DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Dr. Henrique Nogueira Nunes designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 6 de Fevereiro de 2019, acorda no seguinte:
I – Relatório
1.1. A..., com o número de identificação fiscal ..., doravante designada por “Requerente”, requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).
1.2. O pedido de pronúncia arbitral, tal como inicialmente configurado, tem por objecto a anulação parcial da liquidação de IRS com o n.º 2018..., no valor de € 12.617,32, mais requerendo a restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
1.3. A fundamentar o seu pedido imputa o Requerente, em síntese, os seguintes vícios:
(i) Não se pode conformar com esta liquidação, porquanto a mesma, conforme se verá, representa um tratamento fiscal discriminatório, violando frontalmente regras de Direito da União Europeia (“EU”) a que Portugal, na qualidade de Estado-Membro, se encontra vinculado.
(ii) E que o tratamento diferenciado entre residentes – para quem os ganhos decorrentes da alienação de concorrem para os rendimentos tributáveis do sujeito passivo em apenas 50% do respetivo valor – e não residentes – cuja base tributável neste tipo de casos é de 100% do ganho – configura, no seu entender, uma situação de discriminação inadmissível à luz do Direito da EU.
(iii) E que, in casu, se está perante estamos perante uma situação de discriminação evidente consubstanciando uma clara restrição ao exercício da liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE sem qualquer justificação aceite pelo TJUE.
(iv) E que o próprio STA, apoiando-se no entendimento no caso Hollmann, já sustentou que “o n.9 2 do art. 43.9 do CIRS, a limitar a residentes em território nacional, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRS, a redução de 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas em cada ano é incompatível com o referido art. 56.9 [atual 63.º TFEU]” (vide acórdão proferido no processo n.º 01172/14 de 03.02.2016, que se junta à presente Impugnação como documento n.º 8 e, no mesmo sentido, o acórdão proferido no processo n.º 0439/06, de 16.01.2008.
(v) Pelo que sustenta que perante restrição tão manifesta da liberdade de circulação de capitais exposta no artigo 43.º n.º 2 do CIRS, é de elementar inferência que a liquidação impugnada configura uma violação do direito da UE devendo necessariamente ser corrigida.
(vi) Por todo o exposto pugna pela anulação parcial do acto tributário em crise nos autos com todas as consequências legais, bem como como peticiona o pagamento de juros indemnizatórios.
1.4. A Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, respondeu, em síntese, como segue:
(i) Vem defender-se por impugnação.
(ii) Que o n.° 8 (atual n.º 10) do artigo 72.º do CIRS, aditado pela Lei n.0 67-A/2007, de 31/12, prescrevia, à data dos factos, que:
«10- Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.» (destaque nosso)
(iii) E que por força da alteração introduzida pelo Orçamento de Estado para 2008, as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de Janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, têm um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68° do Código do IRS.
(iv) E que o Requerente não exerceu essa faculdade, podendo fazê-lo.
(v) Pugna pelo reenvio para o TJUE, alegando que o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias C-443/06, de 2007OUT11, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.° 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72 ° do Código do IRS pela Lei n.° 67-A/2007, de 31/12.
(vi) Sustenta que após a decisão proferida no Acórdão C-443/06 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11 (Hollmann), o legislador nacional procedeu à adaptação da legislação nacional à decisão ali sufragada, aditando ao artigo 72° do Código do IRS
(vii) E que a decisão proferida no Acórdão Hollmann, refere-se a situações ocorridas na vigência da redação anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, do artigo 72º do Código do IRS.
(viiii) Alega que a alteração legislativa introduzida ao do artigo 72º do Código do IRS pela Lei n.º 67- A/2007, de 31/12, não foi ainda alvo de apreciação pelo TJUE, em sede de reenvio prejudicial, para efeitos de apreciação do cumprimento das disposições conjugadas dos artigos 18.°, 63.°, 64.° e 65.° TFUE.
