DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., S.A., com o número de identificação de pessoa coletiva ... e com domicílio fiscal na Rua ..., ...– ..., ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade da liquidação adicional em IRC, relativa ao ano de 2015, da qual resultou imposto a pagar no montante de € 154 440,67, acrescido de juros compensatórios, no montante de € 15 428,02, e juros de mora, no montante de € 362,73.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
Na sequência de uma ação inspetiva desencadeada pela Autoridade Tributária, referente ao exercício de 2015, foram determinadas correções à matéria coletável em IRC, no valor de € 1 250 690,50, que incluem gastos não aceites para efeitos fiscais, no valor de € 46 129,00, e deduções indevidas por aplicação do artigo 64º do Código do IRC, conjugado com a regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12º do Código do IMT, no valor de € 714 418,92, sendo estas duas correcções objecto do presente pedido de pronúncia arbitral.
No que se refere a esse primeiro aspecto, em que estão em causa custos com deslocações e estadas, a Administração Fiscal invoca que os gastos para serem dedutíveis devem estar devidamente documentados, não bastando a apresentação de documentos justificativos, mas sendo ainda necessário demonstrar que os mesmos contribuíram para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do artigo 23º do CIRC.
No entanto, as despesas realizadas com essas deslocações dizem respeito a uma viagem efetuada ao Brasil por parte de dois administradores e dois funcionários da empresa, com o propósito de realizar reuniões e contactar entidades e pessoas com vista a estabelecer futuras relações negociais e, por isso, no interesse coletivo da empresa, sendo que esses gastos tiveram como resultado a captação de clientes que posteriormente vieram a adquirir imóveis, como se encontra documentado através das escrituras de compra e venda.
O que permite inferir que os gastos efectuados foram os adequados, necessários e indispensáveis à obtenção dos proveitos e não podem ser desconsiderados para efeitos fiscais.
Por outro lado, a Autoridade Tributária não apresentou qualquer fundamentação que justifique as correcções de modo congruente, não explicando a inexistência de conexão, direta ou indireta, com os proveitos e ganhos, e violando assim o disposto no artigo 77.º da LGT.
No que se refere às deduções indevidas, a Requerente procedeu em conformidade com o disposto no artigo 64º, n.º 3, do Código do IRC, tendo, para o efeito, deduzido a diferença entre os valores patrimoniais tributáveis e o valor efetivo de aquisição dos imóveis alienados no período de tributação.
Não obstante, a inspeção tributária procedeu à correção daquelas deduções, alegando que a base de incidência do IMT resultou da aplicação da regra 16 do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT, e, desse modo, não tendo o imposto incidido sobre valores patrimoniais tributários definitivos dos imóveis em causa, não era aplicável a regra do n.º 1 do artigo 64.º e, consequentemente, também, a dedução a que se refere a alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC.
A Requerente entende, no entanto, que, nos termos do n.º 1 do artigo 64.º do Código do IRC, os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável do IRC, valores normais de mercado, que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do IMT, e o único mecanismo legal que permite o afastamento desta regra é o constante do artigo 139º do Código de IRC, segundo o qual o sujeito passivo pode fazer valer o preço efetivo de compra e venda.
Conclui-se, assim, que o facto de a base de incidência do IMT ter resultado da aplicação da regra 16 do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT não é relevante para efeitos de determinação do lucro tributável do IRC, uma vez que o legislador não a contemplou no regime do artigo 64º do Código do IRC.
Sendo que, nestas situações, não é o valor patrimonial tributário do imóvel que serve de base à liquidação do IMT, pelo que a regra prevista no n.º 1 do artigo 64.º do Código do IRC terá sempre que ser cumprida pelo sujeito passivo, quer quanto ao valor de aquisição, quer quanto ao valor de transmissão. E nesse sentido, concluíram também os serviços centrais do IRC, através da Informação Vinculativa nº 557, sancionada por despacho de 25 de Março de 2011, da Diretora de Serviços do IRC.
