DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I - RELATÓRIO
1. No dia 18 de Janeiro de 2019, A..., S.A., titular do NIPC..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Maia, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º n.º 1 a) e 10.º n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado “RJAT”), visando a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada, bem como da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (doravante, “IRC”) n.º ... (código de validação ...), da qual resultou um valor a pagar de €38.644,42, respeitante a tributações autónomas, relativa ao exercício de 2015.
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, a ilegalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, bem como da parte da autoliquidação das tributações autónomas referentes ao exercício fiscal de 2015 do Grupo Fiscal aqui em causa.
3. No dia 29-01-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “AT”).
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, tendo esta comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 13-03-2019, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 02-04-2019.
7. Em 20-05-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou resposta ao pedido arbitral formulado, defendendo a improcedência do pedido.
8. Não obstante a Requerida ter protestado juntar aos autos o processo administrativo (doravante “PAT”), tal não se verificou.
9. Considerando que (i) não existia necessidade de produção de prova adicional, para além da prova documental junta aos autos, (ii) não existia matéria de excepção sobre a qual as partes se devessem pronunciar e (iii) no processo arbitral vigora o princípio processual geral da economia processual, as Partes foram notificadas para indicar se prescindiam da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e, em caso de resposta afirmativa, se prescindiam da apresentação de alegações ou se as pretendiam apresentar por escrito.
10. A Requerente veio informar que, atento o teor da Resposta da AT e a ausência da matéria de facto controvertida, não mantinha interesse na inquirição das testemunhas arroladas, prescindindo da mesma, bem como da apresentação de alegações.
11. A Requerida não se pronunciou sobre o referido Despacho.
12. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
13. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente é uma sociedade comercial que sucedeu a título universal, por fusão, à B..., Unipessoal, Lda., e que era a sociedade dominante do grupo fiscal ao qual, em 2015, foi aplicável o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”).
2- Integravam este grupo fiscal as sociedades B..., Unipessoal, Lda., A..., S.A. e C... Portugal, S.A..
3- Em 31 de Maio de 20016, a Requerente procedeu, na qualidade de sociedade dominante do grupo fiscal antes descrito, à apresentação da sua declaração agregada de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2015, tendo aí procedido à autoliquidação das tributações autónomas desse mesmo ano, no valor de €204.160,25, calculadas como segue:
4- O referido valor inclui o montante de €120.429,62, correspondente às tributações autónomas respeitantes à sociedade C... Portugal, S.A., a qual, não obstante não ter apurado prejuízos fiscais, foi sujeita a um agravamento de taxa de 10%.
5- Sem esse agravamento de taxas em 10%, o valor das tributações autónomas teria sido de €165.515,83, pelo que a diferença aqui em causa é de €38.644,42.
6- O sistema de transmissão electrónica de dados através do qual se realiza a entrega da declaração periódica de rendimentos de IRC encontra-se parametrizado no sentido de considerar que o agravamento das taxas de tributação autónoma deve ter por referência o resultado fiscal apurado pelo grupo de sociedades sujeito ao RETGS, e não o resultado fiscal apurado individualmente por cada uma das sociedades que o integram.
7- A Requerente apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC (processo n.º ...2018...), tendo a referida reclamação graciosa sido indeferida em Outubro de 2018, pela Direcção de Finanças do Porto (Ofício n.º 2018..., de 19 de Outubro).
8- O valor do IRC, incluindo a derrama estadual e as tributações autónomas, foi pago.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código do Processo Civil (doravante “CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
B. DO DIREITO
Está em causa a aplicação do agravamento de taxas em 10% ao valor das tributações autónomas apurado aquando da entrega da declaração agregada de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2015 por uma sociedade dominante de um grupo de sociedades. Tal agravamento foi aplicado a todas as sociedades que incluem o referido grupo, incluindo a uma sociedade que não registara prejuízos fiscais no exercício em causa.
Assim, está em causa a aplicação do disposto no n.º 14 do artigo 88.º do Código do IRC, que estabelece que:
“As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC.”
A Requerente considera que são os prejuízos fiscais de cada uma das sociedades que integram o grupo fiscal que relevam para este efeito, enquanto a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que é o prejuízo fiscal do grupo que determina o agravamento das taxas.