(ix) Razão pela qual, a alteração introduzida ao artigo 72.° do Código do IRS pela Lei n.° 67-A/2007, de 31/12, sanou o vício de que padecia a legislação nacional, nos termos julgados pelo referido Acórdão, conforme artigo 61 do decisório, a saber:
«61 - Face às considerações expostas, importa responder à questão colocada que o artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel»
(x) Em suma entende que a alteração operada por via da introdução dos atuais n.º 9 e 10 do artigo 72.º do Código do IRS, veio permitir que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que optem pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território.
(xi) Não entendendo o Tribunal Arbitral pela improcedência do pedido, pugna pela suspensão da instância arbitral e a sujeição da questão ao Tribunal de Justiça, nos termos previstos no instituto do reenvio prejudicial (artigo 267.º do TFUE), a que o Estado Português se vinculou nos termos do TFUE.
1.5. Em 22-03-2019 o Requerente respondeu ao pedido de reenvio formulado pela Requerida na sua Resposta opondo-se fundamentadamente ao mesmo. Na mesma data, por despacho arbitral, foi a Requerida notificada para responder, querendo, o que fez em 05-04-2019, reforçando o seu pedido de reenvio com a apresentação das questões concretas a submeter em sede de reenvio. Por despacho arbitral datado de 27-06-2019 foi o Requerente notificado para se pronunciar sobre o teor das questões concretas sugeridas pela Requerida, o que fez em 09-07-2019.
1.6. Entendeu o Tribunal dispensar a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral conforme despacho arbitral notificado às partes de acordo com o disposto no artigo 18.º do RJAT.
Por Despacho Arbitral datado de 11-07-2019, ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar Alegações, querendo, tendo ambas optado por fazê-lo reforçando as suas posições. Em face das férias judiciais foi prorrogado por dois meses o prazo legal para efeito de prolação da decisão arbitral.
* * *
1.7. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não foram identificadas nulidades no processo.
2. QUESTÕES A DECIDIR
1. Pedido de reenvio prejudicial efectuado pela Requerida.
2. Pedido de suspensão de instância formulado pela Requerida já em sede de Alegações invocando o pedido de reenvio feito no processo arbitral n.º 598/2018-T.
3. O regime previsto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com a redação à data dos factos em causa nos autos, ao prever que os sujeitos passivos não residentes em Portugal sejam tributados sobre a totalidade das mais-valias imobiliárias realizadas em Portugal ao contrário do regime previsto para os sujeitos passivos residentes que são tributados em 50% é violador do Direito da União Europeia e como tal ilegal.
3. MATÉRIA DE FACTO
Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:
a) No ano fiscal de 2017, o Requerente residiu e exerceu a sua atividade profissional na Eslováquia, conforme resulta do contrato de arrendamento de imóvel em Bratislava, bem como do contrato de trabalho, junto aos autos (cfr. Documento n.° 1 e Documento n.° 2 juntos pelo Requerente).
b) No decurso do ano fiscal de 2017, concretamente em 02.03.2017, o Requerente alienou pela quantia de € 192.000,00 um imóvel sito em território português de que era proprietário (cfr. escritura pública de venda junta aos autos pelo Requerente como Documento n.° 3).
c) O Requerente adquiriu o referido imóvel pelo preço de € 100.000,00 (cfr. Documento n.º 4 junto aos autos pelo Requerente onde consta o valor de aquisição).
d) O Requerente declarou ao Estado Português, em 02.05.2018, o ganho havido com a referida alienação, através da submissão da declaração de IRS modelo n.° 3 (cfr. documento n.° 4 junto aos autos pelo Requerente).
e) O Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.° 2018..., do qual resultou um valor a pagar de € 25.234,74 (cfr. documento n.° 5 junto aos autos pelo Requerente).
f) O Requerente efectuou o pagamento da liquidação de imposto em causa em 28.08.2018, conforme resulta do respetivo comprovativo de pagamento junto aos autos pelo Requerente (cfr. Documento n.° 6).
g) O Requerente selecionou no campo B do Quadro 8 da declaração modelo n.º 3, a opção “não residente”, em conformidade com o seu registo cadastral e, bem assim, com a sua situação pessoal, porquanto no ano fiscal de 2017 residiu fora de Portugal (cfr. Documento n.º 4 junto aos autos pelo Requerente).
h) No dia 28 de Novembro de 2018, o Requerente apresentou requerimento de constituição do Tribunal Arbitral junto do CAAD – cf. requerimento electrónico no sistema do CAAD.
4. FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem outros factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.
5. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.
De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo Requerente enquanto autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artº.371º, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
6. DO DIREITO
Como bem diz a Recorrida, a questão em causa nos autos é essencialmente de direito, inexistindo matéria de facto controversa.
A questão de fundo a apreciar, consiste em saber se a norma estabelecida pela legislação nacional no artigo 43.º do CIRS, consagra uma diferenciação entre residentes e não residentes, e em concreto, se a base de incidência em IRS das mais-valias derivadas da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis é (in)compatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o qual corresponde ao artigo 56.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes.
i. Começando por analisar a primeira questão colocada à apreciação do Tribunal.
O instituto do reenvio prejudicial, previsto no artigo 267.º do TFUE, pode ser utilizado por este Tribunal Arbitral como, aliás, já foi reconhecido pelo TJUE no processo C-377/13, de 12 de junho de 2014.
Nestes termos, e de acordo com o referido artigo 267.º, sempre que uma questão sobre a interpretação dos Tratados ou sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Ou seja, os tribunais nacionais – onde se inclui este Tribunal – devem proceder ao reenvio de questões prejudiciais, conforme previsto no artigo 267.º do TFUE - em consequência de questões ou dúvidas relativas à validade ou interpretação de normas de direito da União Europeia.
Tal significa que, não se suscitando quanto às normas em questão quaisquer dúvidas ou tendo as mesmas sido já esclarecidas pelo TJUE – considerando, nomeadamente a chamada “teoria do acto claro” (cfr. acórdão do TJUE CILFIT, de 6 de outubro de 1982, processo C-283/81) –, não devem os tribunais nacionais proceder ao reenvio prejudicial.
Assim, se já existir (i) jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou (ii) quando o modo correto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco, um órgão jurisdicional nacional pode e deve decidir.
Como e bem se decidiu no aresto proferido no processo n.º 600/2018-T, onde idêntica questão foi submetida à apreciação desse Tribunal:
“(…)No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81. Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º 14).
No caso em apreço, conclui-se com segurança da reiterada jurisprudência do TJUE que a ilegalidade da aplicação do regime discriminatório não é sanada pela possibilidade do seu afastamento, o que dispensa a necessidade de reenvio prejudicial.
Aliás, o Supremo Tribunal Administrativo, no recente acórdão de 20-02-2019, processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, sem aventar a necessidade de reenvio, concluiu pela ilegalidade do regime que resulta da conjugação do artigo 43.º, n.º 2, com o artigo 72.º do CIRS, relativamente a uma situação em que as mais-valias foram realizadas em 2010, portanto já na vigência da Lei n.º 67-A/2007.”.
No caso sub judice, entende-se não ser necessário proceder ao reenvio ao TJUE de supostas dúvidas sobre interpretação de normas de Direito da União Europeia que no juízo que este Tribunal faz inexistem.
ii. Quanto ao pedido de suspensão de instância formulado pela Requerida já em sede de Alegações invocando o pedido de reenvio feito no processo arbitral n.º 598/2018-T entende este Tribunal indeferir o mesmo porquanto, determinando o não reenvio pelas razões melhor fundamentadas no ponto anterior, não se vê como poderia este Tribunal decidir a suspensão da instância que, in casu, não teria qualquer utilidade.
