A A... apresentou impugnação perante o Tribunal Central Administrativo Sul da decisão arbitral de 24 de outubro de 2019, ao abrigo do disposto nos artigos 27.º e 28.º do RJAT, invocando:
a. nulidade por omissão de pronúncia:
(i) quanto ao alegado em torno da violação do princípio da operação única que havia sido alegado, a título subsidiário, no pedido arbitral;
(ii) quanto ao alegado em torno da boa-fé, por o Tribunal ter concluído, sem explicar, que a boa-fé nunca é um vício da liquidação do imposto;
(iii) por não ter sido apreciada a relação de causalidade entre a procedência da boa-fé no tema dos impostos e no tema dos juros;
b. nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão.
O TCA Sul, por acórdão de 30 de setembro de 2020, deu como verificada a nulidade por omissão de pronúncia quanto à questão da violação do princípio da operação única, julgando improcedente a impugnação quanto aos restantes fundamentos e determinou a prolação de novo acórdão arbitral com supressão da irregularidade reconhecida pelo Tribunal ad quem.
Em cumprimento do julgado, cabe então a prolação de nova decisão, agora com supressão da irregularidade reconhecida pelo Tribunal ad quem, o que se faz de seguida, com a pronúncia quanto à questão da violação do princípio da operação única no ponto E da parte IV da nova seguinte decisão:
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dra. Catarina Belim e Dr. António Alberto Franco (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 02 de maio de 2019, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., doravante designada por “Requerente”, número de pessoa coletiva e de identificação fiscal ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., Portugal, tendo sido notificada do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada contra os atos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), com os ns.º ... (período de tributação 01.13), ... (período de tributação 02.13), ... (período de tributação 03.13), ... (período de tributação 04.13), ... (período de tributação 05.13), 22161929 (período de tributação 06.13), ... (período de tributação 07.13), ... (período de tributação 07.13), ... (período de tributação 08.13), ... (período de tributação 09.13), ... (período de tributação 10.13), ... (período de tributação 11.13), ... (período de tributação 12.13), 2018 ... (período de tributação 01.17), 2018 ... (período de tributação 02.17), 2018 ... (período de tributação 03.17), 2018 ... (período de tributação 04.17), 2018 ... (período de tributação 05.17) e respetivas liquidações de juros compensatórios n.ºs ... (07.13), 2018 ... (01.17), 2018 ... (02.17) e notificada da liquidação adicional de IVA n.º ... (período de tributação 02.2018), apresentou, em 21.02.2019 pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Autoridade Tributária”).
2. A Requerente pretende, a título principal, a anulação das liquidações adicionais de imposto e juros compensatórios acima referidas e consequente restituição das quantias pagas (por compensação) acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária bem como extinção da garantia prestada e indemnização por prestação de garantia indevida.
3. A título subsidiário, a Requerente solicita, em caso de improcedência dos pedidos principais, a anulação das liquidações de juros compensatórios.
4. Invoca, em sede material, que as liquidações por si impugnadas estão inquinadas de erro de facto e de direito: (i) em primeiro lugar, a Requerente não está sujeita, em sede subjetiva e objetiva, a IVA, em relação aos rendimentos objeto das liquidações na medida em que intervém, quanto aos mesmos, como organismo público no exercício de poderes de autoridade, (ii) em segundo lugar porque os rendimentos em causa, ainda que sujeitos a IVA, sempre seriam dele isentos nos termos do artigo 9.º, n.ºs 19 e 21, do Código do IVA.
5. Invoca ainda que as liquidações por si impugnadas são ilegais por violação dos princípios da boa fé, da justiça, da proporcionalidade e neutralidade do IVA atendendo a que a Requerente sempre liquidou o IVA como sujeito passivo misto, efetuando uma interpretação plausível e congruente da lei fiscal e a Autoridade Tributária apenas suscitou a questão da falta de liquidação de imposto, abrindo uma inspeção, quando a Requerente solicitou um reembolso do imposto. Por este motivo, não serão devidos juros compensatórios que apenas podem ser exigíveis quando a omissão ou atraso no pagamento envolver um juízo de censura ou culpa em relação ao contribuinte.
6. De acordo com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a) e 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
7. O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 02.05.2019, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.
8. Notificada para o efeito, em 11.05.2019, a Requerida apresentou resposta tendo-se defendido por impugnação.
9. A Requerida não procedeu à junção do processo administrativo.
10. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, sem oposição das Partes.
11. A pedido da Requerente, foram aproveitados como meios de prova os depoimentos testemunhais prestados e registados no processo do CAAD n.º 248/2018-T, processo referente a impugnação de liquidações adicionais de IVA emitidas à Requerente com os mesmos fundamentos que as liquidações aqui em causa mas por referência aos anos de 2014, 2015 e 2016, e relativamente às quais a Requerente optou por deduzir imediata arbitragem tributária.
12. Tendo sido concedido prazo para alegações sucessivas facultativas, as partes optaram por não alegar.
II. SANEAMENTO
13. O Tribunal é competente.
14. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado a partir dos factos previstos no artigo 102.º n.º 1, alínea b) do CPPT.
15. O processo não enferma de vícios que o invalidem na totalidade.
16. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.
Cabe apreciar e decidir.
III. MATÉRIA DE FACTO
17. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que o Tribunal julga assentes:
a. A Requerente é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos.
b. A Requerente tem personalidade jurídica e autonomia administrativa, técnica e financeira.
c. A Requerente, por delegação da B..., exerce competências na atividade do ... profissional.
d. A Requerente, nos termos dos seus estatutos, organiza e regulamenta as competições de natureza profissional, controla e supervisiona nestas os associados, define os pressupostos desportivos, financeiros e de organização de acesso às competições, bem como fiscaliza a sua execução pelas entidades nela participantes.
e. A Requerente integra os clubes e sociedades desportivas que disputem as competições profissionais de ....
f. A Requerente pode ainda integrar representantes de outros agentes desportivos.
g. A Requerente tem como:
(i) associados ordinários, as sociedades desportivas que disputem competições de ... de natureza profissional;
(ii) associados históricos, os clubes fundadores da A... e os que tenham detido a qualidade de associados ordinários independentemente de se encontrarem a disputar as competições de natureza profissional;
(iii) associados honorários, as pessoas singulares ou coletivas a quem seja reconhecido mérito na área do ... e àquelas que tenham prestado serviços relevantes à A... ou ao desporto do ....
h. A Requerente tem os seus próprios órgãos deliberativos, executivos e de controlo fiscal e disciplinar.
i. É atribuição da Requerente a exploração comercial das competições profissionais de ... (..., ... e ...) enquanto representante do coletivo constituído pelas sociedades desportivas que nelas participem, com angariação de receitas de publicidade e patrocínio, tais como o patrocínio da ... (época de 2016/2017) como patrocinador oficial dam A... .
j. Constituem receitas da Requerente o produto das joias de admissão e das quotizações dos associados, o produto de multas, indemnizações ou percentagens sobre estas, custas, emolumentos, preparos e cauções, as receitas que lhe couberem nos jogos em que intervenham as sociedades desportivas associadas ou que pela Requerente sejam organizados.
k. Os associados têm a obrigação de contribuir para as despesas da Requerente, pagando as quotas e outros encargos fixados.
l. São aplicadas quotas de valor fixo, quotas de valor variável para financiar o orçamento geral da Requerente ou destinadas ao Fundo de Equilíbrio Financeiro, e quotas suplementares, estas exigidas por efeito da inscrição das equipas B na ... .
m. São ainda receitas da Requerente:
(i) as quantias devidas pela inscrição e transferência de jogadores nacionais e estrangeiros e demais agentes desportivos (treinadores, preparadores, adjuntos, médicos, massagistas) e as respetivas quantias devidas pela emissão de cartões de identificação e cópias; e
(ii) as quantias devidas pelas vistorias aos estádios.
n. As quantias devidas pela inscrição e transferência de jogadores e demais agentes desportivos e respetivas emissões de cartões de identificação e cópias, remuneram a organização do processo administrativo de inscrição e transferência de jogadores e demais agentes desportivos, competindo à B... a homologação dos atos de inscrição ou transferência e licenciamento definitivo.
o. Nesta sede:
(i) o valor das quantias devidas é determinado pela B... em cada época desportiva;
(ii) as quantias recebidas são repartidas entre a Requerente e a B... . A Requerente fica com uma quantia equivalente aos encargos gerais e comuns que tem de suportar com a organização e gestão dos processos, tendo a repartição, nos anos em causa, sido de 50%.
p. As quantias devidas pelas vistorias aos estádios têm a ver com ações de controlo dos estádios, a fim de confirmar e certificar que estão aptos para a realização de jogos de ..., com requisitos de segurança, conforto, reportagens e televisionamento.
q. O saldo positivo da prestação de contas das competições profissionais, resultante da diferença apurada em cada época desportiva entre, por um lado, os rendimentos de exploração comercial líquidos de gastos incorridos para a sua obtenção, e, por outro lado, os gastos incorridos na organização dessas provas, é, após deduções de parcelas que se destinam ao Fundo de Equilíbrio Financeiro, ao orçamento da Requerente e ao Fundo de Infraestruturas da ... Liga, imputado às sociedades desportivas que nelas tenham participado nessa mesma época, de acordo com os critérios definidos pela Assembleia-Geral da Requerente.
r. O saldo negativo apurado numa época desportiva é deduzido aos saldos positivos, havendo-os, de uma ou mais épocas desportivas posteriores.
s. O excedente da atividade de natureza associativa da A... será alocado ao cumprimento dos fins e atribuições estatutárias.
t. Nos anos de 2013, 2017 e no período 02.2018, a Requerente não liquidou IVA sobre os valores cobrados a título de quotas associativas, inscrições e transferências de jogadores e agentes desportivos e respetivas quantias devidas pela emissão de cartões de identificação e cópias, e ainda sobre as vistorias a estádios.
u. A Requerente não deduziu o IVA suportado relativamente a estas atividades.
v. Nos mesmos anos, a Requerente liquidou IVA sobre os proveitos – publicidade e patrocínios – referentes à exploração comercial das competições profissionais de ..., deduzindo o respetivo IVA incorrido relativamente a esta atividade.
w. Na sequência de ações inspetivas referentes aos anos de 2013, 2017 e período de 02.2018, foram efetuadas correções aritméticas em sede de IVA no montante de € 422.292,46, € 104.954,18 e € 7.051,03, respetivamente.
x. A maioria das correções efetuadas tem a ver com as quantias ligadas à inscrição e transferência de jogadores e agentes desportivos, 80% do total das liquidações de 2013, 90% do total das liquidações de 2017 e 75% do valor da liquidação de 2018.
y. A Autoridade Tributária, no indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra as liquidações adicionais de 2013 e 2017 e no Relatório de Inspeção Tributária relativo ao período de 02.2018, considerou que os rendimentos enumerados nos pontos l. e m. supra consubstanciam prestações de serviços a título oneroso sujeitas e não isentas de IVA: (i) não se encontram abrangidas pela exclusão do âmbito de incidência subjetiva do imposto que consta do artigo 2.º, n.º 2, do Código do IVA na medida em que a Requerente não tem a qualidade de organismo de direito público e exerce poderes de autoridade de forma direta e (ii) não se encontram abrangidas pela isenção a que se refere o artigo 9.º, n.º 19, do Código do IVA na medida em que a Requerente não é um organismo sem finalidade lucrativa.
z. De igual modo, a Autoridade Tributária considerou que a Requerente não é um grupo autónomo de pessoas que exerce a título principal uma atividade isenta nem se limita a exigir dos seus membros o reembolso exato da parte que lhes incumbe nas despesas comuns, pelo que aos rendimentos em causa não é aplicável a isenção do artigo 9.º n.º 21 do Código do IVA.
aa. A Requerente invocou, em sede de Reclamação Graciosa contra as liquidações de 2013 e 2017, o vício de forma por infração do n.º 7 do artigo 60.º da LGT e a ilegalidade dos juros compensatórios correspondentes (cfr. ato de indeferimento da Reclamação Graciosa junto aos autos como documento 1 do PPA, ponto 3).
bb. A Requerente não exerceu direito de audição quanto ao projeto de correção da inspeção do período de tributação 02.2018 (cfr. Relatório de Inspeção junto aos autos como documento 2 do PPA, pág 18. Ponto VIII).
cc. Do Despacho do Gabinete do Secretário de Estados dos Assuntos Fiscais n.º 616/2008-XVII, emitido à Associação C..., em 25 de Junho de 2008, a esta remetida através do Ofício n.º..., consta o seguinte:
“Considerando que o n.º 21 do artigo 9.º do Código do IVA (CIVA) estabelece a isenção de imposto nas prestações de serviços e transmissões de bens conexas efetuadas, no interesse coletivo dos seus associados, por organismos sem finalidade lucrativa que prossigam objetivos de natureza desportiva, quando a respetiva contraprestação seja uma quota fixada nos termos dos estatutos;
Considerando que não é posto em causa que a Associação C... (C...) se constitui como um organismo sem fins lucrativos nos termos do artigo 10.º do CIVA;
Considerando que nos termos das alíneas a) e b) do artigo 58.º dos Estatutos da C... (EC...) se encontra prevista a cobrança aos clubes de quotas e taxas de inscrição e transferência de jogadores;
(…)
Deve entender-se que:
- As importâncias cobradas aos clubes pela C... nos termos dos respetivos Estatutos, relativas à organização de jogos, à filiação dos clubes e sua inscrição nas provas, às inscrições e transferências de jogadores e à atribuição de cartões, se enquadram no n.º 21 do artigo 9.º do CIVA
(…)”
***
Motivação da matéria de facto
18. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
19. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
20. O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e factos notórios, em particular os Estatutos e Regulamento da Requerente e estatutos da B..., e a prova testemunhal produzida.
21. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas ou de direito, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
IV. DO DIREITO E DO MÉRITO
A. Delimitação das questões decidendas materiais
22. A Requerente entende que a não liquidação de IVA sobre as quantias enumeradas nos pontos l. e m. supra da Matéria de Facto assente é plenamente justificada porque:
(i) Ao estarmos perante rendimentos associativos, a Requerente está excluída da incidência subjetiva do IVA, nos termos do artigo 2.º n.º 2 do Código do IVA e artigo 13.º da Diretiva IVA, na medida em que os rendimentos em causa se reportam a atividades que a Requerente desenvolve na qualidade de “organismo de direito público” e no exercício de “poderes de autoridade”;
(ii) Os rendimentos em causa estão excluídos da incidência objetiva do IVA porque não consubstanciam uma atividade económica sujeita a este imposto nos termos do artigo 1.º e 4.º do Código do IVA e artigo 9.º da Diretiva IVA;
(iii) Ainda que considerássemos os rendimentos em causa como sujeitos a IVA, os mesmos sempre seriam isentos de imposto ao abrigo das isenções constantes do artigo 9.º n.ºs 19 e 21 do Código do IVA por estarmos perante prestações realizadas no interesse coletivo dos seus associados por organismos sem finalidade lucrativa ou perante prestações fornecidas aos seus membros por grupos autónomos de pessoas que exerçam uma atividade isenta e
(iv) Que houve violação do princípio da “operação única” nos termos que melhor se desenvolvem infra, em IV, ponto E..