A correcção aritmética efectuada a esse título consubstancia, assim, um erro sobre os pressupostos de direito que gera a anulação do acto tributário.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que o artigo 23.º do Código do IRC contém uma cláusula geral, pela qual são aceites para efeitos fiscais os gastos constantes da contabilidade, desde que comprovados e indispensáveis, não bastando, para o efeito, a apresentação de facturas, sendo ainda necessário demonstrar que os gastos contribuíram para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. No caso, encontrando-se em falta elementos essenciais para aferição da indispensabilidade, designadamente a identificação dos utilizadores das viagens, os períodos temporais em que ocorreram e a indicação dos motivos para a sua realização não é possível dar como verificada a comprovação da indispensabilidade dos gastos, sendo que é à Requerente que cabe o ónus da prova desse requisito.
Por outro lado, não ocorreu o vício de falta de fundamentação, visto que a Administração deu a conhecer as razões pelas quais efectuou a correcção e a Requerente pôde compreender o raciocínio lógico que conduziu à tomada de decisão.
Quanto às deduções por aplicação do artigo 64.º do Código do IRC, constatou-se que os prédios em causa foram adquiridos por arrematação judicial, caso em que não é aplicável o estatuído nesse preceito.
Com efeito, o artigo 12.º Código do IMT determina que o imposto incide sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior (n.º 1), exceptuando-se as situações elencadas no n.º 4, e, entre elas, a da alínea 16.ª, pela qual “o valor dos bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas ou às autarquias locais, bem como o dos adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa, é o preço constante do acto ou do contrato”.
Essa imposição explica-se porque nesses casos as razões de perigo de evasão ou fraude fiscal no que respeita à declaração do valor real das transacções não existirão, em condições normais, sendo de considerar apenas como valor tributável o valor declarado, sem necessidade de o comparar com o valor patrimonial. Assim, tendo os imóveis sido adquiridos em processo de arrematação judicial ou em processo de execução fiscal, importa observar e adoptar o valor do contrato como valor de aquisição para efeitos de determinação do lucro tributável, ao abrigo da regra 16ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT.
Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.
2. No seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e determinada a apresentação de alegações escritas facultativas por prazo sucessivo.
As partes não alegaram
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 26 de Abril de 2019.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente exerce a actividade de compra e venda de imóveis e construção de edifícios;
B) Relativamente ao exercício do ano 2015, a Requerente foi alvo de um procedimento inspectivo, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2017..., de que resultaram correções à matéria coletável em IRC no valor de € 1 250 690,50, respeitantes à não aceitação como gastos para efeitos fiscais das despesas de deslocação de administradores e funcionários ao Brasil e a não dedução da diferença entre os valores patrimoniais tributáveis e o valor efetivo de aquisição dos imóveis alienados no período de tributação, em aplicação do artigo 64.º, n.º 3, do Código do IRC;
C) Não concordando com os termos e fundamentos das correções efetuadas, a Requerente apresentou reclamação graciosa, que foi indeferida por despacho do Director adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, de 16 de Novembro de 2018, praticado ao abrigo de subdelegação de competências;
D) O Relatório de Inspecção Tributária não aceitou para efeitos fiscais as despesas de deslocação ao estrangeiro inscritas na conta 625112 – deslocações e estadas, no valor de € 46.129,00, com o seguinte fundamento:
“Verifica-se que os gastos para serem dedutíveis devem estar devidamente documentados, residindo na necessidade de comprovação das despesas realizadas e nesse caso o contribuinte deve fazer prova dos gastos incorridos. Para que um custo comprovado seja dedutível fiscalmente em sede de IRC, não basta a apresentação de documentos justificativos/facturas, é necessário demonstrar que os mesmos contribuíram para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do artigo 23.º do CIRC”;
E) Na declaração de modelo 22 do IRC relativa ao ano de 2015, a Requerente inscreveu, relativamente ao prédio urbano U..., adquirido em 26 de Março de 2014, o valor patrimonial tributário (€ 165.356,20), o valor da aquisição (74.000,00) e o valor da venda realizada em 26 de Janeiro de 2015 (€ 115.000,00), e, em função desses valores, acresceu no campo 745 o montante de € 50.356,20 e deduziu no campo 772 o montante de € 91.356,20;
