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REENVIO PREJUDICIAL   |
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DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 20 de dezembro de 2017, Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro-presidente), Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares (designado pela A..., S.A.) e Prof. Doutor Américo Brás Carlos (designado pela AT), acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
A..., S.A., pessoa coletiva número..., com sede na ..., n.º..., ...– Piso..., ...-... ..., doravante designada por “Requerente”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. Neste âmbito, optou por designar árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 6.º, n.º 2, alínea b) e 11.º do RJAT, tendo deduzido os seguintes pedidos:
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Declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de IRC e de juros compensatórios relativas aos exercícios de 2013 e 2014, emitidas sob os n.ºs 2017 ... (€ 174.370.59) e 2017 ... (€ 484.872,29), respetivamente, das quais resultou um acerto de contas global na importância de € 717.754,38; e
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Condenação da AT em indemnização pelas despesas incorridas com a prestação e manutenção de garantias bancárias.
A Requerente, no uso da faculdade prevista no citado artigo 6.º, número 2, alínea b) do RJAT, designou o árbitro Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares, tendo a AT, observando o disposto no artigo 11.º, n.º 2 do RJAT, designado o Prof. Doutor Américo Brás Carlos.
Na falta de acordo, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro presidente a Dra. Alexandra Coelho Martins.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT. Todos os árbitros comunicaram a sua aceitação no prazo aplicável. As partes, oportunamente notificadas, não manifestaram vontade de recusar as designações.
O tribunal arbitral coletivo foi constituído em 20 de dezembro de 2017, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
A Requerente alega como causa de pedir os seguintes vícios:
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Violação de lei por erro nos pressupostos, decorrente da não aceitação, como gastos financeiros fiscalmente dedutíveis, dos juros incorridos pela Requerente relativos a um empréstimo anteriormente contraído pela sociedade B... S.A., entidade que veio a ser incorporada por fusão na Requerente (fusão inversa). Este empréstimo havia sido contraído para aquisição das participações sociais da própria Requerente.
Entende a Requerente que a aferição da indispensabilidade dos gastos financeiros deve ser efetuada por referência à entidade que originariamente obteve o empréstimo e ao momento em que o contraiu, não existindo fundamento para que, por mero resultado da fusão, os juros deixem de ser fiscalmente dedutíveis.
Assim, sustenta que os referidos juros “foram contraídos no âmbito da atividade e no interesse da Requerente em operações suscetíveis de gerar proveitos tributáveis” e derivam de forma inevitável dos efeitos jurídicos da fusão, pelo que, em seu entender, a posição da AT consubstancia uma incorreta interpretação e aplicação do conceito de indispensabilidade previsto no artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) do Código do IRC, e viola o regime da neutralidade fiscal;
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Violação dos princípios constitucionais da legalidade tributária e da capacidade contributiva na sua vertente de tributação pelo lucro real – cf. artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) e 104.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa (“CRP”);
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Absoluta falta de fundamentação e erro material de quantificação no cálculo efetuado pela AT na determinação da componente de juros hipoteticamente não dedutíveis associados ao financiamento da aquisição das participações sociais da Requerente, não observando o disposto nos artigos 77.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 268.º, n.º 3 da CRP; e
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Absoluta falta de fundamentação e erro material de quantificação no cálculo efetuado pela AT, por desconsiderar, sem justificação, prejuízos fiscais reportáveis da Requerente, em violação dos artigos 77.º da LGT e 52.º do Código do IRC.
A AT apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente e juntou o processo administrativo. Considera, para tal, que:
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Com a concreta operação de fusão não foi transmitido qualquer ativo para a esfera da Requerente, apenas tendo sido registado um aumento da valorização dada ao centro comercial, que já era sua propriedade, em contrapartida do aumento do passivo por incorporação do empréstimo que havia servido para adquirir as suas ações [da Requerente] pela sociedade incorporada. Tratou-se, assim, de uma operação de debt-push-down que colocou na posição de devedora a própria sociedade adquirida, não se encontrando o financiamento afeto à exploração da atividade da Requerente, aproveitando antes a um terceiro, no caso, a sua sócia única;
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Da operação de fusão derivou a dissociação entre o empréstimo e a aquisição de partes sociais, pelo que implicou o desaparecimento da conexão que existia entre os juros e a atividade empresarial desenvolvida pela entidade que contabiliza(va) esses encargos;
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A incorporação do empréstimo por virtude da fusão contribuiu para o aumento dos encargos financeiros suportados pela Requerente, sem ser suscetível de potenciar o aumento do seu lucro, pelo que esses encargos não são indispensáveis à realização de rendimentos sujeitos a IRC, nem têm qualquer relação justificada com a atividade produtora da Requerente;
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O teste da indispensabilidade deve ser efetuado em relação à sociedade cujos gastos estão em consideração;
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A imputação temporal dos juros efetuada de acordo com o princípio da especialização dos exercícios implica a determinação da sua indispensabilidade com referência a cada exercício. O facto de os gastos serem indispensáveis num dado momento não significa, por si só, que tenham de o ser em exercícios futuros, nos termos da análise conjugada do disposto nos artigos 18.º, n.º 1 e 23.º, n.º 1, ambos do Código do IRC;
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O regime da neutralidade fiscal não contempla a dispensa do crivo da dedutibilidade dos gastos e perdas que, após a fusão, surjam na esfera da sociedade incorporante;
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Não se verifica a ofensa a quaisquer princípios constitucionais, porquanto não só a interpretação defendida pela Requerida tem enquadramento no artigo 23.º do Código do IRC, como é a submissão da dedutibilidade dos custos ao teste da indispensabilidade que conduz ao rendimento real da Requerente; e, por fim,
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O critério de repartição dos juros está fundamentado no Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) e assenta numa linear proporção.
Em 21 de Fevereiro de 2018, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual foram produzidas as alegações orais fixando-se o dia 30 de abril como data limite para prolação da decisão.
Subsequentemente, a Requerente apresentou requerimento de modificação objetiva da instância e de alteração do valor da causa, sobre o qual o Tribunal Arbitral se pronunciou, relegando o seu conhecimento para a decisão a proferir a final.
O Tribunal decidiu, ainda, prorrogar o prazo previsto no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT por dois meses, i.e., até 20 de agosto de 2018, atenta a complexidade das questões técnicas suscitadas, incluindo o eventual reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia para aferição da (des)conformidade da não dedutibilidade dos encargos financeiros na esfera jurídica da sociedade beneficiária da fusão, com o regime da Diretiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, entretanto substituída pela Diretiva 2009/133/CE do Conselho, de 19 de outubro de 2009, do que foram as partes notificadas e ao que não se opuseram.
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SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades, não tendo sido suscitadas questões prévias.
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FUNDAMENTAÇÃO
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MATÉRIA DE FACTO
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:
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A A..., S.A., adiante “A...” ou Requerente, é uma sociedade comercial que exerce a atividade de exploração, administração e gestão de centros comerciais e lojas, podendo acessoriamente dedicar-se à compra e venda e arrendamento de imóveis e está enquadrada no Regime Geral para efeitos de IRC – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), constante do processo administrativo (“PA”).
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Em concreto, a Requerente tem-se dedicado à exploração, administração e gestão do Centro Comercial ...– cf. RIT e informação financeira constante dos Docs. 3 a 17 juntos pela Requerente.
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No exercício de 2000, data em que teve início o processo de constituição da sociedade Requerente, foi celebrado pelos seus acionistas e em representação desta (ainda a constituir) um contrato de construção da galeria do Centro Comercial ..., no valor de € 53.360.787,00, localizado na área metropolitana do Porto – cf. RIT e Anexo ao Doc. 3 junto pela Requerente.
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Após a constituição formal da Requerente, concluída no ano 2002, e para que pudesse custear a construção do Centro Comercial ..., ativo imobiliário que ficou na sua titularidade, a Requerente obteve financiamento por via de suprimentos das duas acionistas – a C... e a D...– em partes iguais, por empréstimo no referido valor da construção – cf. RIT e Docs. 4 e 5 juntos pela Requerente.
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Em Julho de 2003, a acionista C..., que detinha 50% do capital social da Requerente, foi alienada à sociedade E..., S.A., pertencente ao Grupo E..., de base francesa, presente no principal índice bolsista francês CAC 40, que, assim, passou a deter indiretamente 50% da Requerente, como de seguida ilustrado. Foram também transferidos os respetivos créditos – cf. RIT e Anexo 2 ao Doc. 3 junto pela Requerente:
100%
50% 50%
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Em junho de 2005, a C... e a D... constituíram a sociedade F..., para onde transferiram, mediante contribuição em espécie, as participações que detinham na Requerente e os respetivos créditos, àquela data no valor de € 47.486.435,00, ficando com a configuração seguinte – cf. RIT e Anexo 2 ao Doc. 3 junto pela Requerente:
100%
50% 50%
100%
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Em julho de 2009, a D... vendeu à C... a sua participação na F..., representativa de 50% do capital da Requerente, passando a F... a ser detida a 100% pela C... como infra ilustrado – cf. RIT e Anexo 2 ao Doc. 3 junto pela Requerente:
100%
100%
100%
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Ainda em julho de 2009, no âmbito de uma reestruturação interna do grupo E..., a F... alienou a preço de mercado, pelo montante global de € 69.884.000,00, a sua participação na Requerente à sociedade B..., S.A., constituída em abril de 2009 com o capital social de € 50.000,00 e detida a 100% pela G..., SGPS, S.A. que, por sua vez, era detida em 100% pela E..., S.A., ficando o Grupo em Portugal com a seguinte estrutura – cf. RIT e Anexo 2 ao Doc. 3 junto pela Requerente:
100% 100%
100% 100%
100%
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Para que a sociedade B..., S.A., pudesse adquirir as ações da Requerente à F..., a G..., SGPS, S.A. concedeu à primeira [B...] um empréstimo no referido valor de aquisição das participações, de € 69.884.000,00 – cf. RIT e Doc. 5 junto pela Requerente.
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Acresce que o crédito remanescente que a F... ainda detinha sobre a Requerente, no valor de € 35.817.057,30, referente ao empréstimo inicialmente concedido para a construção do centro comercial, foi cedido à G..., SGPS, S.A. – cf. RIT e Doc. 5 junto pela Requerente.
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Em 18 de Novembro de 2009 a Requerente absorveu, através de fusão por incorporação, a sua sócia única B..., S.A., passando a ser detida diretamente (era-o indiretamente) em 100% pela G..., SGPS, S.A., conforme de seguida graficamente ilustrado – cf. RIT e Anexo 4 ao Doc. 3 junto pela Requerente:
100%
100%
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A operação de fusão foi efetuada mediante a transferência global do património (ativo e passivo) da sociedade B..., S.A. (incorporada) para a Requerente (incorporante), incluindo as respetivas dívidas e encargos financeiros, produzindo efeitos (retroactivos) a 22 de abril de 2009 – cf. RIT e Anexo 4 ao Doc. 3 junto pela Requerente.
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Deste modo, o empréstimo concedido à B..., S.A. pela G..., SGPS, S.A., no valor de € 69.884.000,00, para aquisição das ações representativas do capital da Requerente, foi transferido com a operação de fusão para a esfera da Requerente, consolidando-se com o remanescente (ainda não pago) do empréstimo inicialmente concedido, no valor de € 35.817.057,30, para a construção do centro comercial. Assim, a G..., SGPS, S.A. ficou com um crédito consolidado sobre a Requerente no valor total de € 104.937.330,91 – cf. RIT e Docs. 5 e 6 juntos pela Requerente.
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Como contrapartida do incremento do passivo da Requerente no valor de € 69.884.000,00 foi registado o aumento da valorização dada ao Centro Comercial. Não foi transferido qualquer ativo da sociedade incorporada para a esfera da Requerente, pois o único ativo que aquela (incorporada) detinha era a participação financeira na Requerente – cf. RIT e Docs. 5 e 6 juntos pela Requerente.
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O referido empréstimo consolidado que após a fusão se cifrava em € 104.937.330,91 tem vindo gradualmente a diminuir em virtude dos reembolsos efetuados, conforme quadro infra – cf. RIT e Docs. 3 e 6 a 12 juntos pela Requerente:
EXERCÍCIO
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VALOR DO EMPRÉSTIMO (€)
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GASTOS DO PERÍODO (€)
CONTAS #68 E #69
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2009
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104.937.330,90
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3.170.956,94
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2010
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87.475.289,85
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4.629.732,19
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2011
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81.829.630,04
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4.126.028,07
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2012
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76.083.658,00
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3.795.540,00
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2013
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77.356.771,68
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3.673.438,01
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2014
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70.022.636,41
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3.607.234,24
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Os encargos totais com juros, contabilizados e reconhecidos como gastos pela Requerente, ascenderam a € 3.673.438,00, no exercício de 2013, e a € 3.607.234,24, quanto ao exercício de 2014, tendo sido calculados com a mesma taxa de juro aplicada sobre a totalidade do valor do empréstimo – cf. RIT e Anexo 6 ao Doc. 3 e Docs. 10 e 11 juntos pela Requerente.
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A Requerente não acresceu estes valores no quadro 07 das Declarações Modelo 22 submetidas com referência aos exercícios de 2013 e 2014 – cf. RIT.
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Na sequência das ordens de serviço n.ºs OI2017... e OI2017..., com despacho de 24 de janeiro de 2017, a Requerente foi alvo de uma ação de inspeção externa aos exercícios de 2013 e 2014, de âmbito parcial, em sede de IRC (depois alargada ao IVA), para análise dos financiamentos efetuados por empresas do grupo e dos correspondentes encargos financeiros, reconhecidos como gastos. Os atos externos de inspeção decorreram de 2 de fevereiro de 2017 a 7 de abril de 2017 (cf. RIT e Doc. 13 junto pela Requerente).
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Em 10 de maio de 2017, após o decurso do procedimento de inspeção e não tendo exercido o seu direito de audição, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspeção Tributária (“RIT”) que preconiza os seguintes ajustamentos à sua matéria coletável de IRC (cf. RIT constante do PA também junto pela Requerente como Doc. 3):
EXERCÍCIO
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RESULTADO FISCAL
(LUCRO/PREJUÍZOS)
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AJUSTAMENTO PROPOSTO
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MATÉRIA COLECTÁVEL CORRIGIDA
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2013
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(€ 585.628,31)
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€ 2.461.203,15
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€ 1.875.575,15
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2014
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€ 839.812,42
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€ 2.416.846,94
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€ 3.256.659,36
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Constitui fundamento das correções efetuadas à matéria coletável de IRC da Requerente a desconsideração dos juros por esta suportados nos exercícios em referência, na parte proporcional atribuível ao empréstimo contraído pela B..., S.A. para aquisição da totalidade das ações representativas do capital social da Requerente, empréstimo que, por via da fusão por incorporação da B..., S.A. em 2009, acabou por transitar para a esfera patrimonial da própria Requerente – cf. RIT.