23. A Requerente indica ainda que: (i) a considerar-se que os rendimentos aqui em causa são sujeitos e não isentos de IVA, sempre as liquidações estão inquinadas de vício de lei por violação dos princípios da boa-fé e interpretação plausível, não sendo devidos, ao abrigo destes princípios, juros compensatórios (ii) haveria direito à dedução do IVA incorrido na aquisição de bens e serviços destinados à atividade (associativa), pelo que as correções efetuadas pela Autoridade Tributária padecem de vício de ilegalidade ao não contemplarem a diferença entre o IVA dedutível e o IVA liquidado.
Vejamos.
B. Exclusão da qualidade de sujeito passivo a pessoas coletivas de direito público que atuem no exercício de poderes de autoridade
24. A primeira questão a analisar prende-se com a regra de não sujeição a IVA de pessoas coletivas de direito público e a sua aplicação à Requerente e aos rendimentos aqui em causa.
25. Nos termos do artigo 13.º da Diretiva IVA, que baliza o nosso direito e IVA nacional: “os Estados, as regiões e autarquias locais e os outros organismos de direito público não são considerados sujeitos passivos relativamente às atividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando, no âmbito dessas atividades ou operações, cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações”.
26. Esta regra foi transposta para o Código do IVA, artigo 2.º n.º 2, com a seguinte redação: “o Estado e demais pessoas coletivas de direito público não são, no entanto, sujeitos passivos do imposto quando realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade, mesmo que por elas recebam taxas ou quaisquer outras contraprestações, desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência”.
27. Nesta sede, o Tribunal de Justiça da União Europeia (“doravante TJUE”) tem-se pronunciado, em diversas ocasiões, sobre o conceito de “organismo de direito público” no contexto da interpretação do artigo 13.º da Diretiva IVA, que é aquele que importa ao caso concreto .
28. Decorre da jurisprudência emitida que não são tidos como “organismos de direito público”: (i) operadores de direito privado (Processos das Portagens) , (ii) entidades que não estão integrados na organização da administração pública e (iii) entidades que exercem atividades económicas independentes, exercidas no quadro de uma profissão liberal (Comissão/Países Baixos) .
29. Está ainda claro que:
(i) não é pelo simples facto de uma atividade exercida por um privado consistir na prática de atos que consubstanciam prerrogativas da autoridade pública que tal atividade é abrangida pela regra de não sujeição do IVA ;
(ii) a norma do artigo 13.º, analisada à luz dos objetivos da Diretiva IVA, põe em evidência a necessidade do preenchimento cumulativo de duas condições para que a regra da não sujeição seja aplicada: (a) o exercício de atividades por um “organismo de direito público” e (b) o exercício de atividades efetuadas na qualidade de autoridade pública .
(iii) o único critério que permite distinguir as atividades realizadas por organismos públicos na qualidade de sujeitos de direito público ou de sujeitos de direito privado é o regime jurídico aplicável com base no direito nacional . Daí que se entenda que os organismos de direito público agem na qualidade de autoridades públicas quando exercem competências no âmbito do regime jurídico que lhes é específico e, ao contrário, não atuam nessa condição se intervêm como os operadores económicos privados .
30. Da aplicação do acima exposto ao caso concreto, resulta assim que a Requerente apenas estará excluída da incidência subjetiva do IVA nos termos do artigo 2.º n.º 2 do Código do IVA, se agir na qualidade de “organismo de direito público” à luz das regras nacionais.
31. Ora nos termos do regime jurídico em vigor, o ..., enquanto atividade desportiva, agrega-se numa Federação, no caso, a B... .
32. Esta Federação é uma pessoa coletiva sem fins lucrativos, constituída sob a forma de associação de direito privado (cfr. artigo 1.º n.º 1 dos Estatutos da B...), a quem é conferido o estatuto de utilidade pública (cfr. artigo 19.º da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, Lei n.º 5/2007 de 16 de Janeiro doravante “Lei de Bases do Desporto”, e artigo 7.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas com Utilidade Pública, Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de Dezembro, doravante “RJFD”).
33. Mediante a obtenção do estatuto de utilidade pública passa a caber à B... o exercício, em exclusivo, dos poderes de natureza pública, regulamentar, e disciplinar da modalidade de ... (cfr. artigo 19.º da Lei de Bases do Desporto).
34. Neste contexto, a B... deve integrar uma liga profissional, sob a forma de associação sem fins lucrativos, com personalidade jurídica e autonomia administrativa, técnica e financeira – no caso concreto, a Requerente (cfr. artigo 22.º, n.º 1, da Lei de Bases do Desporto).
35. Esta liga, por delegação da B..., passa a exercer as competências relativas às competições de natureza profissional de ..., nomeadamente organizar e regulamentar as competições profissionais, exercer, relativamente aos seus associados, as funções de controlo e supervisão e definir os pressupostos desportivos, financeiros e de organização de acesso às competições profissionais Requerente (cfr. artigo 22.º, n.º 2, da Lei de Bases do Desporto).
36. Esta liga não tem interesse público reconhecido por ato administrativo.
37. A relação entre a Requerente e a B... está regulada num contrato próprio celebrado entre as duas entidades (cfr. artigo 23.º da Lei de Bases do Sistema Desportivo e contrato existente entre Requerente e a B...).
38. Ainda que, por vezes, pudesse ter-se suscitado a dúvida quanto à natureza das federações desportivas, foi sempre entendimento dominante que essas entidades, mesmo que fossem pessoas coletivas de direito privado, na medida em que dispusessem do estatuto de utilidade pública, beneficiavam de prerrogativas de autoridade no exercício de uma missão de serviço público, de tal modo que os atos unilaterais que praticassem nessa qualidade assumiam a natureza de atos administrativos, sendo contenciosamente impugnáveis junto da jurisdição administrativa (Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 14/1985, BMJ n.º 359, pág. 189; acórdão do STA (Pleno) de 30 de abril de 1997, Cadernos de Justiça Administrativa (CJA) n.º 4, pág. 3; Vital Moreira, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra, 1997, pág. 303).
39. A Lei de Bases do Desporto aponta neste sentido quando identifica, no seu artigo 18º, que “os litígios emergentes dos atos e omissões dos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, no âmbito do exercício dos poderes públicos, estão sujeitos às normas do contencioso administrativo”.
40. Resulta de tudo o que foi aqui exposto que a B... adquiriu poderes públicos de regulação e disciplina da atividade desportiva do ..., poderes esses que lhe foram delegados pelo Estado.
41. Por sua vez, a própria B... delegou, na Requerente, parte desses poderes públicos quanto às competições de natureza profissional de ....
42. Não obstante a conclusão chegada acima, a delegação de poderes verificada apenas significa que existiu um processo de transferência de responsabilidades de execução de uma função pública e não que uma determinada entidade passe, por essa via, a
qualificar-se como um organismo de direito público.
43. Nesta sede, este Tribunal concorda na íntegra com a decisão e fundamentos do Tribunal Arbitral Coletivo no processo 248/2018-T, que se passam a transpor por facilidade de referência:
“9. À luz de todo este enquadramento jurídico importa reconhecer que as federações desportivas são, na sua génese, associações privadas (livremente constituídas por agentes desportivos, clubes e agrupamento de clubes) e só mediante o pedido de atribuição de estatuto de utilidade pública desportiva adquirem a competência para o exercício de poderes públicos de regulação e disciplina da actividade desportiva. Esses poderes públicos correspondem a poderes delegados pelo Estado, isto é, a poderes que se enquadravam originariamente nas atribuições do Estado em matéria desportiva.
A delegação de poderes públicos numa entidade privada apenas significa que esta, por um processo de transferência de responsabilidades, passa a ser uma instância de execução de uma função pública, e no exercício da qual se impõe a vinculação ao direito administrativo e a procedimentos de fiscalização pública. Não estamos perante a execução de uma tarefa que tenha passado para o setor privado, mas que se mantém como tarefa pública e que continua a ser da responsabilidade última do Estado.
(…)
Em relação às competições profissionais, a lei permite a delegação de competências nas ligas profissionais o que corresponde a uma forma de subdelegação de competências. Ou seja, o Estado delega funções públicas nas federações mas o exercício de algumas dessas funções podem ser delegadas na A... [Requerente].
Como resulta do disposto no artigo 22.º da Lei de Bases, e se reafirma no artigo 27.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, a A… constitui um órgão autónomo da B [B...] para o desporto profissional e que dispõe de personalidade jurídica e autonomia administrativa. Tal significa que os actos que praticam no exercício delegado de poderes não são imputáveis à B... mas à própria A... enquanto órgão diferenciado. Havendo de concluir-se que as ligas profissionais participam no exercício da função pública de regulação do desporto exercendo, nesse âmbito, poderes públicos de autoridade (neste sentido, Pedro Gonçalves, ob. cit., pág. 867).
Nesse contexto, não pode deixar de reconhecer-se que a intervenção da A... nos procedimentos de inscrição e transferências de jogadores e de vistorias de espaços desportivos, com efeitos constitutivos, ainda que sujeitos a homologação da B..., representam o exercício de poderes de autoridade. Isso porque, por efeito do regime jurídico específico que lhe é aplicável, a A... intervém, não como sujeito de direito privado, mas no exercício de poderes subdelegados de regulação das competições profissionais que pertenciam originariamente ao Estado.
O ponto é que a A..., como se deixou entrever, é uma associação de direito privado, constituída para a defesa dos “interesses comuns dos seus associados”, à qual compete não só o exercício de funções regulatórias mas também “negociar, gerir e supervisionar, no interesse e por conta dos seus associados, a exploração das competições profissionais” e “gerir as receitas” delas provenientes (artigos 1º, 7.º, alínea b), e 8º, n.º 1, alíneas q) e r), dos Estatutos). Para a prossecução dos interesses comuns, cabe à A..., designadamente, “constituir sociedades comerciais com vista à exploração comercial da sua actividade e conexas com a mesma” ou “definir as regras e as orientações gerais com vista à promoção, valorização e rentabilidade das competições profissionais” (artigo 8º, nº 2, alíneas e) e f), dos Estatutos).
Enquanto mera entidade privada, a A... não preenche o primeiro dos requisitos de que depende a aplicação da regra da não sujeição a IVA, na medida em que não pode ser tida como autoridade pública para os efeitos previstos nos artigos 13º da Diretiva IVA e 2.º, n.º 2, do Código do IVA, e, como se deixou exposto, segundo o próprio entendimento do Tribunal de Justiça, a referida regra de exclusão do IVA implica que cumulativamente se encontrem verificadas as condições de exercício de prerrogativas de autoridade e que essa atividade se processe na qualidade de autoridade pública.”
44. À mesma conclusão se chega se aplicarmos os ensinamentos do acórdão do TJUE Saudaçor invocado pela Requerente, reforçado pelos ensinamentos do acórdão Nagyszebas Telepulesszolgaltatasi .
45. Decorre desta jurisprudência que uma das pedras de toque para considerar uma entidade como um “organismo de direito público” é a demonstração de que uma entidade esteja suficientemente integrada na organização da administração pública , o que pode ser evidenciado designadamente quando:
(i) o capital dessa entidade é 100% detido por entidades de direito público;
(ii) os clientes dessa entidade sejam entidades de direito público;
(iii) as prestações de serviços fornecidas a terceiros particulares sejam residuais;
(iv) a gestão e administração dessa entidade sejam determinadas por entidades de direito público; e,
(v) exista uma ligação orgânica entre a entidade e entidades de direito público, designadamente por a entidade ser criada por um ato legislativo aprovado pelo legislador nacional .
46. Ora no caso concreto, como decorre dos factos aqui assentes e do regime jurídico nacional aplicável, os traços da Requerente apontam no sentido de esta não estar suficientemente integrada na administração pública a ponto de ser considerada um organismo de direito público:
(i) A Requerente é uma entidade de direito privado, constituída na grande maioria por sociedades desportivas e clubes desportivos que disputam competições de natureza profissional e que assumem o carácter de entidades privadas (cfr. artigos 26 e 27 da Lei de Bases do Desporto);
(ii) A Lei é clara quando estabelece que a Requerente mantém autonomia administrativa, técnica e financeira, não lhe conferindo, de igual modo, o estatuto de utilidade pública mas sim funções delimitadas de execução de poderes de autoridade no âmbito do ... profissional por via de subdelegação de tais poderes por parte da entidade que possui o estatuto de utilidade pública, a B... (cfr. artigo 19.º n.º 1 e artigo 22.º n.ºs 1 e 2 da Lei de Bases do Desporto);
(iii) A Requerente tem os seus próprios órgãos deliberativos, executivos e de controlo fiscal e disciplinar (artigo 18.º dos Estatutos).
(iv) A Requerente tem autonomia na exploração comercial das competições de ... de natureza profissional (cfr. artigo 48.º n.º 2 al. b) dos Estatutos).
(v) A Requerente tem autonomia para associar-se com pessoas singulares e coletivas tendo em vista a prestação de serviços ou a comercialização de direitos e produtos conexos com o ... (cfr. artigo 8.º n.º 2 al. k) dos Estatutos).
(vi) A Requerente tem receitas próprias que não dependem de entidades de direito público (cfr. artigo 63.º dos Estatutos).
47. Pelo que também aqui este Tribunal concorda na íntegra com a decisão e fundamentos do Tribunal Arbitral Coletivo no processo 248/2018-T, que se passam a transpor por facilidade de referência:
“10 (…)
Como é patente, o Estado não exerce em relação à A... quaisquer poderes de direcção ou superintendência, não financia nem participa nas respectivas receitas ou no seu património social, e não interfere na sua constituição ou funcionamento, visto que a A... é constituída livremente pelos seus associados de acordo com o regime jurídico aplicável às associações de direito privado.
