do ... . Reforço dos suportes da blindagem da descarga de fundo (Alteração ao contrato nº7). FGA P1/142374»;

c.            «Contrato de Fornecimento dos Equipamentos do ... . Pintos metálicos de suporte da caixa espiral do G1 e G2 (Alteração ao contrato nº9). FGA P1/142377.»

iii.           O contrato com o cliente indica que o mesmo foi assinado entre:

a.            «D..., SA» (NIF:...), na qualidade de cliente;

b.            O consórcio composto por: «E... » (NIF:...); «F...» (NIF:...); «G..., SA» (NIF:...) e «A... SA» (NIF...), na qualidade de adjudicatário ;

c.            O objeto do contrato encontra-se na cláusula 1ª e indica «A D... confia e o Adjudicatário aceita a responsabilidade da execução do Fornecimento dos Equipamentos para o Aproveitamento Hidroelétrico de ..., de acordo com as características e com as condições especificadas nos documentos contratuais.»

d.            Todo o restante clausulado não é relevante para o caso em apreço.

iv.           O contrato de consórcio indica:

                […]

e.            No Anexo ao contrato refere-se que os serviços e os equipamentos fornecidos pela A... referem-se a «Montagem da turbina, regulador e equipamento hidromecânico.»

f.             São igualmente anexos ao contrato, mapas com a distribuição dos trabalhos pelo vários participantes do Consórcio. No que se refere à A... temos diversos trabalhos nas comportas e em grades, todos conexos com a montagem do equipamento hidromecânico.

v.            As fotos enviadas respeitam a: áreas de estaleiro, trabalhos de construção civil na zona das pontes rolantes e, às montagens de equipamentos.

[…]

IX.3.3.5.2.6 – Relativamente às faturas abaixo indicadas, mantemos as correções propostas no Projeto de Correções pois os mesmos não têm subjacentes quaisquer trabalhos de construção civil, e como tal não se enquadrem na 3ª categoria – Obras Hidráulicas, da Lei nº 41/2015, ou nos esclarecimentos prestados no Ofício-Circulado nº30101.

Data      Nº Fatura            Descrição da fatura        Esclarecimentos prestados pela A... ( conforme anexo nº5 do projeto de Correções)

[…]         […]         […]         […]

30-06-2017         VNC 651               Reclamação por extensão de tempo      Alteração ao Contrato por aumento em cerca de 9 meses do prazo de entrada em serviço industrial da instalação previsto inicialmente para 24 Setembro/16 por razões imputadas ao Cliente originando a seguinte natureza de custos acrescida: Gestão e administração de contrato, Atividades de Estaleiro por necessidade de manter equipas de apoio às montagens, Infraestruturas de Estaleiro para apoio às atividades de montagem. Ex. armazéns, equipamentos, transportes etc., Comerciais e financeiros com prolongamento de garantias e incremento do risco.

 

[…]

IX.3.3.5.4 – Encomenda nº ...

[…]

IX.3.3.5.4.2 – Em sede de direito de audição, a A... vem referir que esta encomenda respeita a «Trabalhos de reparação e renovação da certificação de equipamentos de elevação das centrais de ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... . Estes equipamentos fazem parte integrante das centrais a apenas são removidos com o desmantelamento do imóvel. Assim estes trabalhos estão enquadrados em outras instalações mecânicas e eletromecânicas (instalações elétricas e mecânicas) em centrais hidráulicas – obras hidráulicas.»

[…]

IX.3.3.5.4.5 – A carta de fornecimento de serviços indica, por central, os serviços a fornecer pela A..., dos quais indicamos a título de exemplo: calibração de células e dispositivos de segurança; reparação do sistema de pesagem, reparação de freios de transladação de guincho; inspeção de equipamentos, ensaios de carga nos equipamentos, desmontagem de cabos de alimentação, medição de potência; reparação de motor, entre outros.

IX.3.3.5.4.6 – Pela análise dos serviços descritos na carta de fornecimento de serviços, de que se indicaram no ponto anterior alguns a título de exemplo, verificamos que os mesmos se referem essencialmente a serviços de fiscalização, a serviços de reparação e a serviços de manutenção de equipamentos, que não têm subjacentes quaisquer trabalhos de construção civil, e como tal não se enquadram na lista de serviços prevista na Lei nº41/2015, ou nos esclarecimentos prestados no Ofício-Circulado nº30101, pelo que mantemos as correções propostas no Projeto de Correções.

 

IX.3.3.5.5 – Encomenda nº ...

[…]

IX.3.3.5.5.2 – Em sede de direito de audição, a A... vem referir que esta encomenda respeita a «Trabalhos fornecimento e montagem de componente para a ponte rolante da sala de máquinas na Central ... . Estes equipamentos fazem parte integrante das centrais e apenas são removidos com o desmantelamento do bem imóvel. Assim estes trabalhos estão enquadrados em outras instalações mecânicas e eletromecânicas (instalações elétricas e mecânicas) em centrais hidráulicas – obras hidráulicas.»

[…]

IX.3.3.5.5.4 – A encomenda refere que a mesma se refere «manutenção/reparação de equipamento de elevação e movimentação».

IX.3.3.5.4.5 – A carta de fornecimento de serviços indica «Fornecimento e instalação de comando áudio AUTEC MJ03 para quatro velocidades (translação da ponte, translação do carro e duas velocidades de elevação,), para a ponte rolante da sala de máquinas da central de ... .»

IX.3.3.5.5.6 – Pela análise dos serviços descritos quer na encomenda quer na carta de fornecimento de serviços, verificamos que se trata de fornecimento de bens no âmbito de serviços de manutenção e reparação de equipamentos, que não têm subjacentes quaisquer trabalhos de construção civil, e como tal não se enquadram na lista de serviços prevista na Lei nº41/2015, ou nos esclarecimentos prestados no Ofício-Circulado nº30101, pelo que mantemos as correções propostas no Projeto de Correções.

 

IX.3.3.5.6 – Encomenda nº ...

[…]

IX.3.3.5.6.2 – Em sede de direito de audição, a A... vem referir que esta encomenda respeita a «Trabalhos de reparação e renovação da certificação de equipamentos de elevação das centrais de Caniçada e Aguieira. Estes equipamentos fazem parte integrante das centrais e apenas são removidos com o desmantelamento do bem imóvel. Assim estes trabalhos estão enquadrados em outras instalações mecânicas e eletromecânicas (instalações elétricas e mecânicas) em centrais hidráulicas – obras hidráulicas.»

[…]

IX.3.3.5.6.6 – Pela análise dos serviços descritos na carta de fornecimento de serviços, de que se indicaram no ponto anterior alguns a título de exemplo, verificamos que os mesmos se referem essencialmente a serviços de fiscalização, a serviços de reparação e a serviços de manutenção de equipamentos, que não têm subjacentes quaisquer trabalhos de construção civil, e como tal não se enquadram na lista de serviços prevista na Lei nº41/2015, ou nos esclarecimentos prestados no Ofício-Circulado nº30101, pelo que mantemos as correções propostas no Projeto de Correções.

 

IX.3.3.5.7 – Encomenda nº...

[…]

IX.3.3.5.7.2 – Em sede de direito de audição, a A... vem referir que esta encomenda respeita a «Trabalhos de reparação e renovação da certificação de equipamentos de elevação da central de Lares. Estes equipamentos fazem parte integrante das centrais e apenas são removidos com o desmantelamento do bem imóvel. Assim estes trabalhos estão enquadrados em outras instalações mecânicas e eletromecânicas (instalações elétricas e mecânicas) em centrais hidráulicas – obras hidráulicas.»