F) Na mesma declaração de modelo 22 do IRC, a Requerente inscreveu, relativamente ao prédio urbano U..., adquirido em 23 de Abril, de 2014, o valor patrimonial tributário à data da escritura (€ 1.197.850,00), depois corrigido para € 860.810,00, valor correspondente à avaliação entretanto requerida, o valor da aquisição (€ 575.000,00) e o valor da venda realizada em 3 de Dezembro de 2015 (€ 937.500,00), e, em função desses valores, acresceu 0,00 no campo 745 e deduziu no campo 772 o montante de € 622.850,00;
G) O Relatório de Inspecção Tributária considerou que, no caso de arrematação judicial de imóveis, por força da regra 16.º do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT, o sujeito passivo deve registar os imóveis na rúbrica inventários pelo valor da respectiva aquisição, relevando este valor numa futura transmissão dos imóveis para efeitos do apuramento do resultado tributável, não havendo assim que atender à diferença entre o valor patrimonial tributário e o valor da aquisição; e, nesse sentido, operou a correcção do lucro tributável em € 714.206,20, correspondente à soma das deduções inscritas pelo sujeito passivo no campo 772 do quadro 07 da declaração de modelo 22:
H) Na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Autoridade Tributária, por remissão para a informação elaborada pela Divisão de Justiça Administrativa, manteve os fundamentos constantes do Relatório de Inspecção Tributária para justificar as correcções do lucro tributável;
I) A Agência B... emitiu duas facturas recibo em nome da Requerente, com data de 22 e 25 de Dezembro de 2015, no montante de € 20.929,00 e € 25.000,00, respectivamente, referente a despesas de deslocação ao estrangeiro;
J) Por escritura pública data de 23 de Abril de 2015, a Requerente adquiriu no âmbito do processo de insolvência n.º .../11...T…, do 2.º juízo do tribunal de comércio de …, um prédio urbano pelo valor de 1.197.850,00;
K) Por escritura pública data de 26 de Março de 2014, a Requerente adquiriu no âmbito do processo de insolvência n.º .../11...T…, um prédio urbano pelo valor de 74.000,00.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária. Os factos constantes das alíneas J, K e L encontram-se provados pelos documentos n.ºs 4, 7 e 8 juntos com a petição inicial.
Matéria de direito
Dedutibilidade de custos
5. A primeira questão que vem colocada prende-se com a não aceitação como gastos para efeitos fiscais de despesas de deslocação que a Requerente alega respeitarem a uma viagem efectuada ao Brasil por administradores e colaboradores da empresa com o propósito de captar clientes para a aquisição de imóveis.
Como resulta da alínea D) da matéria de facto, a Administração Tributária não admitiu a dedutibilidade dessas despesas com o argumento de que a comprovação dos gastos para efeitos fiscais não depende apenas da apresentação dos documentos justificativos, sendo ainda necessário demonstrar que esses gastos contribuíram para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC.
A Requerente invoca que as despesas foram realizadas no interesse colectivo da empresa e que o acto tributário se encontra ferido de vício de falta de fundamentação, visto que não explicita as razões pelas quais não foram admitidas como custo para efeitos fiscais, não bastando para o efeito a mera referência ao dispositivo legal.
A fundamentação dos atos tributários, além de constituir uma garantia dos administrados consagrada constitucionalmente (artigo 268.º, n.º 3, da Lei Fundamental), encontra-se especialmente prevista na Lei Geral Tributária, que, no seu artigo 77.º, determina que a fundamentação pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos fatos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (n.º 2).
Como é entendimento jurisprudencial corrente, a fundamentação do ato administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, sendo que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente.
No caso vertente, e ao contrário do que vem afirmado pela Requerente, a Administração Tributária não se limitou a remeter para a disposição legal aplicável, mas referiu que os gastos para serem dedutíveis carecem não apenas de se encontrarem documentados, mas também da comprovação de que foram incorridos para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. A Administração esclareceu, portanto, de modo suficiente, as razões da não dedutibilidade dos gastos, fazendo notar que a relevância fiscal implica a demonstração de que os gastos foram realizados no interesse da empresa e deixando expressa a ideia de que para esse efeito não é bastante a apresentação de facturas.
Não se verifica, por conseguinte, o invocado vício de falta de fundamentação.
6. Questão distinta é a de saber se as despesas podem ser caracterizadas como gastos para efeitos fiscais à luz do disposto no artigo 23.º do Código do IRC.