O Estado exerce apenas poderes de fiscalização relativamente ao exercício dos poderes públicos pela B..., mediante a realização de inquéritos, inspecções e sindicâncias, podendo suspender ou cancelar o estatuto de utilidade pública que confere a essa entidade a competência para o exercício de poderes regulamentares ou disciplinares (artigos 20.º e 21.º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto). E, nesse sentido, exerce um mero poder de tutela traduzido na verificação do cumprimento das leis e regulamentos por parte dos órgãos próprios da B... .
E, por outro lado, embora a A... se encontre legalmente habilitada a exercer, por delegação da B..., as competências relativas às competições de natureza profissional, essa delegação nem sequer opera por intervenção do Estado, sendo antes conferida por contrato a celebrar entre as partes (artigo 23.º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto).
Como é de concluir, a A... não pode ser considerada como um organismo de direito público na acepção de uma entidade que se encontra integrada na organização da Administração Pública, mesmo segundo os critérios definidos no referido acórdão Saudaçor.”
48. Considerando todos os fundamentos supra expostos, este Tribunal entende que a Requerente não está, quanto aos rendimentos associativos aqui em causa, excluída da incidência subjetiva do IVA nos termos do artigo 2.º n.º 2 do Código do IVA e inerente artigo 13.º da Diretiva IVA, por não qualificar um “organismo de direito público”.
C. Exclusão dos rendimentos em causa do campo de incidência objetiva do IVA por não consubstanciarem uma atividade económica
49. A Requerente argumenta que os rendimentos indicados nos pontos l. e m. supra da Matéria de Facto assente sempre estão excluídos da incidência objetiva do IVA porque não consubstanciam uma atividade económica sujeita a este imposto nos termos do artigo 1.º e 4.º do Código do IVA e artigo 9.º da Diretiva IVA.
50. Ora nos termos do artigo 9º da Diretiva IVA, define-se como atividade económica: “qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas”.
51. Nos termos do artigo 1.º n.º 4 do Código do IVA, que trata da incidência objetiva do imposto, sujeita-se a IVA as prestações de serviços sendo como tal consideradas “(…) as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens”.
52. A este respeito, é jurisprudência pacífica do TJUE que a possibilidade de qualificar uma prestação de serviços como «operação a título oneroso», pressupõe unicamente a existência de uma ligação direta entre essa prestação e uma contrapartida realmente recebida pelo sujeito passivo. Essa ligação direta é demonstrada quando exista entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica no quadro da qual são trocadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço fornecido ao beneficiário .
53. Já quanto ao conceito de “atividade económica” contido no artigo 9.º da Diretiva IVA, o TJUE tem vindo a considerar, de forma sucessiva, que uma atividade está abrangida por este conceito caso seja realizada com o fim de auferir receitas com caráter de permanência .
54. Aplicando o supra exposto ao caso concreto este Tribunal conclui que estamos perante rendimentos que são a contraprestação de prestações recíprocas, baseadas na relação existente entre a Requerente e os seus associados ou destinatários das respetivas prestações:
(i) No caso das quotas, estamos perante uma remuneração paga pelos respetivos destinatários em contrapartida de pertencerem à associação com os direitos e deveres inerentes à respetiva posição de associados, tais como definidos nos Estatutos; estas receitas são uma realidade de carácter permanente, contínuo e periódico, enquanto durar a qualidade de associado, e as prestações dadas em troca beneficiam diretamente as sociedades desportivas, clubes e demais associados, sendo portanto pretendidas por estas.
(ii) No caso dos valores de inscrição e transferência de jogadores e agentes desportivos e quantias devidas pela emissão de cartões de identificação e cópias, conforme factos assentes, estamos perante a remuneração do procedimento tendente ao reconhecimento de que uma determinada pessoa está apta à modalidade de ... profissional; Estas receitas têm um carácter permanente e contínuo, todas as épocas desportivas, e as prestações dadas em troca beneficiam diretamente os jogadores e agentes desportivos ou entidades que os representam, sendo portanto pretendidas por estas.
(iii) No caso de valores pela vistoria em estádios visa-se, conforme factos assentes, remunerar o procedimento de fiscalização dos estádios e verificação da sua aptidão para a realização de eventos desportivos, atos estes que assumem também um carácter permanente e contínuo no âmbito das atribuições da Requerente e que beneficiam as sociedades e clubes desportivos envolvidos, sendo, portanto, pretendidos por estes.
55. Existe assim uma relação sinalagmática objetiva entre os valores pagos e as prestações recebidas em troca que faz cair as prestações em causa na definição residual de prestações de serviços constante do artigo 4º, n.º 1, do Código do IVA.
56. A sua prestação de forma sucessiva e com caráter de permanência para obtenção de receitas por parte da Requerente – não estamos perante manifestações ocasionais, esporádicas ou realizadas no livre arbítrio de cada um – denota o caráter económico das atividades em causa.
57. Nesta sede, importa salientar que é irrelevante a designação dada às prestações como “quotas”, “taxas” ou “licenças”. Ainda que as taxas ou licenças sejam, de forma comum, cobradas em contextos de exercício de poderes de autoridade – o que importa é a análise da sua substância material como contraprestações decorrentes de uma atividade económica, quando se conclui, como no presente caso, que tais realidades não são excluídas de IVA ao abrigo das regras de incidência subjetiva.
58. Pelo exposto, este Tribunal considera que os rendimentos indicados nos pontos l. e m. supra da Matéria de Facto não estão excluídos da incidência objetiva do IVA porque refletem prestações de serviços decorrentes do exercício de uma atividade económica nos termos do artigo 1.º e 4.º do Código do IVA e artigo 9.º da Diretiva IVA.
D. Isenção do artigo 9.º n.ºs 19 e 21 do Código do IVA
59. A Requerente invoca que ainda que se considerem os rendimentos em causa como sujeitos a IVA (sede subjetiva e objetiva) os mesmos sempre seriam isentos de IVA ao abrigo do artigo 9.º n.ºs 19 e 21 do Código do IVA. Vejamos.
60. Nos termos do artigo 9.º n.º 19.º do Código do IVA: “estão isentas de imposto “as prestações de serviços e as transmissões de bens com elas conexas efetuadas no interesse coletivo dos seus associados por organismos sem finalidade lucrativa, desde que esses organismos prossigam objetivos de natureza política, sindical, religiosa, humanitária, filantrópica, recreativa, desportiva, cultural, cívica ou de representação de interesses económicos e a única contraprestação seja uma quota fixada nos termos dos estatutos”.
61. Esta regra deve ser lida em conjugação com o artigo 10.º, do Código do IVA, que determina as características dos “organismos sem finalidade lucrativa”, fixando-se que são assim entendidos os que, simultaneamente, preencham as seguintes condições:
“a) Em caso algum distribuam lucros e os seus corpos gerentes não tenham, por si ou interposta pessoa, algum interesse direto ou indireto nos resultados da exploração;
b) Disponham de escrituração que abranja todas as suas atividades e a ponham à disposição dos serviços fiscais, designadamente para comprovação do referido na alínea anterior;
c) Pratiquem preços homologados pelas autoridades públicas ou, para as operações não suscetíveis de homologação, preços inferiores aos exigidos para análogas operações pelas empresas comerciais sujeitas de imposto;
d) Não entrem em concorrência direta com sujeitos passivos do imposto.”
62. As duas regras acima têm a sua génese nos artigos 132.º e 133.º, da Diretiva IVA, relativos às isenções em benefício de certas atividades de interesse económico geral e como tal devem ser lidas e interpretadas em harmonização com estes.
63. Nesta sede, o artigo 132.º dispõe, na alínea l) do seu n.º 1, que os estados-membros isentem “as prestações de serviços, e bem assim as entregas de bens com elas estreitamente relacionadas, efetuadas aos respetivos membros no interesse coletivo por organismos sem fins lucrativos que prossigam objetivos de natureza política, sindical, religiosa, patriótica, filosófica, filantrópica ou cívica, mediante quotização fixada nos estatutos, desde que tal isenção não seja suscetível de provocar distorções de concorrência”.
64. E o artigo 133.º da Diretiva do IVA dispõe que os estados-membros, no que se refere a “organismos que não sejam de direito público”, podem fazer depender a concessão da isenção da observância de diversas condições, entre elas a que consta da respetiva alínea a): “Os organismos em causa não devem ter como objetivo a obtenção sistemática de lucro, não devendo os eventuais lucros ser em caso algum distribuídos, mas sim afetados à manutenção ou à melhoria das prestações fornecidas”.
65. Aqui chegados, importa salientar que não se pode confundir a classificação civilística da Requerente enquanto associação sem fins lucrativos, da classificação autónoma e para efeitos de IVA da Requerente enquanto “organismo sem fins lucrativos”.
66. Com efeito, o conceito “organismo sem fins lucrativos” é um conceito autónomo do sistema do IVA e, como tal, deve ser interpretado de forma harmonizada, dentro da sistemática deste imposto.
67. Nesta sede, a jurisprudência do TJUE dá-nos uma noção precisa e clara da ratio legis das normas de isenção em causa e das traves mestras com que se deve interpretar o conceito de “organismo sem fins lucrativos”:
(i) o benefício da isenção deve estar reservado aos organismos que não têm finalidade comercial e o legislador comunitário pretendeu efetuar uma distinção entre as atividades das empresas comerciais e as dos organismos que não têm por objetivo gerar lucros para os seus membros ;
(ii) o objetivo da isenção é o de conceder um tratamento mais favorável, em matéria de IVA, a determinados organismos cujas atividades são orientadas para fins distintos dos fins comerciais ;
(iii) para determinar se tal organismo preenche as condições impostas pela isenção, deve-se atender ao conjunto das suas atividades ;
(iv) não são os resultados, na aceção de excedentes obtidos no final de um exercício, que impedem que um organismo seja qualificado como “sem fins lucrativos”, mas sim os lucros, na aceção de “vantagens pecuniárias a favor dos membros” ;
(v) um organismo pode ser qualificado como “sem fins lucrativos” ainda que procure sistematicamente gerar excedentes desde que os afete à execução das suas próprias prestações .
68. Resultando claro da jurisprudência acima referida que a norma de isenção do artigo 9.º n.º 19 do Código do IVA não se pretende aplicar a organismos que realizem atividades comerciais com o objetivo de conferir vantagens pecuniárias a favor dos membros, mas sim a organismos que, diferentemente de uma empresa comercial, não têm por objetivo gerar lucros para os seus membros.
69. Da aplicação dos critérios acima descritos ao caso concreto, este Tribunal conclui que a Requerente não logra passar o crivo das condições que se devem verificar para beneficiar de isenção de IVA nos termos do artigo 9.º n.º 19 do CIVA.
70. Com efeito, está assente que a Requerente tem por fim principal e competência exclusiva a organização das competições de natureza profissional de ... em Portugal e, dentro deste fim, é sua atribuição a exploração comercial das competições profissionais de ....
71. Neste âmbito, é à Requerente quem compete gerir, negociar e supervisionar a atividade de exploração comercial das competições profissionais de ... no melhor interesse e por conta dos seus associados.
72. Ainda que atue por conta dos seus associados, a Requerente está na verdade a agir em nome próprio (veja-se que a ... se assume como patrocinador da A...) e em cumprimento de atribuições próprias associativas, na procura sistemática do lucro decorrente daquela atividade, por via da obtenção de patrocínios e receitas de publicidade.
73. É bem claro, da factualidade assente, que esse lucro é uma vantagem pecuniária a favor dos seus associados, ficando apenas uma pequena parte para o orçamento da Requerente, cfr. artigo 8.º n.º 4 dos Estatutos.
74. Nestes termos, a atividade da Requerente, vista de forma global e no cômputo das atividades, não deixa de ter por objetivo a procura sistemática de lucro a favor dos seus associados, nem se pode falar, em sentido lato, numa “ausência” de distribuição de lucros pelos seus associados quando o saldo positivo decorrente da atividade de exploração comercial das competições profissionais de ..., i.e. o lucro de uma das suas atribuições é distribuído por estes.
75. Frustrando-se a ratio legis e condições da isenção em causa, este Tribunal entende que a Requerente não pode ser qualificada como “organismo sem finalidade lucrativa” para efeitos da isenção prevista no artigo 9.º, n.º 19, do Código do IVA e segundo o entendimento da jurisprudência do TJUE.
76. E sempre se diga, nesta sede, que decorre da redação das normas em causa que a isenção a ser concedida – o que não é por cair na base a condição de “organismos sem finalidade lucrativa” – apenas aproveitaria aos serviços abrangidos pelas quotas associativas e nunca aos serviços autónomos como aparentam ser os de inscrição e transferência de jogadores e agentes desportivos e que foram objeto da grande maioria das correções efetuadas.
77. De igual modo, este Tribunal considera que não tem aplicação ao caso a isenção prevista no n.º 21 do artigo 9.º do Código do IVA, com base nos mesmos fundamentos invocados pelo Tribunal Arbitral Coletivo na decisão do processo 248/2018-T, que se passam a transpor por facilidade de referência:
“Em correspondência com o artigo 132º, n.º 1, alínea f), da Directiva IVA, o artigo 9º do Código do IVA prevê, no seu n.º 21, que estejam isentas do imposto “as prestações de serviços fornecidas aos seus membros por grupos autónomos de pessoas que exerçam uma actividade isenta, desde que tais serviços sejam directamente necessários ao exercício da actividade e os grupos se limitem a exigir dos seus membros o reembolso exacto da parte que lhes incumbe nas despesas comuns, desde que, porém, esta isenção não seja susceptível de provocar distorções de concorrência”.
A aplicação desta isenção depende, além do mais, de os membros que constituem o agrupamento autónomo levarem a cabo uma actividade ela própria isenta de imposto, de onde resulta que a aplicação da isenção dependeria, não do regime das prestações levadas a cabo pela A..., mas do regime das prestações que sejam realizadas autonomamente pelas sociedades desportivas enquanto seus associados.
A liquidação adicional de imposto que constitui objecto do presente processo arbitral reporta-se, todavia, às prestações de serviços realizadas pela A..., pelo que apenas haveria de considerar-se a isenção que pudesse abranger essa actividade, não estando em causa, no caso, qualquer outra actividade que possa ser imputada aos clubes associados.”
E. Violação do princípio da operação única
78. A Requerente, nos artigos 316.º a 336.º do pedido de pronúncia arbitral, alega, em resumo, que o serviço de transferência e inscrição de agentes desportivos e recintos tem uma característica peculiar que os torna isentos de IVA: é prestado por duas entidades, A... e B..., em total cooperação, cabendo à A... a organização dos processos e a obtenção das informações relevantes e à B... a homologação da decisão (no pedido de pronúncia arbitral é referido, no artigo 318.º que quem faz a homologação é a A...; no entanto, decorre da sistemática dos artigos 316.º e 336.º e da competência e poderes legais de cada uma das entidades envolvidas que tal referência é lapso de escrita, devendo ler-se B... em vez de A... na 2ª parte do artigo 318.º).