A questão não é, hoje, controvertida e foi resolvida no sentido defendido pela AT, na medida em que a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, do n.º 20 ao artigo 88.º do CIRC, aditou o n.º 20 ao referido artigo 88.º CIRC, nos seguintes termos:
“Para efeitos do disposto no n.º 14, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades estabelecido no artigo 69.º, é considerado o prejuízo fiscal apurado nos termos do artigo 70.º.”
A esta norma foi atribuída natureza interpretativa.
A tributação autónoma como tributação em sede de IRC
Começa a Requerente por defender que as tributações autónomas não são tributação do rendimento, ou seja, não são IRC sobre o lucro.
Sobre este tema, em concreto, não pode este Tribunal concordar. De facto, é entendimento pacífico, nomeadamente entre a jurisprudência arbitral, que as tributações autónomas são de facto consideradas IRC. A este título veja-se, entre outros, o Acórdão arbitral proferido no Processo n.º 239/2014-T, o qual descreve de forma muito clara e elucidativa a evolução das tributações autónomas e no qual pode ler-se o seguinte:
«Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis» (artigo 11.º, n.º 1, da LGT), o que constitui uma remissão para o artigo 9.º do Código Civil.
O artigo 9.º do Código Civil estabelece o seguinte:
“Artigo 9.º
Interpretação da lei
1 – A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2 – Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3 –Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
Assim, o que há a fazer, é procurar reconstituir o pensamento legislativo, com base nos elementos interpretativos indicados neste artigo 9.º.
O ponto de partida da interpretação é a letra da lei.
Na falta de outros elementos que induzam à eleição de um sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, na pressuposição (imposta pelo n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, que vale até que se demonstre que não é correcta) de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. (1)
(1) Neste sentido, pode ver-se BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 182.
Na redacção inicial do CIRC, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, não era feita qualquer referência expressa ou implícita a tributações autónomas, no âmbito do IRC.
Só com a Lei n.º 101/89, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 1990, foi feita uma primeira referência a tributações autónomas no âmbito do IRC, através da autorização legislativa que consta do n.º 3 do seu artigo 15.º, em que se preceitua o seguinte:
“Lei n.º 101/89, de 29 de Dezembro
Artigo 15.º
3 - Fica o Governo autorizado a tributar autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa agravada em 10% e sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código.”
Concretizando esta autorização legislativa, o Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho em que incluiu, à margem dos códigos do IRS e do IRC, uma norma sobre tributações autónomas em que se estabelece o seguinte:
“Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho
Artigo 4.º
As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10% sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.”
Como resulta do teor literal desta norma, fala-se em tributações autónomas em IRS ou IRC, não por elas serem um imposto diferente de qualquer um destes, mas sim por serem calculadas aplicando uma regra diferente das regras gerais de tributação aplicáveis à determinação das quantias devidas no âmbito daqueles impostos.
Mas, no que aqui interessa, sendo a tributação autónoma em IRC, resulta linearmente desta norma que o imposto a liquidar e cobrar é considerado IRC, pelo que lhe será aplicável, no que não está aqui regulado, tudo o que está previsto para o IRC e que seja necessário aplicar (por exemplo, para efeitos da prazos para apresentação de declarações, competência para a liquidação, privilégios creditórios, meios de impugnação, etc.).
A Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, alterou este artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, mas manteve a mesma referência a tributação autónoma em IRC, estabelecendo o seguinte:
“Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro
1 - As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, ou por sujeitos passivos de IRC, são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, consoante os casos, a uma taxa de 30%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC.”
A Lei n.º 87-B/97, de 31 de Dezembro, voltou a alterar o n.º 1 daquele artigo 4.º, dando-lhe a seguinte redacção:
“Lei n.º 87-B/97, de 31 de Dezembro
1 - As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, ou por sujeitos passivos de IRC, são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, consoante os casos, a uma taxa de 32%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC.”
A Lei n.º 3-B/2000, de 29 de 4 de Abril, aditou um n.º 3, ao mesmo artigo 4.º, com a seguinte redacção:
“Lei n.º 3-B/2000, de 29 de 4 de Abril
3 - As despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros efectuadas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, ou por sujeitos passivos de IRC não isentos e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, consoante os casos, a uma taxa de 6,4%.”
A Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, revogou o referido artigo 4.º, mas incluiu no CIRC um conjunto de tributações autónomas, através do aditamento de um artigo 69.º-A (2) com o seguinte teor:
(2) Esta mesma Lei introduziu no CIRS o artigo 75.º-A com um regime parcialmente coincidente.
“Artigo 69.º-A
Taxa de tributação autónoma
1 - As despesas confidenciais ou não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º.
2 - A taxa referida no número anterior é elevada para 70% nos casos em que tais despesas sejam efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola.
3 - São tributados autonomamente, a taxa correspondente a 20% da taxa normal mais elevada, as despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
4 - Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos, nomeadamente, as reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas com manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.
5 - Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos, afectos à exploração do serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da actividade normal do sujeito passivo, bem como as reintegrações relacionadas com viaturas relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 8 da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.
6 - Consideram-se despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.
7 - São sujeitas ao regime dos n.ºs 1 ou 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respectivamente, 35% ou 55%, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
8 - Excluem-se do disposto no n.º 3 os sujeitos passivos a que seja aplicado o regime previsto no artigo 46.º-A.”
Embora não se faça aqui referência expressa a que estas tributações autónomas são IRC, tal resulta, por um lado, da inclusão deste artigo no CIRC (paralelamente à inclusão no CIRS de um artigo 75.º-A semelhante); por outro lado, do facto de os n.ºs 1 a 3 deste artigo 69.º-A manifestamente visarem substituir os anteriores n.ºs 1 e 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90.
É certo que a inclusão destas tributações autónomas incidentes directamente sobre despesas e não sobre rendimento das pessoas colectivas num Código destinado primacialmente a estabelecer o regime geral da tributação do rendimento das pessoas colectivas gera, pelo menos aparentemente, uma situação de distorção do âmbito de incidência do imposto, que deixa de incidir directamente apenas sobre lucros para passar a incidir directamente também sobre certas despesas.
Mas, a Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma amplificação consciente e pretendida das entorses previamente existentes, por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas.
Na verdade, diz-se na referida Proposta de Lei:
“ actual modelo de tributação do rendimento foi estabelecido em 1988, assente no imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e no imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), e correspondeu à adopção de soluções de base idênticas às que são comuns nos países da OCDE, o que não se cuida obviamente de alterar.
No entanto, razões de ordem pragmática determinaram logo algumas entorses aos princípios definidos, que a prática dos anos subsequentes veio, em inúmeras situações, agravar.
Acresce que a evolução do país introduziu alterações na realidade económica e social, em parte resultado do impacto da União Europeia e da própria dinâmica de aprofundamento do processo de integração, com repercussão no tecido das relações e institutos que são objecto das leis tributárias.
Existe na sociedade portuguesa um sentimento generalizado de que o sistema fiscal não reparte equitativamente a carga fiscal entre os cidadãos, estando a cargo dos mais cumpridores, entre eles, os trabalhadores por conta de outrem, a maior quota-parte de esforço fiscal, enquanto a evasão e a fraude fiscais mantêm uma presença significativa que permite, frequentemente, que aqueles que mais proventos auferem não paguem impostos ou os suportem em termos muito inferiores àquilo que lhes é exigível.
4. Pelo exposto, o Governo, na sequência da elaboração de estudos e relatórios técnicos elaborados sob a égide de anteriores Governos, em particular do XIII Governo, bem como dos trabalhos levados a cabo pela Estrutura de Coordenação da Reforma Fiscal (ECORFI), que foi criada em Janeiro de 2000, para além do debate que estes temas têm suscitado, entendeu ser chegada a altura de submeter à Assembleia da República uma ampla reforma do sistema tributário português.
Pretende-se com estas medidas dar cumprimento a um pacto de justiça fiscal com os cidadãos, baseado no alargamento da base tributária, na intensificação do combate à fraude e à evasão fiscais e na diminuição do esforço fiscal dos contribuintes cumpridores, no quadro dos princípios gerais da equidade, eficiência e simplicidade que devem enquadrar o sistema tributário.”
Perante esta explicação, torna-se claro que, na perspectiva legislativa, as tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC.
Mas, decorre também desta explicação que um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade.