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Neste âmbito, sem pôr em causa que a Requerente tivesse de assumir todos os encargos que a sociedade incorporada detinha, o RIT sustenta que: “os encargos financeiros decorrentes não contribuíram para a realização dos proveitos ou ganhos e para a manutenção da fonte produtora da A..., uma vez que aquele empréstimo quando contraído, foi utilizado apenas para pagamento das ações da A..., já que o único ativo da A... era precisamente a participação do capital da A... (…). Resumindo, aqueles encargos não estão relacionados com a atividade da A...e sim com uma firma B..., sendo dispensáveis para a realização dos proveitos do A... .” – cf. RIT, p. 16.
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Adicionalmente, considera o RIT que (p. 19):
“Os gastos financeiros da A... [leia-se B...], com a aquisição da A..., por via da fusão inversa, transformaram-se em gastos financeiros da própria A..., não tendo sido na sua contabilidade feita a distinção dos gastos financeiros tidos com a sua própria aquisição, originando uma redução do resultado tributável da A... .
Estes gastos financeiros não podem ser aceites como gastos fiscais da A..., por não serem indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do n.º1 do artigo 23.º do CIRC, ou seja da atividade da A..., não faz parte a própria aquisição, e uma vez que não foram acrescidos no quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC, encontram-se a reduzir de forma indevida a matéria coletável em sede de IRC.
Temos então: Empréstimo total no exercício de 2009: 104.937.330,90€.
Valor do empréstimo inicial para a construção do centro comercial, à data da fusão: 35.053.330,91€
Valor do empréstimo assumido pela fusão, em 2009: 69.884.000,00€
Assim, a proporção do empréstimo inicial, sobre o empréstimo total é de 33% e de 67% a proporção do empréstimo decorrente da fusão sobre o empréstimo total.
Desde o exercício de 2009 que a dívida da empresa A..., tem sido assumida e gerida em termos contabilísticos, quer quanto às amortizações quer quanto aos encargos, como um todo.
Dado que foram considerados como gastos, dos exercícios de 2013 e 2014, encargos financeiros, no montante de 3.673.438,01€ e 3.607.234,24€, respetivamente, decorrentes do empréstimo total, os juros não aceites como gasto, ascendem a 2.461.203,46€ (3.673.438,00€ x 0,67) para 2013 e 2.416.846,94€ (3.607.234,24€ x 0,67), quanto a 2014.“
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A Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IRC e de juros compensatórios emitidas sob o n.º 2017..., com data de 22 de Maio de 2017, para o exercício de 2013, e n.º 2017..., com data de 7 de Junho de 2017, referente a 2014, nas importâncias correspondentes de € 174.370,59 e € 484.872,29, das quais resultou a importância total a pagar de € 717.754,38 (€ 174.935,04 e € 542.819,34) – cf. Doc. 1 junto pela Requerente (demonstrações de liquidação de IRC, demonstrações de liquidação de juros e demonstrações de acerto de contas).
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Na sequência dos processos de execução fiscal instaurados para cobrança das liquidações adicionais em apreço, e tendo em vista a sua sustação, a Requerente procedeu à prestação de garantias bancárias –..., emitida em 4 de setembro de 2017, no valor de € 221.648,51, e..., emitida em 21 de setembro de 2017, no valor de € 687.396,01 – cf. Docs. 18 a 21 juntos pela Requerente.
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Em 27 de setembro de 2017, a Requerente apresentou pedido de constituição do Tribunal Arbitral no sistema informático do CAAD.
FACTOS NÃO PROVADOS E MOTIVAÇÃO
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de Direito, nos termos do artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Com relevo para a decisão não existem factos que devam considerar-se não provados.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos.
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DIREITO
2.1. Delimitação do thema decidendum: a dedução fiscal dos encargos financeiros
A questão fundamental que importa apreciar e decidir prende-se com a dedutibilidade fiscal (para efeitos de IRC), dos gastos financeiros incorridos pela Requerente, matéria em que rege o disposto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC que, com referência ao exercício de 2013, determinava o seguinte:
“Artigo 23.º
Gastos
1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:
(…)
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;”
A “Reforma do IRC” levada a efeito pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, aplicável ao exercício de 2014, introduziu algumas alterações à redação do artigo 23.º do Código do IRC, que passou a dispor:
“Artigo 23.º
Gastos e perdas
1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:
(…)
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;”
A principal mudança prende-se com a noção de gasto fiscal da qual foi eliminado o requisito da indispensabilidade, previsto em 2013, passando a estar delimitado “apenas” pelo estabelecimento de um nexo causal entre o gasto e o rendimento sujeito. No entanto, o conceito de gasto fiscal vigente em 2014 continua a depender da conexão com rendimentos sujeitos a tributação, isto é, com o interesse da empresa, projetando um resultado finalístico que não difere substancialmente do anterior critério da indispensabilidade.
A aplicação do referido critério de indispensabilidade e/ou do requisito da conexão necessária de tais gastos à atividade e interesse social da Requerente, nos moldes preceituados pelo Código do IRC, é passível de colocar em causa a respetiva dedutibilidade fiscal. Porém, tratando-se de encargos que passaram para a esfera da Requerente por efeito de uma operação de fusão (por incorporação) da sociedade que detinha integralmente as participações sociais da Requerente (fusão inversa), não sendo naquela questionável a respetiva indispensabilidade (na sociedade mãe, entretanto incorporada), suscita-se a questão da conformidade de tal interpretação à face do Direito Comunitário, nos termos descritos na secção seguinte.
2.2. Da compatibilidade da não dedução dos encargos financeiros com a Diretiva relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões
A fusão inversa que está na origem da transferência, para a esfera jurídica da Requerente, do passivo gerador dos encargos financeiros, aqui disputados, foi realizada ao abrigo do regime previsto na lei interna (artigos 73.º e 74.º do Código do IRC), decalcado da Diretiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, entretanto substituída pela Diretiva 2009/133/CE do Conselho, de 19 de outubro de 2009 (doravante Diretiva).
Dispõem as referidas normas[1]:
“SUBSECÇÃO IV
Regime especial aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de partes sociais
Artigo 73.º
Definições e âmbito de aplicação
1 — Considera-se fusão a operação pela qual se realiza:
a) A transferência global do património de uma ou mais sociedades (sociedades fundidas) para outra sociedade já existente (sociedade beneficiária) e a atribuição aos sócios daquelas de partes representativas do capital social da beneficiária e, eventualmente, de quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas;
b) A constituição de uma nova sociedade (sociedade beneficiária), para a qual se transferem globalmente os patrimónios de duas ou mais sociedades (sociedades fundidas), sendo aos sócios destas atribuídas partes representativas do capital social da nova sociedade e, eventualmente, de quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas;
c) A transferência global do património de uma sociedade (sociedade fundida) para a sociedade detentora da totalidade das partes representativas do seu capital social (sociedade beneficiária);
d) A transferência global do património de uma sociedade (sociedade fundida) para outra sociedade já existente (sociedade beneficiária), quando a totalidade das partes representativas do capital social de ambas seja detida pelo mesmo sócio;
e) A transferência global do património de uma sociedade (sociedade fundida) para outra sociedade (sociedade beneficiária), quando a totalidade das partes representativas do capital social desta seja detida pela sociedade fundida.
2 — Considera-se cisão a operação pela qual:
a) Uma sociedade (sociedade cindida) destaca um ou mais ramos da sua atividade, mantendo pelo menos um dos ramos de atividade, para com eles constituir outras sociedades (sociedades beneficiárias) ou para os fundir com sociedades já existentes, mediante a atribuição aos seus sócios de partes representativas do capital social destas últimas sociedades e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro que não exceda 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes sejam atribuídas;
b) Uma sociedade (sociedade cindida) é dissolvida e dividido o seu património em duas ou mais partes, sendo cada uma delas destinada a constituir um nova sociedade (sociedade beneficiária) ou a ser fundida com sociedades já existentes ou com partes do património de outras sociedades, separadas por idênticos processos e com igual finalidade, mediante a atribuição aos seus sócios de partes representativas do capital social destas últimas sociedades e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro que não exceda 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas.
c) Uma sociedade (sociedade cindida) destaca um ou mais ramos da sua atividade, mantendo pelo menos um dos ramos de atividade, para os fundir com a sociedade (sociedade beneficiária) detentora da totalidade das partes representativas do seu capital social;
d) Uma sociedade (sociedade cindida) destaca um ou mais ramos da sua atividade, mantendo pelo menos um dos ramos de atividade, para os fundir com outra sociedade já existente (sociedade beneficiária), quando a totalidade das partes representativas do capital social de ambas seja detida pelo mesmo sócio;
e) Uma sociedade (sociedade cindida) destaca um ou mais ramos da sua atividade, mantendo pelo menos um dos ramos de atividade, para os fundir com outra sociedade já existente (sociedade beneficiária), quando a totalidade das partes representativas do capital social desta seja detida pela sociedade cindida.
3 — Considera-se entrada de ativos a operação pela qual uma sociedade (sociedade contribuidora) transfere, sem que seja dissolvida, o conjunto ou um ou mais ramos da sua atividade para outra sociedade (sociedade beneficiária), tendo como contrapartida partes do capital social da sociedade beneficiária.
4 — Para efeitos do número anterior e das alíneas a), c), d) e e) do n.º 2, considera-se ramo de atividade o conjunto de elementos que constituem, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios, o qual pode compreender as dívidas contraídas para a sua organização ou funcionamento.
5 — Considera-se permuta de partes sociais a operação pela qual uma sociedade (sociedade adquirente) adquire uma participação no capital social de outra (sociedade adquirida), que tem por efeito conferir-lhe a maioria dos direitos de voto desta última, ou pela qual uma sociedade, já detentora de tal participação maioritária, adquire nova participação na sociedade adquirida, mediante a atribuição aos sócios desta, em troca dos seus títulos, de partes representativas do capital social da primeira sociedade e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro não superior a 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal dos títulos entregues em troca.
6 — Para efeitos da aplicação dos artigos 74.º e 76.º, na parte respeitante às fusões e cisões de sociedades de diferentes Estados membros da União Europeia, o termo «sociedade» tem o significado que resulta do anexo à Diretiva n.º 90/434/CEE, de 23 de Julho.
7 — O regime especial estatuído na presente subsecção aplica-se às operações de fusão e cisão de sociedades e de entrada de ativos, tal como são definidas nos nºs 1 a 3, em que intervenham:
a) Sociedades com sede ou direção efetiva em território português sujeitas e não isentas de IRC;
b) Sociedade ou sociedades de outros Estados membros da União Europeia, desde que todas as sociedades se encontrem nas condições estabelecidas no artigo 3.º da Diretiva n.º 90/434/CEE, de 23 de julho.
8 — O regime especial não se aplica sempre que, por virtude das operações referidas no número anterior, sejam transmitidos navios ou aeronaves, ou bens móveis afetos à sua exploração, para uma entidade de navegação marítima ou aérea internacional não residente em território português.
9 — Às fusões e cisões, efetuadas nos termos legais, de sujeitos passivos do IRC residentes em território português que não sejam sociedades e aos respetivos membros, bem como às entradas de ativos e permutas de partes sociais em que intervenha pessoa coletiva que não seja sociedade, é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime da presente subsecção, na parte respetiva.
10 — O regime especial estabelecido na presente subsecção não se aplica, total ou parcialmente, quando se conclua que as operações abrangidas pelo mesmo tiveram como principal objetivo ou como um dos principais objetivos a evasão fiscal, o que pode considerar-se verificado, nomeadamente, nos casos em que as sociedades intervenientes não tenham a totalidade dos seus rendimentos sujeitos ao mesmo regime de tributação em IRC ou quando as operações não tenham sido realizadas por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou a racionalização das atividades das sociedades que nelas participam, procedendo-se então, se for caso disso, às correspondentes liquidações adicionais de imposto.
Artigo 74.º
Regime especial aplicável às fusões, cisões e entradas de ativos
1 - Na determinação do lucro tributável das sociedades fundidas ou cindidas ou da sociedade contribuidora, no caso de entrada de ativos, não é considerado qualquer resultado derivado da transferência dos elementos patrimoniais em consequência da fusão, cisão ou entrada de ativos, nem são considerados como rendimentos, nos termos do n.º 3 do artigo 28.º e do n.º 3 do artigo 28.º-A, os ajustamentos em inventários e as perdas por imparidade e outras correções de valor que respeitem a créditos, inventários e, bem assim, nos termos do n.º 4 do artigo 39.º, as provisões relativas a obrigações e encargos objeto de transferência, aceites para efeitos fiscais, com exceção dos que respeitem a estabelecimentos estáveis situados fora do território português quando estes são objeto de transferência para entidades não residentes, desde que se trate de:
a) Transferência efetuada por sociedade residente em território português e a sociedade beneficiária seja igualmente residente nesse território ou, sendo residente de um Estado membro da União Europeia, esses elementos sejam efetivamente afetos a um estabelecimento estável situado em território português dessa mesma sociedade e concorram para a determinação do lucro tributável imputável a esse estabelecimento estável;
b) Transferência para uma sociedade residente em território português de estabelecimento estável situado neste território de uma sociedade residente noutro Estado membro da União Europeia, verificando-se, em consequência dessa operação, a extinção do estabelecimento estável;
c) Transferência de estabelecimento estável situado em território português de uma sociedade residente noutro Estado membro da União Europeia para sociedade residente do mesmo ou noutro Estado membro, desde que os elementos patrimoniais afetos a esse estabelecimento continuem afetos a estabelecimento estável situado naquele território e concorram para a determinação do lucro que lhe seja imputável;
d) Transferência de estabelecimentos estáveis situados no território de outros Estados membros da União Europeia realizada por sociedades residentes em território português em favor de sociedades residentes neste território.
2 - Sempre que, por motivo de fusão, cisão ou entrada de ativos, nas condições referidas nos números anteriores, seja transferido para uma sociedade residente de outro Estado membro um estabelecimento estável situado fora do território português de uma sociedade aqui residente, não se aplica em relação a esse estabelecimento estável o regime especial previsto no presente artigo, mas a sociedade residente pode deduzir o imposto que, na falta das disposições da Diretiva n.º 2009/133/CE, do Conselho, de 19 de outubro, seria aplicável no Estado em que está situado esse estabelecimento estável, sendo essa dedução feita do mesmo modo e pelo mesmo montante a que haveria lugar se aquele imposto tivesse sido efetivamente liquidado e pago.