Na redação anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, o preceito, na parte que agora mais interessa considerar, dispunha o seguinte:
Artigo 23º
Gastos
1 - Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
(…)
No preenchimento do conceito indeterminado de indispensabilidade, a que se refere esse dispositivo, a doutrina e a jurisprudência firmaram um entendimento no sentido de considerar que da “noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.º do Código de IRC não resulta que a Administração Tributária possa pôr em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram diretamente proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa”.
Em síntese conclusiva, deve entender-se que a atividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito (e não um obrigatório nexo de causalidade imediata) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento. Nesse sentido, a atividade produtiva não deverá ser entendida em sentido restritivo, mas sim em sentido amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços, mas pressupõe uma relação com as operações económicas globais de exploração ou com as operações ou atos de gestão que se insiram no interesse próprio da entidade que assume os custos (cfr. neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 480/2016).
É nesse âmbito compreensivo que deve entender-se a nova redação introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com efeitos desde 1 de janeiro de 2014, que, no n.º 1, passou a dispor que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”. Como se esclarece no Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, de 30 de junho de 2013, a nova redacção visou implementar um maior grau de certeza na aplicação concreta dos critérios de dedutibilidade, passando a consagrar como princípio geral que são dedutíveis os gastos relacionados com atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados, reforçando a ideia de que basta a conexão com a atividade empresarial, independentemente da efetiva contribuição para os rendimentos sujeitos a imposto.
Por outro lado, a eliminação do advérbio “comprovadamente”, que constava da redacção precedente, não permite concluir que as despesas registadas contabilisticamente devam ser sempre tidas como gastos para efeitos fiscais, tornando-se necessário estabelecer a conexão entre os gastos incorridos ou suportados e o interesse empresarial.
Havendo dúvida sobre a necessidade de uma certa despesa, cabe ao sujeito passivo colaborar com a Administração Tributária fornecendo todos os elementos que permitam esclarecer a situação tributária. Nem seria exigível que fosse a Administração a demonstrar que os custos não têm uma correlação direta com obtenção dos proveitos quando só o contribuinte é que está em condições de facultar os documentos ou prestar as informações que possam afastar a situação de incerteza quanto à ligação da despesa com a actividade da empresa (cfr. SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra, pág. 389).
No caso em análise, o Relatório de Inspecção Tributária apenas faz referência a duas facturas emitidas pela Agência B... com a mera indicação do serviço prestado (despesas de deslocação ao estrangeiro) e dos valores a pagar. E no âmbito de presente processo arbitral, a Requerente, para prova dos factos alegados nos artigos 9.º. 10.º, 11.º e 12.º da petição – em, que se afirma que os encargos foram suportados com uma viagem efetuada ao Brasil por parte de dois administradores e dois funcionários da empresa, com o propósito de realizar reuniões e contactar entidades e pessoas com vista a estabelecer futuras relações negociais – limita-se a apresentar essas mesmas facturas tal como constam do documento n.º 4 junto à petição inicial. Compulsando o documento logo se conclui que as facturas em causa não permitem especificar qual o destino e a finalidade da deslocação, nem identificam as pessoas que efectuaram as viagens, não sendo possível dar como demonstrado, neste contexto, que as despesas foram realizadas no interesse empresarial.
Cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que se arroga (artigo 74.º, n.º 1, da LGT), e não tendo logrado produzir a prova necessária, o pedido mostra-se ser, nesta parte, inconcludente.
Deduções indevidas por aplicação do artigo 64.º, n.º 3, do Código do IRC
7. Tendo adquirido dois imóveis em processo de execução fiscal, a Requerente, para apuramento do resultado tributável de 2015 acresceu a diferença positiva entre o valor patrimonial do tributário e o valor da transmissão, nos termos do artigo 64.º, n.º 3, alínea a), e deduziu a diferença entre o valor patrimonial tributário e o valor da aquisição, nos termos do artigo 64.º, n.º 3, alínea a).