Isto é, entendeu-se que o sistema de tributação das empresas exclusivamente com base no lucro tributável gerava situações de iniquidade fiscal que se pretendeu atenuar ou eliminar efectuando um «alargamento da base tributária», através do aditamento à tributação directa, que continua a ser a essência do sistema de tributação das empresas, de situações de tributação indirecta, por via da aplicação do imposto também a certas despesas que se terá entendido serem causas dessa iniquidade, por estarem presumivelmente conexionadas com situações de «evasão e a fraude fiscais» «que permite, frequentemente, que aqueles que mais proventos auferem não paguem impostos ou os suportem em termos muito inferiores àquilo que lhes é exigível».
Com esta opção legislativa de «alargamento da base tributária» do IRC, ampliou-se a sua base de incidência em relação à que constava do artigo 3.º, mas foi isso mesmo que se pretendeu, à luz da referida Exposição de Motivos.
Foram posteriormente introduzidas alterações ao referido artigo 69.º-A (3), pela 32-B/2002, de 30 de Dezembro, pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 192/95, de 7 de Novembro, Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, pela Lei n.º 100/2009, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, com clara tendência para a ampliação das tributações autónomas, pelo que se evidencia que, repetidamente, o legislador fiscal se mostrou indiferente em relação às possíveis entorses do sistema de tributação das empresas que as tributações autónomas podem implicar.
(3) Ao artigo 69.º-A do CIRC corresponde o artigo 81.º com a renumeração do CIRC operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, e o artigo 88.º com a renumeração efectuada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.
De resto, as grandes preocupações com a coerência dos impostos que incomodam a Requerente nunca foram partilhadas pelo nosso legislador fiscal, que, desde há muito, vem mantendo um imposto em que inclui, sob uma denominação comum, uma amálgama de situações desconexas de tributação, que é o Imposto do Selo, apenas perceptivelmente justificadas pela simplicidade e eficiência da arrecadação de receitas, e reconhece explicitamente, na referida Proposta de Lei, que, por razões de ordem pragmática, havia «entorses aos princípios definidos, que a prática dos anos subsequentes veio, em inúmeras situações, agravar».
Mas, esta tributação indirecta não deixa de ser efectuada no âmbito do IRC, como resulta da inclusão das tributações autónomas no respectivo Código, que tem como corolário a aplicação das normas gerais próprias deste imposto, que não contendam com a sua especial forma de incidência.
Assim, se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas, que poderia constar de regulamentação autónoma ou ser arrumada no Código do Imposto do Selo, também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no CIRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indirecta, mas, na perspectiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com directa incidência sobre rendimentos.
Conclui-se, assim, que tanto à face do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, em que, em todas as suas versões, se referia que as tributações autónomas eram em «em IRS ou IRC» e não que outro tributo, como depois da sua inclusão no CIRC, as tributações autónomas de que são sujeitos passivos pessoas colectivas são consideradas IRC, pelo que lhes será aplicáveis as normas do CIRC que não contendam com a sua especial forma de incidência e taxas aplicáveis.
A esta luz, a Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, ao dizer, na redacção dada ao artigo 12.º do CIRC, que «as sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas», assentou manifestamente no pressuposto, que resultava explicitamente das várias redacções do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90 e da integração das tributações autónomas no CIRC operada pela Lei n.º 30-G/2000, de que estas tributações eram uma forma de tributação das pessoas colectivas em IRC, pois é essa a única justificação para que na nova redacção que foi dada ao artigo 12.º do CIRC se ter feito uma referência expressa a que a exclusão da tributação em IRC das entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal em IRC não se estende às tributações autónomas.
Esta conclusão que já se retirava com segurança, pelo menos a partir da Lei n.º 109-B/2001, de que as tributações autónomas se incluem no âmbito do IRC e lhe são potencialmente aplicáveis as regras gerais deste imposto é confirmada com o novo artigo 23.º-A, n.º 1, do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável» «o IRC, incluindo as tributações autónomas».
Na verdade, resulta do teor expresso do referido artigo 12.º do CIRC que as tributações autónomas se incluem no IRC, especificamente para o efeito de afastamento da dedução ao lucro tributável das quantias despendidas com o seu pagamento.
