DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
O árbitro Dr. Henrique Nogueira Nunes designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 8 de Maio de 2019, acorda no seguinte:
I – Relatório
1.1. A..., Lda, com o número de identificação fiscal..., doravante designada por “Requerente”, requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).
1.2. O pedido de pronúncia arbitral, tal como configurado, tem por objecto a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IRC, relativo aos exercícios de 2012, 2013 e 2014; declaração de ilegalidade do acto de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa relativa aos mesmos exercícios; a declaração de ilegalidade do acto de arquivamento da Revisão Oficiosa do acto tributário; mais requerendo o reembolso do montante de € 8.107,06, acrescido de juros indemnizatórios.
1.3. A fundamentar o seu pedido imputa o Requerente, em síntese, os seguintes vícios:
(i) Que o uso da sua viatura de serviço é exclusivamente profissional, pelo que os respectivos gastos são dotados de empresarialidade, razão pela qual estes gastos não devem ser sujeitos a tributação autónoma.
(ii) Que a tributação autónoma liquidada adicionalmente relativamente à viatura de serviço, se encontra excessiva, pelo que solicita a correção da autoliquidação de IRC daquele período em conformidade.
(iii) Que no ponto III 1.1.1, 2.1.1 e 3.1.1 do Relatório de Inspecção Tributário consta do mesmo que são apresentados como gastos nos exercícios de 2012, 2013 e 2014, respectivamente, despesas com o imóvel situado em Urbanização ..., nomeadamente electricidade, água e renda do imóvel e que o imóvel descrito supra serve como propósito alguns pontos nevrálgicos da actividade da Requerente como actividade de restauração que recebeu uma distinta medalha “Michelin”.
(iv) E que tal originou um proveito, um rendimento, para a actividade praticada pela Requerente.
(v) Sobre o nexo causal entre rendimentos e gastos, no Acórdão de 24 de Setembro de 2014, considera que o Supremo Tribunal Administrativo, veio clarificar a questão no sentido da interpretação de “indispensabilidade” se traduzir em gastos incorridos ou suportados no contexto da actividade ou no interesse da empresa.
(vi) Em jeito de conclusão, pugna pela ilegalidade dos actos de liquidação e de juros compensatórios ora reclamados, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, mais peticionando o reembolso do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.
(vii) Configura o seu pedido referindo que como a formação do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa ocorreu em 6 de Novembro de 2016, vem solicitar a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IRC, relativos aos exercícios de 2012, 2013 e 2014 bem como a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa,
1.4. A Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, respondeu, em síntese, como segue:
(i) Vem defender-se por excepção, alegando a impropriedade do meio e suscitando a incompetência do Tribunal Arbitral.
(ii) Que a Requerente foi notificada a 2017-10-23 do projecto de indeferimento de reclamação graciosa para exercer o direito de audição o que não fez, tendo sido notificada a 2017-11-22 da decisão de indeferimento, informando-a dos meios de defesa ao seu dispor, e recepcionada a 22/11/2017.
(iii) Que contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa nos termos do artigo 78° da LGT com base em requerimento rececionado a 2018-04-05 no Serviço de Finanças de Loulé-... com o assunto Pedido de Revisão do Ato Tributário em que era Requerente o sujeito passivo A..., lda NIPC..., argumentando, em síntese:
- Requer a revisão dos seguintes atos tributários:
- Liquidação de IRC do exercício de 2012, com o n° 2016..., correspondente à Nota de Cobrança n° 2016..., com o valor de € 2.526,13, já pago;
- Liquidação de IRC do exercício de 2013, com o n° 2016..., correspondente ̏a Nota de Cobrança n° 2016..., com o valor de € 4.360,41, já pago;
- Liquidação de IRC do exercício de 2014, com o n° 2016..., que conduziu à Nota de Cobrança n° 2016..., com o valor de € 1.490,63, já pago.
(iv) Que o pedido de revisão oficiosa apresentado nos termos do art.78°, n°1 da LGT visava a anulação dos atos de liquidação adicional, decorrentes de documentos de correção elaborados pelos Serviços de Inspeção Tributária no âmbito dos procedimentos inspectivos, credenciados pelas Ordens de Serviço n°s OI2015..., OI2015..., OI2016..., e Despacho de Indeferimento de Reclamação Graciosa, notificada à mandatária da Requerente a 2017-11-22, alegando ilegalidade dos atos por falta de fundamentação e erros sobre os pressupostos de facto de direito por erro imputável aos serviços.
(v) E que no referido requerimento de revisão oficiosa, a Requerente discorda com as correções aritméticas efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária remetendo os argumentos de erro imputável aos serviços para o alegado na Reclamação Graciosa.