79. Estando a atividade da B... isenta de imposto e a da A... sujeita e não isenta e não sendo possível cindir as prestações em causa, tem de se aplicar o regime de IVA à prestação principal realizada pela B..., que pratica o ato administrativo de homologação, sendo o trabalho da A... operacional, interno e de preparação dos dossiers e meramente acessório.
80. Alega também que esse entendimento foi já seguido pelo TJUE, em situação similar, nos Processos C-497/09 e C-499/09, em que se entendeu que a venda de pipocas, aos olhos de um cliente de cinema médio, apenas completa a sessão de cinema, pelo que não está em causa um serviço autónomo de restauração.
81. A matéria aqui em apreço foi já objeto de apreciação pelo tribunal arbitral coletivo constituído no processo n.º 248/2018-T, que reformulou a sua decisão arbitral na sequência de nulidade por omissão de pronúncia quanto à violação do princípio da operação única que havia sido alegado.
82. Este Tribunal concorda com as conclusões e fundamentos da decisão substituída, ali proferida, com data de 5 de junho de 2020, que acolhe e transpõe por facilidade de referência:
“Passando a analisar a questão, importa começar por dizer que a decisão arbitral não tomou posição sobre a incidência subjectiva de IVA em relação à B..., tendo apenas efectuado, preliminarmente, o enquadramento jurídico que permitiu concluir que as federações desportivas são, na sua génese, associações privadas (livremente constituídas por agentes desportivos, clubes e agrupamento de clubes) e só mediante o pedido de atribuição de estatuto de utilidade pública desportiva adquirem a competência para o exercício de poderes públicos de regulação e disciplina da actividade desportiva.
Não se ignora, por outro lado, como se deixou exposto na decisão arbitral, que o legislador europeu utilizou um conceito estrito de organismo de direito público para efeitos de sujeição a IVA, que a jurisprudência do TJUE veio também a corroborar, ao declarar que “uma actividade exercida por um particular não está isenta de IVA pelo simples facto de essa actividade consistir na prática de actos que consubstanciam prerrogativas da autoridade pública (acórdão Comissão vs. Portugal, Processo n.º C-462/05, de 17 de julho de 2008).
Ainda que se parta da ideia de que existe um diferente regime de IVA para a B... e a A... - o que poderá justificar-se no ponto em que a B... dispõe essencialmente de poderes regulamentares e disciplinares que não se enquadram numa actividade económica típica -, não parece ser de entender que a transferência e inscrição de agentes desportivos e recintos corresponda a uma operação única que se encontre sujeita a um mesmo regime de IVA.
Como tem sido afirmado pelo TJUE, para efeitos de IVA, cada operação deve, em princípio, ser considerada distinta e independente. As situações em que operações distintas podem reconduzir-se a uma única operação podem resultar de uma relação de subordinação entre os diversos elementos constitutivos, que permita considerar que algum ou alguns desses elementos devam ser tidos como a prestação principal e outros como mera prestação acessória que apenas se destina completar ou beneficiar a fruição da prestação principal, ou de uma relação de interdependência quando as diversas prestações estão de tal modo interligadas que objectivamente surgem perante o consumidor como uma só operação económica (quanto a estes aspectos, SÉRGIO VASQUES, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 2015, págs. 217-218).
O acórdão do TJUE no caso CinemaxX (acórdão de 10 de Março de 2011, Processo n.º C-497/2009) - citado pela Requerente - é elucidativo quanto à exigência dessas condições. Num caso em que estava em causa a preparação e distribuição de pipocas em salas de cinema, que eram realizadas de modo continuado e não em função dos pedidos dos clientes, o Tribunal de Justiça entendeu que essa actividade não é independente da sua venda, não podendo ser caracterizada como um serviço de restauração ou um serviço de mesa, mas como uma venda que para o cliente médio completa a sessão de cinema (considerando 72). Nessa como nas outras situações analisadas no mesmo acórdão, em que estava em causa a venda em veículos ou estabelecimentos de restauração de salsichas, batatas fritas e outros alimentos prontos a ser imediatamente consumidos (Processos n.º C-497/09 e C-501/09), o Tribunal entendeu que o elemento preponderante das operações em causa, tomadas na sua globalidade, é constituído pela entrega de pratos ou de alimentos prontos para consumo imediato, uma vez que a sua preparação, sumária e estandardizada, está intrinsecamente ligada a eles e que a disponibilização de instalações rudimentares que permitem a um número limitado de clientes o consumo no local tem um carácter puramente acessório e menor (considerando 74).
Nenhuma destas situações é transponível para o caso vertente.
Como resulta do disposto no artigo 22.º da Lei de Bases, e se reafirma no artigo 27.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, a A... constitui um órgão autónomo da B... para o desporto profissional e que dispõe de personalidade jurídica e autonomia administrativa. Por outro lado, as ligas profissionais exercem, por delegação das respectivas federações, as competências relativas às competições de natureza profissional, nomeadamente no tocante à organização e regulamentação das competições de natureza profissional, exercício de funções de controlo e supervisão relativamente aos seus associados e definição dos pressupostos desportivos, financeiros e de organização de acesso às competições profissionais. O relacionamento entre a B... desportiva e a respectiva liga é regulado por contrato a celebrar entre essas entidades, nos termos da lei (artigos 22.º, n.º 2, e 23.º, n.º 1, da Lei de Bases).
O contrato celebrado entre a B... e a A... prevê a atribuição a esta entidade, entre outras, de competências no âmbito dos processos de inscrição e transferência de jogadores de clubes que integram as competições de carácter profissional (cláusula [5.º e] 6.ª). Atribuições específicas no âmbito do ingresso nos recintos desportivos e da inscrição dos … contratos pelas sociedades desportivas estão igualmente previstas nos Estatutos da A… (artigo 8.º, n.º1, alíneas c) e g)).
A simples circunstância de a A... participar no exercício da função pública de regulação do desporto, por delegação de poderes, significa que pratica actos próprios que não são imputáveis à B... mas a essa mesma entidade enquanto órgão diferenciado.
Em todo este contexto, as prestações decorrentes da inscrição e transferência de jogadores ou outros agentes desportivos, bem como as que provêm de vistorias para efeito do licenciamento de espaços desportivos, correspondendo a actos específicos de natureza autorizativa directamente praticados pela A..., não podem ser tidos como meras prestações acessórias, desprovidas de autonomia e que se tornem imputáveis para efeitos de tratamento fiscal à B... .
Certo é que a B... procede à homologação dos processos de transferência e inscrição de jogadores (cláusula [5ª e ] 6.ª do contrato), mas esse é um mero acto formal de confirmação que não desqualifica a actividade preparatória e deliberativa da A... nem eleva a intervenção da B... a elemento principal da actividade.
O pedido arbitral mostra-se ser assim improcedente quanto a este fundamento.”
83. Mas, para mais, importa recordar que no Acórdão Card Protection Plan (25 de Fevereiro de 1999, “Caso CPP”, Proc. C 349/96, Colect., p. I 973), percursor sobre o que se deve considerar por operação única para efeitos de IVA, o TJUE definiu como um dos critérios orientadores do que se deve considerar por operação única que “Uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador”.
84. Ora ficou assente na matéria de facto que as quantias pela inscrição e transferência de jogadores aqui em causa remuneram:
(i) a organização do processo administrativo de inscrição e transferência de jogadores e demais agentes desportivos efetuada, que compete à A...; e,
(ii) a homologação dos atos de inscrição ou transferência e licenciamento definitivo, que compete à B... .
85. Ficou assente que as quantias pela inscrição e transferência de jogadores nacionais e estrangeiros são receitas próprias da A... .
86. Ficou ainda assente que, no seu total, as quantias recebidas são repartidas entre a A... (que as recebe e reparte com) e a B... .
87. Compulsados assim os autos, resulta da matéria de facto assente que estamos perante um agente, que é a A..., que aparece perante os clubes como a entidade à qual estes devem apresentar todo o processo administrativo de inscrição de jogadores de competições de carácter profissional, sendo a organização destes processos uma atribuição própria desta. A A... é, perante os clubes o prestador – e cobrador – dos serviços em causa.
88. Resulta ainda dos autos que, diferentemente do que invoca a Requerente, o seu trabalho não é “interno e de preparação dos dossiês (artigo 324 do PPA)”. A A... apresenta-se e atua em nome próprio perante os clubes com uma atuação muito visível e externa, com serviços que não são apenas um meio de beneficiar das melhores condições de um outro serviço principal, i.e. não são uma operação acessória do ato de homologação da B... .
89. E esta conclusão não cai – como invoca o Requerente – pelo facto de o preço cobrado ser único. Como decorre da jurisprudência do TJUE no Caso CPP já aqui referido (parágrafo 31 do acórdão), o facto de ser faturado um preço único não determina, de forma automática, que estamos perante uma prestação única e incindível, sobretudo quando, como no presente caso, as circunstâncias apontam para a existência (pública e notória) de prestações distintas – uma na vertente de organização do processo administrativo (sujeita a IVA nos termos gerais pelos demais fundamentos desta decisão) e outra na vertente do ato de homologação.
90. Por fim, não pode ser admitido o argumento invocado pela Requerente de que o serviço é incindível e isento ou não sujeito a IVA na medida em que a A... e a B... têm competências partilhadas de Autoridade Pública e estão integradas uma na outra, com poderes ope legis. Nesta sede, por todos os fundamentos tecidos no ponto B desta decisão arbitral, para os quais se remete, este Tribunal entende que a Requerente não está excluída da incidência subjetiva do IVA nos termos do artigo 2.º n.º 2 do Código do IVA e inerente artigo 13.º da Diretiva IVA, sendo de afastar que tenha “competências partilhadas de Autoridade Pública”. Pelo que também aqui não procedem os argumentos invocados pela Requerente.
91. O pedido arbitral mostra-se ser assim igualmente improcedente quanto à questão da violação do princípio da operação única.
F. Dedução de IVA nas correções efetuadas pela Autoridade Tributária
92. A Requerente sustenta ainda que, a admitir-se que as prestações de serviços realizadas estão sujeitas e não isentas de imposto, haveria que incorporar nas liquidações adicionais de IVA a dedução do imposto relativa à atividade em causa, de modo a que as correções aritméticas correspondessem à diferença do imposto a pagar e do imposto a deduzir.
93. Nesta sede, a Requerente invoca que, em sede de direito de audição, indicou os valores a deduzir, mas que a Autoridade Tributária não tomou em conta esta argumentação em violação do artigo 60.º n.º 7 da LGT e em violação do princípio da legalidade constante do artigo 55.º da LGT.
94. O referido artigo 60.º da LGT, sob a epígrafe “Princípio da participação”, prevê, no n.º 1, alíneas a) e e), o direito de audição dos contribuintes antes da liquidação e da conclusão do relatório de inspeção tributária, e, no n.º 7, prescreve que “Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”.
95. Ora resulta dos documentos juntos aos autos que a Requerente não exerceu direito de audição quanto ao projeto de correção da inspeção relativa ao período de tributação de 02.2018 (cfr. Relatório de Inspeção junto como documento 2 do PPA, pág 18. Ponto VIII) pelo que cai, nesta parte, a sua pretensão quanto à violação do direito de participação invocado.
96. Quanto aos anos de 2013 e 2017, resulta dos autos que no ato de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa a Autoridade Tributária tomou conhecimento da invocação do vício de forma por infração do n.º 7 do artigo 60.º da LGT e ilegalidade dos juros compensatórios, não se tendo pronunciado de forma expressa sobre esta questão na sua decisão mas mantendo a sua posição quanto às liquidações de IVA efetuadas. Os elementos juntos aos autos não permitem inferir outros dados ou elementos sobre esta matéria.
97. Nesta sede, afirmam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita Editora, Lisboa 2012, p. 513), em anotação ao citado preceito legal: "... se o titular do direito de audiência, no exercício deste direito, suscitar elementos novos, eles deverão ser considerados na fundamentação da decisão.
A apresentação destes elementos novos, se se tratar de elementos atinentes à matéria de facto, poderá justificar a realização de novas diligências que deverão ser realizadas, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, caso se devam considerar como convenientes para apuramento da matéria factual em que deve assentar a decisão (...).
A obrigatoriedade de ter em conta estes elementos novos, na fundamentação da decisão, traduz-se em eles deverem ser mencionados e apreciados.
A falta de apreciação dos elementos factuais ou jurídicos novos invocados pelos interessados constituirá vício de forma, por deficiência de fundamentação, susceptível de levar à anulação da decisão do procedimento."
98. Ainda a este respeito, a jurisprudência dos Tribunais administrativos superiores, quanto ao direito de audição prévia em cuja sistemática se inclui a norma do número 7 do artigo 60.º da LGT em discussão, tem sido no sentido de dispor que a formalidade de direito de audição em causa (essencial) só se degrada em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que a audiência prévia não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto - utile per inutile non viciatur (cfr. o Acórdão de 14/5/2003, recurso nº 317/03 do STA, entre outros
99. No caso vertente, não resulta da lei que a Autoridade Tributária tenha que considerar, nos atos de liquidação adicional de IVA, os valores de IVA dedutível do sujeito passivo.
100. Pelo contrário, resulta dos artigos 19.º a 27.º, 41.º e artigo 98.º do Código do IVA que o exercício do direito à dedução do IVA é efetuado pelos sujeitos passivos, nas suas declarações periódicas, e por opção destes – neste sentido o artigo 19.º n.º 1 do Código do IVA refere que “para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram (…) o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos”.
101. Tal exercício pode e deve ser realizado, pelo sujeito passivo, nos prazos dispostos nos artigos 78.º e 98.º do Código do IVA (sendo o prazo geral de dedução de 4 anos após o nascimento do direito à dedução).
102. Por sua vez, resulta do artigo 28.º e 87.º do Código do IVA que a Autoridade Tributária não tem o dever de considerar as deduções de imposto nas liquidações adicionais de IVA por si realizadas – neste sentido o artigo 87.º n.º 1 do Código do IVA determina que “(…) a Direção-Geral dos Impostos procede à retificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente à diferença”.
103. Aplicando o supra exposto ao caso em referência, resulta que os factos novos trazidos pela Requerente ao processo, i.e., os valores de dedução do IVA dos anos de 2013 e 2017, não são determinantes para a matéria factual objeto do ato tributário da Autoridade Tributária em discussão que é o de saber se os rendimentos enumerados nos pontos l. a m. da Matéria de Facto assente estão ou não sujeitos a IVA e, concluindo de forma fundamentada que houve pagamento de imposto inferior ao devido, proceder, nos termos do artigo 87.º do CIVA, à liquidação adicional da diferença.