Por outro lado, apesar de esta referência expressa à inclusão das tributações autónomas só ter sido inserida com esta Lei n.º 2/2014, é seguro que tal inclusão já existia anteriormente, desde logo porque esta Lei não alterou o âmbito do IRC, designadamente os artigos 1.º e 3.º, a que a Requerente dá especial relevância para determinação do que é IRC.
Assim, tem de se concluir que o legislador exprimiu insistentemente a sua intenção de tributar em sede de IRC as despesas efectuadas por pessoas colectivas para que se prevê tributação autónoma e que não há qualquer suporte textual nas normas relativas a essas tributações para concluir que as despesas com o pagamento de tais tributações não seja considerado IRC.”
Não pode, assim, deixar de se considerar evidente que as tributações autónomas são IRC.
A aplicação das tributações autónomas e o RETGS
O RETGS é um regime especial e opcional de tributação de grupos de sociedades.
No âmbito deste regime, um conjunto de sociedades juridicamente independentes manifesta o seu acordo em ser tributada como se de uma entidade apenas se tratasse, podendo assim fazer diluir os lucros tributáveis apurados na esfera de algumas sociedades nos prejuízos fiscais apurados por outras sociedades .
Nos termos do disposto no artigo 120.º n.º 6 CIRC:
a) a sociedade dominante deve enviar a declaração periódica de rendimentos relativa ao lucro tributável do grupo apurado nos termos do artigo 70.º;
b) cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante, deve enviar a sua declaração periódica de rendimentos na qual seja determinado o imposto como se aquele regime não fosse aplicável.
Não obstante cada uma das sociedades que integra o grupo fiscal ser sujeito passivo de IRC, não pode deixar de se considerar que o grupo de sociedades é considerado sujeito passivo para efeitos de IRC, sendo a única entidade que tem a obrigação legal de pagar o IRC.
De referir que, o facto de o artigo 88.º n.º 14 CIRC fazer referência a «sujeitos passivos» e o CIRC não indicar os grupos de sociedades entre os sujeitos passivos indicados no seu artigo 2.º, não exclui a possibilidade de a interpretação daquela expressão os abranger (pode referir-se ao grupo fiscal ou a cada uma das sociedades que o integram), pois o artigo 18.º, n.º 3, da LGT atribui tal designação à «pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável». Ora, no caso de tributação dos grupos de sociedades o pagamento do IRC incumbe à sociedade dominante, em primeira linha, como decorre do artigo 115.º CIRC, pelo que esta é, também nessa qualidade, sujeito passivo de IRC .
As tributações autónomas constituem uma excepção à regra da tributação pelo rendimento real, incidem sobre despesas e visam quer evitar a erosão da base tributável de URC (incidem sobre encargos que podem ser dedutíveis, mas sofrem uma tributação agravada, tentando-se desincentivar a realização de tais despesas), quer penalizar despesas que se presumem de certa forma fraudulentas.
Conforme pode ler-se na decisão arbitral n.º 659/2014-T:
«Na verdade, pese embora ocorra neste caso uma aferição de prejuízos fiscais por declaração do Grupo fiscal, a verdade é que tal ocorre por opção própria do contribuinte que aceitou que o cálculo respetivo se processasse não de forma individual mas através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de modo a que, no final, apenas houvesse um único sujeito passive para efeitos de IRC.
Se desse regime de tributação resultar, num caso ou noutro, em tributação final mais gravosa do que aquela que poderia resultar da tributação final individual, tal consequência só ao contribuinte pode ser imputada.
Uma nota relativamente às derramas, para lembrar que estas foram desde há muito qualificadas pela Doutrina como impostos acessórios, embora autónomos. A Derrama Estadual e Municipal configuram hoje impostos acessórios e não meros impostos dependentes (pois elas são devidas ainda que o imposto principal, do qual dependem, não o seja), resultando do respetivo regime que incidem sobre o lucro tributável do imposto principal, mas não são nem se configuram como parte integrante, incindível, do próprio imposto principal - o IRC. As Derramas gozam pois, no ordenamento fiscal, de autonomia científica, seja sob a forma de impostos acessórios ou de adicionamentos, como é o caso das Derramas sob apreço, embora se trate de uma autonomia mitigada já que, de certo modo, vivem na dependência do imposto principal. Não configuram, todavia, o próprio IRC. (neste sentido ver CARDOSO MOTA, LEMOS PEREIRA, Teoria e Técnica Fiscal, 7.a ed. P. 46; SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, Coimbra editora, 1993, p. 215; CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, Almedina, p. 61, 62; ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, Princípios de direito fiscal português, col. 1, ed. Ática, 1964, p. 59).