Acresce referir que o reenvio prejudicial determinado por outro Tribunal Arbitral não obriga este Tribunal Arbitral a determinar a suspensão da instância visto que esse é um poder discricionário do julgador.
iii. Entrando agora na questão de fundo, a saber se o regime previsto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com a redação à data dos factos em causa nos autos, ao prever que os sujeitos passivos não residentes em Portugal sejam tributados sobre a totalidade das mais-valias imobiliárias realizadas em Portugal ao contrário do regime previsto para os sujeitos passivos residentes que são tributados em 50% é violador do Direito da União Europeia e como tal ilegal.
Ou seja, por outras palavras, se a diferenciação prevista pelo legislador nacional é ou não conforme com o direito comunitário, maxime com a liberdade de circulação de capitais e com o princípio da não discriminação, previsto nos artigos 63º e 18º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
A questão de direito que aqui se coloca tem vindo a ser objeto de decisão pelos Tribunais Arbitrais a funcionar junto do CAAD, e até de jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo, indo a jurisprudência uniforme no sentido de considerar a tributação de mais-valias obtidas por não residentes ilegal por incompatibilidade do número 2 do artigo 43.º do CIRS com o artigo 63.º do TFUE, dado que restringe a tributação de 50% das mais-valias a residentes fiscais em Portugal (neste sentido - Processos n.ºs 600/2018-T; 613/2018-T; 627/2018-T, 55/2019-T; 63/2019-T e 67/2019-T. e Acórdão do STA proferido no processo n.º 0901/11.0BEALM) enquadramento que, diga-se desde já, este Tribunal acompanha.
O artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia estabelece o seguinte:
Artigo 63.º
(ex-artigo 56.º TCE)
1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
O TJUE considerou incompatível com o Direito da União, por se tratar de um tratamento diferenciado incompatível com a livre circulação de capitais garantida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (anterior artigo 56.º), o regime do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, no processo C-443/06, acórdão de 11-10-2007, Hollmann vs Fazenda Pública, por tributar as mais-valias de contribuintes não residentes a uma taxa fixa (em 2017, de 28 %), enquanto os residentes estão sujeitos a um imposto progressivo sobre o rendimento.
Nesse acórdão entendeu-se que é incompatível com a norma que assegura aquela liberdade de circulação de capitais ( ) um regime que «sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».
Esta jurisprudência foi reafirmada no Despacho do TJUE (sétima secção) de 06-09-2018, processo C 184/18, em que se entendeu que «uma legislação de um Estado Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais valias realizadas por um residente naquele Estado Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».
No entanto, esta última decisão foi também proferida tendo como pressuposto a redacção do artigo 72.º introduzida pela Lei n.º 109 B/2001, de 27 de Dezembro, anterior à Lei n.º 67-A/2007.
Observa a Requerida que após a prolação do Acórdão Hollmann foi introduzido no sistema tributário português uma opção de equiparação com a qual se pretendia afastar o juízo de discriminação do TJUE sobre a previsão restritiva do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS aplicável aos sujeitos passivos residentes.
Deste modo, a Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2008), introduziu os n. os 7 e 8 do artigo 72.º do Código do IRS estabelecendo um regime opcional de equiparação dos não residentes (estes devendo ser residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu) aos residentes.
Posteriormente, face à remuneração operada pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro estes dispositivos passaram a n.ºs 9 e 10, dispondo à data, ano de 2017, o seguinte:
«9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.
10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.».
No entanto, no entendimento deste Tribunal estas alterações à lei não afastam a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS em causa.
De facto, atualmente, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos n.ºs 1 e 8 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais:
i. O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e
ii. O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS.
Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa, no entendimento deste Tribunal.
Neste sentido, o TJUE considerou, no Acórdão Gielen, de 18/03/2010 (Processo C-440/08), num caso de evidente paralelismo (ainda que naquele acórdão estivesse em causa a violação do artigo 49.º), o seguinte:
a. «a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório», frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.».
b. «o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório».
c. O Tratado «se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes».
Assim, o que essencialmente releva para este efeito é saber se existe ou não uma discriminação negativa na aplicação ao Requerente do regime que lhe foi aplicado.