104. Pelo que, no entender deste Tribunal, impõe-se o aproveitamento dos atos de liquidação adicional em causa não se considerando que a alegada invocação de falta de fundamentação sobre os factos novos trazidos pela Requerente – que não aproveitariam à causa – seja suscetível de levar à anulação do procedimento – utile per inutile non viciatur.
G. Da violação dos princípios da boa fé, da justiça e da proporcionalidade e neutralidade do IVA e do pagamento de juros compensatórios
105. A Requerente considera que os atos impugnados violam os princípios da boa fé, da justiça e da proporcionalidade e neutralidade do IVA argumentando que:
(i) Sempre autoliquidou o IVA como sujeito passivo misto, sem liquidação de IVA numa parte da sua atividade – a parte entendida como associativa, sem que fosse questionada pela Autoridade Tributária que todos os meses recebia as suas declarações periódicas;
(ii) A Autoridade Tributária só levantou as questões agora impugnadas na sequência de um pedido de reembolso de IVA efetuado pela Requerente, objeto de inspeções tributárias;
(iii) Sempre atuou com base numa leitura plausível da lei aplicável e para, mais, com base no Despacho n.º 616/2008-XVII emitido à Associação C... [C...], e que claramente dispunha no sentido da aplicação da isenção de IVA nas importâncias cobradas aos clubes relativas à organização de jogos, filiação dos clubes e sua inscrição nas provas, inscrições de jogadores e atribuição de cartões por aplicação do artigo 9.º n.º 21 do CIVA (correspondente ao atual artigo 9.º n.º 19 do CIVA);
(iv) Pelo que a Autoridade Tributária não pode invocar retroativamente a interpretação da Inspeção Tributária, em violação do artigo 68.-A n.º 2 da LGT, sendo agora impossível ou inviável corrigir globalmente toda a situação ou deduzir o IVA dos seus inputs desde o início, violando-se assim o direito à dedução e neutralidade do IVA.
106. No que se refere à invocação da violação do princípio da boa fé, justiça, proporcionalidade e neutralidade do IVA este Tribunal acolhe, na íntegra, a decisão e fundamentos do Tribunal Arbitral Coletivo no processo 248/2018-T, que se passam a transpor por facilidade de referência:
“No caso, os procedimentos inspectivos foram desencadeados na sequência de pedidos de reembolso de IVA por se ter constatado que a Requerente não liquidou IVA sobre algumas das operações ativas realizadas.
O procedimento inspectivo pode ter em vista a confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos ou indagação de factos tributários não declarados, podendo traduzir-se num procedimento de comprovação e verificação do cumprimento das obrigações tributárias (artigos 2.º e 12.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira).
Por outro lado, o impulso do procedimento poderá ser de iniciativa oficiosa, de acordo com critérios de oportunidade que cabe à Administração Tributária definir.
Não se vê, por conseguinte, em que termos é que a abertura de um procedimento inspectivo na sequência de um pedido de reembolso de imposto e para verificar a legalidade da situação tributária do contribuinte pode ferir os falados princípios da actividade administrativa.
Dificilmente se pode compreender, também, em que medida é que o acto tributário de liquidação adicional de imposto destinado a assegurar o pagamento de imposto não liquidado pode afectar o princípio da neutralidade, quando este princípio, em matéria de IVA, constitui a tradução do princípio da igualdade de tratamento e tem em vista assegurar que os bens tributáveis suportem a mesma carga fiscal independentemente da extensão do circuito de produção e distribuição.”
107. Acresce ainda que o Despacho da Administração Tributária invocado pela Requerente foi emitido a uma entidade terceira e distinta da Requerente, com pressupostos e enquadramento próprios, não sendo assim vinculativo para a Autoridade Tributária na situação da Requerente que, a ter pretendido uma informação vinculativa própria, poderia tê-la submetido à Autoridade Tributária, ato que não praticou.
108. Pelo que improcede o pedido neste ponto.
H. Dos juros compensatórios
109. A Requerente impugna igualmente a liquidação de juros compensatórios em relação aos atos tributários de liquidação de IVA.
110. Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
111. Nesta sede, é entendimento dominante que os juros compensatórios devidos à Autoridade Tributária constituem uma reparação de natureza civil que visa indemnizar esta entidade pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente.
112. Tratando-se de uma indemnização de natureza civil, a mesma só é exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a atuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa atuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4ª edição, Encontro da Escrita Editora, Lisboa, página 283 e segs,).
113. Nesta sede, este Tribunal concorda também com a decisão e fundamentos do Tribunal Arbitral Coletivo no processo 248/2018-T de que a improcedência do pedido arbitral quanto às liquidações adicionais de IVA não é determinante do reconhecimento do direito dos juros compensatórios.
114. Com efeito, também aqui as ações de inspeção aos anos de 2013, 2017 e 2018 surgiram na sequência de um pedido de reembolso realizado em janeiro de 2017, e nesses períodos a Requerente sempre autoliquidou, nas suas declarações periódicas, de boa-fé e sem intuito evasivo, o IVA, sem fazer incidir este imposto sobre os rendimentos que considerava derivados da atividade associativa.
115. E, tal como conclui a decisão do coletivo no processo arbitral 248/2018-T: “Acresce que a questão jurídica subjacente à exigência do pagamento do imposto, na situação do caso, se reveste de especial complexidade, podendo entender-se que a interpretação feita pelo sujeito passivo, quando está em causa a autoliquidação do imposto, apresenta algum grau de plausibilidade. Além de que não se encontra demonstrado um intuito evasivo.”
V. DECISÃO
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar improcedente o pedido arbitral quanto aos atos tributários de liquidação de IVA [pontos a) a e) do pedido de pronúncia arbitral (PPA)] e
b) Julgar procedente o pedido arbitral na parte referente aos juros compensatórios e anular, consequentemente, os correspondentes atos de liquidação [ponto f) do PPA].
Tudo com as devidas consequências legais.
* * *
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 534.297,68, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
VII. CUSTAS
O montante das Custas é fixado em € 8.262,00 e será suportado pelas partes na proporção de 97%, pela Requerente e de 3%, pela Autoridade Tributária e Aduaneira (artigos 12º-2, do RJAT e 4º-4, do RCPAT), considerando os respetivos decaimentos.
• Notifique.
Lisboa, 3 de fevereiro de 2021
José Poças Falcão
(árbitro-presidente),
Catarina Belim
(árbitro-adjunto)
António Alberto Franco
(árbitro-adjunto)
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dra. Catarina Belim e Dr. António Alberto Franco (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 02 de maio de 2019, acordam no seguinte:
VIII. RELATÓRIO
1. A..., doravante designada por “Requerente”, número de pessoa coletiva e de identificação fiscal ..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., Portugal, tendo sido notificada do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada contra os atos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), com os ns.º ... (período de tributação 01.13), ... (período de tributação 02.13), ... (período de tributação 03.13), ... (período de tributação 04.13), ... (período de tributação 05.13), ... (período de tributação 06.13), ...(período de tributação 07.13), ... (período de tributação 07.13), ... (período de tributação 08.13), ... (período de tributação 09.13), ... (período de tributação 10.13), ... (período de tributação 11.13), ... (período de tributação 12.13), 2018 ... (período de tributação 01.17), 2018 ... (período de tributação 02.17), 2018 ... (período de tributação 03.17), 2018 ... (período de tributação 04.17), 2018 ... (período de tributação 05.17) e respetivas liquidações de juros compensatórios n.ºs ... (07.13), 2018 ... (01.17), 2018 ... (02.17) e notificada da liquidação adicional de IVA n.º ... (período de tributação 02.2018), apresentou, em 21.02.2019 pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Autoridade Tributária”).
2. A Requerente pretende, a título principal, a anulação das liquidações adicionais de imposto e juros compensatórios acima referidas e consequente restituição das quantias pagas (por compensação) acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária bem como extinção da garantia prestada e indemnização por prestação de garantia indevida.
3. A título subsidiário, a Requerente solicita, em caso de improcedência dos pedidos principais, a anulação das liquidações de juros compensatórios.
4. Invoca, em sede material, que as liquidações por si impugnadas estão inquinadas de erro de facto e de direito: (i) em primeiro lugar, a Requerente não está sujeita, em sede subjetiva e objetiva, a IVA, em relação aos rendimentos objeto das liquidações na medida em que intervém, quanto aos mesmos, como organismo público no exercício de poderes de autoridade, (ii) em segundo lugar porque os rendimentos em causa, ainda que sujeitos a IVA, sempre seriam dele isentos nos termos do artigo 9.º, n.ºs 19 e 21, do Código do IVA.
5. Invoca ainda que as liquidações por si impugnadas são ilegais por violação dos princípios da boa fé, da justiça, da proporcionalidade e neutralidade do IVA atendendo a que a Requerente sempre liquidou o IVA como sujeito passivo misto, efetuando uma interpretação plausível e congruente da lei fiscal e a Autoridade Tributária apenas suscitou a questão da falta de liquidação de imposto, abrindo uma inspeção, quando a Requerente solicitou um reembolso do imposto. Por este motivo, não serão devidos juros compensatórios que apenas podem ser exigíveis quando a omissão ou atraso no pagamento envolver um juízo de censura ou culpa em relação ao contribuinte.
6. De acordo com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a) e 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
7. O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 02.05.2019, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.
8. Notificada para o efeito, em 11.05.2019, a Requerida apresentou resposta tendo-se defendido por impugnação.
9. A Requerida não procedeu à junção do processo administrativo.
10. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, sem oposição das Partes.
11. A pedido da Requerente, foram aproveitados como meios de prova os depoimentos testemunhais prestados e registados no processo do CAAD n.º 248/2018-T, processo referente a impugnação de liquidações adicionais de IVA emitidas à Requerente com os mesmos fundamentos que as liquidações aqui em causa mas por referência aos anos de 2014, 2015 e 2016, e relativamente às quais a Requerente optou por deduzir imediata arbitragem tributária.
12. Tendo sido concedido prazo para alegações sucessivas facultativas, as partes optaram por não alegar.
IX. SANEAMENTO
13. O Tribunal é competente.
14. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado a partir dos factos previstos no artigo 102.º n.º 1, alínea b) do CPPT.
15. O processo não enferma de vícios que o invalidem na totalidade.
16. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.
Cabe apreciar e decidir.
X. MATÉRIA DE FACTO
116. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que o Tribunal julga assentes:
a. A Requerente é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos.
b. A Requerente tem personalidade jurídica e autonomia administrativa, técnica e financeira.
c. A Requerente, por delegação da B..., exerce competências na atividade do ... profissional.
d. A Requerente, nos termos dos seus estatutos, organiza e regulamenta as competições de natureza profissional, controla e supervisiona nestas os associados, define os pressupostos desportivos, financeiros e de organização de acesso às competições, bem como fiscaliza a sua execução pelas entidades nela participantes.
e. A Requerente integra os clubes e sociedades desportivas que disputem as competições profissionais de ....
f. A Requerente pode ainda integrar representantes de outros agentes desportivos.
g. A Requerente tem como:
(i) associados ordinários, as sociedades desportivas que disputem competições de ... de natureza profissional;
(ii) associados históricos, os clubes fundadores da A... e os que tenham detido a qualidade de associados ordinários independentemente de se encontrarem a disputar as competições de natureza profissional;
(iii) associados honorários, as pessoas singulares ou coletivas a quem seja reconhecido mérito na área do ... e àquelas que tenham prestado serviços relevantes à A... ou ao desporto do ....
h. A Requerente tem os seus próprios órgãos deliberativos, executivos e de controlo fiscal e disciplinar.
i. É atribuição da Requerente a exploração comercial das competições profissionais de ... (..., ... e ...) enquanto representante do coletivo constituído pelas sociedades desportivas que nelas participem, com angariação de receitas de publicidade e patrocínio, tais como o patrocínio da ... (época de 2016/2017) como patrocinador oficial da A... .
j. Constituem receitas da Requerente o produto das joias de admissão e das quotizações dos associados, o produto de multas, indemnizações ou percentagens sobre estas, custas, emolumentos, preparos e cauções, as receitas que lhe couberem nos jogos em que intervenham as sociedades desportivas associadas ou que pela Requerente sejam organizados.
k. Os associados têm a obrigação de contribuir para as despesas da Requerente, pagando as quotas e outros encargos fixados.
l. São aplicadas quotas de valor fixo, quotas de valor variável para financiar o orçamento geral da Requerente ou destinadas ao Fundo de Equilíbrio Financeiro, e quotas suplementares, estas exigidas por efeito da inscrição das equipas B na ... .
m. São ainda receitas da Requerente:
(i) as quantias devidas pela inscrição e transferência de jogadores nacionais e estrangeiros e demais agentes desportivos (treinadores, preparadores, adjuntos, médicos, massagistas) e as respetivas quantias devidas pela emissão de cartões de identificação e cópias; e
(ii) as quantias devidas pelas vistorias aos estádios.
n. As quantias devidas pela inscrição e transferência de jogadores e demais agentes desportivos e respetivas emissões de cartões de identificação e cópias, remuneram a organização do processo administrativo de inscrição e transferência de jogadores e demais agentes desportivos, competindo à B... a homologação dos atos de inscrição ou transferência e licenciamento definitivo.
o. Nesta sede:
(i) o valor das quantias devidas é determinado pela B... em cada época desportiva;
(ii) as quantias recebidas são repartidas entre a Requerente e a B... . A Requerente fica com uma quantia equivalente aos encargos gerais e comuns que tem de suportar com a organização e gestão dos processos, tendo a repartição, nos anos em causa, sido de 50%.
p. As quantias devidas pelas vistorias aos estádios têm a ver com ações de controlo dos estádios, a fim de confirmar e certificar que estão aptos para a realização de jogos de ..., com requisitos de segurança, conforto, reportagens e televisionamento.
q. O saldo positivo da prestação de contas das competições profissionais, resultante da diferença apurada em cada época desportiva entre, por um lado, os rendimentos de exploração comercial líquidos de gastos incorridos para a sua obtenção, e, por outro lado, os gastos incorridos na organização dessas provas, é, após deduções de parcelas que se destinam ao Fundo de Equilíbrio Financeiro, ao orçamento da Requerente e ao Fundo de Infraestruturas da ..., imputado às sociedades desportivas que nelas tenham participado nessa mesma época, de acordo com os critérios definidos pela Assembleia-Geral da Requerente.