[…]

IX.3.3.5.7.5 – Pela análise dos serviços descritos na encomenda, verificamos que se trata de serviços de manutenção e reparação de equipamentos, que não têm subjacentes quaisquer trabalhos de construção civil, e como tal não se enquadram na lista de serviços prevista na Lei nº41/2015, ou nos esclarecimentos prestados no Ofício-Circulado nº30101, pelo que mantemos as correções propostas no Projeto de Correções.

 

IX.3.3.5.8 – Encomenda nº ...

[…]

IX.3.3.5.8.2 – Em sede de direito de audição, a A... vem referir que esta encomenda respeita a «Trabalhos de reparação e renovação da certificação de equipamentos de elevação na central térmica [de ...]. Estes equipamentos fazem parte integrante das centrais e apenas são removidos com o desmantelamento do bem imóvel. Assim estes trabalhos estão enquadrados em outras instalações mecânicas e eletromecânicas (instalações elétricas e mecânicas) em centrais hidráulicas – obras hidráulicas.»

[…]

IX.3.3.5.8.6 – Pela análise dos serviços descritos na carta de fornecimento de serviços, de que se indicaram no ponto anterior alguns a título de exemplo, verificamos que os mesmos se referem essencialmente a serviços de fiscalização, a serviços de reparação e a serviços de manutenção de equipamentos, que não têm subjacentes quaisquer trabalhos de construção civil, e como tal não se enquadram na lista de serviços prevista na Lei nº41/2015, ou nos esclarecimentos prestados no Ofício-Circulado nº30101, pelo que mantemos as correções propostas no Projeto de Correções.

 

IX.3.3.5.9 – Encomenda nº ...

[…]

IX.3.3.5.9.2 – Em sede de direito de audição, a A... vem referir que esta encomenda respeita a «Fornecimento dos equipamentos e serviços para reparação e renovação da certificação de equipamentos de elevação das centrais do ... e ... . Estes equipamentos fazem parte integrante das centrais e apenas são removidos com o desmantelamento do bem imóvel. Assim estes trabalhos estão enquadrados em outras instalações mecânicas e eletromecânicas (instalações elétricas e mecânicas) em centrais hidráulicas – obras hidráulicas.»

[…]

IX.3.3.5.9.6 – Pela análise dos serviços descritos na carta de fornecimento de serviços, de que se indicaram no ponto anterior alguns a título de exemplo, verificamos que os mesmos se referem essencialmente a serviços de fiscalização, e a fornecimento de bens e serviços no âmbito de reparação e manutenção de equipamentos, que não têm subjacentes quaisquer trabalhos de construção civil, e como tal não se enquadram na lista de serviços prevista na Lei nº41/2015, ou nos esclarecimentos prestados no Ofício-Circulado nº30101, pelo que mantemos as correções propostas no Projeto de Correções.

 

IX.3.3.5.10 – Encomenda nº ...

[…]

IX.3.3.5.10.2 – Em sede de direito de audição, a A... vem referir que esta encomenda respeita a «Serviços de aluguer com operador de um equipamento de elevação (grua) para a construção da obra da barragem (central hidroelétrica) do ... . No nosso entender, estas faturas encontram-se enquadradas no âmbito da regra da inversão do IVA da construção civil, de acordo com o ofício..., anexo II «não se aplica a regra de inversão no mero aluguer ou colocação de equipamentos, por exemplo gruas; desde que não incluam manobrador.»

[…]

IX.3.3.5.10.5 – A análise dos serviços indicados na encomenda do cliente e, ao descritivo das faturas, leva-nos a concluir que as faturas respeitam apenas aos serviços dos manobradores, e não ao aluguer de equipamentos com manobrador. Por este facto, estes serviços não se consideram serviços de construção civil abrangidos pela regra de inversão do SP, pelo que mantemos as correções propostas no Projeto de Correções.”

 

I.             Os trabalhos realizados pela Requerente em Centrais Hidroelétricas (barragens) respeitam a equipamentos hidromecânicos que correspondem a estruturas fixas incorporadas na própria barragem, como é o caso de Pórticos e Pontes Rolantes. Estas estruturas / equipamentos permitem a movimentação das turbinas e geradores (os quais pesam centenas de toneladas e ficam instalados na barragem encapsulados numa espécie de “catedral” numa cota muito abaixo da superfície). Todas as barragens têm de ter equipamentos de elevação e movimentação integrados e apoiados na estrutura de betão da própria barragem, sem os quais aquelas são inoperantes – cf. depoimento da primeira testemunha.  

 

J.             Os Pórticos e Pontes Rolantes e os equipamentos que os compõem não só estão inseridos na estrutura da barragem (como, a título de exemplo, o estão os canos de água nas habitações dos edifícios urbanos), como só são amovíveis com o desmantelamento da barragem – cf. depoimento da primeira testemunha.  

 

K.            A Requerente, para além dos serviços de montagem de equipamentos hidroelétricos e hidromecânicos incorporados nas barragens, como sucedeu na Central Hidroelétrica de ... e na Central Hidroelétrica de ..., em que assegurou a montagem mecânica de toda a estrutura da barragem – condutas de adução, caixas espirais e turbina, condutas de saída de água, comportas (guilhotina), entre outros –, prestou também serviços de reparação, manutenção e certificação de equipamentos hidromecânicos de elevação e movimentação nas Centrais Hidroelétricas da ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... e serviços de reparação e manutenção na Central Termoelétrica (a ...) de... – cf. RIT, documentos 35 a 41 juntos com o ppa e depoimentos da primeira e segunda testemunhas.  

 

L.            Os referidos serviços derivam do facto de uma parte substancial das Centrais Hidroelétricas portuguesas remontar aos anos 60 a 70 do século passado e de ser indispensável a sua periódica revisão, conforme determinado pela “Diretiva máquinas” (Diretiva 2006/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2016), tendo em vista a adoção de padrões de segurança e diminuição de acidentes. A Central Termoelétrica de ... foi construída na década de 80 – cf. depoimento da primeira testemunha e informação disponível em https://www... /copia-rotas.  

 

M.          Neste âmbito, a D... decidiu verificar os equipamentos das Centrais Hidroelétricas e Termoelétricas antigas e lançou diversos concursos, que a Requerente ganhou, para inspecionar e fazer as alterações e reparações necessárias nos equipamentos hidromecânicos das Centrais Hidroelétricas, garantindo o cumprimento das normas de segurança da Diretiva máquinas, com a respetiva certificação final após a conclusão das verificações e das reparações devidas. Para este efeito, foram realizadas diversas operações que envolvem diferentes especialidades – parte elétrica, mecânica e de construção civil –, assegurando a Requerente a parte mecânica, referente, designadamente, à conservação dos equipamentos e aos ensaios de carga, através de testes à resistência dos equipamentos, submetendo-os a pressão de diversas toneladas – cf. documentos 35 a 41, 64 e 65 juntos pela Requerente e depoimento da primeira testemunha.

 

N.           A fatura n.º 651, datada de 30 de junho de 2017, emitida pela Requerente em relação aos serviços para a Central Hidroelétrica de ... , com o descritivo “reclamação por extensão de tempo”, com o valor de € 1.105.441,00, refere-se aos encargos adicionais incorridos pela Requerente, que os repercutiu ao seu cliente D..., pela manutenção do estaleiro da obra por um período adicional de 9 meses além do que estava previsto no contrato inicial, por causa imputável ao cliente (a construção civil atrasou-se a entregar as frentes de trabalho, como resulta do auto de passagem de frente de obra da construção civil para a construção mecânica). Os referidos encargos adicionais derivam essencialmente da disponibilização da infraestrutura do estaleiro e respetivo equipamento (ex. grua) e de pessoal (equipas de apoio) inerentes ao prolongamento do estaleiro, constando de relatórios mensais emitidos pela Requerente com a descrição desses custos – cf. documentos 34, 64 e 65 juntos pela Requerente e depoimentos da primeira, segunda e terceira testemunhas.