Deste modo, e como resulta da matéria de facto dada como assente (alíneas E) e F), em relação a um imóvel, a Requerente acresceu o valor de € 50.356,20, correspondente à diferença entre o valor patrimonial tributário (€ 165.356,20) e o valor da transmissão (€ 115.000,00), e deduziu o valor de € 91.356,20, correspondente à diferença entre o valor patrimonial tributário (€ 165.356,20) e o valor da aquisição (74.000,00). Em relação a um outro imóvel, a Requerente acresceu 0,00, por não se verificar uma diferença positiva entre o valor patrimonial tributário (€ 860.810,00) e o valor da transmissão (€ 937.500,00), e deduziu o valor de € 622.850,00, correspondente à diferença entre o valor patrimonial tributário (€ 1.197.850,00) e o valor da aquisição (€ 575.000,00). Sendo que, neste caso, a diferença de montantes registada relativamente ao valor patrimonial tributário resulta do facto de este valor se encontrar fixado em € 1.197.850,00, à data da aquisição, e em € 860.810,00, à data da venda, por efeito de um pedido de avaliação.
A Autoridade Tributária entende, no entanto, que, por força da subalínea 16.º do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT, nas situações em que os imóveis são adquiridos em arrematação judicial, o valor é o do preço constante do acto ou do contrato, não se enquadrando nas situações normais de mercado, pelo que o sujeito passivo deve registar o valor da aquisição na rúbrica de inventários e ter em conta esse valor numa futura transmissão do imóvel para efeito do apuramento do lucro tributável, não havendo que ter em consideração a diferença entre o valor patrimonial tributário e o valor da aquisição.
Esse critério encontra-se em consonância com o exposto no Manual do Imposto sore o Rendimento das Pessoas Colectivas, publicado sob a égide da Autoridade Tributária, em que se refere que, na situação particular em que o imóvel é adquirido mediante arrematação judicial por valor inferior ao valor patrimonial tributário, não se procede à correcção do valor da aquisição no campo 772 do quadro 07 da declaração modelo 22, visto que, à luz da referida disposição do Código do IMT, o valor da aquisição que releva é o preço do acto ou do contrato e não o valor patrimonial tributário (Manual do Imposto sore o Rendimento das Pessoas Colectivas, edição da Autoridade Tributária e Aduaneira, 2016, págs. 289-290).
Para dilucidar a questão interessa ter presentes, por conseguinte, as referidas disposições dos artigos 64.º do Código do IRC e 12.º do Código do IMT.
A primeira dessas disposições, na parte que mais releva, sob a epígrafe “Correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis”, prescreve o seguinte:
1 — Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 — Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
3 — Para aplicação do disposto no número anterior:
a) O sujeito passivo alienante deve efectuar uma correcção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;
b) O sujeito passivo adquirente adopta o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.
Por sua vez, o mencionado artigo 12.º do Código do IMT, aplicável à determinação do valor tributável para efeitos desse imposto, ostenta a seguinte redacção:
1 - O IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.
2 - No caso de imóveis omissos na matriz ou nela inscritos sem valor patrimonial tributário, bem como de bens ou direitos não sujeitos a inscrição matricial, o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do CIMI.
3 - Ao valor patrimonial tributário junta-se o valor declarado das partes integrantes, quando o mesmo não esteja incluído no referido valor patrimonial.
4 - O disposto nos números anteriores entende-se, porém, sem prejuízo das seguintes regras:
(…)
16.ª O valor dos bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas ou às autarquias locais, bem como o dos adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa, é o preço constante do acto ou do contrato;
(…).
Um aspecto que interessa, antes de mais, fazer notar é que as disposições em causa têm um distinto campo de aplicação.
O artigo 12.º do Código do IMT destina-se a fixar o valor tributável relativamente ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (artigo 2.º), podendo incidir simultaneamente com o imposto do selo (artigo 3.º), constituindo-se a obrigação tributária no momento em que ocorrer a transmissão.
Ao contrário, o artigo 64.º do Código do IRC pretende determinar as correcções a efectuar para o apuramento do lucro tributável, quando haja lugar à transmissão onerosa de imóveis, estipulando, no essencial, as seguintes regras: (a) os alienantes e adquirentes devem adoptar os valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões; (b) quando o valor o contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar para determinação do lucro tributável; (c) nesta última hipótese, ou seja, quando o valor o contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário, o sujeito passivo alienante efectua uma correcção correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário do imóvel e o valor constante do contrato; o sujeito passivo adquirente adopta o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável relativamente ao imóvel.