r. O saldo negativo apurado numa época desportiva é deduzido aos saldos positivos, havendo-os, de uma ou mais épocas desportivas posteriores.
s. O excedente da atividade de natureza associativa da A... será alocado ao cumprimento dos fins e atribuições estatutárias.
t. Nos anos de 2013, 2017 e no período 02.2018, a Requerente não liquidou IVA sobre os valores cobrados a título de quotas associativas, inscrições e transferências de jogadores e agentes desportivos e respetivas quantias devidas pela emissão de cartões de identificação e cópias, e ainda sobre as vistorias a estádios.
u. A Requerente não deduziu o IVA suportado relativamente a estas atividades.
v. Nos mesmos anos, a Requerente liquidou IVA sobre os proveitos – publicidade e patrocínios – referentes à exploração comercial das competições profissionais de ..., deduzindo o respetivo IVA incorrido relativamente a esta atividade.
w. Na sequência de ações inspetivas referentes aos anos de 2013, 2017 e período de 02.2018, foram efetuadas correções aritméticas em sede de IVA no montante de € 422.292,46, € 104.954,18 e € 7.051,03, respetivamente.
x. A maioria das correções efetuadas tem a ver com as quantias ligadas à inscrição e transferência de jogadores e agentes desportivos, 80% do total das liquidações de 2013, 90% do total das liquidações de 2017 e 75% do valor da liquidação de 2018.
y. A Autoridade Tributária, no indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra as liquidações adicionais de 2013 e 2017 e no Relatório de Inspeção Tributária relativo ao período de 02.2018, considerou que os rendimentos enumerados nos pontos l. e m. supra consubstanciam prestações de serviços a título oneroso sujeitas e não isentas de IVA: (i) não se encontram abrangidas pela exclusão do âmbito de incidência subjetiva do imposto que consta do artigo 2.º, n.º 2, do Código do IVA na medida em que a Requerente não tem a qualidade de organismo de direito público e exerce poderes de autoridade de forma direta e (ii) não se encontram abrangidas pela isenção a que se refere o artigo 9.º, n.º 19, do Código do IVA na medida em que a Requerente não é um organismo sem finalidade lucrativa.
z. De igual modo, a Autoridade Tributária considerou que a Requerente não é um grupo autónomo de pessoas que exerce a título principal uma atividade isenta nem se limita a exigir dos seus membros o reembolso exato da parte que lhes incumbe nas despesas comuns, pelo que aos rendimentos em causa não é aplicável a isenção do artigo 9.º n.º 21 do Código do IVA.
aa. A Requerente invocou, em sede de Reclamação Graciosa contra as liquidações de 2013 e 2017, o vício de forma por infração do n.º 7 do artigo 60.º da LGT e a ilegalidade dos juros compensatórios correspondentes (cfr. ato de indeferimento da Reclamação Graciosa junto aos autos como documento 1 do PPA, ponto 3).
bb. A Requerente não exerceu direito de audição quanto ao projeto de correção da inspeção do período de tributação 02.2018 (cfr. Relatório de Inspeção junto aos autos como documento 2 do PPA, pág 18. Ponto VIII).
cc. Do Despacho do Gabinete do Secretário de Estados dos Assuntos Fiscais n.º 616/2008-XVII, emitido à Associação C..., em 25 de Junho de 2008, a esta remetida através do Ofício n.º..., consta o seguinte:
“Considerando que o n.º 21 do artigo 9.º do Código do IVA (CIVA) estabelece a isenção de imposto nas prestações de serviços e transmissões de bens conexas efetuadas, no interesse coletivo dos seus associados, por organismos sem finalidade lucrativa que prossigam objetivos de natureza desportiva, quando a respetiva contraprestação seja uma quota fixada nos termos dos estatutos;
Considerando que não é posto em causa que a Associação C... (...) se constitui como um organismo sem fins lucrativos nos termos do artigo 10.º do CIVA;
Considerando que nos termos das alíneas a) e b) do artigo 58.º dos Estatutos da Associação de ... do C... (...) se encontra prevista a cobrança aos clubes de quotas e taxas de inscrição e transferência de jogadores;
(…)
Deve entender-se que:
- As importâncias cobradas aos clubes pela ... nos termos dos respetivos Estatutos, relativas à organização de jogos, à filiação dos clubes e sua inscrição nas provas, às inscrições e transferências de jogadores e à atribuição de cartões, se enquadram no n.º 21 do artigo 9.º do CIVA
(…)”
***
Motivação da matéria de facto
117. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
118. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
119. O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e factos notórios, em particular os Estatutos e Regulamento da Requerente e estatutos da B..., e a prova testemunhal produzida.
120. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas ou de direito, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
XI. DO DIREITO E DO MÉRITO
I. Delimitação das questões decidendas materiais
121. A Requerente entende que a não liquidação de IVA sobre as quantias enumeradas nos pontos l. e m. supra da Matéria de Facto assente é plenamente justificada porque:
(i) Ao estarmos perante rendimentos associativos, a Requerente está excluída da incidência subjetiva do IVA, nos termos do artigo 2.º n.º 2 do Código do IVA e artigo 13.º da Diretiva IVA, na medida em que os rendimentos em causa se reportam a atividades que a Requerente desenvolve na qualidade de “organismo de direito público” e no exercício de “poderes de autoridade”;
(ii) Os rendimentos em causa estão excluídos da incidência objetiva do IVA porque não consubstanciam uma atividade económica sujeita a este imposto nos termos do artigo 1.º e 4.º do Código do IVA e artigo 9.º da Diretiva IVA;
(iii) Ainda que considerássemos os rendimentos em causa como sujeitos a IVA, os mesmos sempre seriam isentos de imposto ao abrigo das isenções constantes do artigo 9.º n.ºs 19 e 21 do Código do IVA por estarmos perante prestações realizadas no interesse coletivo dos seus associados por organismos sem finalidade lucrativa ou perante prestações fornecidas aos seus membros por grupos autónomos de pessoas que exerçam uma atividade isenta.
122. A Requerente indica ainda que: (i) a considerar-se que os rendimentos aqui em causa são sujeitos e não isentos de IVA, sempre as liquidações estão inquinadas de vício de lei por violação dos princípios da boa-fé e interpretação plausível, não sendo devidos, ao abrigo destes princípios, juros compensatórios (ii) haveria direito à dedução do IVA incorrido na aquisição de bens e serviços destinados à atividade (associativa), pelo que as correções efetuadas pela Autoridade Tributária padecem de vício de ilegalidade ao não contemplarem a diferença entre o IVA dedutível e o IVA liquidado.
Vejamos.
J. Exclusão da qualidade de sujeito passivo a pessoas coletivas de direito público que atuem no exercício de poderes de autoridade
123. A primeira questão a analisar prende-se com a regra de não sujeição a IVA de pessoas coletivas de direito público e a sua aplicação à Requerente e aos rendimentos aqui em causa.
124. Nos termos do artigo 13.º da Diretiva IVA, que baliza o nosso direito e IVA nacional: “os Estados, as regiões e autarquias locais e os outros organismos de direito público não são considerados sujeitos passivos relativamente às atividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando, no âmbito dessas atividades ou operações, cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações”.
125. Esta regra foi transposta para o Código do IVA, artigo 2.º n.º 2, com a seguinte redação: “o Estado e demais pessoas coletivas de direito público não são, no entanto, sujeitos passivos do imposto quando realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade, mesmo que por elas recebam taxas ou quaisquer outras contraprestações, desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência”.
126. Nesta sede, o Tribunal de Justiça da União Europeia (“doravante TJUE”) tem-se pronunciado, em diversas ocasiões, sobre o conceito de “organismo de direito público” no contexto da interpretação do artigo 13.º da Diretiva IVA, que é aquele que importa ao caso concreto .
127. Decorre da jurisprudência emitida que não são tidos como “organismos de direito público”: (i) operadores de direito privado (Processos das Portagens) , (ii) entidades que não estão integrados na organização da administração pública e (iii) entidades que exercem atividades económicas independentes, exercidas no quadro de uma profissão liberal (Comissão/Países Baixos) .
128. Está ainda claro que:
(i) não é pelo simples facto de uma atividade exercida por um privado consistir na prática de atos que consubstanciam prerrogativas da autoridade pública que tal atividade é abrangida pela regra de não sujeição do IVA ;
(ii) a norma do artigo 13.º, analisada à luz dos objetivos da Diretiva IVA, põe em evidência a necessidade do preenchimento cumulativo de duas condições para que a regra da não sujeição seja aplicada: (a) o exercício de atividades por um “organismo de direito público” e (b) o exercício de atividades efetuadas na qualidade de autoridade pública .
(iii) o único critério que permite distinguir as atividades realizadas por organismos públicos na qualidade de sujeitos de direito público ou de sujeitos de direito privado é o regime jurídico aplicável com base no direito nacional . Daí que se entenda que os organismos de direito público agem na qualidade de autoridades públicas quando exercem competências no âmbito do regime jurídico que lhes é específico e, ao contrário, não atuam nessa condição se intervêm como os operadores económicos privados .
129. Da aplicação do acima exposto ao caso concreto, resulta assim que a Requerente apenas estará excluída da incidência subjetiva do IVA nos termos do artigo 2.º n.º 2 do Código do IVA, se agir na qualidade de “organismo de direito público” à luz das regras nacionais.
130. Ora nos termos do regime jurídico em vigor, o ..., enquanto atividade desportiva, agrega-se numa Federação, no caso, a B... .
131. Esta B... é uma pessoa coletiva sem fins lucrativos, constituída sob a forma de associação de direito privado (cfr. artigo 1.º n.º 1 dos Estatutos da B...), a quem é conferido o estatuto de utilidade pública (cfr. artigo 19.º da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, Lei n.º 5/2007 de 16 de Janeiro doravante “Lei de Bases do Desporto”, e artigo 7.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas com Utilidade Pública, Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de Dezembro, doravante “RJFD”).
132. Mediante a obtenção do estatuto de utilidade pública passa a caber à B... o exercício, em exclusivo, dos poderes de natureza pública, regulamentar, e disciplinar da modalidade de ... (cfr. artigo 19.º da Lei de Bases do Desporto).
133. Neste contexto, a B... deve integrar uma liga profissional, sob a forma de associação sem fins lucrativos, com personalidade jurídica e autonomia administrativa, técnica e financeira – no caso concreto, a Requerente (cfr. artigo 22.º, n.º 1, da Lei de Bases do Desporto).
134. Esta liga, por delegação da B..., passa a exercer as competências relativas às competições de natureza profissional de ..., nomeadamente organizar e regulamentar as competições profissionais, exercer, relativamente aos seus associados, as funções de controlo e supervisão e definir os pressupostos desportivos, financeiros e de organização de acesso às competições profissionais Requerente (cfr. artigo 22.º, n.º 2, da Lei de Bases do Desporto).
135. Esta liga não tem interesse público reconhecido por ato administrativo.
136. A relação entre a Requerente e a B... está regulada num contrato próprio celebrado entre as duas entidades (cfr. artigo 23.º da Lei de Bases do Sistema Desportivo e contrato existente entre Requerente e a B...).
137. Ainda que, por vezes, pudesse ter-se suscitado a dúvida quanto à natureza das federações desportivas, foi sempre entendimento dominante que essas entidades, mesmo que fossem pessoas coletivas de direito privado, na medida em que dispusessem do estatuto de utilidade pública, beneficiavam de prerrogativas de autoridade no exercício de uma missão de serviço público, de tal modo que os atos unilaterais que praticassem nessa qualidade assumiam a natureza de atos administrativos, sendo contenciosamente impugnáveis junto da jurisdição administrativa (Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 14/1985, BMJ n.º 359, pág. 189; acórdão do STA (Pleno) de 30 de abril de 1997, Cadernos de Justiça Administrativa (CJA) n.º 4, pág. 3; Vital Moreira, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra, 1997, pág. 303).
138. A Lei de Bases do Desporto aponta neste sentido quando identifica, no seu artigo 18º, que “os litígios emergentes dos atos e omissões dos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, no âmbito do exercício dos poderes públicos, estão sujeitos às normas do contencioso administrativo”.
139. Resulta de tudo o que foi aqui exposto que a B... adquiriu poderes públicos de regulação e disciplina da atividade desportiva do ..., poderes esses que lhe foram delegados pelo Estado.
140. Por sua vez, a própria B... delegou, na Requerente, parte desses poderes públicos quanto às competições de natureza profissional de ....
141. Não obstante a conclusão chegada acima, a delegação de poderes verificada apenas significa que existiu um processo de transferência de responsabilidades de execução de uma função pública e não que uma determinada entidade passe, por essa via, a
qualificar-se como um organismo de direito público.
142. Nesta sede, este Tribunal concorda na íntegra com a decisão e fundamentos do Tribunal Arbitral Coletivo no processo 248/2018-T, que se passam a transpor por facilidade de referência:
“9. À luz de todo este enquadramento jurídico importa reconhecer que as federações desportivas são, na sua génese, associações privadas (livremente constituídas por agentes desportivos, clubes e agrupamento de clubes) e só mediante o pedido de atribuição de estatuto de utilidade pública desportiva adquirem a competência para o exercício de poderes públicos de regulação e disciplina da actividade desportiva. Esses poderes públicos correspondem a poderes delegados pelo Estado, isto é, a poderes que se enquadravam originariamente nas atribuições do Estado em matéria desportiva.
A delegação de poderes públicos numa entidade privada apenas significa que esta, por um processo de transferência de responsabilidades, passa a ser uma instância de execução de uma função pública, e no exercício da qual se impõe a vinculação ao direito administrativo e a procedimentos de fiscalização pública. Não estamos perante a execução de uma tarefa que tenha passado para o setor privado, mas que se mantém como tarefa pública e que continua a ser da responsabilidade última do Estado.
(…)
Em relação às competições profissionais, a lei permite a delegação de competências nas ligas profissionais o que corresponde a uma forma de subdelegação de competências. Ou seja, o Estado delega funções públicas nas federações mas o exercício de algumas dessas funções podem ser delegadas na A... [Requerente].
Como resulta do disposto no artigo 22.º da Lei de Bases, e se reafirma no artigo 27.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, a A… constitui um órgão autónomo da B [B...] para o desporto profissional e que dispõe de personalidade jurídica e autonomia administrativa. Tal significa que os actos que praticam no exercício delegado de poderes não são imputáveis à B... mas à própria A... enquanto órgão diferenciado. Havendo de concluir-se que as ligas profissionais participam no exercício da função pública de regulação do desporto exercendo, nesse âmbito, poderes públicos de autoridade (neste sentido, Pedro Gonçalves, ob. cit., pág. 867).