Já as tributações autónomas, como muito o bem o refere a Requerente, são efetivamente, IRC, no sentido anteriormente definido como, de facto, inúmeras Decisões Arbitrais o têm confirmado e aqui se reafirma. Mas o artigo 88.° n.° 14 do CIRC não elege como critério para o agravamento o do pagamento de IRC, muito menos por tributações autónomas. Como se disse, esse critério é um só, a saber, o do “prejuízo fiscal”. São, pois os prejuízos relacionados com a atividade comercial que relevam e só estes. Pode é, certo, argumentar-se que algum IRC foi pago pelo grupo onde a Requerente se insere (cfr. artigo 150.° da p. i.), mas o facto é que esse IRC, não é um IRC sobre lucros mas um IRC por tributações autónomas. Isto é, um imposto por factos fiscalmente relevantes - gastos aceites como tal - que a lei deseja desincentivar. É, assim, um IRC devido pela relevação de gastos ou outras realidades sujeitas a tributação autónoma e, nessa medida, não se pode aferir que o grupo haja pago IRC sobre lucros no exercício sob consideração na justa medida em que apresentou “prejuízos fiscais”. Podem discutir-se, é também certo, os fundamentos dessa lógica, mas a verdade é que ela se nos apresenta de um modo claro, coerente e que não ofende de forma intolerável a ordem de valores que se pretende preservar. Assim, nada tem de estranho, ilegal ou inconstitucional o facto de haver “prejuízos fiscais” e, ao mesmo tempo, lugar ao pagamento de IRC por tributações autónomas atento o facto de uma e outra realidade se reportarem a aspetos diferenciados dessa ordem de valores que visam justamente preservar.»
Resulta do que vimos de expor que nada obsta a que se atribua a qualificação de sujeito passivo às sociedades dominantes dos grupos abrangidos pelo RETGS e se proceda à consideração dos prejuízos do grupo como facto determinante do agravamento da tributação autónoma. Neste sentido se pronunciaram já as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.º 659/2014-T, n.º 447/2015-T e n.º 630/2017-T.
O carácter interpretativo da norma e o Acórdão n.º 395/2017, do Tribunal Constitucional
Conforme já referido, a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, do n.º 20 ao artigo 88.º do CIRC, aditou o n.º 20 ao referido artigo 88.º CIRC, nos seguintes termos:
“Para efeitos do disposto no n.º 14, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades estabelecido no artigo 69.º, é considerado o prejuízo fiscal apurado nos termos do artigo 70.º.”
A esta norma foi atribuída natureza interpretativa pelo artigo 135.º daquele diploma, sendo que a norma vem tornar lei aquele que já era o entendimento da AT sobre este tema.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 13.º do Código Civil, “A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza.”.
É certo que a expressão «sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal» que consta do n.º 14 do artigo 88.º CIRC pode, literalmente, ser interpretada como reportando-se aos prejuízos do grupo ou aos de cada uma das empresas que os integram.
Por outro lado, e como já referido, o facto de o artigo 88.º, n.º 14, do CIRC fazer referência ao «sujeitos passivos» e o CIRC não indicar os grupos de sociedades entre os sujeitos passivos indicados no seu artigo 2.º, não exclui a possibilidade de a interpretação daquela expressão os abranger, pois o artigo 18.º, n.º 3, da LGT atribui tal designação à «pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável».
Demonstram ainda a falta de clareza da norma o facto de existir jurisprudência arbitral divergente sobre esta matéria (já indicada supra), bem como o facto de existir uma Informação Vinculativa proferida pela AT, datada de 30 de Março de 2012, no sentido que esta defende nos presentes autos.
Verifica-se, assim, que estamos perante uma norma interpretativa, que clarifica o sentido da norma, sentido este que, não sendo claro, já resultava possível perante a leitura do texto legal.