(vi) E que em sede de resposta no pedido de Revisão Oficiosa, a AT decidiu conforme infra: “Nos termos do art.56º da Lei geral Tributaria (LGT), a AT está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo, contudo o disposto legal da alínea a) do nº2 do art.56º estipula que não existe dever de decisão quando a AT se tiver pronunciado há menos de dois anos sobre pedido do mesmo autor com idênticos objecto e fundamentos.
No caso em concreto, não se vislumbra qualquer apresentação de elementos novos, pelo que se afigura a aplicabilidade do disposto do nº2 do art.56º da LGT, atendendo a que o pedido de revisão oficiosa interposto pela requerente a 2018-04-05, instaurado com o nº ...2018... incide sobre idênticos objecto e fundamento que a reclamação graciosa com o nº ...2016..., sobre a qual a AT já se pronunciou com Despacho de Indeferimento a 2017-11-17 e transito em julgado a 2018-01-01.
Face ao exposto, propõe-se o arquivamento do presente procedimento...”.
(vii) Sustenta que tal decisão não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação do tributo, razão pela qual entende que o meio contencioso de a sindicar é, nos termos da alínea p) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 97.º do CPPT o anteriormente denominado “recurso contencioso” (actual ação administrativa) previsto e regulado pelas normas do CPTA.
(viii) E que o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar o pedido pois trata-se de um acto administrativo em matéria tributária que não comporta a apreciação da legalidade de ato de liquidação de tributo, porquanto o acto administrativo conducente ao arquivamento do pedido de revisão oficiosa teve por base a invocação do estabelecido no nº 2 do artigo 56º da LGT, ou seja, o facto da AT se ter pronunciado sobre a mesma questão, mesmo factos, com a mesma fundamentação, em sede de reclamação graciosa, há menos de 2 anos, não sendo, por esse motivo, apreciada a legalidade de quaisquer atos de liquidação nem da decisão proferida em sede de reclamação graciosa.
(ix) Pelos motivos supra expostos, entende que deverá ser reconhecida a incompetência material do tribunal arbitral, e em consequência, ser a Entidade Requerida absolvida, em conformidade.
(x) Invoca também a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, alegando que o ato sindicado será o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, notificado à Requerente a 22/11/2017 e sendo o prazo para apresentação de pedido de pronúncia arbitral definido nos termos do artigo 10.º do RJAT, a sua formulação em 25/02/2019, denota a sua manifesta extemporaneidade, devendo em consequência ser absolvida em conformidade.
(xi) Mais se defende por Impugnação sustentando, em suma, que a Requerente entende que por afetar a viatura supra identificada à sua atividade empresarial é suficiente para afastar os respetivos encargos da sujeição a tributação autónoma, no que não concorda.
(xii) Alega que os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros são sujeitos a tributação autónoma independentemente de serem ou não fiscalmente dedutíveis em sede de IRC e que mesmo se considerando a sua utilização pelo CHEF B... ou a Requerente, no âmbito da sua atividade ou para outros fins, é totalmente irrelevante para efeitos de sujeição a tributação autónoma.
(xiii) Pelo que pugna pela improcedência do pedido.
1.5. Entendeu o Tribunal dispensar a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral conforme despacho arbitral notificado às partes de acordo com o disposto no artigo 18.º do RJAT.
Por Despacho Arbitral datado de 12-06-2019 foi a Requerente notificada para, querendo, responder à matéria de excepção invocada pela Requerida, o que não fez.
Por Despacho Arbitral datado de 01-10-2019, ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar Alegações, não tendo ambas optado por fazê-lo. Para efeitos de prolação da decisão arbitral a mesma foi fixada até ao fim do prazo legal.
* * *
1.7. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não foram identificadas nulidades no processo.
2. QUESTÕES A DECIDIR
1. Questão de excepção invocada pela Requerida de incompetência material do Tribunal Arbitral.
2. Questão de excepção de intempestividade do pedido arbitral.
2. Análise da questão de mérito atinente à legalidade das liquidações em crise nos autos.
No entanto, e porque foi pela Requerida na sua Resposta aduzida matéria de excepção, importa desta conhecer primeiro, porquanto a sua procedência implica a absolvição da instância arbitral e o não conhecimento do pedido.