 

O.           O referido valor adicional de € 1.105.441,00, debitado pela Requerente à D... através da fatura n.º 651, teve subjacente uma alteração contratual que aumentou a duração inicial do contrato de fornecimento para a Central Hidroelétrica de ... para 9 meses, acordada entre todas as Partes do consórcio “E..., G..., A...[Requerente]” e a D..., resultando em adicionais devidos a todos os consorciados pelo cliente D...(para a E... cifrou-se em € 785.521,00 e para a G... em € 1.209.038,00) – cf. documentos 34, 64 e 65 juntos pela Requerente e depoimentos da primeira, segunda e terceira testemunhas.

 

P.            Ainda no âmbito da obra realizada na Central Hidroelétrica de ..., a Requerente procedeu ao aluguer de uma grua (equipamento de elevação) com operador, para a construção da obra na barragem – cf. depoimento da terceira testemunha.

 

Q.           Na sequência da ação inspetiva acima assinalada, a Requerente foi notificada das liquidações de IVA e de juros compensatórios elencadas no quadro abaixo – cf. documentos 1 a 15 juntos com o ppa (demonstrações de liquidação de IVA, demonstrações de liquidação de juros e demonstrações de acerto de contas):

 

LIQUIDAÇÕES DE IVA

 LIQUIDAÇÃO E

D. ACERTO DE CONTAS DATA    DP          VALOR A PAGAR              VALOR LIQUIDADO         DATA LIMITE

PAGAMENTO

2017...

2017 ... 19.12.2017

20.12.2017          201506  € 37.833,30         € 30.756,40         01.02.2018

2017 ...

2017 ... 19.12.2017

20.12.2017          201507  € 23.290,49         € 81.761,97         01.02.2018

2017 ...

2017 ... 19.12.2017

20.12.2017          201509  € 20.248,28         € 40.335,89         01.02.2018

2017 ...

2017 ... 19.12.2017

20.12.2017          201510  € 59.024,16         € 3.222,36           01.02.2018

2017 ...

2017 ... 19.12.2017

20.12.2017          201602  € 182.760,95      € 128.492,90      01.02.2018

2017 ...

2017 ... 19.12.2017

20.12.2017          201603  € 19.205,92         € 35.763,06         01.02.2018

2017 ...

2017 ... 19.12.2017

20.12.2017          201605  € 474,04               € 474,04               01.02.2018

2017 ...

2017 ... 19.12.2017

20.12.2017          201606  € 26.852,50         € 134.654,35      01.02.2018

2017 ...

2017 ... 19.12.2017

20.12.2017          201607  € 2.739,30           € 34.174,59         01.02.2018

2017 ...

2017 ... 19.12.2017

20.12.2017          201609  € 10.454,65         € 57.659,89         01.02.2018

2017 ...

2017 ... 19.12.2017

20.12.2017          201611  € 3.571,43           € 79.409,02         01.02.2018

2017 ...

2017 ... 19.12.2017

20.12.2017          201701  € 9.129,16           € 97.028,63         01.02.2018

2017...

2017 ... 19.12.2017

20.12.2017          201702  € 30.624,16         _ _          01.02.2018

2017 ... 19.12.2017          201706  € 60.020,90         _ _         01.02.2018

2017 ...

2017 ... 20.12.2017

28.12.2017          201706  € 11.317,05        € 71.337,95         07.02.2018

LIQUIDAÇÕES DE JUROS

2017 ...

2017 ... 19.12.2017

20.12.2017          201602  € 8.406,60           € 8.406,60           01.02.2018

2017 ...

2017 ... 19.12.2017

20.12.2017          201605  € 26,28 € 26,28 01.02.2018

2017 ... 19.12.2017

                201706  € 920,22               _ _          01.02.2018

2017 ...

2017 ... 20.12.2017

28.12.2017          201706  € 867,78               € 867,78               _ _

TOTAL   € 804.371,71      

 

R.            A Requerente, não se conformando com os atos tributários acima identificados, deduziu Reclamação Graciosa, em 22 de maio de 2018, sobre a qual, até ao momento não foi proferida decisão – cf. documento 42 junto com o ppa e provado por acordo.

 

S.            No âmbito dos processos de execução fiscal instaurados à Requerente para cobrança das liquidações adicionais em apreço, e tendo em vista a sua sustação, a Requerente procedeu à prestação de garantia bancária (H... ...), emitida em 26 de fevereiro de 2018 – cf. documento 43 junto com o ppa.

 

T.            Em 29 de outubro de 2018, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

U.           Os atos tributários acima referidos (no ponto Q), foram parcialmente anulados pela AT, que emitiu novos atos de liquidação de IVA e de juros compensatórios, substitutivos dos anteriores na parte aplicável, com as correspondentes demonstrações de acerto de contas, conforme quadro infra, os quais foram notificados à Requerente – cf. documentos 44 a 63 juntos pela Requerente e também provado por acordo:

 

LIQUIDAÇÕES SUBSTITUTIVAS DE IVA E JUROS COMPENSATÓRIOS E DEMONSTRAÇÕES DE ACERTO DE CONTAS

 LIQUIDAÇÃO E

D. ACERTO DE CONTAS DATA    DP          VALOR A PAGAR / A REEMBOLSAR          VALOR LIQUIDADO/ ANULADO DATA LIMITE

PAGAMENTO

2019 ... 20.02.2019          201706  € 22.634,10                        01.04.2019

2019 ... 20.02.2019          201706  € 0,00                   --

2019 ... - IVA     19.02.2019          201506  € 0,00    € -68.589,70       --

2019 ... 20.02.2019          201506  € 0,00                   --

2019 ...– IVA      19.02.2019          201507  € 0,00    € -105.052,46     --

2019 ... 20.02.2019          201507  € 0,00                   --

2019...– IVA       19.02.2019          201509  € 0,00    € -60.584,17       --

2019 ... 20.02.2019          201509  € 0,00                   --

2019 ... – IVA     19.02.2019          201510  € 0,00    € -62.246,52       --

2019 ... 20.02.2019          201510  € 0,00                   --

2019 ...– IVA      19.02.2019          201602  € 0,00    € -54.268,05       --

2019 ... 20.02.2019          201602  € 0,00                   --

2019 ... – IVA     19.02.2019          201603  € 0,00    € -54.968,98       --

2019 ... 20.02.2019          201603  € 0,00                   --

2019 ... – IVA     19.02.2019          201701  € 0,00    € -100.828,23     --

2019 ... 20.02.2019          201701  € 0,00                   --

2019 ... – IVA     19.02.2019          201702  € 0,00    € -17.189,86       --

2019 ... 20.02.2019          201702  € 0,00                   --

2019 ... – juros c.             20.02.2019          201706  € 0,00    € 577,89               --

2019 ...– IVA      19.02.2019          201706  € 0,00    € 47.507,07        

TOTAL   € -475.643,01     --

 

 

2.            FACTOS NÃO PROVADOS

 

Com relevo para a decisão não existem factos que devam considerar-se não provados.

 

3.            MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos por ambas as Partes, nas posições por estas assumidas em relação aos factos e nos depoimentos das testemunhas indicadas pela Requerente, que revelaram conhecimento direto dos factos relatados e responderam de forma objetiva, espontânea e convincente.

 

Com efeito, o depoimento da primeira testemunha, K..., Engenheiro e Diretor de suporte às operações da Requerente, participante direto em diversas obras realizadas nas Centrais hidroelétricas / barragens, incluindo a de ..., foi fundamental para esclarecer a natureza concreta dos trabalhos, a sua especificidade e a conexão estrutural aos elementos de betão em que são fixados ou apoiados os equipamentos mecânicos. O depoimento da segunda testemunha, I..., também funcionário da Requerente, Chefe de Estaleiro de Obra que teve intervenção direta na barragem de ..., explicitou com clareza as circunstâncias em que ocorreu o atraso e a que título eram devidas as quantias faturadas por “reclamação por extensão de tempo”. A última testemunha inquirida, J..., consultor fiscal da Requerente, veio corroborar o que havia sido dito pelas testemunhas anteriores relativamente à obra de ... .