É certo que o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 395/2017, de 12 de Julho, decidiu “Julgar inconstitucional, por violação da proibição da retroatividade dos impostos, consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, o segmento normativo do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que atribui natureza interpretativa ao artigo 133.º do mesmo diploma, na parte em que vem fixar o sentido do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, nos termos do n.º 20 desse artigo.”.
No entanto, tendo tal Acórdão sido proferido no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade de uma norma aplicada num caso concreto (cfr. artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa), tal decisão apenas produz efeitos neste processo, não tendo força obrigatória geral (cfr. artigos 281.º e 282.º da Constituição da República Portuguesa).
Conforme resulta da decisão arbitral proferida no processo n.º 630/2017-T, que acompanhamos:
“56. Note-se, porém, que o Tribunal Constitucional apenas recusou um efeito interpretativo retroativo ao n.º 20 do artigo 88º do CIRC, impondo para o futuro a aplicação do artigo 88º n.º 14 do CIRC aos grupos de sociedades que optaram pela tributação do RETGS, ex vi n.º 20. Com esta decisão, o Tribunal Constitucional não considerou inconstitucional a solução do nº 20 – de aplicação do agravamento das tributações autónomas no âmbito do RETGS – nem considerou que a mesma era incompatível com o teor literal e a inserção sistemática do artigo 88º n.º 14 do CIRC. De resto, o Tribunal Constitucional deixou bem clara a sua posição sobre o “topos” da retroatividade leis interpretativas num outro aresto, o Acórdão nº 107/201815, versando sobre o alcance interpretativo retroativo do n.º 21 do artigo 88º do CIRC, relativo à proibição das deduções.
57. Com os seus pronunciamentos, o Tribunal Constitucional quis salvaguardar a liberdade interpretativa do julgador e a sua autoridade de dizer o direito de maneira definitiva no caso concreto, respeitando plenamente a sua autonomia hermenêutica e metódica. No que respeita especificamente à aplicação do artigo 88º n.14 aos grupos de sociedades, o Tribunal Constitucional teve ocasião de se pronunciar especificamente sobre a questão da respetiva conformidade com a Constituição, tendo sustentado que “se uma sociedade que apresenta lucros normalmente tributáveis no âmbito do IRC, retira vantagens fiscais, através do RETGS, do facto de o grupo fiscal que integra apresentar prejuízo, é natural que veja agravada as taxas de tributação autónoma incidentes sobre despesas que o legislador presume serem, em muitas situações, dispensáveis ou fraudulentas. Assim é não apenas porque, ao incorrer nessas despesas, a sociedade reduz a sua contribuição para mitigar as perdas do grupo que integra e de cujos resultados negativos beneficia no plano fiscal, como porque as relações de interdependência e dominação próprias dos grupos societários podem facilmente ditar que as despesas tributadas sejam realizadas, não pela sociedade a que substancialmente se destinem, mas por aquela(s) sociedade(s) do grupo que, por não apresentar prejuízos, está em posição de minimizar os encargos de todo o grupo com tributações autónomas. A solução consagrada no artigo 88.º, n.º 14, na interpretação impugnada pela recorrente, corresponde, deste modo, à necessidade de articulação entre o regime da tributação do lucro e a regulação dos incentivos fiscais através das tributações autónomas.”
58. Assim sendo, nada impede que o presente tribunal arbitral de considerar que a norma do artigo 88º do 14 do CIRC aplicável aos grupos de sociedades abrangidos pelo RETGS, no período fiscal de 2014, por entender que essa interpretação é inteiramente compatível com o conceito de sujeito passivo aí consagrado e com uma interpretação jurídico-económica das tributações autónomas e do regime jurídico dos grupos de sociedades e que essa interpretação não contende com os princípios da legalidade tributária, da igualdade material, da proibição do excesso e da segurança jurídica e proteção da confiança dos cidadãos.”.
C. DECISÃO
Termos em que decide Tribunal Arbitral julgar improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:
a. Manter na ordem jurídica a decisão proferida em sede de Reclamação Graciosa;
b. Considerar, consequentemente, prejudicada a apreciação e decisão da questão levantada quanto a juros indemnizatórios;
c. Condenar a Requerente nas custas do processo.
D. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €38.644,42, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.836, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que a mesma deu causa à presente acção arbitral, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 2 de Outubro de 2019
O Árbitro
(Marta Gaudêncio)