3 - A aplicação do regime especial determina que a sociedade beneficiária mantenha, para efeitos fiscais, os elementos patrimoniais objeto de transferência pelos mesmos valores que tinham nas sociedades fundidas, cindidas ou na sociedade contribuidora antes da realização das operações, considerando-se que tais valores são os que resultam da aplicação das disposições deste Código ou de reavaliações efetuadas ao abrigo de legislação de caráter fiscal.
4 - Na determinação do lucro tributável da sociedade beneficiária deve ter-se em conta o seguinte:
a) O apuramento dos resultados respeitantes aos elementos patrimoniais transferidos é feito como se não tivesse havido fusão, cisão ou entrada de ativos;
b) As depreciações ou amortizações sobre os elementos do ativo fixo tangível, do ativo intangível e das propriedades de investimento contabilizadas ao custo histórico transferidos são efetuadas de acordo com o regime que vinha sendo seguido nas sociedades fundidas, cindidas ou na sociedade contribuidora;
c) Os ajustamentos em inventários, as perdas por imparidade e as provisões que foram transferidos têm, para efeitos fiscais, o regime que lhes era aplicável nas sociedades fundidas, cindidas ou na sociedade contribuidora.
5 - Para efeitos da determinação do lucro tributável da sociedade contribuidora, as mais-valias ou menos-valias realizadas respeitantes às partes de capital social recebidas em contrapartida da entrada de ativos são calculadas considerando como valor de aquisição destas partes de capital o valor líquido contabilístico aceite para efeitos fiscais que os elementos do ativo e do passivo transferidos tinham nessa sociedade antes da realização da operação.
6 - Quando a sociedade beneficiária detém uma participação no capital das sociedades fundidas ou cindidas, não concorre para a formação do lucro tributável a mais-valia ou a menos-valia eventualmente resultante da anulação das partes de capital detidas naquelas sociedades em consequência da fusão ou cisão.
7 - Quando a sociedade fundida detém uma participação no capital da sociedade beneficiária, não concorre para a formação do lucro tributável a mais-valia ou a menos-valia eventualmente resultante da anulação das partes de capital detidas nesta sociedade em consequência da fusão ou da atribuição aos sócios da sociedade fundida das partes sociais da sociedade beneficiária.
8 - (Revogado.)”
O artigo 73.º, n.º 10 do Código do IRC supra transcrito, transpõe para o direito nacional o que se dispõe no artigo 15.º da Diretiva.
Acresce assinalar que, segundo o Considerando (2) da Diretiva 2009/133/CE: “As fusões, as cisões, as cisões parciais, as entradas de ativos e as permutas de ações entre sociedades de Estados-Membros diferentes podem ser necessárias para criar, na Comunidade, condições análogas às de um mercado interno e assegurar deste modo o bom funcionamento daquele mercado interno. Essas operações não deverão ser entravadas por restrições, desvantagens ou distorções resultantes em particular das disposições fiscais dos Estados-Membros (…)”.
De notar ainda que os artigos 4.º e 15.º da Diretiva têm respaldo, respetivamente, nos artigos 74.º e 73.º, n.º 10, todos do Código do IRC.
Interessa, aqui chegados, sintetizar o quadro factual relevante.
Em 2009, uma sociedade denominada B..., S.A. (sociedade mãe), que havia sido constituída em abril desse mesmo ano, contraiu empréstimos de aproximadamente 70 milhões de euros para adquirir uma participação de 100% no capital de outra, a Requerente ou “A...” (sociedade dominada), sendo ambas as sociedades residentes em Portugal.
Os juros suportados pela sociedade mãe B..., S.A. (como contrapartida do financiamento obtido) foram fiscalmente deduzidos ao seu resultado, como foi aceite pela AT.
Ainda em 2009, a sociedade mãe B..., S.A. e a Requerente fundiram-se numa só entidade, com efeitos retroativos a 22 de abril desse mesmo ano:
a) Por incorporação da sociedade mãe B..., S.A. (sociedade incorporada) na Requerente (sociedade incorporante), numa fusão inversa ou invertida;
b) Com a aplicação do regime previsto na lei interna (artigos 73.º e 74.º do Código do IRC), decalcado da Diretiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, entretanto substituída pela Diretiva 2009/133/CE do Conselho, de 19 de outubro de 2009 (doravante Diretiva).
Em conformidade com o referido regime do Código do IRC, os resultados (mais e menos valias) resultantes da transmissão de ativos e posições jurídicas por efeito da fusão – não foram tributados; ou seja, obtiveram neutralidade fiscal, por suspensão (diferimento) dos resultados fiscais com essas transmissões.
Por efeito legal da fusão, os encargos financeiros resultantes do empréstimo originariamente contraído pela sociedade incorporada (B..., S.A.) foram transmitidos para a sociedade incorporante (A..., aqui Requerente), que se tornou o devedor dessas quantias, as quais passou a suportar e pagar.
Em 2013 e 2014, esses empréstimos ainda estavam “vivos” e a Requerente suportou juros de € 3.673.438,00 e € 3.607.234,24, respetivamente – e considerou-os como fiscalmente dedutíveis ao valor dos seus rendimentos anuais.
A AT não aceita que esses juros possam ser deduzidos na esfera da sociedade incorporante (ou seja, da Requerente), com base no preceituado na lei interna - artigo 23.º, n.º 1, e sua alínea c), do Código do IRC - que intima uma relação causal de indispensabilidade entre o juro (custo) e os proveitos, a manutenção da fonte produtora e a aplicação dos fundos na exploração da organização.
Importa ter em atenção três notas esclarecedoras:
a) Se não tivesse havido fusão, os juros seriam fiscalmente dedutíveis ao resultado da sociedade que originariamente contraiu o empréstimo e que detinha a participação de capital (B..., S.A.);
b) Esses juros não são fiscalmente dedutíveis, segundo a AT, porque e na sequência da referida fusão inversa, entende que em 2013 não preenchem os requisitos constantes do artigo 23.º, n.º 1 e sua alínea c), do Código do IRC e, em 2014, não preenchem os requisitos constantes do artigo 23.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c), do mesmo Código;
c) A AT nega a dedução fiscal desses lucros, por decorrência da referida fusão, em resultado da interpretação da lei interna vigente em 2013 e 2014 (o citado artigo 23.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 alínea c) do Código do IRC) e não da cláusula anti abuso da diretiva (artigo 15.º) ou da lei interna em sua adesão (artigo 73.º, n.º 10, do Código do IRC).
2.3. Suspensão da instância e reenvio prejudicial para o TJUE
A Requerente, entre os diversos argumentos esgrimidos no processo, indicou que o artigo 23.º do Código do IRC, se interpretado no sentido de recusar a dedução dos juros após a indicada fusão inversa, envolveria uma distorção dos objetivos da Diretiva. Relembra-se a este respeito o Considerando (2) segundo o qual operações como as “fusões” são consideradas como potencialmente necessárias para criar, na Comunidade, condições análogas às de um mercado interno, pelo que tais operações não “deverão ser entravadas por restrições, desvantagens ou distorções resultantes em particular das disposições fiscais dos Estados-Membros”.
O Tribunal entende que:
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A questão é juridicamente pertinente;
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Que a mesma coenvolve a interpretação e aplicação de uma diretiva comunitária – e que o Tribunal de Justiça da União Europeia tem competência, mesmo tratando-se da aplicação de lei interna entre entidades residentes todas em Portugal, para evitar divergências de interpretação futuras e tendo em vista a harmonização de jurisprudência (Acórdãos desse Tribunal de 22 de março de 2018, Marc Jacob, C-327/16; de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15; e de 14 de março de 2013, Allianz Hungária, C‑32/11);
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Que, tanto quanto se saiba, não existe jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre o tema;
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Este processo arbitral funciona como o último grau de recurso relativamente à questão colocada.
É assim de entender, por todos estes motivos, que é obrigatório o reenvio prejudicial, face ao preceituado no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), que estabelece que “sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal”.
2.4. Questões prejudiciais
À face do exposto, formulam-se as seguintes questões:
Primeira Questão
Quando interpretados no sentido de que, após a citada fusão inversa, os juros dos empréstimos contraídos a terceiros (que seriam dedutíveis na sociedade incorporada, caso não houvesse fusão), para aquisição do capital da sociedade filha-incorporante, transmitidos por efeito da fusão, deixam de ser fiscalmente dedutíveis aos lucros da sociedade incorporante, serão os artigos 23.º, nº 1 e alínea c) do Código do IRC, na redação vigente em 2013, e 23.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) do Código do IRC, na redação vigente em 2014, compatíveis com o Direito Comunitário, nomeadamente, no sentido de esta não dedutibilidade dos juros ser suscetível de constituir um entrave ou restrição às operações de concentração abrangidas pela Diretiva 2009/133/CE do Conselho, violando os seus princípios e objetivos e, bem assim, o disposto no seu artigo 4.º?
Segunda Questão
Caso a resposta à primeira questão seja no sentido da compatibilidade desta não dedução fiscal de juros com a Diretiva, a mesma manter-se-á face à circunstância de tal correção não ter sido realizada com base na disposição anti-abuso da Diretiva (artigo 15.º) ou da lei nacional que a replica (artigo 73.º, n.º 10, do Código do IRC), mas de outro preceito da lei nacional (artigo 23.º do CIRC)?
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DECISÃO
Termos em que acordam em suspender a instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões referidas, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à daquele, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias do presente acórdão, do pedido de pronúncia arbitral, da resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira e dos requerimentos das Partes, bem como cópia do processo administrativo e dos documentos juntos com as peças processuais.
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Lisboa, 14 de junho de 2018
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo coletivo de árbitros
Os Árbitros
Alexandra Coelho Martins
Tomás Cantista Tavares
Américo Brás Carlos
[1]Redação que incorpora as alterações introduzidas pela Reforma do IRC em 2014, a qual não alterou de forma significativa, no que aqui releva, as versões anteriores.
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2.ª DECISÃO |
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DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 20 de dezembro de 2017, Dra. Alexandra Coelho Martins, árbitro presidente designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares (designado pela A..., S.A., aqui Requerente) e Prof. Doutor Américo Brás Carlos (designado pela Requerida), acordam no seguinte:
I. Relatório
A..., S.A. (“Requerente”), pessoa coletiva número..., com sede na ..., n.º..., ...–..., ...-... ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. Neste âmbito, optou por designar árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 6.º, n.º 2, alínea b) e 11.º do RJAT, tendo deduzido os seguintes pedidos:
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Declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de IRC (incluindo derramas) e de juros compensatórios relativas aos exercícios de 2013 e 2014, emitidas sob os n.ºs 2017 ... (€ 174.370,59) e 2017 ... (€ 484.872,29), respetivamente, das quais resultou um acerto de contas global na importância de € 717.754,38; e
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Condenação da AT em indemnização pelas despesas incorridas com a prestação e manutenção de garantias bancárias.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “AT”.
A Requerente, no uso da faculdade prevista no citado artigo 6.º, número 2, alínea b) do RJAT, designou o árbitro Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares. Em 27 de setembro de 2017, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT, em 29 de setembro de 2017.
Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) e n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT, o dirigente máximo do serviço da AT designou o árbitro Prof. Doutor Américo Brás Carlos.
Na sequência do requerimento apresentado pelos árbitros designados pelas partes para que o árbitro-presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico, foi, por despacho de 27 de novembro de 2017, do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico, designada a Dra. Alexandra Coelho Martins nessa qualidade, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), II parte do RJAT.
Todos os árbitros comunicaram a sua aceitação no prazo aplicável, tendo o Exmo. Senhor Presidente do CAAD informado as partes dessa designação em 27 de novembro de 2017, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 20 de dezembro de 2017.
1. Posição da Requerente
A Requerente alega como causa de pedir:
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Vício de violação de lei por erro nos pressupostos, decorrente da não aceitação, como gastos financeiros fiscalmente dedutíveis, dos juros por si incorridos em relação a um empréstimo anteriormente contraído pela sociedade B... S.A., entidade que veio a incorporar por fusão (inversa). Este empréstimo havia sido contraído para aquisição das participações sociais da própria Requerente.
Entende a Requerente que a aferição da indispensabilidade dos gastos financeiros deve ser efetuada por referência à entidade que originariamente obteve o empréstimo e ao momento em que o contraiu, não existindo fundamento para que, por mero resultado da fusão, os juros deixem de ser fiscalmente dedutíveis.
Assim, sustenta que os referidos juros “foram contraídos no âmbito da atividade e no interesse da Requerente em operações suscetíveis de gerar proveitos tributáveis” e derivam de forma inevitável dos efeitos jurídicos da fusão, pelo que, em seu entender, a posição da AT consubstancia uma incorreta interpretação e aplicação do conceito de indispensabilidade previsto no artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) do Código do IRC, e viola o regime da neutralidade fiscal;
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Violação dos princípios constitucionais da legalidade tributária e da capacidade contributiva na sua vertente de tributação pelo lucro real – cf. artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) e 104.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa (“CRP”);
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Vício formal de absoluta falta de fundamentação e erro material de quantificação da AT na determinação da componente de juros hipoteticamente não dedutíveis associados ao financiamento da aquisição das participações sociais da Requerente, não observando o disposto nos artigos 77.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 268.º, n.º 3 da CRP; e
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Absoluta falta de fundamentação e erro material de quantificação da AT em relação aos prejuízos fiscais reportáveis da Requerente, por ter sido desconsiderado, sem justificação, o valor de € 96.534,61, em violação dos artigos 77.º da LGT e 52.º do Código do IRC.
A Requerente juntou 22 documentos e não requereu a produção prova testemunhal.