 

 

IV.          DO DIREITO

 

1.            QUESTÕES DECIDENDAS

 

                A questão fundamental a dirimir é de qualificação e refere-se ao enquadramento em IVA, a título de serviços de construção civil, e consequente aplicação da regra de inversão do sujeito passivo estabelecida no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código deste imposto, das seguintes situações:

 

(a)          Fornecimento à Requerente, por parte do fornecedor B..., LDA., da instalação de divisórias em pladur, com porta de madeira e vidro, e iluminação e alcatifa, por forma a criar uma área isolada de open space;

 

(b)          Prestação pela Requerente de serviços de montagem de equipamentos hidromecânicos em Centrais Hidroelétricas à D...;

 

(c)          Prestação pela Requerente de serviços de serviços de reparação, manutenção e certificação de equipamentos hidromecânicos de elevação e movimentação nas Centrais Hidroelétricas da ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... e de serviços de reparação e manutenção na Central Termoelétrica (a carvão) de ....

 

                Importa, neste âmbito, atender à anulação administrativa parcial dos atos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios que ocorreu após a constituição deste Tribunal Arbitral e que, em consequência, restringe o seu objeto, como de seguida, se aprecia.

 

                Por fim, o Tribunal irá pronunciar-se sobre o pedido de condenação da Requerida ao reembolso das despesas de prestação de garantia, ao abrigo do disposto nos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT.

 

2.            REVOGAÇÃO PARCIAL DOS ATOS TRIBUTÁRIOS – INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE (PARCIAL)

 

As liquidações de IVA e de juros compensatórios emitidas em 19 e 20 de setembro de 2017, que constituem o objeto da presente ação arbitral, foram parcialmente anuladas pela AT em 19 e 20 de fevereiro de 2019, já após a constituição do Tribunal Arbitral Coletivo ocorrida em 11 de janeiro de 2019 (pontos Q e U da matéria de facto), pelo que, nessa medida, verificou-se uma modificação objetiva da instância com fundamento em factos supervenientes (cf. artigo 20.º do RJAT).

 

A Requerida na sua Resposta começa por mencionar esta “revogação” parcial dos atos tributários objeto de impugnação, que incidiu sobre os serviços prestados à C... PORTUGAL (encomenda n.º...), relativos à montagem de equipamentos hidromecânicos na Central Hidroelétrica de ..., e sobre os serviços de montagem de equipamentos para aproveitamento hidroelétrico na barragem de ..., realizados para o cliente D... (encomenda n.º...), neste último caso, com ressalva da fatura n.º 651, de 30 de junho de 2017, no valor de € 1.105.441,00, cuja correção de IVA (€ 245.251,43) se manteve.

 

Nestas circunstâncias, o pedido de anulação das liquidações de IVA e de juros compensatórios deduzido nestes autos ficou parcialmente sem objeto, pois com a anulação administrativa, os respetivos efeitos jurídicos constitutivos (referimo-nos sempre e apenas à parte anulada) foram destruídos com eficácia retroativa, de acordo com o disposto no artigo 171.º, n.º 3 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), verificando-se uma impossibilidade superveniente da lide. Como referido na Decisão Arbitral no processo n.º 31/2013-T, do CAAD, de 4 de novembro de 2013, “torna-se impossível juridicamente anular o que já não existe” (neste sentido, veja-se também a Decisão Arbitral no processo n.º 40/2019, de 10 de junho de 2019, do CAAD, que a seguir se acompanha).

 

A Requerente aceita a “revogação” das liquidações, mas expressa dúvidas sobre a tempestividade da anulação administrativa, atendendo a que já havia decorrido o prazo de 30 dias, a contar do conhecimento do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, estabelecido no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT para a AT proceder à “revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo”. Findo este prazo, dispõe o n.º 3 do citado preceito que “a administração tributária fica impossibilitada de praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos”.

 

Conforme preconizado no processo arbitral n.º 40/2019, o preceito em apreço deve ser interpretado no sentido de que, uma vez transcorrido o mencionado prazo de 30 dias, a AT fica impedida de praticar um novo ato dispositivo que regule a relação jurídico-tributária (exceto com fundamento em factos novos). Porém, afigura-se que esta restrição não ocorre em caso de simples anulação administrativa (ainda que parcial) do ato impugnado, desacompanhada de nova regulação da situação jurídica.

 

Com efeito, nesta última hipótese não merece tutela o princípio da estabilidade da instância  que se afigura subjacente às limitações legais à atuação administrativa no decurso de pendência judicial, uma vez que a parte vem, simplesmente, reconhecer que à outra assiste razão, com fundamento material na lei, e nessa medida permitir a resolução antecipada do litígio e consequente extinção (neste caso parcial) da instância, com economia processual e de meios.

 

Esta interpretação foi acolhida pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) em relação ao processo de impugnação judicial, que é regido pelo artigo 112.º do CPPT , o qual estabelece uma disciplina similar à do artigo 13.º, n.ºs 1 e 3 do RJAT, este último aplicável à ação arbitral tributária. Constituindo o processo arbitral tributário um meio alternativo  à impugnação judicial, é inegável a manifesta identidade de razões, a que acresce o facto de o CPA e as normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários serem de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º n. º1, alíneas c) e d) do RJAT.

 

Sobre a aplicação do regime do CPA à “revogação” de atos administrativos em matéria tributária preconiza o STA, no Acórdão proferido em 15 de março de 2017, no processo n.º 449/14, que:

 

“A possibilidade legal de revogação dos atos administrativos em matéria tributária está prevista no art. 79º da LGT (a revogação é um ato que faz cessar ou elimina os efeitos de um ato anterior, com fundamento na sua inconveniência ou invalidade, estando o respetivo regime previsto nos arts. 138° a 146° do CPA).

Todavia, não constando da LGT nem do CPPT norma definidora do prazo para tal revogação, é incontroverso que hão-de acolher-se as regras constantes dos arts. 136º e ss. do CPA, que diretamente regulam a revogação dos atos administrativos [sendo que o CPA constitui legislação complementar e subsidiária ao direito tributário – arts. 2º, al. c), da LGT e 2º, al. d), do CPPT (Cfr., por todos, o ac. desta Secção do STA, de 15/5/2013, proc. nº 0566/12; bem como Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª ed., 2012, anotação 1 ao art. 79º, p. 724 e Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária, anotada, Editora Rei dos Livros, pág. 350, nota 7.)]. […]”

 

No mesmo no sentido da aplicabilidade do regime da invalidade administrativa aos atos em matéria tributária já se tinha o STA pronunciado no Acórdão de 17 de dezembro de 2014, relativo ao processo n.º 454/14.

 

Importa ter em conta que o conceito de “revogação” até à entrada em vigor do novo CPA, em 8 de abril de 2015, na sequência da aprovação do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, abrangia quer a revogação anulatória com fundamento em ilegalidade, quer a revogação por razões de oportunidade e mérito.

 

Com o novo CPA, o conceito de revogação administrativa ficou restrito a esta segunda modalidade. Conforme prevê o atual artigo 165.º do CPA, sob a epígrafe “Revogação e anulação administrativas”, a revogação é o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade (n.º 1), e a anulação administrativa é o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade (n.º 2). É neste último segmento que se insere o ato que eliminou (parcialmente) as liquidações de IVA e juros compensatórios, em discussão nos autos.