Nesse contexto, não pode deixar de reconhecer-se que a intervenção da A... nos procedimentos de inscrição e transferências de jogadores e de vistorias de espaços desportivos, com efeitos constitutivos, ainda que sujeitos a homologação da B..., representam o exercício de poderes de autoridade. Isso porque, por efeito do regime jurídico específico que lhe é aplicável, a A... intervém, não como sujeito de direito privado, mas no exercício de poderes subdelegados de regulação das competições profissionais que pertenciam originariamente ao Estado.
O ponto é que a A..., como se deixou entrever, é uma associação de direito privado, constituída para a defesa dos “interesses comuns dos seus associados”, à qual compete não só o exercício de funções regulatórias mas também “negociar, gerir e supervisionar, no interesse e por conta dos seus associados, a exploração das competições profissionais” e “gerir as receitas” delas provenientes (artigos 1º, 7.º, alínea b), e 8º, n.º 1, alíneas q) e r), dos Estatutos). Para a prossecução dos interesses comuns, cabe à A..., designadamente, “constituir sociedades comerciais com vista à exploração comercial da sua actividade e conexas com a mesma” ou “definir as regras e as orientações gerais com vista à promoção, valorização e rentabilidade das competições profissionais” (artigo 8º, nº 2, alíneas e) e f), dos Estatutos).
Enquanto mera entidade privada, a A... não preenche o primeiro dos requisitos de que depende a aplicação da regra da não sujeição a IVA, na medida em que não pode ser tida como autoridade pública para os efeitos previstos nos artigos 13º da Diretiva IVA e 2.º, n.º 2, do Código do IVA, e, como se deixou exposto, segundo o próprio entendimento do Tribunal de Justiça, a referida regra de exclusão do IVA implica que cumulativamente se encontrem verificadas as condições de exercício de prerrogativas de autoridade e que essa atividade se processe na qualidade de autoridade pública.”
143. À mesma conclusão se chega se aplicarmos os ensinamentos do acórdão do TJUE Saudaçor invocado pela Requerente, reforçado pelos ensinamentos do acórdão Nagyszebas Telepulesszolgaltatasi .
144. Decorre desta jurisprudência que uma das pedras de toque para considerar uma entidade como um “organismo de direito público” é a demonstração de que uma entidade esteja suficientemente integrada na organização da administração pública , o que pode ser evidenciado designadamente quando:
(i) o capital dessa entidade é 100% detido por entidades de direito público;
(ii) os clientes dessa entidade sejam entidades de direito público;
(iii) as prestações de serviços fornecidas a terceiros particulares sejam residuais;
(iv) a gestão e administração dessa entidade sejam determinadas por entidades de direito público; e,
(v) exista uma ligação orgânica entre a entidade e entidades de direito público, designadamente por a entidade ser criada por um ato legislativo aprovado pelo legislador nacional .
145. Ora no caso concreto, como decorre dos factos aqui assentes e do regime jurídico nacional aplicável, os traços da Requerente apontam no sentido de esta não estar suficientemente integrada na administração pública a ponto de ser considerada um organismo de direito público:
(i) A Requerente é uma entidade de direito privado, constituída na grande maioria por sociedades desportivas e clubes desportivos que disputam competições de natureza profissional e que assumem o carácter de entidades privadas (cfr. artigos 26 e 27 da Lei de Bases do Desporto);
(ii) A Lei é clara quando estabelece que a Requerente mantém autonomia administrativa, técnica e financeira, não lhe conferindo, de igual modo, o estatuto de utilidade pública mas sim funções delimitadas de execução de poderes de autoridade no âmbito do ... profissional por via de subdelegação de tais poderes por parte da entidade que possui o estatuto de utilidade pública, a B... (cfr. artigo 19.º n.º 1 e artigo 22.º n.ºs 1 e 2 da Lei de Bases do Desporto);
(iii) A Requerente tem os seus próprios órgãos deliberativos, executivos e de controlo fiscal e disciplinar (artigo 18.º dos Estatutos).
(iv) A Requerente tem autonomia na exploração comercial das competições de ... de natureza profissional (cfr. artigo 48.º n.º 2 al. b) dos Estatutos).
(v) A Requerente tem autonomia para associar-se com pessoas singulares e coletivas tendo em vista a prestação de serviços ou a comercialização de direitos e produtos conexos com o ... (cfr. artigo 8.º n.º 2 al. k) dos Estatutos).
(vi) A Requerente tem receitas próprias que não dependem de entidades de direito público (cfr. artigo 63.º dos Estatutos).
146. Pelo que também aqui este Tribunal concorda na íntegra com a decisão e fundamentos do Tribunal Arbitral Coletivo no processo 248/2018-T, que se passam a transpor por facilidade de referência:
“10 (…)
Como é patente, o Estado não exerce em relação à A... quaisquer poderes de direcção ou superintendência, não financia nem participa nas respectivas receitas ou no seu património social, e não interfere na sua constituição ou funcionamento, visto que a A... é constituída livremente pelos seus associados de acordo com o regime jurídico aplicável às associações de direito privado.
O Estado exerce apenas poderes de fiscalização relativamente ao exercício dos poderes públicos pela B..., mediante a realização de inquéritos, inspecções e sindicâncias, podendo suspender ou cancelar o estatuto de utilidade pública que confere a essa entidade a competência para o exercício de poderes regulamentares ou disciplinares (artigos 20.º e 21.º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto). E, nesse sentido, exerce um mero poder de tutela traduzido na verificação do cumprimento das leis e regulamentos por parte dos órgãos próprios da B... .
E, por outro lado, embora a A... se encontre legalmente habilitada a exercer, por delegação da B..., as competências relativas às competições de natureza profissional, essa delegação nem sequer opera por intervenção do Estado, sendo antes conferida por contrato a celebrar entre as partes (artigo 23.º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto).
Como é de concluir, a A... não pode ser considerada como um organismo de direito público na acepção de uma entidade que se encontra integrada na organização da Administração Pública, mesmo segundo os critérios definidos no referido acórdão Saudaçor.”
147. Considerando todos os fundamentos supra expostos, este Tribunal entende que a Requerente não está, quanto aos rendimentos associativos aqui em causa, excluída da incidência subjetiva do IVA nos termos do artigo 2.º n.º 2 do Código do IVA e inerente artigo 13.º da Diretiva IVA, por não qualificar um “organismo de direito público”.
K. Exclusão dos rendimentos em causa do campo de incidência objetiva do IVA por não consubstanciarem uma atividade económica
148. A Requerente argumenta que os rendimentos indicados nos pontos l. e m. supra da Matéria de Facto assente sempre estão excluídos da incidência objetiva do IVA porque não consubstanciam uma atividade económica sujeita a este imposto nos termos do artigo 1.º e 4.º do Código do IVA e artigo 9.º da Diretiva IVA.
149. Ora nos termos do artigo 9º da Diretiva IVA, define-se como atividade económica: “qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas”.
150. Nos termos do artigo 1.º n.º 4 do Código do IVA, que trata da incidência objetiva do imposto, sujeita-se a IVA as prestações de serviços sendo como tal consideradas “(…) as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens”.
151. A este respeito, é jurisprudência pacífica do TJUE que a possibilidade de qualificar uma prestação de serviços como «operação a título oneroso», pressupõe unicamente a existência de uma ligação direta entre essa prestação e uma contrapartida realmente recebida pelo sujeito passivo. Essa ligação direta é demonstrada quando exista entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica no quadro da qual são trocadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço fornecido ao beneficiário .
152. Já quanto ao conceito de “atividade económica” contido no artigo 9.º da Diretiva IVA, o TJUE tem vindo a considerar, de forma sucessiva, que uma atividade está abrangida por este conceito caso seja realizada com o fim de auferir receitas com caráter de permanência .
153. Aplicando o supra exposto ao caso concreto este Tribunal conclui que estamos perante rendimentos que são a contraprestação de prestações recíprocas, baseadas na relação existente entre a Requerente e os seus associados ou destinatários das respetivas prestações:
(i) No caso das quotas, estamos perante uma remuneração paga pelos respetivos destinatários em contrapartida de pertencerem à associação com os direitos e deveres inerentes à respetiva posição de associados, tais como definidos nos Estatutos; estas receitas são uma realidade de carácter permanente, contínuo e periódico, enquanto durar a qualidade de associado, e as prestações dadas em troca beneficiam diretamente as sociedades desportivas, clubes e demais associados, sendo portanto pretendidas por estas.
(ii) No caso dos valores de inscrição e transferência de jogadores e agentes desportivos e quantias devidas pela emissão de cartões de identificação e cópias, conforme factos assentes, estamos perante a remuneração do procedimento tendente ao reconhecimento de que uma determinada pessoa está apta à modalidade de ... profissional; Estas receitas têm um carácter permanente e contínuo, todas as épocas desportivas, e as prestações dadas em troca beneficiam diretamente os jogadores e agentes desportivos ou entidades que os representam, sendo portanto pretendidas por estas.
(iii) No caso de valores pela vistoria em estádios visa-se, conforme factos assentes, remunerar o procedimento de fiscalização dos estádios e verificação da sua aptidão para a realização de eventos desportivos, atos estes que assumem também um carácter permanente e contínuo no âmbito das atribuições da Requerente e que beneficiam as sociedades e clubes desportivos envolvidos, sendo, portanto, pretendidos por estes.
154. Existe assim uma relação sinalagmática objetiva entre os valores pagos e as prestações recebidas em troca que faz cair as prestações em causa na definição residual de prestações de serviços constante do artigo 4º, n.º 1, do Código do IVA.
155. A sua prestação de forma sucessiva e com caráter de permanência para obtenção de receitas por parte da Requerente – não estamos perante manifestações ocasionais, esporádicas ou realizadas no livre arbítrio de cada um – denota o caráter económico das atividades em causa.
156. Nesta sede, importa salientar que é irrelevante a designação dada às prestações como “quotas”, “taxas” ou “licenças”. Ainda que as taxas ou licenças sejam, de forma comum, cobradas em contextos de exercício de poderes de autoridade – o que importa é a análise da sua substância material como contraprestações decorrentes de uma atividade económica, quando se conclui, como no presente caso, que tais realidades não são excluídas de IVA ao abrigo das regras de incidência subjetiva.
157. Pelo exposto, este Tribunal considera que os rendimentos indicados nos pontos l. e m. supra da Matéria de Facto não estão excluídos da incidência objetiva do IVA porque refletem prestações de serviços decorrentes do exercício de uma atividade económica nos termos do artigo 1.º e 4.º do Código do IVA e artigo 9.º da Diretiva IVA.
L. Isenção do artigo 9.º n.ºs 19 e 21 do Código do IVA
158. A Requerente invoca que ainda que se considerem os rendimentos em causa como sujeitos a IVA (sede subjetiva e objetiva) os mesmos sempre seriam isentos de IVA ao abrigo do artigo 9.º n.ºs 19 e 21 do Código do IVA. Vejamos.
159. Nos termos do artigo 9.º n.º 19.º do Código do IVA: “estão isentas de imposto “as prestações de serviços e as transmissões de bens com elas conexas efetuadas no interesse coletivo dos seus associados por organismos sem finalidade lucrativa, desde que esses organismos prossigam objetivos de natureza política, sindical, religiosa, humanitária, filantrópica, recreativa, desportiva, cultural, cívica ou de representação de interesses económicos e a única contraprestação seja uma quota fixada nos termos dos estatutos”.
160. Esta regra deve ser lida em conjugação com o artigo 10.º, do Código do IVA, que determina as características dos “organismos sem finalidade lucrativa”, fixando-se que são assim entendidos os que, simultaneamente, preencham as seguintes condições:
“a) Em caso algum distribuam lucros e os seus corpos gerentes não tenham, por si ou interposta pessoa, algum interesse direto ou indireto nos resultados da exploração;
b) Disponham de escrituração que abranja todas as suas atividades e a ponham à disposição dos serviços fiscais, designadamente para comprovação do referido na alínea anterior;
c) Pratiquem preços homologados pelas autoridades públicas ou, para as operações não suscetíveis de homologação, preços inferiores aos exigidos para análogas operações pelas empresas comerciais sujeitas de imposto;
d) Não entrem em concorrência direta com sujeitos passivos do imposto.”
161. As duas regras acima têm a sua génese nos artigos 132.º e 133.º, da Diretiva IVA, relativos às isenções em benefício de certas atividades de interesse económico geral e como tal devem ser lidas e interpretadas em harmonização com estes.
162. Nesta sede, o artigo 132.º dispõe, na alínea l) do seu n.º 1, que os estados-membros isentem “as prestações de serviços, e bem assim as entregas de bens com elas estreitamente relacionadas, efetuadas aos respetivos membros no interesse coletivo por organismos sem fins lucrativos que prossigam objetivos de natureza política, sindical, religiosa, patriótica, filosófica, filantrópica ou cívica, mediante quotização fixada nos estatutos, desde que tal isenção não seja suscetível de provocar distorções de concorrência”.
163. E o artigo 133.º da Diretiva do IVA dispõe que os estados-membros, no que se refere a “organismos que não sejam de direito público”, podem fazer depender a concessão da isenção da observância de diversas condições, entre elas a que consta da respetiva alínea a): “Os organismos em causa não devem ter como objetivo a obtenção sistemática de lucro, não devendo os eventuais lucros ser em caso algum distribuídos, mas sim afetados à manutenção ou à melhoria das prestações fornecidas”.
164. Aqui chegados, importa salientar que não se pode confundir a classificação civilística da Requerente enquanto associação sem fins lucrativos, da classificação autónoma e para efeitos de IVA da Requerente enquanto “organismo sem fins lucrativos”.
165. Com efeito, o conceito “organismo sem fins lucrativos” é um conceito autónomo do sistema do IVA e, como tal, deve ser interpretado de forma harmonizada, dentro da sistemática deste imposto.
166. Nesta sede, a jurisprudência do TJUE dá-nos uma noção precisa e clara da ratio legis das normas de isenção em causa e das traves mestras com que se deve interpretar o conceito de “organismo sem fins lucrativos”:
(i) o benefício da isenção deve estar reservado aos organismos que não têm finalidade comercial e o legislador comunitário pretendeu efetuar uma distinção entre as atividades das empresas comerciais e as dos organismos que não têm por objetivo gerar lucros para os seus membros ;
(ii) o objetivo da isenção é o de conceder um tratamento mais favorável, em matéria de IVA, a determinados organismos cujas atividades são orientadas para fins distintos dos fins comerciais ;
(iii) para determinar se tal organismo preenche as condições impostas pela isenção, deve-se atender ao conjunto das suas atividades ;
(iv) não são os resultados, na aceção de excedentes obtidos no final de um exercício, que impedem que um organismo seja qualificado como “sem fins lucrativos”, mas sim os lucros, na aceção de “vantagens pecuniárias a favor dos membros” ;
(v) um organismo pode ser qualificado como “sem fins lucrativos” ainda que procure sistematicamente gerar excedentes desde que os afete à execução das suas próprias prestações .