2. Posição da Requerida
Em 1 de fevereiro de 2018, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação, tendo junto o processo administrativo (“PA”). Conclui pela improcedência e consequente absolvição do pedido, com os seguintes argumentos:
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Com a concreta operação de fusão não foi transmitido qualquer ativo para a esfera da Requerente, apenas tendo sido registado um aumento da valorização dada ao centro comercial, que já era sua propriedade, em contrapartida do aumento do passivo por incorporação do empréstimo que havia servido para adquirir as suas ações [da Requerente] pela sociedade incorporada. Tratou-se, assim, de uma operação de debt-push-down que colocou na posição de devedora a própria sociedade adquirida, não se encontrando o financiamento afeto à exploração da atividade da Requerente, aproveitando antes a um terceiro, no caso, a sua sócia única;
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Da operação de fusão derivou a dissociação entre o empréstimo e a aquisição de partes sociais, implicando o desaparecimento da conexão que existia entre os juros e a atividade empresarial desenvolvida pela entidade que contabiliza(va) esses encargos;
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A incorporação do empréstimo por virtude da fusão contribuiu para o aumento dos encargos financeiros suportados pela Requerente, sem ser suscetível de potenciar o aumento do seu lucro, pelo que esses encargos não são indispensáveis à realização de rendimentos sujeitos a IRC, nem têm qualquer relação justificada com a atividade produtora da Requerente;
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O teste da indispensabilidade deve ser efetuado em relação à sociedade cujos gastos estão em consideração;
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A imputação temporal dos juros efetuada de acordo com o princípio da especialização dos exercícios implica a determinação da sua indispensabilidade com referência a cada exercício. O facto de os gastos serem indispensáveis num dado momento não significa, por si só, que tenham de o ser em exercícios futuros, nos termos da análise conjugada do disposto nos artigos 18.º, n.º 1 e 23.º, n.º 1, ambos do Código do IRC;
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O regime da neutralidade fiscal não contempla a dispensa do crivo da dedutibilidade dos gastos e perdas que, após a fusão, surjam na esfera da sociedade incorporante;
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Não se verifica a ofensa a quaisquer princípios constitucionais, porquanto não só a interpretação defendida pela Requerida tem enquadramento no artigo 23.º do Código do IRC, como é a submissão da dedutibilidade dos custos ao teste da indispensabilidade que conduz ao rendimento real da Requerente; e, por fim,
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O critério de repartição dos juros está fundamentado no Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) e assenta numa linear proporção.
3. Alegações, Modificação da Instância e Reenvio Prejudicial
Em 21 de fevereiro de 2018, realizou-se no CAAD a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual foram produzidas as alegações orais, fixando-se a data de prolação da decisão arbitral.
Em 19 de abril de 2018, a Requerente apresentou requerimento de modificação objetiva da instância e de alteração do valor da causa, na sequência da obtenção de ganho de causa numa ação arbitral relativa ao exercício de 2012, cujos prejuízos fiscais reportáveis conduziram à emissão de um novo ato de liquidação de IRC para o ano 2014 aqui em discussão, sob o n.º 2018..., de 19 de março de 2018, no valor de € 216.020,52.
Este novo ato tributário veio anular e substituir a liquidação n.º 2017..., referente ao exercício de 2014, no valor de € 484.872,29, que constitui objeto (inicial) da presente ação arbitral, conjuntamente com o ato de liquidação reportado a 2013 (no valor de € 174.370,59), que se mantém inalterado.
O Tribunal Arbitral admitiu o requerimento, relegando o seu conhecimento para a decisão a proferir a final e, atenta a complexidade das questões, prorrogou por dois meses o prazo para prolação da decisão.
As partes foram notificadas para se pronunciarem sobre o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça (“TJ”), por se suscitarem dúvidas, com relevância para a decisão de mérito, sobre a conformidade da não dedutibilidade dos encargos financeiros na esfera jurídica da sociedade beneficiária da fusão, com o regime da Diretiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, entretanto substituída pela Diretiva 2009/133/CE do Conselho, de 19 de outubro de 2009.
Foi proferida decisão de reenvio pelo Tribunal Arbitral, em 14 de junho de 2018, com a consequente suspensão da instância arbitral.
O TJ, em 15 de julho de 2019, proferiu Despacho relativo ao processo de reenvio prejudicial em causa, ao qual foi atribuído o n.º C-438/18, declarando que:
“A Diretiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, cisões parciais, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados‑Membros diferentes e à transferência da sede de uma Sociedade Europeia (SE) ou de uma Sociedade Cooperativa Europeia (SCE) de um Estado‑Membro para outro, conforme alterada pela Diretiva 2006/98/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que leva a que não sejam considerados fiscalmente dedutíveis, para a sociedade incorporante, gastos que o foram, para a sociedade incorporada, antes da fusão entre essas sociedades, e que o teriam sido se essa fusão não tivesse ocorrido.”
Nessa data, o Despacho do TJ foi notificado ao Tribunal Arbitral, tendo cessado o efeito suspensivo. Por despacho arbitral de 18 de julho de 2019, foi prorrogado por dois meses adicionais o prazo de prolação da decisão arbitral.
Em 1 de agosto de 2019, a Requerente apresentou requerimento com jurisprudência recente do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) – Acórdão de 30 de janeiro de 2019, no processo n.º 02176/15.3BEPRT – e do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”) – Acórdão de 5 de junho de 2019, no processo n.º 1550/15.0BELRS.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente, em razão da matéria, para conhecer dos atos de liquidação de IRC e inerentes juros compensatórios controvertidos, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
A cumulação de pedidos é admissível, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, atendendo a que está em discussão a dedutibilidade de juros na sequência de uma operação de fusão inversa, verificando-se a identidade de circunstâncias de facto e de regime jurídico, em concreto, o artigo 23.º do Código do IRC, apesar de os atos tributários se reportarem a dois exercícios distintos [2013 e 2014].
Não foram identificadas nulidades processuais nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III. Fundamentação de Facto
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Matéria de Facto Provada
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:
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A A..., S.A., adiante “A...” ou Requerente, é uma sociedade comercial que exerce a atividade de exploração, administração e gestão de centros comerciais e lojas, podendo acessoriamente dedicar-se à compra e venda e arrendamento de imóveis e adquirir ou participar no capital social de outras sociedades, constituídas ou a constituir, com objeto ou natureza jurídica diferente da sua, na medida em que se mostre útil à prossecução das atividades sociais e está enquadrada no regime geral de IRC – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), constante do processo administrativo (“PA”) e documento societário constante do endereço www...pt .
-
Em concreto, a Requerente tem-se dedicado à exploração, administração e gestão do Centro Comercial ...– cf. RIT e informação financeira constante dos documentos 3 a 17 juntos pela Requerente.
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No exercício de 2000, data em que teve início o processo de constituição da sociedade Requerente, foi celebrado pelos seus acionistas e em representação desta (ainda a constituir) um contrato de construção da galeria do ..., no valor de € 53.360.787,00, localizado na área metropolitana do Porto – cf. RIT e anexo ao documento 3 junto pela Requerente.
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Após a constituição formal da Requerente, concluída no ano 2002, e para que pudesse custear a construção do Centro Comercial ..., ativo imobiliário que ficou na sua titularidade, a Requerente obteve financiamento por via de suprimentos das duas acionistas – a C... e a D... – em partes iguais, por empréstimo no referido valor da construção – cf. RIT e documentos 4 e 5 juntos pela Requerente.
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Em julho de 2003, a acionista C..., que detinha 50% do capital social da Requerente, foi alienada à sociedade E..., S.A., pertencente ao Grupo E..., de base francesa, presente no principal índice bolsista francês CAC 40, que assim passou a deter indiretamente 50% da Requerente, como de seguida ilustrado. Foram também transferidos os respetivos créditos – cf. RIT e anexo 2 ao documento 3 junto pela Requerente:
100%
50% 50%
-
Em junho de 2005, a C... e a D... constituíram a sociedade F..., para onde transferiram, mediante contribuição em espécie, as participações que detinham na Requerente e os respetivos créditos, àquela data no valor de € 47.486.435,00, ficando com a configuração seguinte – cf. RIT e anexo 2 ao documento 3 junto pela Requerente:
100%
50% 50%
100%
-
Em julho de 2009, a D... vendeu à C... a sua participação na F..., representativa de 50% do capital da Requerente, passando a F... a ser detida a 100% pela C... como infra ilustrado – cf. RIT e anexo 2 ao documento 3 junto pela Requerente:
100%
100%
100%
-
Ainda em julho de 2009, no âmbito de uma reestruturação interna do grupo E..., a F... alienou a preço de mercado, pelo montante global de € 69.884.000,00, a sua participação na Requerente à sociedade B..., S.A., constituída em abril de 2009 com o capital social de € 50.000,00 e detida a 100% pela G... Portugal, SGPS, S.A. que, por sua vez, era detida em 100% pela E..., S.A., ficando o Grupo em Portugal com a seguinte estrutura – cf. RIT e anexo 2 ao documento 3 junto pela Requerente:
100% 100%
100% 100%
100%
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Para que a sociedade B..., S.A., pudesse adquirir as ações da Requerente à F..., a E... Portugal, SGPS, S.A. concedeu à primeira [B...] um empréstimo no referido valor de aquisição das participações, de € 69.884.000,00 – cf. RIT e documento 5 junto pela Requerente.
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Acresce que o crédito remanescente que a F... ainda detinha sobre a Requerente, no valor de € 35.817.057,30, referente ao empréstimo inicialmente concedido para a construção do centro comercial, foi cedido à G... Portugal, SGPS, S.A. – cf. RIT e documento 5 junto pela Requerente.
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Em 18 de novembro de 2009 a Requerente absorveu, através de fusão por incorporação, a sua sócia única B..., S.A., passando a ser detida diretamente (era-o indiretamente) em 100% pela G... Portugal, SGPS, S.A., conforme de seguida graficamente ilustrado – cf. RIT e Anexo 4 ao Doc. 3 junto pela Requerente:
100%
100%
-
A operação de fusão foi efetuada mediante a transferência global do património (ativo e passivo) da sociedade B..., S.A. [incorporada] para a Requerente [incorporante], incluindo as respetivas dívidas e encargos financeiros, produzindo efeitos (retroactivos) a 22 de abril de 2009 – cf. RIT e anexo 4 ao documento junto pela Requerente.
-
Deste modo, o empréstimo concedido à B..., S.A. pela G... Portugal, SGPS, S.A., no valor de € 69.884.000,00, para aquisição das ações representativas do capital da Requerente, foi transferido com a operação de fusão para a esfera da Requerente, consolidando-se com o remanescente (ainda não pago) do empréstimo inicialmente concedido, no valor de € 35.817.057,30, para a construção do centro comercial. Assim, a G... Portugal, SGPS, S.A. ficou com um crédito consolidado sobre a Requerente no valor total de € 104.937.330,91 – cf. RIT e documentos 5 e 6 juntos pela Requerente.
-
Como contrapartida do incremento do passivo da Requerente no valor de € 69.884.000,00 foi registado o aumento da valorização dada ao Centro Comercial. Não foi transferido qualquer ativo da sociedade incorporada para a esfera da Requerente, pois o único ativo que aquela (incorporada) detinha era a participação financeira na Requerente – cf. RIT e documentos 5 e 6 juntos pela Requerente.
-
O referido empréstimo consolidado que após a fusão se cifrava em € 104.937.330,91 tem vindo gradualmente a diminuir em virtude dos reembolsos efetuados, conforme quadro infra – cf. RIT e documentos 3 e 6 a 12 juntos pela Requerente:
EXERCÍCIO
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VALOR DO
EMPRÉSTIMO (€)
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GASTOS DO PERÍODO (€)
CONTAS #68 E #69
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2009
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104.937.330,90
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3.170.956,94
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2010
|
87.475.289,85
|
4.629.732,19
|
2011
|
81.829.630,04
|
4.126.028,07
|
2012
|
76.083.658,00
|
3.795.540,00
|
2013
|
77.356.771,68
|
3.673.438,01
|
2014
|
70.022.636,41
|
3.607.234,24
|
-
Os encargos totais com juros, contabilizados e reconhecidos como gastos pela Requerente, ascenderam a € 3.673.438,00, no exercício de 2013, e a € 3.607.234,24, quanto ao exercício de 2014, tendo sido calculados com a mesma taxa de juro aplicada sobre a totalidade do valor do empréstimo – cf. RIT e anexo 6 ao documento 3 e documentos 10 e 11 juntos pela Requerente.
-
A Requerente não acresceu estes valores no quadro 07 das Declarações Modelo 22 submetidas com referência aos exercícios de 2013 e 2014 – cf. RIT.
-
Na sequência das ordens de serviço n.ºs OI2017... e OI2017..., com despacho de 24 de janeiro de 2017, a Requerente foi alvo de uma ação de inspeção externa aos exercícios de 2013 e 2014, de âmbito parcial, em sede de IRC (depois alargada ao IVA), para análise dos financiamentos efetuados por empresas do grupo e dos correspondentes encargos financeiros, reconhecidos como gastos. Os atos externos de inspeção decorreram de 2 de fevereiro de 2017 a 7 de abril de 2017 – cf. RIT e documento 13 junto pela Requerente.
-
Em 10 de maio de 2017, após o decurso do procedimento de inspeção e não tendo exercido o direito de audição, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspeção Tributária (“RIT”) que preconiza os seguintes ajustamentos à sua matéria coletável de IRC – cf. RIT, e documento 3 junto pela Requerente:
EXERCÍCIO
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RESULTADO FISCAL
(LUCRO/PREJUÍZOS)
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AJUSTAMENTO PROPOSTO
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MATÉRIA COLECTÁVEL CORRIGIDA
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2013
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(€ 585.628,31)
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€ 2.461.203,15
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€ 1.875.575,15
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2014
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€ 839.812,42
|
€ 2.416.846,94
|
€ 3.256.659,36
|
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Constitui fundamento das correções efetuadas à matéria coletável de IRC da Requerente a desconsideração dos juros por esta suportados nos exercícios em referência, na parte proporcional atribuível ao empréstimo contraído pela B..., S.A. para aquisição da totalidade das ações representativas do capital social da Requerente, empréstimo que, por via da fusão por incorporação da B..., S.A. em 2009 [fusão inversa], acabou por transitar para a esfera patrimonial da própria Requerente – cf. RIT.
-
Neste âmbito, sem pôr em causa que a Requerente tivesse de assumir todos os encargos que a sociedade incorporada detinha, o RIT sustenta que:
“III.1 Correções em sede de IRC – artigo 23.º
Por via da fusão, a A..., registou na sua contabilidade um empréstimo de 69.884.000,00€, reconhecendo desta forma no seu balanço, um passivo de médio e longo prazo. Aquele financiamento foi contraído pela B... para precisamente adquirir a A... . Assim, verifica-se que o financiamento, bem como os respetivos encargos a ele associados, relacionados com a aquisição da A..., com a operação de fusão passam a ser suportados por ela própria, ou seja, a sociedade adquirida, passa a suportar os encargos financeiros com a aquisição dela própria.