 

Deste modo, a “revogação” a que se reporta o artigo 79.º da LGT e, bem assim, o citado Acórdão, corresponde ao que hoje, à luz do CPA, se denomina de “anulação administrativa”, cujo regime consta dos artigos 163.º “Atos anuláveis e regime da anulabilidade” (anteriores artigos 135.º e 136.º); 166.º “Atos insuscetíveis de revogação ou anulação administrativas” (anterior artigo 139.º) e 168.º “Condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa” (cujo n.º 2 corresponde ao anterior artigo 141.º), todos do CPA. 

 

 Acresce referir, a propósito da anulação de atos que tenham sido objeto de impugnação jurisdicional, como sucede in casu, que o artigo 168.º, n.º 3 do CPA determina que a anulação pode ter lugar até ao encerramento da discussão.

 

À face do exposto, resta concluir pela validade da anulação administrativa que se materializou nos atos tributários supervenientes identificados no ponto U do probatório, que, ao dar satisfação integral à pretensão anulatória (parcial) incidente sobre os atos tributários em crise, no valor global de € 475.643,01, retira à lide, nessa medida, o seu objeto, pelo que, nesta parte, julga-se extinta a instância processual, nos termos do disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT.

 

Interessa notar que apesar de a referida anulação representar um “decaimento” da Requerida, como propugnado pela Requerente, a mesma é irrelevante para efeitos de custas arbitrais, atenta a modalidade de escolha de árbitro.

 

Com efeito, a Requerente, ao ter optado por designar árbitro ao abrigo dos artigos 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 2, alínea g), ambos do RJAT, subtraiu-se ao regime-regra em matéria de custas  e passou a enquadrar-se no disposto nos artigos 12.º, n.º 3 e 22.º, n.º 4 do RJAT e no artigo 5.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“Regulamento de Custas”) e Tabela II anexa.

 

Neste modelo de designação dos árbitros pelas Partes, é devida pela Requerente a totalidade das custas no momento inicial, constituindo-se como encargo total, definitivo e não reembolsável independentemente do desfecho do processo .

 

                Esta solução consta do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, que rege a fixação e repartição de custas na decisão arbitral, segundo o qual estas [fixação e repartição] apenas têm lugar em fase decisória nos casos em que os árbitros tenham sido designados pelo Conselho Deontológico do CAAD. Com efeito, dispõe a norma em análise que:

 

                “Da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas diretamente resultantes do processo arbitral, quando o tribunal tenha sido constituído nos termos previstos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º”.

 

                A previsão normativa não contempla a situação de designação dos árbitros pelas partes, que está regulada na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, sendo inaplicável a estatuição daquela norma (artigo 22.º, n.º 4 do RJAT).

 

                No mesmo sentido, o artigo 4.º do Regulamento de Custas, conformador do regime da taxa de arbitragem em caso de designação de árbitro pelo Conselho Deontológico do CAAD, determina que a fixação do montante das custas finais do processo arbitral e a eventual repartição pelas partes é efetuada na decisão arbitral (cf. n.º 5, anterior n.º 4), ao passo que o artigo 5.º, respeitante à taxa de arbitragem em caso de designação de árbitro pelo sujeito passivo, não só não contém norma semelhante como, no seu n.º 2, preceitua que “[a] taxa de arbitragem é integralmente suportada pelo sujeito passivo e paga, na sua totalidade, por transferência bancária para a conta do CAAD antes de formulado o pedido de constituição do tribunal arbitral nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem.”.

 

                Em conclusão, quando o Tribunal Arbitral tenha sido constituído no uso da faculdade prevista no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, como sucede no caso dos autos, as custas arbitrais são integralmente suportadas pelo sujeito passivo [Requerente] e pagas, na sua totalidade, antes do pedido de constituição do tribunal arbitral, não tendo o tribunal que fixar e repartir custas na decisão arbitral (nem o devendo fazer).

 

3.            VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO DOS ATOS SUBSTITUTIVOS E ATOS SUBSTITUÍDOS

 

                A Requerente invoca que as correções substitutivas não contêm a fundamentação de facto e de direito, o que considera vício superveniente que implica a ilegalidade dos atos de liquidação ainda mantidos na ordem jurídica.

 

                Nesta matéria, convém recordar que o dever de fundamentação dos atos da Administração Pública que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados deriva de imperativo constitucional, abrangendo os atos lesivos e impositivos. Este dever de fundamentação, que em matéria tributária está regulado no artigo 77.º da LGT , não se projeta, porém, aos atos favoráveis ou às situações em que a Administração adira à posição dos administrados (no domínio tributário, designados também por contribuintes ou sujeitos passivos), pois nesse caso não ocorre alteração, por ato de autoridade, da posição substantiva destes em sentido que lhes seja desfavorável, ou, dito de outro modo, não se verifica o requisito da lesividade (cf. artigos 268.º, n.º 3 da Constituição e 152.º do CPA).

 

                Na situação concreta, decorre da análise das liquidações supervenientes emitidas em substituição (parcial) das que constituem o objeto inicial desta ação arbitral que os atos tributários substitutivos representam e materializam tão-só a anulação administrativa daquelas, conclusão que é reforçada pelo teor da Resposta da Requerida que assume, em secção autónoma (I – Questão Prévia), tratar-se da “revogação parcial do ato tributário objeto de impugnação”.

 

                Sem pôr em causa a afirmação da Requerente de que os “atos revogatórios” substitutivos não contêm a fundamentação de facto e de direito (ou de que esta não lhe foi comunicada), estamos perante atos favoráveis insuscetíveis de serem invalidados por vício de falta de (ou insuficiente) fundamentação, o que, a verificar-se seria, além do mais, prejudicial e contraproducente aos interesses e à posição substantiva da própria Requerente.

 

                Quanto aos atos de liquidação originários, os mesmos foram devidamente fundamentados no RIT, previamente à sua emissão, e não podem enfermar de um alegado vício de fundamentação superveniente. Como preconiza a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), nomeadamente no Acórdão de 22 de março de 2018, no processo n.º 0208/17: “A fundamentação dos atos administrativos e tributários à posteriori não é legalmente consentida, cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. nº 01674/13 e de 23/4/2014, proc. nº 01690/13, sendo que a validade do ato terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser «aditados»”.

 

                Deste modo, quer os atos tributários originários, quer os substitutivos não padecem de vício invalidante de falta de fundamentação.

 

4.            REGIME DE IVA APLICÁVEL AOS SERVIÇOS DE CONSTRUÇÃO CIVIL 

 

4.1.        ENQUADRAMENTO

 

                Discute-se no presente processo a determinação do sujeito passivo devedor do IVA num conjunto de operações cuja liquidação foi corrigida na esfera da Requerente.

 

A AT entendeu que os serviços efetuados pelo prestador B..., LDA. deviam ter sido considerados “serviços de construção civil” e, em consequência, sujeitos ao regime de inversão do sujeito passivo previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA, não o tendo sido, pelo que procedeu ao correspondente ajustamento.

 

Considerou, também, que a Requerente qualificou erradamente como serviços de construção civil operações realizadas com o cliente D...  que não se subsumem a este conceito, pelo que, quanto a estas, sustenta que o IVA devia ter seguido o regime geral, com a liquidação a cargo da Requerente (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Código deste imposto). 

 

                O mecanismo de inversão do sujeito passivo constitui uma exceção ao regime-regra de liquidação do IVA que consta do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA, em transposição do artigo 193.º da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE, de 28 de novembro de 2006), segundo o qual o imposto é devido (leia-se, deve ser liquidado) pelos sujeitos passivos que efetuem transmissões de bens ou prestações de serviços tributáveis, i.e., pelos fornecedores ou prestadores dos bens e serviços.