O regime previsto por defeito (na falta de opção) no n.º 1 do artigo 72.º é mais oneroso para os não residentes do que para os residentes, pois enquanto a taxa máxima aplicável às mais-valias realizadas por residentes é de 24% do seu valor (taxa máxima de 48% prevista no artigo 68.º, aplicável a 50% do saldo das mais-valias), a taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS é de 28%, aplicável à totalidade do saldo.
Na verdade, à matéria tributável do Requerente no valor de € 90.124,07 correspondeu IRS a pagar no valor de € 25.234,74 à taxa de 28% aplicável aos não residentes, enquanto mesmo aplicando a taxa máxima de 48% (e a taxa média é necessariamente menor pois a cada escalão corresponde a respectiva taxa) a metade daquela matéria tributável o imposto a pagar pelo Requerente seria de € 21.629,78 (45.062,04 x 48%) mesmo considerando o exercício teórico de aplicação da taxa marginal máxima de IRS a qual nem seria aplicável tout court ao valor do rendimento global em causa nos autos.
Por outro lado, mesmo considerando a taxa adicional de solidariedade prevista no artigo 68.º-A, n.º 1, do CIRS de 2,5% aplicável à parte que excede 80.000 [(90.124,07 - 80.000) x 2,5% = 253,10] e a já extinta sobretaxa extraordinária de 3,21%, prevista no artigo 194.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, aplicável à parte que excede o valor anual da retribuição mínima mensal garantida de 7.798,00 [(90.124,07 – 7.798) x 3,21% = 2.642,66), conclui-se que aplicando o regime dos residentes o Requerente pagaria de IRS, no exercício teórico que estamos a realizar, o valor € 24.525,54 , menos, portanto, do que o valor de € 25.234,74 que lhe foi liquidado.
Consequentemente, a existência deste regime, ainda que opcional, para além de criar um ónus adicional nos contribuintes não residentes face aos residentes - o qual consiste na necessidade do exercício dessa opção - não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS ora impugnada.
Assim, seguro é concluir que o regime de tributação a taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, na redacção vigente em 2017, é incompatível com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, porquanto constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado.
Foi este regime negativamente discriminatório para os não residentes que foi aplicado na liquidação impugnada.
O que, e bem, foi confirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo, como já se identificou no presente aresto, no acórdão datado de 20-02-2019, proferido no processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17 , em que se concluiu pela ilegalidade do regime que resulta da conjugação do artigo 43.º, n.º 2, com o artigo 72.º do CIRS, relativamente a uma situação em que as mais-valias foram realizadas em 2010, portanto já na plena vigência da Lei n.º 67-A/2007.
Pelo exposto, é de concluir que é ilegal a tributação nos termos em que foi efectuada na liquidação impugnada, o que justifica a sua anulação parcial, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
O Requerente vem igualmente formular pedido de restituição da quantia em excesso liquidada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como o pagamento de juros indemnizatórios.
Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Sendo de julgar procedente o presente pedido arbitral, concluiu-se pela existência de pagamento indevido e, consequentemente justifica-se a restituição da quantia paga em excesso pelo Requerente nos autos e o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
Face ao exposto, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o Requerente tem direito aos juros indemnizatórios, juros estes que devem ser contabilizados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito, cujo prazo para pagamento se conta da data de início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (n.º 4 e 5 do artigo 61.º do CPPT), à taxa referida no n.º 4.º do artigo 43.º da LGT.
7. DECISÃO
Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral Singular em:
- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade parcial da liquidação de IRS com o n.º 2018..., no valor de € 25.234,74, e condenar a AT a restituir ao Requerente o valor de imposto pago em excesso, no valor de € 12.617,32, acrescido de juros indemnizatórios.
* * *
Fixa-se o valor do processo em Euro 12.617,32, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.
Condena-se a Requerida em custas no montante de Euro 918,00 ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 30 de Setembro de 2019.
O Árbitro,
(Henrique Nogueira Nunes)
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.