À luz do artigo 23.º do CIRC, consideram-se gastos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora; é evidente que não se podendo pôr em causa o assumir por parte da A... de todos os encargos com a sociedade incorporada detinha, já os encargos financeiros decorrentes, não contribuíram para a realização dos proveitos ou ganhos e para a manutenção da fonte produtora da A..., uma vez que aquele empréstimo quando contraído, foi utilizado apenas para pagamento das ações da A..., já que o único ativo da A... era precisamente a participação do capital da A... . […]
Resumindo, aqueles encargos não estão relacionados com a atividade da A... e sim com um a firma ..., sendo dispensáveis para a realização dos proveitos do A... […]
Neste sentido foi também a decisão do Centro de Arbitragem Administrativo, CAAD, que consta do processo nº 14/2011-T, tema – IRC – fusões inversas, neutralidade fiscal, dedutibilidade de encargos financeiros, e do Supremo Tribunal Administrativo no seu acórdão de 10.7.2002, proc. n.º 0246/02, dos quais se transcreve:
(…)- «À luz do art. 23.º do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Assim, podemos concluir que os custos financeiros e outros, nomeadamente o imposto de selo, decorrentes deste financiamento, que após fusão ficou registado na conta 23146 não contribuíram para a realização de proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora da A …, na medida em que, aquele empréstimo quando contraído foi utilizado unicamente para pagamento das ações da A … na medida em que o único ativo da C … SGPS era precisamente as ações da A …» (ponto III.2.1);
- «aqueles encargos não estão relacionados com a atividade da A … e sim com a atividade e interesse da D…, pelo que aqueles custos [são] comprovadamente dispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto obtidos pela A …» […].” – cf. RIT, pp. 16-17.
-
Adicionalmente, considera o RIT que (p. 19):
“Os gastos financeiros da A... [leia-se B...], com a aquisição da A..., por via da fusão inversa, transformaram-se em gastos financeiros da própria A..., não tendo sido na sua contabilidade feita a distinção dos gastos financeiros tidos com a sua própria aquisição, originando uma redução do resultado tributável da A... .
Estes gastos financeiros não podem ser aceites como gastos fiscais da A..., por não serem indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do n.º1 do artigo 23.º do CIRC, ou seja da atividade da A..., não faz parte a própria aquisição, e uma vez que não foram acrescidos no quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC, encontram-se a reduzir de forma indevida a matéria coletável em sede de IRC.
Temos então: Empréstimo total no exercício de 2009: 104.937.330,90€.
Valor do empréstimo inicial para a construção do centro comercial, à data da fusão: 35.053.330,91€
Valor do empréstimo assumido pela fusão, em 2009: 69.884.000,00€
Assim, a proporção do empréstimo inicial, sobre o empréstimo total é de 33% e de 67% a proporção do empréstimo decorrente da fusão sobre o empréstimo total.
Desde o exercício de 2009 que a dívida da empresa A..., tem sido assumida e gerida em termos contabilísticos, quer quanto às amortizações quer quanto aos encargos, como um todo.
Dado que foram considerados como gastos, dos exercícios de 2013 e 2014, encargos financeiros, no montante de 3.673.438,01€ e 3.607.234,24€, respetivamente, decorrentes do empréstimo total, os juros não aceites como gasto, ascendem a 2.461.203,46€ (3.673.438,00€ x 0,67) para 2013 e 2.416.846,94€ (3.607.234,24€ x 0,67), quanto a 2014.”
-
A Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IRC e de juros compensatórios emitidas sob o n.º 2017..., com data de 22 de maio de 2017, para o exercício de 2013, e n.º 2017..., com data de 7 de junho de 2017, referente a 2014, nas importâncias correspondentes de € 174.370,59 e € 484.872,29, das quais resultou a importância total a pagar de € 717.754,38 (2013 - € 174.935,04 e 2014 - € 542.819,34) – cf. documentos 1 e 2 juntos pela Requerente (demonstrações de liquidação de IRC, demonstrações de liquidação de juros e demonstrações de acerto de contas).
-
No âmbito dos processos de execução fiscal instaurados para cobrança das liquidações adicionais em apreço, e tendo em vista a sua sustação, a Requerente procedeu à prestação de garantias bancárias – ..., emitida em 4 de setembro de 2017, no valor de € 221.648,51, e ..., emitida em 21 de setembro de 2017, no valor de € 687.396,01 – cf. documentos 18 a 21 juntos pela Requerente.
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Em 27 de setembro de 2017, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.
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Na sequência da decisão anulatória proferida no processo arbitral n.º 267/2017-T, que correu termos no CAAD, a AT emitiu uma nova liquidação de IRC à Requerente para o exercício de 2012, repondo o prejuízo fiscal reportável desse exercício, com repercussões em exercícios posteriores, designadamente 2013 e 2014 – cf. documentos 2 e 3 juntos com o requerimento de modificação objetiva da instância.
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Subsequentemente, em 19 de março de 2018, foi emitida a nova liquidação de IRC referente ao exercício de 2014, sob o n.º 2018..., no valor de € 216.020,52, substitutiva da anterior liquidação (n.º 2017..., de 7 de junho de 2017, na importância de € 484.872,29) – cf. documento 4 junto com o requerimento de modificação objetiva da instância.
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A nova liquidação de IRC referente a 2014 considera a matéria coletável de € 976.997,81, que reflete os prejuízos fiscais reportáveis da Requerente no montante de € 1.290.451,96 – cf. documento 4 junto com o requerimento de modificação objetiva da instância.
2. Factos não Provados
Com relevo para a decisão não existem factos que devam considerar-se não provados.
3. Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos por ambas as partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos.
IV. Do Direito
1. Modificação Objetiva da Instância
A liquidação de IRC relativa ao exercício de 2014, que constitui objeto (inicial) destes autos arbitrais[1], emitida sob o n.º 2017..., de 7 de junho de 2017, no valor de € 484.872,29, foi substituída, na pendência da ação, por uma nova liquidação com o n.º 2018..., de valor inferior – € 216.020,52 –, datada de 19 de março de 2018.
Esta anulação substitutiva da liquidação impugnada derivou do ganho de causa que a Requerente obteve relativamente às correções de IRC efetuadas pela AT ao exercício de 2012, no âmbito do processo arbitral n.º 267/2017-T, tendo a consequente reposição dos prejuízos fiscais reportáveis (declarados pela Requerente com referência a 2012), conduzido à emissão de um novo ato de liquidação de IRC para o ano 2014, por repercussão dos seus efeitos.
Notificada do novo ato tributário reportado a IRC do exercício de 2014, a Requerente veio requerer o prosseguimento dos autos contra aquele, com fundamento na reincidência das mesmas ilegalidades do ato substituído, que também versava sobre IRC do mesmo período [2014], com exceção do erro de cálculo dos prejuízos fiscais que considerou sanado com a emissão do novo ato.
Para tanto, invoca o artigo 20.º do RJAT que prevê no seu n.º 1 que a “substituição na pendência do processo dos atos objeto de pedido de decisão arbitral com fundamento em factos novos implica a modificação objetiva da instância”, com remissão expressa, no seu n.º 2, para o disposto no artigo 64.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”). Esta norma atribui ao autor a faculdade de, quando o ato impugnado seja objeto de anulação administrativa acompanhada ou sucedida de nova regulação na pendência do processo, requerer que o processo prossiga contra o novo ato, aproveitando-se a prova produzida e dispondo da possibilidade de apresentar novos meios de prova (n.º 1).
Ficou comprovada a emissão pela AT deste novo ato de liquidação de IRC reportado ao período de 2014, com a consequente substituição do ato inicialmente impugnado, pelo que nos termos dos citados artigos 20.º do RJAT E 64.º do CPTA é admissível e devida a modificação da instância.
Com efeito, foi eliminado da ordem jurídica o ato que vinha impugnado, tendo sido substituído por outro que contém a regulação da relação jurídico-tributária [IRC], com referência ao mesmo período, aos mesmos sujeitos e factualidade.
É, pois, este derradeiro ato dispositivo relativo ao IRC de 2014 da Requerente que importa apreciar, pelo que se defere a requerida modificação, prosseguindo a instância contra o ato substitutivo, a liquidação n.º 2018..., emitida em 19 de março de 2018, no valor de € 216.020,52.
2. Inutilidade Superveniente da Lide (Parcial) – Prejuízos Fiscais Reportáveis
A Requerente suscita ainda a inutilidade superveniente da lide na parte referente à invocada desconsideração de prejuízos fiscais reportáveis, no valor de € 96.534,61, em virtude de a nova liquidação de IRC emitida pela AT em relação ao exercício de 2014 não enfermar do erro de apuramento da liquidação anterior, i.e., contemplando já aquele valor no apuramento da matéria coletável que se cifrou, no segundo ato tributário, em € 976.997,81, correspondente ao resultado fiscal tal como corrigido pela AT (de € 3.256.659,36) deduzido dos prejuízos fiscais disponíveis para reporte (€ 2.279.661,55).
Nesta medida, o novo ato de liquidação dá satisfação à pretensão anulatória incidente sobre a invocada desconsideração de prejuízos fiscais reportáveis, retirando à lide arbitral a apreciação dessa questão, pelo que, nessa parte, como preconizado pela Requerente, julga-se extinta a instância processual, nos termos do disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT.
3. Alteração do Valor da Causa e Pedido de Restituição Parcial da Taxa Arbitral
Como consequência da substituição do ato tributário relativo ao IRC do exercício de 2014, que reduziu o valor do imposto e juros liquidados, a Requerente peticiona a alteração do valor da causa. Entende, neste âmbito, que foi alterado o valor económico do pedido, pois de outra forma ficaria prejudicada pelo facto de as custas pagas não serem reembolsáveis, independentemente do sentido da decisão (ou seja, mesmo com ganho de causa), atenta a modalidade de designação de árbitro escolhida.
Não assiste, porém, razão à Requerente. O princípio geral de determinação do valor da causa representa a utilidade económica imediata do pedido e atende ao momento em que a ação é proposta, nos termos previstos no artigo 299.º, n.º 1 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. Este regime justifica-se pelo interesse em assegurar a estabilidade da instância, tornando-a imune às vicissitudes suscitadas ao longo da pendência processual, por forma a que o juiz não seja constantemente chamado a validar ou corrigir tal valor sempre que surjam variações (aliás, como também sucede com a determinação da competência, por similitude de razões).
O referido princípio não é afastado pelo CPPT (artigo 97.º-A), ou pelo CPTA (artigo 31.º). O RJAT e o Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária também nada referem a este respeito.
É verdade que nas situações em que o árbitro é escolhido pela Requerente o valor da taxa de arbitragem é substancialmente elevado, prevendo o legislador que mesmo em caso de procedência da ação as custas sejam suportadas por esta. Ou seja, o impacto económico desfavorável deste regime na esfera da Requerente é indiscutível.
Trata-se de uma clara opção legislativa, que pretendeu onerar esta modalidade de designação de árbitros, sem, contudo, afastar as regras gerais de determinação do valor da causa, que se mantêm idênticas, qualquer que seja a modalidade de designação de árbitro.
Assim, o caráter oneroso e gravoso da taxa arbitral que a Requerente invoca resulta da modalidade escolhida de designação de árbitro. A Requerente podia ter optado por uma solução menos onerosa, se tivesse escolhido distinta modalidade de designação, caso em que, se tivesse ganho de causa, ser-lhe-iam restituídas as importâncias pagas a título de taxa de arbitragem. Deste modo, não só não existe base legal para a pretensão da Requerente, como os efeitos desvantajosos que aponta eram por si conhecidos à partida, pois derivam de uma disciplina legal que (independentemente de com ela se concordar) pretende onerar a modalidade de designação de árbitro pelas partes.
Nestes termos, improcede o pedido de alteração do valor da causa e de restituição parcial da taxa de arbitragem.
4. Questão Decidenda. Enquadramento Legal e Reenvio Prejudicial
As liquidações impugnadas derivam da não aceitação pela AT da dedução, para efeitos de IRC, de gastos financeiros incorridos pela Requerente, matéria em que rege o disposto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC que, com referência ao exercício de 2013, determinava o seguinte:
“Artigo 23.º
Gastos
1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:
[…]
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado; […]”
A reforma do IRC levada a efeito pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, aplicável ao exercício de 2014, introduziu algumas alterações à redação do artigo 23.º do Código do IRC, que passou a dispor:
“Artigo 23.º
Gastos e perdas
1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:
[…]
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado; […]”
A principal mudança prende-se com a noção de gasto fiscal da qual foi eliminado o requisito da indispensabilidade, previsto em 2013. No entanto, o conceito de gasto fiscal vigente em 2014 continua a estar delimitado pelo estabelecimento de um nexo causal com a atividade económica potencialmente geradora de rendimentos, ou, dito de outro modo, com o interesse da empresa, projetando um resultado finalístico que não difere substancialmente do anterior critério da indispensabilidade.
Segundo o Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas – 2013[2] – , a alteração visou confirmar o afastamento da “interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos” e contribuir desta forma para o “decréscimo da significativa litigância decorrente da aplicação do preceito em causa”, e acolhe a jurisprudência firmada, segundo a qual o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC. Isto é, de encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios.
Deste modo, na situação vertente, a questão fundamental que importa apreciar e decidir relativamente a ambos os exercícios [2013 e 2014] prende-se com a aferição da relação necessária, normativamente prescrita pelo artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, entre os gastos financeiros incorridos pela Requerente e a finalidade de obtenção ou realização de rendimentos sujeitos a este imposto por parte desta, para efeitos de aplicação da estatuição de dedutibilidade fiscal de tais encargos.
Os referidos encargos passaram para a esfera da Requerente por efeito de uma operação de fusão (por incorporação) da sociedade que detinha integralmente as participações sociais da Requerente, operação habitualmente designada por “fusão inversa”, não vindo questionada a respetiva indispensabilidade na esfera da sociedade-mãe, entretanto incorporada.
Neste âmbito, suscitou-se, a título preliminar, a questão da conformidade da interpretação preconizada pela AT à face do Direito Europeu, pelo que, existindo dúvida, decidiu suspender-se a instância e proceder ao reenvio prejudicial para o TJ, de harmonia com o disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), formulando-se as seguintes questões:
Primeira Questão
Quando interpretados no sentido de que, após a citada fusão inversa, os juros dos empréstimos contraídos a terceiros (que seriam dedutíveis na sociedade incorporada, caso não houvesse fusão), para aquisição do capital da sociedade filha-incorporante, transmitidos por efeito da fusão, deixam de ser fiscalmente dedutíveis aos lucros da sociedade incorporante, serão os artigos 23.º, nº 1 e alínea c) do Código do IRC, na redação vigente em 2013, e 23.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) do Código do IRC, na redação vigente em 2014, compatíveis com o Direito Comunitário, nomeadamente, no sentido de esta não dedutibilidade dos juros ser suscetível de constituir um entrave ou restrição às operações de concentração abrangidas pela Diretiva 2009/133/CE do Conselho, violando os seus princípios e objetivos e, bem assim, o disposto no seu artigo 4.º?
Segunda Questão
Caso a resposta à primeira questão seja no sentido da compatibilidade desta não dedução fiscal de juros com a Diretiva, a mesma manter-se-á face à circunstância de tal correção não ter sido realizada com base na disposição anti-abuso da Diretiva (artigo 15.º) ou da lei nacional que a replica (artigo 73.º, n.º 10, do Código do IRC), mas de outro preceito da lei nacional (artigo 23.º do Código do IRC)?