 

                O citado regime-regra pode ser afastado nas condições previstas no artigo 199.º da Diretiva IVA, que determina, no seu n.º 1, alínea a), que os Estados-Membros podem prever que o devedor do imposto seja o sujeito passivo destinatário (ou seja, o adquirente), em operações de “Prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis”, prerrogativa que foi exercida pelo legislador nacional, em relação aos serviços de construção civil, com a alteração ao artigo 2.º do Código do IVA resultante do Decreto-lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 45.º, n.º 3 da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro.

 

                A opção do legislador nacional inseriu-se, como salienta o preâmbulo daquele diploma, num “conjunto de medidas destinado a combater algumas situações de fraude, evasão e abuso que se vêm verificando na realização das operações imobiliárias sujeitas a tributação” e visa acautelar “algumas situações que redundam em prejuízo do erário público, atualmente decorrentes do nascimento do direito à dedução do IVA suportado, sem que esse imposto chegue a ser entregue nos cofres do Estado.” SUSANA CLARO & CATARINA MENDONÇA MEDEIROS salientam a este respeito que o Estado Português aplicou o mecanismo de reverse charge a “vários setores de atividade identificados como tendencialmente fraudulentos, entre os quais o setor da construção civil” – Cadernos IVA 2016, “A Regra de Inversão do Sujeito Passivo nos Serviços de Construção Civil”, Coord. SÉRGIO VASQUES, Almedina pp. 389-408 (cit. p. 393). 

 

                Na sequência da alteração mencionada, o artigo 2.º do Código do IVA passou a dispor, com relevância para a matéria dos autos, o seguinte:

 

 “Artigo 2.º

Incidência subjetiva

1 – São sujeitos passivos do imposto:

a) As pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas atividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC);

[…]

j) As pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.

[…] “

 

                A atividade de construção encontra-se regulada por diploma legislativo que estabelece o seu regime jurídico, a Lei n.º 41/2015, de 3 de junho , cujo recorte se afigura essencial à delimitação do conceito de “serviços de construção civil” atendendo às regras gerais de interpretação das leis que mereceram consagração nos artigos 9.º do Código Civil e 11.º da LGT, orientadas à unidade e coerência do sistema e à teleologia da solução normativa interpretada. Neste sentido referem AFONSO ARNALDO & PATRÍCIA DE SOUSA SILVA que “na ausência de definição do conceito de «construção civil» para efeitos fiscais, devemos recorrer a conceito próprio do seu ramo de direito, como determina o artigo 11.º da Lei Geral Tributária” – Cadernos IVA 2018, “A Inversão do Sujeito Passivo do IVA na Prestação de Serviços de Construção Civil”, Coord. SÉRGIO VASQUES, Almedina, pp. 15-40 (cit. p. 34). 

 

                De acordo com as definições constantes do artigo 3.º da mencionada Lei n.º 41/2015, a atividade de construção tem por objeto a realização de obras, englobando todo o conjunto de atos necessários à sua concretização (alínea b)). O conceito de “obra” corresponde à “atividade e [a]o resultado de trabalhos de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reabilitação, reparação, restauro, conservação e demolição de bens imóveis” (alínea k).

 

Os diversos tipos de obras e de trabalhos especializados que as mesmas envolvem estão classificados por “categorias” e subcategorias descritas nos Anexos I e II do diploma em apreço, das quais se destacam com interesse para o tema em análise as categorias 1.ª Edifícios e património construído (que abrange as subcategorias 5.ª – Estuques, pinturas e outros revestimentos; 6.º Carpintaria e 9.ª Instalações sem qualificação específica) e 3.ª – Obras hidráulicas, sendo que esta última integra as seguintes 6 subcategorias:

1.ª – Obras fluviais e aproveitamentos hidráulicos

2.ª – Obras portuárias

3.ª – Obras de proteção costeira

4.ª – Barragens e diques

5.ª – Dragagens

6.ª – Emissários

 

A definição de “obra” encontrava-se delineada de forma similar no regime que vigorou anteriormente, ao abrigo do Decreto-lei n.º 12/2004, de 9 de janeiro (que estabeleceu o regime jurídico de ingresso e permanência na atividade da construção), segundo o qual correspondia a “todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo”. As duas diferenças que se constatam na atual redação do texto legal não têm implicações na situação em análise e respeitam à eliminação dos trabalhos de “limpeza” e de “qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo”, os quais deixaram de fazer parte da noção de obra de construção civil .

 

Em regulamentação deste Decreto-lei, a Portaria n.º 19/2004, de 10 de janeiro, classificou na 3.ª categoria as Obras hidráulicas, nos exatos moldes que hoje vigoram ao abrigo da Lei n.º 41/2015.

 

Constata-se que, quer a previsão do artigo 199.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA, quer a legislação nacional sobre a atividade de construção têm dois denominadores comuns. O primeiro refere-se ao facto de os trabalhos realizados / serviços prestados não se limitarem à construção (ex novo), abrangendo, de igual modo, a reparação, a manutenção (ou conservação) e alteração. O segundo é que esses trabalhos / serviços são sempre reportados a bens imóveis, pelo que a atividade de construção encerra de forma inevitável, que os serviços prestados sejam respeitantes a bens imóveis, o que implica a respetiva ligação ou fixação a prédios ou ao solo, com caráter de estabilidade e permanência.

 

O conceito de bem imóvel para efeitos de IVA (porque é de IVA que aqui se trata) começou por ser construído por via jurisprudencial. O Tribunal de Justiça no Acórdão de 16 de janeiro de 2003, proferido no processo C-315/00, Rudolf Maierhofer, afirmou que “edifícios, compostos por construções implantadas no solo, constituem bens imóveis. A este respeito, importa que as construções não sejam facilmente desmontáveis e deslocáveis, mas, ao contrário do que o Governo alemão sustenta, não é necessário que estejam implantadas no solo de forma indissociável. O prazo do contrato também não é determinante para a questão de saber se os edifícios em causa são bens móveis ou imóveis […] Assim, […] a locação de um edifício construído à base de elementos prefabricados implantados no solo de forma a não serem facilmente desmontáveis nem facilmente deslocáveis constitui uma locação de bens imóveis na aceção do artigo 13.° , B, alínea b), da Sexta Diretiva, apesar de esse edifício dever ser retirado no termo do contrato de locação e reutilizado noutro terreno” – pontos 33 e 35 do citado Aresto. De referir ainda que no processo C-166/05, Rudi Heger, com Acórdão de 7 de setembro de 2006, aquele Tribunal veio considerar que a cedência de direitos (licenças) de pesca configurava um serviço conexo com um bem imóvel (este correspondente aos setores do curso de água a que os direitos respeitavam).

 

Subsequentemente, o Regulamento de execução (UE) n.º 1042/2013 do Conselho, de 7 de outubro de 2013, que alterou o Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011, relativo ao lugar das prestações de serviços, veio introduzir uma definição de “bens imóveis” no artigo 13.º B, que infra se transcreve. Apesar desta definição se inscrever no capítulo da localização das operações, não se vê razão para que o conceito seja distinto para outros efeitos de aplicação do regime de IVA, posição defendida também por AFONSO ARNARDO & PATRÍCIA DE SOUSA SILVA na obra acima citada, pp. 34-37:

 

“Artigo 13.º-B

Para a aplicação da Diretiva 2006/112/CE, consideram-se «bens imóveis»:

a) Qualquer parcela delimitada do solo, situada à sua superfície ou sob a sua superfície, que possa ser objeto de um direito real;

b) Qualquer edifício ou construção fixado ao solo ou no solo, acima ou abaixo do nível do mar, que não possa ser facilmente desmantelado ou deslocado;

c) Qualquer elemento que tenha sido instalado e faça parte integrante de um edifício ou de uma construção, sem o qual estes não estão completos, tais como portas, janelas, telhados, escadas e elevadores;

d) Qualquer elemento, equipamento ou máquina permanentemente instalado num edifício ou numa construção que não possa ser deslocado sem destruir ou alterar o edifício ou a construção.”