3. MATÉRIA DE FACTO
Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:
a) A Requerente foi alvo de uma inspecção tributária, efetuada pela DF de Faro, ao abrigo das ordens de serviço OI2015..., OI2015... e OI2016..., de âmbito geral, incidindo sobre IRC e IVA, referente aos exercícios de 2012, 2013 e 2014 (cfr. Processo Administrativo junto aos autos);
b) Foram efetuadas correções aritméticas em sede de IRC relativas à dedução de gastos não considerados indispensáveis para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC nos termos do art.23º do CIRC, designadamente despesas gerais conexas com imóvel não afecto à actividade (imobilizado) e não correspondente ao estabelecimento estável e tributação autónoma com despesas com viaturas ligeiras de passageiros nos termos do art.3º do art.88º do CIRC (cfr. Processo Admnistrativo junto aos autos);
c) Das correções efetuadas em sede de IRC e de IVA, resultaram as seguintes liquidações:
(cfr.Processo Admnistrativo junto aos autos).
d) Em 6 de Abril de 2016 a Requerente foi notificada das demonstrações de liquidação de IRC, tendo sido posteriormente notificada das demonstrações de liquidação de juros compensatórios e das correspondentes acertos de contas, relativos aos anos de 2012, (nota de cobrança n.°2016... – 2 526,13€) 2013 (nota de cobrança n.° 2016..., no valor de 4 630,41€) e 2014 ( noa de cobrança n.° 2016..., no valor de 1 490,63 €) conforme Documento n.º 3 junto pela Requerente com o pedido arbitral.
e) A Requerente procedeu ao pagamento do imposto e respectivos juros compensatórios (cfr. Doc. n.° 4 junto aos autos pela Requerente).
f) A Requerente apresentou Reclamação Graciosa, endereçada à Direcção de Finanças de Faro e entregue na Repartição de Finanças de Loulé ... (cfr. Documento n.º 5 junto aos autos pela Requerente).
g) Em 23 de Outubro de 2017 foi a Requerente notificada do projecto de indeferimento da Reclamação Graciosa (cfr. Documento n.º 6 junto aos autos pela Requerente).
h) Em 22 de Novembro de 2017 notificada do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa (cfr. Documento n.º 7 junto aos autos pela Requerente).
i) Contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa nos termos do artigo 78° da LGT com base no requerimento rececionado com o n° 2018... a 2018-04-05 no Serviço de Finanças de Loulé-... remetido por carta registada com o n° RH...PT de 2018-04-04, com o assunto Pedido de Revisão do Ato Tributário em que é Requerente o sujeito passivo A..., lda NIPC..., onde requer a revisão dos seguintes atos tributários:
i. Liquidação de IRC do exercício de 2012, com o n° 2016..., correspondente à Nota de Cobrança n° 2016..., com o valor de € 2.526,13, já pago;
ii. Liquidação de IRC do exercício de 2013, com o n° 2016..., correspondente ̏a Nota de Cobrança n° 2016..., com o valor de € 4.360,41, já pago;
iii. Liquidação de IRC do exercício de 2014, com o n° 2016..., que conduziu à Nota de Cobrança n° 2016..., com o valor de € 1.490,63, já pago.
(cfr. Processo Administrativo junto aos autos pela Requerida).
j). Tal pedido foi apresentando em 5 de Abril de 2018 (Documento n.º 8 junto aos autos pela Requerente).
k) O pedido de revisão oficiosa apresentado nos termos do art.78°, n°1 da LGT, visava a anulação dos atos de liquidação adicional, decorrentes de documentos de correção elaborados pelos Serviços de Inspeção no âmbito dos procedimentos inspectivos, credenciados pelas Ordens de Serviço n°s OI2015..., OI2015..., OI2016..., e Despacho de Indeferimento de Reclamação Graciosa, notificada à Requerente em 2017-11-22, alegando ilegalidade dos atos por falta de fundamentação e erros sobre os pressupostos de facto de direito por erro imputável aos serviços. (cfr. Processo Administrativo junto aos autos).
l) Em sede de resposta no pedido de Revisão Oficiosa, a AT decidiu como se segue: “Nos termos do art.56º da Lei geral Tributaria (LGT), a AT está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo, contudo o disposto legal da alinea a) do nº2 do art.56º estipula que não existe dever de decisão quando a AT se tiver pronunciado há menos de dois anos sobre pedido do mesmo autor com idênticos objecto e fundamentos.
No caso em concreto, não se vislumbra qualquer apresentação de elementos novos, pelo que se afigura a aplicabilidade do disposto do nº2 do art.56º da LGT, atendendo a que o pedido de revisão oficiosa interposto pela requerente a 2018-04-05, instaurado com o nº ...2018... incide sobre idênticos objecto e fundamento que a reclamação graciosa com o nº ...2016..., sobre a qual a AT já se pronunciou com Despacho de Indeferimento a 2017-11-17 e transito em julgado a 2018-01-01.
Face ao exposto, propõe-se o arquivamento do presente procedimento...”.
m) Em 26 de Novembro de 2018 foi a Requerente notificada do despacho de arquivamento do pedido de revisão do acto tributário (Documento n.º 9 junto aos autos pela Requerente).
n) O valor da utilidade económica do pedido tal como configurado pela Requerente no seu pedido arbitral é o valor correspondente às notas de liquidação cuja declaração de ilegalidade se pretende, no montante total de € 8 507,10, sendo a quantia de € 2.526,13 relativa ao exercício de 2012, a quantia de € 4 630,41 referente ao exercício de 2013 e, a quantia de € 1 490,63 referente ao exercício de 2014, acrescidos dos respectivos juros compensatórios. (cfr. artigo 124.º do pedido arbitral).
o) No dia 27 de Fevereiro de 2019, a Requerente apresentou requerimento de constituição do Tribunal Arbitral junto do CAAD – cf. requerimento electrónico no sistema do CAAD.
4. FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem outros factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.
5. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.
De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo Requerente enquanto autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
6. DO DIREITO
Da matéria de Excepção: Da Incompetência do Tribunal Arbitral
De acordo com o disposto no artigo 608.º, nº 1 do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29º do RJAT, “(…) a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância (…)”, devendo o juiz “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Apreciemos, então, a matéria de excepção invocada pela Recorrida, apreciando em primeiro lugar a incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido conforme invocado pela Requerida.
Como é sabido, apenas nos casos em que o acto de segundo ou terceiro grau apreciou apenas e somente uma questão prévia cuja solução obstou à apreciação da legalidade do acto primário – como, por exemplo, intempestividade, ilegitimidade ou incompetência – é que estariam fora do âmbito material de competência dos tribunais arbitrais a apreciação de pedidos de revisão oficiosa – tem sido esse o entendimento maioritário dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD.
Ou seja, caso a AT haja recusado a apreciação do pedido de revisão oficiosa com fundamento em qualquer questão prévia que obste ao conhecimento da legalidade do acto tributário de primeiro grau, verifica-se uma situação em que tal acto teria de ser impugnado por via da acção administrativa e, consequentemente caberia fora da esfera de competência do tribunal arbitral.
Tal questão, que é de resto, do conhecimento oficioso, tem, prima face, pertinência, na medida em que, analisada a decisão do procedimento de revisão oficiosa em causa nos autos a mesma não se pronunciou em concreto sobre a legalidade das liquidações, mas, meramente, sobre o arquivamento do procedimento por aplicabilidade do disposto no n.º 2 do artigo 56.º da LGT, ou seja, considerando que não decorreram ainda dois anos sobre a apresentação do pedido com o mesmo autor e com idêntico objecto e fundamentos e que se consubstanciou na apresentação da Reclamação Graciosa que foi apresentada pela Requerente e indeferida expressamente pela AT, pelo que decidiu esta arquivar o pedido de revisão oficiosa não o apreciando, concluindo que “No caso em concreto, não se vislumbra qualquer apresentação de elementos novos, pelo que se afigura a aplicabilidade do disposto do n.º 2 do art. 56.º da LGT, atendendo a que o pedido de revisão oficiosa interposto pela requerente a 2018-04-05, instaurado com o n.º ...2018... incide sobre idênticos objecto e fundamento que a reclamação graciosa com o n.º ...2016..., sobre a qual a AT já se pronunciou com Despacho de Indeferimento”.
Ou seja, no caso dos autos a AT não conduziu uma nova análise da questão de fundo em causa nos autos, apenas não a decidindo pois considerou que sobre a mesma questão já havia decidido há menos de dois anos.
Nestes termos, e de acordo com o que tem sido o entendimento dominante, ou seja, de que apenas poderão ser objecto do processo arbitral os actos de segundo e terceiro grau que conheçam da legalidade da liquidação, e verificando-se que a decisão do procedimento de revisão oficiosa não apreciou a legalidade dos actos de liquidação, antes decidindo-se pelo arquivamento do pedido de revisão oficiosa, entende este Tribunal que se verifica a incompetência do mesmo tal como invocado pela Requerida.
Estamos, assim, perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através da impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97º do CPPT e do artigo 2º do RJAT (vide, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-04-2010 proferido no processo n.º 0120/09 ), o que vale a dizer que não cabe no âmbito da competência material dos Tribunais Arbitrais.
Razão pela qual se decide pela procedência da excepção dilatória invocada pela Requerida, a qual dita a sua absolvição da instância, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 278.º do novo CPC, aplicável ex vi alínea e) do art.º 2.º alínea e) do CPPT e alínea e) n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.
Ficando prejudicada a apreciação da demais matéria de excepção (embora não entenda este Tribunal porque pede a Requerente a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa quando foi a mesma expressamente indeferida tal como, de resto, o diz a própria Requerente ao longo da petição arbitral) e, bem assim, o conhecimento da questão de mérito.
7. DECISÃO
Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral Singular em:
- Julgar procedente a excepção dilatória de incompetência material invocada pela Requerida, absolvendo-a da instância.
* * *
Fixa-se o valor do processo em Euro 8.507,10, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.
Condena-se a Requerente em custas no montante de Euro 918,00 ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de Outubro de 2019.
O Árbitro,
(Henrique Nogueira Nunes)
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.