Em 15 de julho de 2019, o TJ emitiu pronúncia, por Despacho, relativamente às questões prejudiciais suscitadas no processo de reenvio, ao qual foi atribuído o n.º C-438/18. O TJ examinou em conjunto as duas questões prejudiciais e, alicerçado no princípio da autonomia fiscal dos Estados-Membros e em diversa jurisprudência europeia[3], concluiu no sentido da não oposição da Diretiva 90/434/CEE do Conselho[4] a uma regulamentação nacional que não considere “fiscalmente dedutíveis, para a sociedade incorporante, gastos que o foram, para a sociedade incorporada, antes da fusão entre essas sociedades, e que o teriam sido se essa fusão não tivesse ocorrido”.
Clarificada a questão no quadro do Direito Europeu, importa determinar se, no caso sob apreciação, ocorre a falta de conexão dos gastos financeiros que a Requerente passou a suportar, em decorrência da fusão inversa, com a sua atividade e interesse social.
Atendendo a que o conceito de indispensabilidade acolhido em relação a 2013 é o da conexão dos gastos à atividade e interesse social do sujeito passivo e não o de uma causalidade necessária entre gastos e rendimentos, como já decorria da anterior jurisprudência, e que esse parâmetro se mantém na redação do Código do IRC vigente a partir de 2014, é aplicável e válida para os dois exercícios a argumentação infra exposta.
É também submetida à apreciação deste Tribunal Arbitral uma outra questão, numa relação de prejudicialidade com a primeira (e principal), relativa à validade do critério proporcional de determinação dos reembolsos de capital utilizado pela AT para calcular os gastos de juros.
Uma vez que os dois financiamentos – o relativo à construção do Centro Comercial e o que derivou das responsabilidades assumidas com a operação de fusão inversa – foram consolidados num só empréstimo, apenas tendo sido posta em causa a dedução dos juros associados àquele último, a Requerente invoca que a AT devia ter considerado que (todos) os reembolsos de capital se dirigiram exclusivamente à amortização da dívida relativa à aquisição de participações (segundo empréstimo). Nestes termos, na hipótese de não ser aceite a dedutibilidade dos juros, o correspondente valor é, para a Requerente, substancialmente inferior ao apurado pela AT, ao que acresce terem sido considerados arrendondamentos para determinação da percentagem aplicada, em considerável desfavor da Requerente.
5. Dedutibilidade Fiscal dos Gastos Financeiros nas Fusões Inversas
O fundamento jurídico das correções efetuadas à matéria coletável de IRC da Requerente é apenas um e respeita à interpretação e aplicação do critério consagrado no citado artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, concretamente à alegada “não indispensabilidade” dos gastos financeiros resultantes do empréstimo que foi contraído para aquisição das participações sociais da própria Requerente, previamente à fusão (inversa), operação em virtude da qual esse empréstimo transitou para a sua esfera.
A aplicação do conceito de indispensabilidade como condição delimitativa da dedutibilidade fiscal em IRC suscitou algumas divergências que, ao longo dos anos, foram dirimidas pela via jurisprudencial e promoveram, conjuntamente com a doutrina, uma maior densificação.
Como reconhece J. L. Saldanha Sanches, é no “conceito de indispensabilidade que reside a problemática essencial da consideração dos custos empresariais e que repousa um dos principais pontos de distinção entre o custo efetivamente incorrido no interesse coletivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo”, acrescentando que “o requisito da indispensabilidade dos custos para a formação dos proveitos deve ser aferido por critérios de racionalidade económica face aos objetivos estatutários” – “Os Limites do Planeamento Fiscal”, Coimbra Editora, 2006, 215-216.
É hoje consensual que a concretização da cláusula geral da indispensabilidade dos gastos não implica um juízo de oportunidade e mérito sobre a realização dos mesmos.
Tal noção, como consta da fundamentação do Acórdão do STA (pleno) no processo n.º 049/11, de 15 de junho de 2011 – tem de ser interpretada como “um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à Administração Fiscal atuações que coloquem em crise o princípio de liberdade de gestão e autonomia da vontade do sujeito passivo”.
Deste modo, a “Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa”, como preconizado pelo Acórdão do STA no processo n.º 01236/05, de 29 de março de 2006.
O que significa, na explicitação do Acórdão do STA no processo n.º 107/11, de 30 de novembro de 2011, que “a indispensabilidade entre custos e proveitos deva ser aferida a partir de um juízo positivo de subsunção na atividade societária: os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa […]. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa […]. A indispensabilidade não pode porém ser aferida à luz de critérios de oportunidade e mérito. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.”
Rejeita-se, deste modo, o entendimento de que a indispensabilidade se reconduz à exigência de uma relação de causalidade necessária e direta entre gastos e rendimentos (antes, custos e proveitos) – vide Acórdãos do STA nos processos n.º 0779/12, de 24 de setembro de 2014; n.º 372/16, de 15 de novembro de 2017; e n.º 0627/16, de 28 de junho de 2017.
Este último aresto considera “definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objetiva com os proveitos”.
A ligação deve ser, pois, feita entre os gastos e a atividade desenvolvida pelo contribuinte. “«Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.” – Acórdão do STA no processo n.º 0627/16, de 28 de junho de 2017.
O entendimento restritivo da indispensabilidade foi muito criticado pela doutrina, podendo ver-se, a este respeito, Tomás Cantista Tavares, “Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Coletivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos”, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, Outubro-Dezembro 1999, pp. 131 a 133, e “A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC”, Fisco n.º 101/102, janeiro de 2002, p. 40, e António Moura Portugal, “A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, Coimbra Editora, 2004, pp. 243 e ss..
O desenvolvimento da jurisprudência e da doutrina firmou, desta forma, a relação causal genérica do gasto à atividade globalmente considerada (superando o nexo estrito gasto-rendimento) e vincou o afastamento da avaliação, por parte da Administração, do acerto, conveniência ou oportunidade das decisões empresariais e de gestão dos entes corporativos.
Por outro lado, a construção jurisprudencial reclama um nexo de imputação subjetiva que está implícito na relação exigida entre o gasto e a atividade. É que essa ligação tem de ser feita com a atividade específica do sujeito passivo e não com outra atividade qualquer, designadamente dos seus sócios ou de terceiros.
É o interesse e escopo societário da entidade que deduz os gastos que está em causa e que pode servir de medida aferidora da indispensabilidade. Como salienta o Acórdão do STA no processo n.º 0571/13, de 21 de setembro de 2016, “[o] conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artº 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das atividades decorrentes ao seu escopo societário”.
Neste sentido, o Acórdão do STA no processo n.º 01046/05, de 7 de fevereiro de 2007, confirmou como não dedutíveis, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, os encargos (financeiros) suportados por uma sociedade relativos a empréstimos bancários contraídos para fazer face a prestações acessórias efetuadas a uma associada pelas quais não foi cobrada remuneração. O que se ficou a dever ao facto de tais verbas não estarem relacionadas com o objeto social e atividade prosseguida pela sociedade, que se dedicava à “fabricação de azulejos e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco”.
Bem assim, o já citado Acórdão do STA no processo n.º 0107/11, considerou não serem dedutíveis os custos com juros e imposto do selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas, em relação de domínio total, à luz do artigo 23.º do Código do IRC. Decisões em linha com os Acórdãos do STA nos processos n.º 1077/08, de 20 de maio de 2009, e n.º 0171/11, de 30 de maio de 2012, sobre questões idênticas.
O carácter uniforme desta jurisprudência é reforçado pelos recentes Acórdãos do STA nos processos n.º 0473/13, de 21 de fevereiro de 2018, e n.º 01206/17, de 28 de fevereiro de 2018 que, relativamente à questão de saber se os encargos financeiros suportados com empréstimos utilizados para a realização de prestações suplementares em sociedades participadas são dedutíveis ao abrigo do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, utilizam como parâmetro decisório o objeto ou escopo social da entidade.
No primeiro caso, tratando-se de uma sociedade gestora de participações sociais, a decisão de efetuar a prestação suplementar é qualificada pelo STA como exercício da [sua] atividade empresarial de gestão dessas mesmas participações, sendo os gastos associados dedutíveis fiscalmente. Porém, no segundo caso, de uma sociedade cuja atividade é imobiliária, não sendo prosseguido o fim social de detenção e gestão de participações sociais “as operações de financiamento seja das empresas suas participadas seja de qualquer outra empresa são assuntos que dizem respeito a essas sociedades participadas e empresas, não integrando o fim social”, pelo que o “reforço do capital da sociedade participada através de prestações suplementares efetuadas pela impugnante não são exercício da atividade empresarial da […]” e, em consequência, “os custos que incorram com essas ou por causa da realização de tais prestações não são custos dedutíveis em sede de IRC à luz do art.º 23.º do CIRC”.
De onde se conclui que o teste da indispensabilidade é aferido “perante o objeto e escopo societário e a congruência económica da operação”, encerrando assim uma conexão subjetiva do gasto com o interesse da própria empresa que o suporta e não com o interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou de terceiros. Os gastos têm de ser imputados à atividade da própria entidade delimitada pelo seu objeto social (também neste sentido, o Acórdão do TCAS n.º 01276/06, de 16 de outubro de 2007).
Sempre que resulta demonstrada a relação direta entre os gastos e o objeto social prosseguido pelo sujeito passivo, o STA tem entendido que tais gastos hão de ser considerados indispensáveis para efeitos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC – Acórdão do STA no processo n.º 570/13, de 5 de novembro de 2014.
António Moura Portugal assinala, neste âmbito, que “[a] solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objeto societário” (op. cit. p. 112), associando também esta solução aos escritos de Vítor Faveiro, que considera que se “tem de haver como indispensável todo o ato gestionário que tenha por objeto a aplicação dos fatores com o objetivo de realização dos fins da atividade da empresa” (“O Estatuto do Contribuinte”, Coimbra Editora, 2002, p. 847).
António Martins parece defender uma noção excecionalmente ampla de atividade, desligada do objeto social e centrada na definição contabilística de ativo, que não se acompanha (apenas) na medida em que não se submete ao escrutínio do objeto estatutário que, segundo entendemos, não pode deixar de delimitar o interesse social. Veja-se a este respeito, “A Dedutibilidade dos Juros e a Noção de «Atividade» das Sociedades: a Propósito do Artigo 23.º do CIRC”, Revistas de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano V, 4, Abril de 2013, pp. 79 a 111.
Enunciados os pontos de consenso no plano teórico, subsistem posições divergentes em questões fundamentais, em especial no que se refere ao momento e à frequência com que a indispensabilidade deve ser aferida. Quando os factos que estão na origem dos encargos geram a produção continuada de efeitos plurianuais que se projetam em diversos exercícios fiscais, como sucede na presente situação, coloca-se a questão do âmbito temporal de aplicação do conceito de indispensabilidade.
A Requerente adere à tese de que este requisito [a indispensabilidade] deve ser aquilatado de uma só vez, no plano da entidade que contraiu o empréstimo e no momento em que o fez. Concluindo que se o gasto é indispensável à data do financiamento não pode transformar-se em dispensável ulteriormente, em particular quando o empréstimo transita para a esfera de uma nova entidade no quadro de uma fusão, por força do regime legal de transmissão (ou melhor dito, sucessão) universal do património da sociedade incorporada para a sociedade incorporante ao abrigo do preceituado no artigo 112.º, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”).
Convoca, para este efeito, a interpretação exegética do artigo 23.º, n.º 1, alínea c) do Código do IRC que se refere à dedução de “juros de capitais alheios aplicados na exploração”, pelo que o requisito da indispensabilidade deve ser avaliado em relação aos capitais alheios aplicados e não aos encargos financeiros deles derivados, exaurindo-se no momento dessa aplicação.
Este é também o entendimento da jurisprudência. Relativamente a uma questão em tudo idêntica à aqui tratada, o STA, no Acórdão proferido no processo n.º 02176/15.3BEPRT 0915/17, de 30 de janeiro de 2019, preconiza que “o momento temporal para aferir da admissibilidade dos custos para efeitos tributários deve ser determinado pelo instante em que estes são gerados e não pelo momento em que são suportados no sentido de que se vencem ou são pagos”.
Refere ainda este Acórdão, suportado na decisão que vem confirmar, que:
“[…] a Fazenda Pública está a aferir da admissibilidade fiscal dos custos tendo por referência a conexão que estes devem ter, no momento em que são suportados, com os proveitos realizados ou a manutenção da fonte produtora dos rendimentos.
Contudo, caso fizesse com referência ao momento em que ocorre a sua génese (leia-se quando nasce a obrigação que a eles dá lugar) o resultado seria o oposto.
Com efeito, a aferição da conexão dos gastos com os proveitos deve ser feita com referência ao seu facto gerador, em especial tratando-se de gastos que dependem da verificação de condições temporais.
Destarte, para aferir da admissibilidade da consideração da relevância fiscal do pagamento de juros é mister analisar a operação subjacente que a eles deu origem, ou seja, esta vai depender, não do momento em que estes se vencem ou são pagos, mas da eventual conexão com os proveitos existente no momento em que a obrigação destes nasce - a contração do mútuo oneroso que a eles dá lugar.
[…]
Donde assoma a conclusão que essa conexão entre a fonte geradora dos gastos e a potencial formação de proveitos tributáveis em sede de IRC/manutenção da fonte produtora, deve ser aferida tendo como referência o momento em que são contraídos os empréstimos e não no momento de vencimento dos juros.
ln casu, essa conexão existe e não é questionada pela Autoridade Tributária. Emergindo, assim, a evidência que os gastos devem ser considerados.
Acresce que é incontroverso nos autos que a "B…………, S.A." antes da incorporação podia deduzir os encargos/gastos dos financiamentos obtidos, porquanto a aquisição do capital social da Impugnante era suscetível de gerar proveitos na sua esfera tributável, quer sob a forma de dividendos quer sob a forma de eventuais mais de uma eventual alienação da sua participação.
Com a operação de fusão esse direito à consideração fiscal dos gastos não se extingue, por efeito da fusão, pelo contrário, ope legis, mantém-se e surge, desta feita, na esfera jurídica da Impugnante.
Há ainda uma terceira ordem de razões que determinam a consideração de tais gastos na definição da matéria tributável: a neutralidade do regime da fusão.