 

Resulta do exposto e bem assim do artigo 204.º do Código Civil que uma Central Hidroelétrica (barragem) e uma Central Termoelétrica consubstanciam bens imóveis, pelo que a questão que a este propósito se coloca é a da conexão dos serviços prestados com essas estruturas fixas. 

 

De referir, por fim, que o Ofício-Circulado n.º 30101, de 24 de maio de 2007, da Direção de Serviços do IVA, define serviços de construção civil por apelo ao Decreto-lei n.º 12/2004, vigente à data, em termos similares aos que acima foram descritos (ponto 1.3 do ofício). Por outro lado, o ofício esclarece que sempre que, no âmbito de uma obra, o prestador fature serviços de construção propriamente dita ou quaisquer outros com ela relacionados e necessários à sua realização, (v.g. aluguer ou colocação de andaimes, aluguer de gruas e de outros bens), se entende que o valor global de fatura, independentemente de haver ou não discriminação dos vários itens e da faturação ser conjunta ou separada, é abrangido pela regra de inversão de sujeito passivo (ponto 1.4 do ofício).

 

Na lista exemplificativa dos serviços aos quais se aplica a inversão do sujeito passivo, que consta do Anexo I ao Ofício vertente, são mencionados de forma expressa os serviços previstos na Portaria nº 19/2004, de 10 de janeiro, que discrimina especificadamente a categoria de Obras hidráulicas.

 

4.2.        ANÁLISE CONCRETA – SERVIÇOS PRESTADOS POR B..., LDA.

 

                A Requerente opõe-se à qualificação de serviços de construção civil que a AT aplicou aos serviços por si adquiridos ao fornecedor B..., LDA., relativos à execução de divisórias num edifício, por forma a criar uma área isolada de open space, envolvendo o fornecimento e instalação das divisórias em pladur com porta em madeira e vidro, a iluminação do espaço e a colocação de alcatifa.

 

                Afigura-se que não assiste razão à Requerente, pois à luz da disciplina legal (Lei n.º 41/2015) os trabalhos realizados são de construção e foram-no num edifício, enquadrando-se nas categorias 1.ª – Edifícios e património construído e 4.ª – Instalações elétricas e mecânicas.  Consubstanciaram-se em obras de adaptação do edifício, através da instalação de divisórias fixadas com caráter de durabilidade, incluindo a respetiva iluminação e o revestimento do espaço, preenchendo as subcategorias 5.ª – Estuques, pinturas e outros revestimentos; 6.ª – Carpintaria; e 9.ª Instalações sem qualificação específica (residual).

 

                Tais trabalhos construtivos incidiram de forma inequívoca sobre um bem imóvel, no qual foram instalados elementos – divisórias, instalação elétrica e revestimento – que passaram a fazer parte integrante do edifício com caráter de permanência o que, como vimos acima, postula que não fossem facilmente desmontáveis ou deslocáveis, mas não significa a sua implantação no edifício de forma absolutamente indissociável. Como defendeu a AT, o facto de a Requerente, no final do contrato de arrendamento, estar obrigada a remover todos estes bens do espaço arrendado não desqualifica as situações em análise como serviços de construção civil.

 

                Desta forma, conforme preconiza a AT, os serviços em questão devem ser qualificados como serviços de construção civil e enquadram-se na regra de inversão do sujeito passivo, prevista no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA, pelo que impendia sobre a Requerente a obrigação de autoliquidação do imposto no valor de € 2.065,40 (base tributável € 8.980,00). Neste segmento, o ato tributário de liquidação de IVA e inerentes juros não enferma do vício material de erro de direito que foi suscitado pela Requerente, mantendo-se válido na ordem jurídica.

 

4.3.        ANÁLISE CONCRETA – SERVIÇOS PRESTADOS EM CENTRAIS DA D...

                Segundo a Requerente, os serviços prestados à D... relativos à:

(a)          Montagem de equipamentos hidroelétricos e hidromecânicos incorporados nas Centrais Hidroelétricas (...);

(b)          Reparação, manutenção e certificação de equipamentos hidromecânicos de elevação e movimentação (Centrais Hidroelétricas da ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ...); e

(c)          Reparação e manutenção da Central Termoelétrica de ...,

consubstanciam serviços de construção civil e são, por essa razão, enquadráveis no âmbito da regra de inversão do sujeito passivo, ao abrigo do preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA.

 

                Conforme ficou demonstrado nos autos, estes serviços foram realizados em equipamentos de considerável dimensão integrados e fixados na infraestrutura das Centrais Hidroelétricas e Térmica, inequivocamente qualificadas como bens imóveis. De notar que no caso dos serviços de reparação e manutenção dos equipamentos antigos ou desatualizados em diversas Centrais estes envolveram uma etapa final de certificação, como garantia do cumprimento das normas de segurança vigentes por parte dos equipamentos reparados ou modificados, nalguns casos sujeitos a testes e ensaios de carga de diversas toneladas. Todavia, afigura-se que esta certificação não reveste autonomia, pois refere-se ao resultado final da obra de reparação e manutenção contratada à própria Requerente, e assume, quanto a esta, natureza instrumental.

 

                Não estamos, deste modo, perante serviços de fiscalização prestados de forma autónoma pela Requerente, como sustenta a Requerida, mas, antes, perante serviços de reparação e manutenção que, em obediência aos ditames de segurança dos equipamentos, devem ser objeto de certificação, e consequente responsabilização, por parte do respetivo prestador.

 

                Como acima foi dito, tais serviços devem considerar-se abrangidos pelo conceito de construção civil, seja pela hipótese normativa do artigo 199.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA, seja pela definição do regime nacional (Lei n.º 41/2015). AFONSO ARNALDO & PATRÍCIA DE SOUSA SILVA exemplificam que “serviços de contenção de ruturas de gás e serviços de substituição de vidros (assumimos que em janelas do edifício) devem considerar-se como serviços de construção civil, para efeitos de aplicação da regra de inversão do sujeito passivo, porquanto, estamos perante serviços de reparação que incidem sobre um bem imóvel” – obra cit. p. 38.

 

Por outro lado, no que se refere, em concreto, à fatura n.º 651 emitida por extensão de tempo de estaleiro (9  meses) na obra da barragem de ..., resultou da factualidade provada que a mesma se ficou a dever ao prolongamento da duração do contrato de fornecimento, por razões imputáveis ao cliente, o que motivou a alteração do próprio contrato, por forma a ser acomodado o débito à D...– pela Requerente e de igual forma pelas demais consorciadas, E... e G...– dos encargos adicionais associados à manutenção do referido estaleiro de obra durante esse período, designadamente os referentes à disponibilização da infraestrutura, equipamento e de pessoal.

 

                Não está, portanto, em causa a aplicação de penalidades ou sanções contratuais, mas a continuidade do contrato de prestação de serviços de montagem dos equipamentos hidromecânicos com a repercussão dos custos adicionais incorridos pela Requerente por causa atribuível ao cliente.

 

                Convém notar que o Ofício-Circulado n.º 30101 acima citado, preconiza que os serviços relacionados e necessários à prestação dos serviços de construção estão abrangidos pelo mesmo regime de inversão do sujeito passivo, independentemente da sua faturação conjunta ou separada e de haver ou não discriminação dos vários itens, dando, a título de exemplo, o aluguer ou colocação de andaimes, o aluguer de gruas e de outros bens, sinalização, fiscalização, remoção de entulhos, entre outros (ponto 1.4).