Por efeito das referidas regras das alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, no caso em que haja lugar à ulterior transmissão de imóveis que tenham sido antes adquiridos, o sujeito passivo, na condição de alienante, acresce no campo 745 do quadro 07 a diferença positiva entre o valor patrimonial tributário do imóvel e o valor do contrato de venda, e, na condição de adquirente, deduz no campo 772 do quadro 07 a diferença positiva entre o valor patrimonial tributário do imóvel e o valor do contrato de compra.
Certo é que o artigo 12.º do Código do IMT fixa uma regra própria para a fixação do valor tributável relativamente a imóveis adquiridos mediante arrematação judicial, fazendo-o coincidir com o preço do acto ou do contrato, significando que, nesse caso, fica afastada a regra geral do n.º 1 desse artigo, não havendo que tomar em consideração o valor patrimonial tributário. Isto é, em geral, o IMT incide sobre o maior dos valores a considerar de entre o valor do contrato ou o valor patrimonial tributário (n.º 1). Salvo se a aquisição ocorrer no âmbito de uma arrematação judicial (ou em qualquer dos outros casos elencados na subalínea 16.ª do n.º 4 do artigo 12º), caso em não há que estabelecer qualquer termo de comparação com o valor patrimonial tributário, entendendo-se como valor tributável para efeito do pagamento do imposto é o do próprio preço do contrato.
Não se vê, de todo o modo, a que título é que esta regra específica da determinação do valor tributável para efeitos de IMT opera a derrogação do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, implicando o afastamento da fórmula que aí se encontra prevista para determinar o lucro tributável em IRC quando haja lugar à transmissão onerosa.
Compreende-se que nas situações consideradas na falada norma da subalínea 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT não subsistam as razões de perigo de evasão ou fraude fiscal no que respeita à declaração do valor real das transações, pelo que não se torna necessário comparar o valor declarado com o valor patrimonial (cfr. JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, Lições de Impostos sobre o Património e o Selo, Coimbra, 2010, pág. 211). No entanto, a ratio legis que torna justificável essa solução para a fixação do valor tributável em IMT não tem de ser transposta para as correcções a efectuar no âmbito do apuramento do lucro tributável em IRC, nem pode justificar a revogação parcial do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC apenas para os casos em que funcione a excepção à regra geral da determinação do valor tributável para efeitos de IMT.
Por outro lado, uma interpretação conjugada das disposições do artigo 64.º, n.º 3, do Código do IRC e da subalínea 16.ª do n.º 4 do artigo 12º do Código do IMT não pode conduzir à fixação de um sentido e alcance da lei que não tem na norma do artigo 64.º, n.º 3 a mínima correspondência verbal. Para a determinação do lucro tributável, esta norma prevê acréscimos correspondentes à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário e o valor da alienação do imóvel, e deduções correspondentes à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário e o valor da aquisição. O entendimento formulado pela Autoridade Tributária, a pretexto de uma interpretação conjugada de normas, ignora completamente estes critérios e passa a ter como assente um outro, não expresso na lei, e que resulta de uma disposição que é aplicável à determinação do valor patrimonial tributável para efeitos de IMT e não à determinação do lucro tributável para efeitos de IRC.
Não podendo entender-se como válida a interpretação seguida pela Administração Tributária, à luz das regras de hermenêutica jurídica, o pedido mostra-se ser procedente nesta parte.
III – Decisão
Termos em que se decide
a) Julgar improcedente o pedido arbitral no que se refere à correcção efectuada pelo acto tributário impugnado, no montante de € 46.129,00, relativa à não dedutibilidade de gastos;
b) Julgar procedente o pedido arbitral quanto à correcção efectuada pelo acto tributário impugnado, no montante de € 714.418,92, relativa a deduções por transmissão onerosa de imóveis;
c) Anular correspondentemente a liquidação de juros compensatórios e de juros de mora.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 170.231,42, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, que fica a cargo da Requerente, na percentagem de 6%, e da Requerida, na percentagem de 94%.
Notifique.
Lisboa, 26 de Setembro de 2019
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
Ana Teixeira de Sousa
O Árbitro vogal
Adelaide Mour