A este propósito J. L. SALDANHA SANCHES [in "Fiscalidade", nº 34], em artigo dedicado à fusão inversa, afirmava:
«A questão jurídica em análise no presente artigo é muito simples e é facilmente identificável: saber se há alguma norma ou princípio, de Direito nacional comunitário ou internacional que leve a excluir do regime de neutralidade fiscal previsto no artigo 67º do Código do IRC uma operação através da qual uma sociedade é incorporada e dissolvida numa sua subsidiária que detém a 100% (operação vulgarmente conhecida por fusão inversa). Pode adiantar-se a resposta à questão: a fusão por incorporação de uma sociedade participante na sociedade participada é abrangida pelo regime da neutralidade fiscal, uma vez que se trata da operação descrita no artigo 67º, nº 1, al. a), do Código do IRC, ou seja, da «transferência global do património de uma (...) sociedade (sociedade fundida)» - sociedade A - "para outra sociedade já existente (sociedade beneficiária)" - sociedade B - «e a atribuição aos sócios daquela» - sociedade S - «de partes representativas do capital social da beneficiária» - partes da sociedade B. Ora, não havendo no nosso ordenamento jurídico, ou no ordenamento comunitário, qualquer norma que excecione o efeito de neutralidade da fusão, este efeito não pode ser negado na operação descrita, sob pena de ilegalidade da liquidação que daí resultar.
(...)
Argumenta a Fazenda Pública que o que está aqui em causa é a mera desconsideração dos custos nos termos do art.º 23º do CIRC e não a neutralidade da fusão.
Até certo ponto tem razão, contudo, se os gastos que anteriormente eram considerados para efeitos da determinação da matéria coletável de cada uma das sociedades incorporadas deixam de o ser na esfera jurídica da sociedade incorporante, em resultado da operação de fusão, então é manifesto que a fusão é tudo menos neutral.
Mesmo que possa ter havido "neutralidade fiscal" no que concerne aos "movimentos patrimoniais″, o certo é que ao deixar de se permitir a consideração fiscal de gastos anteriormente admissíveis, chega-se a um resultado que se afigura contrário ao espírito da Diretiva, isto é, de impedir que questões fiscais distorçam o mercado no sentido de favorecer, restringir (ou mesmo impedir) operações de reorganização empresarial, com as inerentes consequências ao nível da concorrência no mercado único.
Pode, assim, em jeito de súmula do expendido, afirmar-se que:
i) o momento temporal para aferir da admissibilidade dos custos para efeitos tributários deve ser determinado pelo instante em que estes são gerados e não pelo momento em que são suportados no sentido de que se vencem ou são pagos;
ii) tendo a sociedade incorporada o direito a relevar fiscalmente os gastos na sua matéria tributável, em sede de IRC, esse direito persiste, pela fusão, ope legis, na esfera jurídica da incorporante;
iii) Entendimento diverso redundaria na violação Direito Europeu, mormente do princípio da neutralidade fiscal das fusões.».
Em suma, a sentença analisou a questão da dedutibilidade dos referidos custos à luz da fundamentação que alicerçava as impugnadas correções, tendo julgado que os encargos assumidos pela sociedade incorporada e que por força da fusão passaram a ser suportados pela sociedade incorporante podiam relevar como custo fiscal para a determinação da matéria coletável desta, porquanto o momento temporal para aferir da sua admissibilidade é determinado pelo instante em que são gerados e não pelo momento em que são suportados; e visto que a incorporada tinha o direito de os relevar na sua matéria tributável, esse direito persistia, ope leqis, na esfera jurídica da incorporante, sendo que entendimento diverso redundaria na violação do princípio comunitário da neutralidade fiscal das fusões.
[…]
Em sentido idêntico, o acórdão de 22/03/2018, no proc. nº 0208/17, prolatado pelo STA no recurso interposto pela Fazenda Pública de análoga sentença proferida em processo de impugnação judicial instaurado pela mesma sociedade para contestar as mesmas correções efetuadas para o exercício de 2009, e onde aquela formulara idênticas alegações e conclusões de recurso.”
Posição que é secundada pelo Acórdão do TCAS, no processo n.º 1550/15.0BELRS, de 5 de junho de 2019, que reitera que:
“o que é relevante é a indispensabilidade do custo à data do financiamento, que não é posta em causa (cfr. a este respeito a decisão arbitral proferida no processo 101/2013-T, de 02.12.2013). Sendo indispensável, os seus gastos são abrangidos pela al. c) do art.º 23.º, do CIRC, não se podendo retirar da circunstância de ter havido em momento ulterior uma fusão que esse caráter simplesmente desapareça.
[…]
Em suma, por tudo quanto ficou exposto, entende este Tribunal Central Administrativo Sul que é de confirmar integralmente o julgamento do Tribunal Tributário de Lisboa que, partindo do pressuposto de que o momento determinante para efetuar o juízo de relevância fiscal do gasto (de indispensabilidade) é o da contração dos “empréstimos”, e não o momento em que são suportados os inerentes encargos, julgou fiscalmente relevantes os mesmos encargos (valor dos juros) assumidos pela Recorrida com os financiamentos para aquisição das sociedades M... de Gestão e M... Unipessoal (entretanto extintas por fusão) por ser incontroverso que a Administração Tributária, num juízo reportado a esse momento, reconhece a sua indispensabilidade.”
6. Análise Concreta
Ambas as partes convocam a jurisprudência arbitral respeitante a casos com propriedades similares às da situação sub iudice, i.e., relativos ao preenchimento do critério da indispensabilidade quanto a encargos financeiros suportados por uma entidade, decorrentes de empréstimo obtido para a aquisição das suas próprias participações por outra entidade entretanto incorporada – mediante fusão invertida – na primeira.
As pronúncias arbitrais não são uniformes: os Acórdãos n.ºs 14/2011-T, 87/2014-T e 690/2016-T vão no sentido da não indispensabilidade dos mencionados encargos, e os Acórdãos n.ºs 101/2013-T, 42/2015-T, 92/2015-T, 93/2015-T, 88/2016-T, 491/2016-T, 508/2016-T, 537/2016-T, 560/2016-T, 606/2016-T, 690/2016-T e 120/2017-T sustentam a dedutibilidade desses encargos, em alinhamento com a posição da Requerente, de pendor maioritário, sem prejuízo de pontuarem algumas declarações de voto.
As principais fontes de divergência prendem-se com as seguintes questões:
-
De direito, sobre a relação dos gastos com a atividade/interesse social da Requerente, o(s) momento(s) relevante(s) para aferir a cláusula de indispensabilidade e sobre o estabelecimento de uma relação de causalidade necessária entre as consequências (efeitos) legais de uma fusão conforme ao direito civil e comercial e a inevitável aceitação, para efeitos fiscais, da dedução dos encargos financeiros em causa; e
-
De facto, sobre o juízo concreto a extrair dos dados apurados.
Neste ponto, a jurisprudência do STA e do TCAS é pacífica e sufraga o entendimento da Requerente, tendo sido reiterada por dois recentes Acórdãos do STA, de 30 de janeiro de 2019 (processo n.º 02176/15.3BEPRT 0915/17), e do TCAS, de 5 de junho de 2019 (processo n.º 1550/15.0BELRS).
Assim, no que se refere ao requisito de indispensabilidade e de conexão objetiva (à atividade) e subjetiva (ao sujeito) que, segundo o STA, implica uma relação direta entre os gastos e o objeto social (processo n.º 570/13), tendo presente, por um lado, que o objeto estatutário da Requerente contempla a aquisição ou participação no capital social de outras sociedades, constituídas ou a constituir (mesmo que tenham objeto ou natureza jurídica diferente da sua) e, por outro lado, a forma como os encargos foram assumidos (por transmissão universal no âmbito de uma operação de fusão por incorporação), não pode deixar de considerar-se verificada tal conexão entre os encargos financeiros em causa e o escopo e interesse social daquela.
No tocante ao momento temporal para aferir a relação exigida pelo artigo 23.º do Código do IRC, os Tribunais superiores têm entendido que deve ser aquele em que os empréstimos foram contraídos, concluindo que, se a sociedade incorporada tinha o direito de relevar os encargos financeiros na sua matéria tributável, esse direito persiste, ope legis, na esfera jurídica da incorporante, a aqui Requerente, em consonância com o princípio da neutralidade fiscal das fusões[5].
No caso em análise a AT não põe em causa, antes reconhece, o direito à dedução fiscal dos encargos financeiros na entidade incorporada, pois é incontroverso que a aquisição do capital social da Requerente era suscetível de gerar rendimentos “na sua esfera tributável, quer sob a forma de dividendos quer sob a forma de eventuais mais[valias] de uma eventual alienação da sua participação”[6], devendo, por isso, manter-se tal direito, na incorporante.
É seguro que a operação de fusão gerou a diminuição do lucro tributável da Requerente e que a situação concreta reveste algumas especificidades dignas de nota, designadamente:
(a) A criação ex novo, em abril de 2009, de um veículo específico para aquisição das ações da Requerente, referimo-nos à sociedade B..., S.A.;
(b) Que essa sociedade contraiu um empréstimo (unicamente – tracing approach) destinado à aquisição das partes de capital da Requerente;
(c) Que em novembro do mesmo ano de 2009, ou seja, 7 (sete) meses volvidos sobre a sua constituição, a sociedade já se tinha extinguido por fusão incorporação na Requerente, com efeitos retroativos a abril de 2009, ou seja, ao momento da sua constituição;
(d) As ações da Requerente foram o único ativo que a sociedade veículo deteve;
(e) Que a Requerente, durante todo este período, já era detida (e ainda o é) indiretamente a 100% pela sociedade francesa que encabeça o Grupo empresarial em que se insere.
No entanto, a AT nunca invocou que a fusão tivesse sido realizada com recurso a meios artificiosos ou fraudulentos ou com o objetivo primordial de obtenção de vantagem fiscal, não tendo aplicado a cláusula específica anti-abuso consagrada no artigo 73.º, n.º 10 do Código do IRC[7], que permite que o regime de neutralidade seja afastado quando se constate abuso, pelo que não cabe nos poderes de cognição e pronúncia deste Tribunal Arbitral aferir tal questão.
Afiguram-se, desta forma, procedentes os argumentos da Requerente, devendo ser aceite a dedução dos encargos financeiros que passou a incorrer em razão da operação de fusão inversa, de acordo com o artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, com a consequente invalidade dos atos tributários impugnados.
7. Juros Compensatórios
A ilegalidade da liquidação de IRC implica, de igual modo, a anulação dos correspondentes juros compensatórios.
Dispõe nesta matéria o artigo 35.º, n.º 1 da LGT que determina que os juros compensatórios são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
Na situação vertente, os atos tributários de liquidação de IRC que originaram valor de imposto a pagar são inválidos por vício de violação de lei por erro nos pressupostos, gerador de anulabilidade, pelo que não se verifica o requisito constitutivo da obrigação de juros compensatórios, dado que não foi retardada a liquidação de imposto que fosse devido.
Em Síntese,
À face do exposto, conclui-se pela ilegalidade das correções à matéria coletável da Requerente, nos exercícios de 2013 e 2014, e consequente anulação dos atos de liquidação impugnados, relativos a IRC (incluindo derramas) e juros compensatórios, por vício material de erro nos pressupostos relativo à aplicação do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, ao abrigo do disposto no artigo 163.º do CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.
8. Indemnização por Prestação de Garantia Indevida
A Requerente peticiona uma indemnização correspondente à totalidade dos custos incorridos com a constituição, apresentação e manutenção de garantia bancária prestada no âmbito da execução fiscal para cobrança da dívida de IRC e acrescido suscitada pelas liquidações controvertidas.
O pedido de condenação ao pagamento de garantia indevida encontra-se previsto no artigo 171.º do CPPT e deve ser efetuado, segundo o seu n.º 2, em “reclamação, impugnação ou recurso”.
Configurando o processo arbitral um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial, como referido de forma expressa na autorização legislativa habilitante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o RJAT, os poderes de pronúncia deste Tribunal abrangem aqueles que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, nos quais pontuam a condenação em indemnização por prestação de garantia indevida, nos moldes em que tal obrigação é recortada pelo artigo 53.º da LGT, infra transcrito:
“Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.
2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”
Esta indemnização inscreve-se no dever de restabelecer a situação que existiria se o ato tributário anulado não tivesse sido praticado, alicerça-se no princípio constitucional da responsabilidade das entidades públicas (artigo 22.º da CRP) e consta da previsão do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT.
Na situação em apreço, os atos tributários de liquidação são anulados por vício substantivo, de erro sobre os pressupostos, pelo que se suscita a obrigação indemnizatória. Erro-vício que não pode deixar de ser atribuído à AT, dado que as correções foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que os erros fossem praticados, razão pela qual é procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por garantia indevida, com as legais consequências.
* * *
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou cuja apreciação seria inútil, designadamente a inconstitucionalidade da interpretação da AT acerca do artigo 23.º do Código do IRC e do vício de quantificação dos “juros não dedutíveis” (alocação proporcional e arredondamentos) por consolidação de empréstimos – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
V. Decisão
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar parcialmente extinta a instância, por inutilidade superveniente, relativamente à omissão (parcial) de reporte de prejuízos fiscais de exercícios anteriores [2012] em relação ao exercício de 2014;
-
Deferir a modificação objetiva da instância derivada da substituição do ato de liquidação de IRC para o exercício de 2014;
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade das liquidações de IRC (incluindo derramas e juros compensatórios) n.º 2017..., de 22 de maio de 2017, no valor de € 174.370,59 [exercício de 2013] e n.º 2018..., de 19 de março de 2018, no valor de € 216.020,52 [exercício de 2014], perfazendo o total de € 390.391,11;
-
Julgar procedente o pedido de condenação da AT no pagamento de uma indemnização à Requerente por prestação de garantia indevida, a liquidar em execução da presente decisão, pelas despesas suportadas com a prestação indevida de garantias bancárias, até ao respetivo cancelamento, com o limite do quantum indemnizatório estatuído no artigo 53.º, n.º 3, da LGT;
-
Julgar improcedente o pedido de alteração do valor da causa e de devolução parcial da taxa de arbitragem,
tudo com as legais consequências.
VI. Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 717.754,38 – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Notifique-se.
Lisboa, 1 de outubro de 2019
O Tribunal Arbitral Coletivo,
Alexandra Coelho Martins
Tomás Cantista Tavares
Américo Brás Carlos
(vencido, conforme declaração de voto)
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei contra este douto acórdão arbitral porque, embora mencionando outras decisões do Supremo Tribunal Administrativo (STA) que determinariam um resultado diferente, optou por suportar-se no douto Acórdão do STA proferido no processo nº 02176/15.3BEPRT0915/17 de 30 de janeiro de 2019, quando, com o devido respeito, seria claro, desde logo para este Tribunal Arbitral, que aquele aresto do STA não fez uma correta interpretação do direito da União Europeia.