 

                Este entendimento é, de igual modo, aquele que se extrai da jurisprudência do Tribunal de Justiça, na sua tarefa de interpretação da Diretiva IVA. O princípio geral que constitui o ponto de partida é o de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente, como, a título de exemplo, assinalam os Acórdãos Levob Verzekeringen, C-41/04, de 27 de outubro de 2005, e CPP, C-349/96, de 25 de fevereiro de 1999.

 

                O referido regime é, porém, afastado se uma prestação for considerada acessória em relação a uma prestação principal e partilhar do regime (de IVA) desta, o que se verifica quando não constitua “um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador” – Acórdãos CPP, C-349/96, e Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, de 22 de outubro de 1998 –, ou quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo estejam tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial – Levob Verzekeringen, C-41/94, e Aktiebolaget NN, C-111/05, de 29 de março de 2007. Neste sentido, “várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes” – Acórdão Part Service, C-425/06, de 21 de fevereiro de 2008. Conclusão reiterada no Acórdão mais recente, Stadion Amsterdam, C-463/16, de 18 de janeiro de 2018, que qualificou como prestação única uma “prestação composta por dois elementos distintos, um dos quais é principal e o outro acessório”.

 

                Para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa, sendo, para tal, necessário tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrola – Acórdãos BGŻ Leasing, C-224/11, de 17 de janeiro de 2013, Field Fisher Waterhouse, C-392/11, de 27 de setembro de 2012, e demais jurisprudência acima citada.

 

                Neste âmbito, a prestação pela Requerente dos serviços de construção civil relativos à montagem de equipamentos hidroelétricos e hidromecânicos ou à reparação e manutenção daqueles equipamentos em Centrais Hidroelétricas e Termoelétricas manifesta-se como o fim em si mesmo das referidas operações, assumindo-se como elemento principal ou preponderante que determina o regime de IVA aplicável.

 

                Desta forma, a certificação dos equipamentos objeto de reparação ou manutenção, ou a extensão do tempo de estaleiro necessária à conclusão da obra contratada ou, ainda, o aluguer de uma grua (equipamento de elevação) com operador, no âmbito da obra realizada na Central Hidroelétrica de..., são elementos acessórios desprovidos de autonomia pois não constituem o objetivo da relação estabelecida entre as partes, mas um meio de concretizar a prestação principal ou um elemento que, nas circunstâncias concretas, é indissociável daquela prestação principal.

 

                Por outro lado, afigura-se que o enquadramento sustentado pela AT e fundamentado no RIT não observa as orientações contidas no Ofício-Circulado n.º 30101, o que constitui vício de violação de lei por infração ao disposto no artigo 68.º-A da LGT.

 

                À face do exposto, conclui-se pela ilegalidade parcial das liquidações de IVA realizadas à Requerente, por erro de direito relativamente à (des)aplicação do artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA e por violação do disposto no artigo 68.º-A da LGT, ao abrigo do disposto no artigo 163.º do CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT, ficando ressalvada a parte referente aos serviços prestados à Requerente pela sociedade B..., LDA., no valor de € 2.065,40 (de IVA), que se mantém válida por não padecer desse vício.

 

5.            JUROS COMPENSATÓRIOS

 

                A ilegalidade das liquidações de IVA, com exceção do segmento relativo ao fornecedor B..., LDA., que, como acima assinalado, se mantém na ordem jurídica, implica, de igual modo, a anulação dos correspondentes juros compensatórios. 

 

Dispõe nesta matéria o artigo 35.º, n.º 1 da LGT que determina que os juros compensatórios são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

 

Na situação vertente, os atos tributários de liquidação de IVA que originaram valor de imposto a pagar são parcialmente inválidos por vício de violação de lei por erro nos pressupostos, gerador de anulabilidade, pelo que nessa exata medida, ou seja, ressalvada a parte dos serviços prestados pela sociedade B..., LDA. (cujo IVA se cifra no valor de € 2.065,40), não se verifica o requisito constitutivo da obrigação de juros compensatórios, dado que não foi retardada a liquidação de imposto que fosse devido.

 

6.            INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO DE GARANTIA INDEVIDA

 

                A Requerente peticiona o reembolso das despesas de prestação de garantia bancária prestada no âmbito da execução fiscal para cobrança da dívida de IVA e acrescido suscitada pelas liquidações controvertidas.

 

                O pedido de condenação ao pagamento de garantia indevida encontra-se previsto no artigo 171.º do CPPT e deve ser efetuado, segundo o seu n.º 2, em “reclamação, impugnação ou recurso”.

 

                Configurando o processo arbitral um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial, como referido de forma expressa na autorização legislativa habilitante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o RJAT, os poderes de pronúncia deste Tribunal abrangem aqueles que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, nos quais pontuam a condenação em indemnização por prestação de garantia indevida, nos moldes em que tal obrigação é recortada pelo artigo 53.º da LGT, infra transcrito:

 

“Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

 

Esta indemnização inscreve-se no dever de restabelecer a situação que existiria se o ato tributário anulado não tivesse sido praticado, alicerça-se no princípio constitucional da responsabilidade das entidades públicas (artigo 22.º da CRP) e consta da previsão do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT.

 

Na situação em apreço, uma parte dos atos de liquidação de IVA e juros compensatórios foi oficiosamente anulada pela AT, suscitando a inutilidade parcial da lide arbitral, na pendência do presente processo (arbitral) instaurado precisamente para obtenção de uma pronúncia anulatória que foi atingida. Tal circunstância deve ter-se por demonstrativa de erro imputável aos serviços, i.e., “como reconhecimento expresso do erro”, nos termos preconizados pelo STA em Acórdão proferido acerca de questão similar (pagamento de juros ao abrigo do artigo 43.º da LGT) que depende de idêntico pressuposto (erro imputável aos serviços), no processo n.º 0574/14, de 7 de janeiro de 2016.

 

Paralelamente, quanto à parte remanescente dos referidos atos tributários de liquidação que vai parcialmente anulada pelo Tribunal, por vício substantivo, de erro sobre os pressupostos, suscita-se, de igual modo, a obrigação indemnizatória. Erro-vício que não pode deixar de ser atribuído à AT, dado que as correções foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que os erros fossem praticados.

 

Em conclusão, é procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por garantia indevida, com as legais consequências, com a ressalva da parte referente aos serviços prestados pela sociedade B..., LDA. (cujo IVA se cifra no valor de € 2.065,40) que se mantém válida e sobre a qual (custo proporcional) não é devida a referida indemnização.

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou cuja apreciação seria inútil, designadamente no que se refere à violação de diversos princípios invocada pela Requerente – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

V.           DECISÃO

 

De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

 

(a)          Julgar parcialmente extinta a instância, por inutilidade superveniente, relativamente aos atos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios parcialmente anulados e substituídos pelas liquidações supervenientes identificadas no ponto U da matéria de facto;

(b)          Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios identificadas no ponto Q da matéria de facto, com exceção da parte referente aos serviços prestados pela sociedade B..., LDA., no valor de € 2.065,40 de IVA e juros compensatórios inerentes, que se mantém válida.

(c)          Julgar, nessa medida, parcialmente procedente o pedido de condenação da AT no pagamento de uma indemnização à Requerente por prestação de garantia indevida, a liquidar em execução da presente decisão, pelas despesas suportadas com a prestação indevida de garantias bancárias, até ao respetivo cancelamento, com o limite do quantum indemnizatório estatuído no artigo 53.º, n.º 3, da LGT, exceto no segmento em que a garantia e inerentes gastos incidem sobre o valor de € 2.065,40 de IVA, respetivos juros compensatórios e acrescido;

 

tudo com as legais consequências.

 

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 864.392,61 (oitocentos e sessenta e quatro mil trezentos e noventa e dois euros e sessenta e um cêntimos) indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de outubro de 2019

 

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

Alexandra Coelho Martins

 

Emanuel Augusto Vidal Lima

 

Vasco António Branco Guimarães