2. É que, tendo, no âmbito deste processo arbitral, sido submetida ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nos termos do artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a seguinte questão prejudicial:
«Quando interpretados no sentido de que, após a citada fusão inversa, os juros dos empréstimos contraídos a terceiros (que seriam dedutíveis na sociedade incorporada, caso não houvesse fusão), para aquisição do capital da sociedade filha-incorporante, transmitidos por efeito da fusão, deixam de ser fiscalmente dedutíveis aos lucros da sociedade incorporante, serão os artigos 23.º, nº 1 e alínea c) do Código do IRC, na redação vigente em 2013, e 23.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) do Código do IRC, na redação vigente em 2014, compatíveis com o Direito Comunitário, nomeadamente, no sentido de esta não dedutibilidade dos juros ser suscetível de constituir um entrave ou restrição às operações de concentração abrangidas pela Diretiva 2009/133/CE do Conselho, violando os seus princípios e objetivos e, bem assim, o disposto no seu artigo 4.º?»
O TJUE concluiu, a final, que:
«A Diretiva 90/434/CEE do Conselho[8] (…) deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que leva a que não sejam considerados fiscalmente dedutíveis, para a sociedade incorporante, gastos que o foram, para a sociedade incorporada, antes da fusão entre essas sociedades, e que o teriam sido se essa fusão não tivesse ocorrido.»
3. Assim, parecendo indiscutível que o direito da União Europeia (UE) não consagra na esfera da sociedade incorporante o direito à continuidade da dedutibilidade geral de gastos vigente na sociedade incorporada, deve necessariamente concluir-se que as normas do CIRC em causa não ofendem o direito da UE, quando interpretadas no sentido de não garantir a estes gastos o regime de dedutibilidade fiscal anterior à fusão.
4. Note-se que esta interpretação do TJUE impõe-se não só ao tribunal nacional que suscitou a questão prejudicial, mas a todos as instâncias nacionais, incluindo os tribunais superiores que se ocuparem do litígio; e que, atendendo à natureza interpretativa da decisão do TJUE, os seus efeitos projetam-se também no passado[9].
5. Sustentando-se no supra citado Acórdão do STA, a presente decisão arbitral seguiu-o, repetindo aqui a conclusão daquele de que se os encargos com o empréstimo eram fiscalmente dedutíveis na incorporada esse “direito” transmitiu-se ope legis para a incorporante. Só que essa conclusão é exclusivamente assente na ideia de que o direito comunitário assim o determina. O que, como se viu, não é verdade.
6. De facto, lê-se no mencionado aresto do STA:
«Mesmo que possa ter havido "neutralidade fiscal" no que concerne aos "movimentos patrimoniais″, o certo é que ao deixar de se permitir a consideração fiscal de gastos anteriormente admissíveis, chega-se a um resultado que se afigura contrário ao espírito da Diretiva, isto é, de impedir que questões fiscais distorçam o mercado no sentido de favorecer, restringir (ou mesmo impedir) operações de reorganização empresarial, com as inerentes consequências ao nível da concorrência no mercado único.
Pode, assim, em jeito de súmula do expendido, afirmar-se que:
i) o momento temporal para aferir da admissibilidade dos custos para efeitos tributários deve ser determinado pelo instante em que estes são gerados e não pelo momento em que são suportados no sentido de que se vencem ou são pagos;
ii) tendo a sociedade incorporada o direito a relevar fiscalmente os gastos na sua matéria tributável, em sede de IRC, esse direito persiste, pela fusão, ope legis, na esfera jurídica da incorporante;
iii) Entendimento diverso redundaria na violação Direito Europeu, mormente do princípio da neutralidade fiscal das fusões.».
E prossegue, concluindo, o mesmo Acórdão:
«Em suma, a sentença analisou a questão da dedutibilidade dos referidos custos à luz da fundamentação que alicerçava as impugnadas correções, tendo julgado que os encargos assumidos pela sociedade incorporada e que por força da fusão passaram a ser suportados pela sociedade incorporante podiam relevar como custo fiscal para a determinação da matéria coletável desta, porquanto o momento temporal para aferir da sua admissibilidade é determinado pelo instante em que são gerados e não pelo momento em que são suportados; e visto que a incorporada tinha o direito de os relevar na sua matéria tributável, esse direito persistia, ope legis, na esfera jurídica da incorporante, sendo que entendimento diverso redundaria na violação do princípio comunitário da neutralidade fiscal das fusões.[10]
7. Em suma, o Acórdão do STA de 30 de Janeiro de 2019 (procº nº 02176/15.3BEPRT0915/17) dispensa a averiguação dos requisitos de dedutibilidade fiscal dos encargos em análise na esfera da incorporante porque, em seu entender, deduzi-los seria um direito que a diretiva comunitária lhe conferiria, caso tivessem tido condições de dedutibilidade na sociedade incorporada.
8. Na mesma linha, concluiu a presente decisão arbitral, de que divirjo:
«No tocante ao momento temporal para aferir a relação exigida pelo artigo 23.º do Código do IRC, os Tribunais superiores têm entendido que deve ser aquele em que os empréstimos foram contraídos, concluindo que, se a sociedade incorporada tinha o direito de relevar os encargos financeiros na sua matéria tributável, esse direito persiste, “ope legis”, na esfera jurídica da incorporante, a aqui Requerente, em consonância com o princípio da neutralidade fiscal das fusões[11].
No caso em análise a AT não põe em causa, antes reconhece, o direito à dedução fiscal dos encargos financeiros na entidade incorporada, pois é incontroverso que a aquisição do capital social da Requerente era suscetível de gerar rendimentos “na sua esfera tributável, quer sob a forma de dividendos quer sob a forma de eventuais mais[valias] de uma eventual alienação da sua participação”[12], devendo, por isso, manter-se tal direito, na incorporante. »
9. Diga-se que o presente acórdão arbitral referiu, judiciosamente, na nota de pé de página nº 5 que «Embora, à face da pronúncia do TJ no reenvio prejudicial suscitado no presente processo (C-438/18), não se possa afirmar, como nessa jurisprudência, a violação de princípio ou norma de direito europeu», mas, todavia, não retirou daí todas as consequências. Nomeadamente, a de que, ao invés do que concluiu, não há nenhum direito à dedução fiscal dos encargos financeiros que se transmita ope legis ao incorporante; e que a posição adotada nesse Acórdão do STA não podia servir de arrimo à decisão arbitral em análise, porque, como ficou claro, é contrária ao direito da União Europeia.
10. Em ambos os arestos (do STA e arbitral) só aparentemente há duas questões para resolver ou dois momentos de análise: a existência de neutralidade fiscal e o momento de aferição da indispensabilidade dos gastos. Como se vê, no Acórdão do STA e no Acórdão arbitral, o dito segundo momento de análise foi resolvido como uma decorrência necessária e ope legis do primeiro.
11. Os efeitos civilístico-comerciais das transmissões universais de um acervo patrimonial não levam, automaticamente, de arrasto os anteriores enquadramentos fiscais dos gastos, a menos que norma com relevância fiscal o imponha. Mas, como foi visto, não existe tal norma. Com uma fusão transmitem-se direitos e obrigações, mas a ponderação da dedutibilidade fiscal dos gastos move-se noutro campo. No campo das especificidades impostas pela norma fiscal. E, repito, não há na lei esse mecanismo de continuidade fiscal.
12. Não se transmitindo por força da lei o direito à dedução dos juros para a incorporante, devem seguir-se as regras gerais e a correspondente jurisprudência dos tribunais superiores. Alguma dela indicada neste douto Acórdão arbitral, mas preterida em favor da solução que fez vencimento.
13. Como resulta do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 42/2014 (proc.º 564/12) a propósito do regime fiscal dos juros que remuneram capitais alheios com relevância plurianual «tais encargos não se afastam dos princípios gerais que regem a imputação de custos dedutíveis, mormente o princípio da especialização de exercícios (artigo 18.º do CIRC) e o princípio da homogeneidade entre custos dedutíveis e os rendimentos ou proventos sujeitos a imposto a que estejam ligados».
14. E, de facto, não vejo como, em face do artigo 18º e artigo 23º, nº 1 e nº 2 alínea c), do CIRC, não tenha de ser renovado em cada exercício o juízo sobre a verificação dos pressupostos da dedutibilidade fiscal dos gastos por quem neles incorre ou suporta e contabiliza. A Requerente admite, aliás, que, em certos casos, este enquadramento inicial não fique ad infinitum cristalizado no exercício económico da aquisição do bem ou do direito em causa. Mas os mencionados encargos financeiros não deixarão de ser fiscalmente dedutíveis apenas quando houver um “desvio” do produto dos capitais alheios para fins não empresarias (vd. art. 181º do ppa), mas também, digo, quando “desviados” para interesses empresariais não elegíveis em função do objeto social ou da lei, ou para os interesses empresariais de outrem.
15. É que a aferição da comprovada indispensabilidade dos gastos para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, a que se refere o nº 1 do artigo 23º do CIRC, começa por só poder fazer-se relativamente à entidade que os contabiliza e suporta, como resulta de reiterada jurisprudência do STA, de que é exemplo o seu Acórdão de 30.05.2012, proc. nº 171/11[13], que concluiu: «os custos não podem deixar de respeitar à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.», bem como o seu acórdão de 10.7.2002, proc. n.º 0246/02, que decidiu: “os custos previstos naquele artigo 23.º têm de respeitar à própria sociedade contribuinte”, pelo que “para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedade ainda que em relação de domínio”.
16. A aferição da referida dedutibilidade fiscal é feita em relação à sociedade que suporta os respetivos encargos e não a outrem. Como reafirma o acórdão do TCANorte de 14.3.2013, proc. n.º 01393/06.1, “só devem ser considerados custos do exercício os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora mas da própria sociedade e não de um terceiro. Ou seja, os custos têm que ser reportados à atividade desenvolvida pela sociedade em causa e não por outra sociedade”.
17. Também a norma da alínea c) do nº 1 (ou nº 2 para o exercício de 2014) do artigo 23º do CIRC, nega a dedutibilidade dos juros em análise. O preceito consagra para estes encargos a seguinte regra: “são fiscalmente dedutíveis os juros de capitais alheios aplicados na exploração”. E, da sua conjugação com a exigência da comprovada indispensabilidade a que se refere o dito nº 1, reconheço razão aos entendimentos de Maria dos Prazeres Lousa[14] e Rui Marques[15], concluindo que tais capitais alheios terão de ser aplicados na exploração da sociedade que os suporta e não de outrem, para que os correspondentes encargos sejam fiscalmente dedutíveis. O que não é o caso dos autos.
18. Sujeitando a questão em análise também ao critério enunciado na douta decisão arbitral proferida no proc. nº 101/2013-T (em que foi árbitro-presidente o Exmº Conselheiro Jorge Lopes de Sousa) citada no artigo 58º do pedido de pronúncia arbitral por tratar de questão semelhante à dos presentes autos, não poderia igualmente ter sido deferida a pretensão da Requerente. Concluiu esse aresto arbitral: «só é de afastar uma conclusão no sentido da indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos ou ganhos se se puder afirmar que essas despesas não tinham potencialidade para os influenciarem positivamente». Ora, não se vislumbra qualquer possibilidade de os ditos encargos com juros suportados pela Requerente/incorporante após a fusão influenciarem positivamente os seus proveitos ou ganhos.
19. No caso, não se vê qual seja o interesse empresarial para a atividade da Requerente em suportar os gastos inerentes à aquisição por outrem das suas próprias ações, as quais, refira-se, eram o único ativo da sociedade incorporada. No caso bem evidente desta fusão inversa, o “interessado” foi apenas o acionista da sociedade incorporada.
20. E deve ainda dizer-se que a obrigação de pagamento dos encargos em análise nunca foi, desde a primeira hora, contraída no interesse empresarial da Requerente/incorporante, sendo que não poderia, após a fusão, passar a considerar-se que tais financiamentos eram para si indispensáveis para efeitos do artigo 23º do CIRC.
Pelo que, tudo visto, entendo que os atos tributários em julgamento deviam ter sido mantidos; e, por isso, votei contra.
Lisboa, 1 de outubro de 2019
Américo Brás Carlos
[1] Conjuntamente com a liquidação referente ao ano anterior (2013) no valor de € 174.370,59, que se manteve inalterada.
[3] Acórdãos de 20 de maio de 2010, Modehuis A. Zwijnenburg, C-352/08; de 9 de outubro de 2014, van Caster, C-326/12; de 14 de março de 2019, Jacob e Lennertz, C-174/18.
[4] De 23 de julho de 1990, conforme alterada pela Diretiva 2006/98/CE do Conselho de 20 de novembro de 2006.
[5] Embora, à face da pronúncia do TJ no reenvio prejudicial suscitado no presente processo (C-438/18), não se possa afirmar, como nessa jurisprudência, a violação de princípio ou norma de direito europeu.
[6] Acórdão do STA citado supra: processo n.º 02176/15.3BEPRT 0915/17, de 30 de janeiro de 2019.
[7] Nos termos previstos no artigo 15.º da Diretiva 2009/133/CE do Conselho (e no anterior artigo 11.º da Diretiva 90/434/CEE).
[8] Relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de ações.
[9] Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, 2ª edição, Almedina, pp 597 e segs.
[10] O referido Ac. STA de 30 de Janeiro de 2019, procº nº 02176/15.3BEPRT0915/17, termina rejeitando o que considerou uma fundamentação a posteriori da AT, na linha do que ocorreu também no mencionado Ac. STA de 22 de março de 2018, procº nº 0208/17. Julgamentos que para o caso subjudice são irrelevantes.
[11] Embora, à face da pronúncia do TJ no reenvio prejudicial suscitado no presente processo (C-438/18), não se possa afirmar, como nessa jurisprudência, a violação de princípio ou norma de direito europeu.
[12] Acórdão do STA supra citado processo n.º 02176/15.3BEPRT 0915/17, de 30 de janeiro de 2019.
[13] Na linha de múltiplas decisões anteriores deste tribunal superior (v.g. Ac. de 10.07.2002, proc. nº 246/02; Ac. de 12.07.2006, proc. 186/06; Ac de 07.02.2007, proc. nº 1046/05; Ac. de 20.05.2009, proc. nº 1077/08; Ac. de 15.06.2011, proc. nº 049/2011; Ac. de 30.11.2011, proc. nº 107/2011).
[14] O problema da dedutibilidade dos juros, Centro de Estudos Fiscais, Caderno CTF nº 171, 1995, p. 353.
[15] Fusões e Participações: da dedutibilidade dos encargos financeiros em sede de IRC, Revisores e Auditores, nº 73, 2016, p. 40.
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