167. Resultando claro da jurisprudência acima referida que a norma de isenção do artigo 9.º n.º 19 do Código do IVA não se pretende aplicar a organismos que realizem atividades comerciais com o objetivo de conferir vantagens pecuniárias a favor dos membros, mas sim a organismos que, diferentemente de uma empresa comercial, não têm por objetivo gerar lucros para os seus membros.
168. Da aplicação dos critérios acima descritos ao caso concreto, este Tribunal conclui que a Requerente não logra passar o crivo das condições que se devem verificar para beneficiar de isenção de IVA nos termos do artigo 9.º n.º 19 do CIVA.
169. Com efeito, está assente que a Requerente tem por fim principal e competência exclusiva a organização das competições de natureza profissional de ... em Portugal e, dentro deste fim, é sua atribuição a exploração comercial das competições profissionais de ....
170. Neste âmbito, é à Requerente quem compete gerir, negociar e supervisionar a atividade de exploração comercial das competições profissionais de ... no melhor interesse e por conta dos seus associados.
171. Ainda que atue por conta dos seus associados, a Requerente está na verdade a agir em nome próprio (veja-se que a ... se assume como patrocinador da A...) e em cumprimento de atribuições próprias associativas, na procura sistemática do lucro decorrente daquela atividade, por via da obtenção de patrocínios e receitas de publicidade.
172. É bem claro, da factualidade assente, que esse lucro é uma vantagem pecuniária a favor dos seus associados, ficando apenas uma pequena parte para o orçamento da Requerente, cfr. artigo 8.º n.º 4 dos Estatutos.
173. Nestes termos, a atividade da Requerente, vista de forma global e no cômputo das atividades, não deixa de ter por objetivo a procura sistemática de lucro a favor dos seus associados, nem se pode falar, em sentido lato, numa “ausência” de distribuição de lucros pelos seus associados quando o saldo positivo decorrente da atividade de exploração comercial das competições profissionais de ..., i.e. o lucro de uma das suas atribuições é distribuído por estes.
174. Frustrando-se a ratio legis e condições da isenção em causa, este Tribunal entende que a Requerente não pode ser qualificada como “organismo sem finalidade lucrativa” para efeitos da isenção prevista no artigo 9.º, n.º 19, do Código do IVA e segundo o entendimento da jurisprudência do TJUE.
175. E sempre se diga, nesta sede, que decorre da redação das normas em causa que a isenção a ser concedida – o que não é por cair na base a condição de “organismos sem finalidade lucrativa” – apenas aproveitaria aos serviços abrangidos pelas quotas associativas e nunca aos serviços autónomos como aparentam ser os de inscrição e transferência de jogadores e agentes desportivos e que foram objeto da grande maioria das correções efetuadas.
176. De igual modo, este Tribunal considera que não tem aplicação ao caso a isenção prevista no n.º 21 do artigo 9.º do Código do IVA, com base nos mesmos fundamentos invocados pelo Tribunal Arbitral Coletivo na decisão do processo 248/2018-T, que se passam a transpor por facilidade de referência:
“Em correspondência com o artigo 132º, n.º 1, alínea f), da Directiva IVA, o artigo 9º do Código do IVA prevê, no seu n.º 21, que estejam isentas do imposto “as prestações de serviços fornecidas aos seus membros por grupos autónomos de pessoas que exerçam uma actividade isenta, desde que tais serviços sejam directamente necessários ao exercício da actividade e os grupos se limitem a exigir dos seus membros o reembolso exacto da parte que lhes incumbe nas despesas comuns, desde que, porém, esta isenção não seja susceptível de provocar distorções de concorrência”.
A aplicação desta isenção depende, além do mais, de os membros que constituem o agrupamento autónomo levarem a cabo uma actividade ela própria isenta de imposto, de onde resulta que a aplicação da isenção dependeria, não do regime das prestações levadas a cabo pela A..., mas do regime das prestações que sejam realizadas autonomamente pelas sociedades desportivas enquanto seus associados.
A liquidação adicional de imposto que constitui objecto do presente processo arbitral reporta-se, todavia, às prestações de serviços realizadas pela A..., pelo que apenas haveria de considerar-se a isenção que pudesse abranger essa actividade, não estando em causa, no caso, qualquer outra actividade que possa ser imputada aos clubes associados.”
M. Dedução de IVA nas correções efetuadas pela Autoridade Tributária
177. A Requerente sustenta ainda que, a admitir-se que as prestações de serviços realizadas estão sujeitas e não isentas de imposto, haveria que incorporar nas liquidações adicionais de IVA a dedução do imposto relativa à atividade em causa, de modo a que as correções aritméticas correspondessem à diferença do imposto a pagar e do imposto a deduzir.
178. Nesta sede, a Requerente invoca que, em sede de direito de audição, indicou os valores a deduzir, mas que a Autoridade Tributária não tomou em conta esta argumentação em violação do artigo 60.º n.º 7 da LGT e em violação do princípio da legalidade constante do artigo 55.º da LGT.
179. O referido artigo 60.º da LGT, sob a epígrafe “Princípio da participação”, prevê, no n.º 1, alíneas a) e e), o direito de audição dos contribuintes antes da liquidação e da conclusão do relatório de inspeção tributária, e, no n.º 7, prescreve que “Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”.
180. Ora resulta dos documentos juntos aos autos que a Requerente não exerceu direito de audição quanto ao projeto de correção da inspeção relativa ao período de tributação de 02.2018 (cfr. Relatório de Inspeção junto como documento 2 do PPA, pág 18. Ponto VIII) pelo que cai, nesta parte, a sua pretensão quanto à violação do direito de participação invocado.
181. Quanto aos anos de 2013 e 2017, resulta dos autos que no ato de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa a Autoridade Tributária tomou conhecimento da invocação do vício de forma por infração do n.º 7 do artigo 60.º da LGT e ilegalidade dos juros compensatórios, não se tendo pronunciado de forma expressa sobre esta questão na sua decisão mas mantendo a sua posição quanto às liquidações de IVA efetuadas. Os elementos juntos aos autos não permitem inferir outros dados ou elementos sobre esta matéria.
182. Nesta sede, afirmam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita Editora, Lisboa 2012, p. 513), em anotação ao citado preceito legal: "... se o titular do direito de audiência, no exercício deste direito, suscitar elementos novos, eles deverão ser considerados na fundamentação da decisão.
A apresentação destes elementos novos, se se tratar de elementos atinentes à matéria de facto, poderá justificar a realização de novas diligências que deverão ser realizadas, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, caso se devam considerar como convenientes para apuramento da matéria factual em que deve assentar a decisão (...).
A obrigatoriedade de ter em conta estes elementos novos, na fundamentação da decisão, traduz-se em eles deverem ser mencionados e apreciados.
A falta de apreciação dos elementos factuais ou jurídicos novos invocados pelos interessados constituirá vício de forma, por deficiência de fundamentação, susceptível de levar à anulação da decisão do procedimento."
183. Ainda a este respeito, a jurisprudência dos Tribunais administrativos superiores, quanto ao direito de audição prévia em cuja sistemática se inclui a norma do número 7 do artigo 60.º da LGT em discussão, tem sido no sentido de dispor que a formalidade de direito de audição em causa (essencial) só se degrada em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que a audiência prévia não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto - utile per inutile non viciatur (cfr. o Acórdão de 14/5/2003, recurso nº 317/03 do STA, entre outros
184. No caso vertente, não resulta da lei que a Autoridade Tributária tenha que considerar, nos atos de liquidação adicional de IVA, os valores de IVA dedutível do sujeito passivo.
185. Pelo contrário, resulta dos artigos 19.º a 27.º, 41.º e artigo 98.º do Código do IVA que o exercício do direito à dedução do IVA é efetuado pelos sujeitos passivos, nas suas declarações periódicas, e por opção destes – neste sentido o artigo 19.º n.º 1 do Código do IVA refere que “para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram (…) o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos”.
186. Tal exercício pode e deve ser realizado, pelo sujeito passivo, nos prazos dispostos nos artigos 78.º e 98.º do Código do IVA (sendo o prazo geral de dedução de 4 anos após o nascimento do direito à dedução).
187. Por sua vez, resulta do artigo 28.º e 87.º do Código do IVA que a Autoridade Tributária não tem o dever de considerar as deduções de imposto nas liquidações adicionais de IVA por si realizadas – neste sentido o artigo 87.º n.º 1 do Código do IVA determina que “(…) a Direção-Geral dos Impostos procede à retificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente à diferença”.
188. Aplicando o supra exposto ao caso em referência, resulta que os factos novos trazidos pela Requerente ao processo, i.e., os valores de dedução do IVA dos anos de 2013 e 2017, não são determinantes para a matéria factual objeto do ato tributário da Autoridade Tributária em discussão que é o de saber se os rendimentos enumerados nos pontos l. a m. da Matéria de Facto assente estão ou não sujeitos a IVA e, concluindo de forma fundamentada que houve pagamento de imposto inferior ao devido, proceder, nos termos do artigo 87.º do CIVA, à liquidação adicional da diferença.
189. Pelo que, no entender deste Tribunal, impõe-se o aproveitamento dos atos de liquidação adicional em causa não se considerando que a alegada invocação de falta de fundamentação sobre os factos novos trazidos pela Requerente – que não aproveitariam à causa – seja suscetível de levar à anulação do procedimento – utile per inutile non viciatur.
N. Da violação dos princípios da boa fé, da justiça e da proporcionalidade e neutralidade do IVA e do pagamento de juros compensatórios
190. A Requerente considera que os atos impugnados violam os princípios da boa fé, da justiça e da proporcionalidade e neutralidade do IVA argumentando que:
(i) Sempre autoliquidou o IVA como sujeito passivo misto, sem liquidação de IVA numa parte da sua atividade – a parte entendida como associativa, sem que fosse questionada pela Autoridade Tributária que todos os meses recebia as suas declarações periódicas;
(ii) A Autoridade Tributária só levantou as questões agora impugnadas na sequência de um pedido de reembolso de IVA efetuado pela Requerente, objeto de inspeções tributárias;
(iii) Sempre atuou com base numa leitura plausível da lei aplicável e para, mais, com base no Despacho n.º 616/2008-XVII emitido à Associação ... [...], e que claramente dispunha no sentido da aplicação da isenção de IVA nas importâncias cobradas aos clubes relativas à organização de jogos, filiação dos clubes e sua inscrição nas provas, inscrições de jogadores e atribuição de cartões por aplicação do artigo 9.º n.º 21 do CIVA (correspondente ao atual artigo 9.º n.º 19 do CIVA);
(iv) Pelo que a Autoridade Tributária não pode invocar retroativamente a interpretação da Inspeção Tributária, em violação do artigo 68.-A n.º 2 da LGT, sendo agora impossível ou inviável corrigir globalmente toda a situação ou deduzir o IVA dos seus inputs desde o início, violando-se assim o direito à dedução e neutralidade do IVA.
191. No que se refere à invocação da violação do princípio da boa fé, justiça, proporcionalidade e neutralidade do IVA este Tribunal acolhe, na íntegra, a decisão e fundamentos do Tribunal Arbitral Coletivo no processo 248/2018-T, que se passam a transpor por facilidade de referência:
“No caso, os procedimentos inspectivos foram desencadeados na sequência de pedidos de reembolso de IVA por se ter constatado que a Requerente não liquidou IVA sobre algumas das operações ativas realizadas.
O procedimento inspectivo pode ter em vista a confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos ou indagação de factos tributários não declarados, podendo traduzir-se num procedimento de comprovação e verificação do cumprimento das obrigações tributárias (artigos 2.º e 12.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira).
Por outro lado, o impulso do procedimento poderá ser de iniciativa oficiosa, de acordo com critérios de oportunidade que cabe à Administração Tributária definir.
Não se vê, por conseguinte, em que termos é que a abertura de um procedimento inspectivo na sequência de um pedido de reembolso de imposto e para verificar a legalidade da situação tributária do contribuinte pode ferir os falados princípios da actividade administrativa.
Dificilmente se pode compreender, também, em que medida é que o acto tributário de liquidação adicional de imposto destinado a assegurar o pagamento de imposto não liquidado pode afectar o princípio da neutralidade, quando este princípio, em matéria de IVA, constitui a tradução do princípio da igualdade de tratamento e tem em vista assegurar que os bens tributáveis suportem a mesma carga fiscal independentemente da extensão do circuito de produção e distribuição.”
192. Acresce ainda que o Despacho da Administração Tributária invocado pela Requerente foi emitido a uma entidade terceira e distinta da Requerente, com pressupostos e enquadramento próprios, não sendo assim vinculativo para a Autoridade Tributária na situação da Requerente que, a ter pretendido uma informação vinculativa própria, poderia tê-la submetido à Autoridade Tributária, ato que não praticou.
193. Pelo que improcede o pedido neste ponto.
O. Dos juros compensatórios
194. A Requerente impugna igualmente a liquidação de juros compensatórios em relação aos atos tributários de liquidação de IVA.
195. Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
196. Nesta sede, é entendimento dominante que os juros compensatórios devidos à Autoridade Tributária constituem uma reparação de natureza civil que visa indemnizar esta entidade pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente.
197. Tratando-se de uma indemnização de natureza civil, a mesma só é exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a atuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa atuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4ª edição, Encontro da Escrita Editora, Lisboa, página 283 e segs,).
198. Nesta sede, este Tribunal concorda também com a decisão e fundamentos do Tribunal Arbitral Coletivo no processo 248/2018-T de que a improcedência do pedido arbitral quanto às liquidações adicionais de IVA não é determinante do reconhecimento do direito dos juros compensatórios.
199. Com efeito, também aqui as ações de inspeção aos anos de 2013, 2017 e 2018 surgiram na sequência de um pedido de reembolso realizado em janeiro de 2017, e nesses períodos a Requerente sempre autoliquidou, nas suas declarações periódicas, de boa-fé e sem intuito evasivo, o IVA, sem fazer incidir este imposto sobre os rendimentos que considerava derivados da atividade associativa.
200. E, tal como conclui a decisão do coletivo no processo arbitral 248/2018-T: “Acresce que a questão jurídica subjacente à exigência do pagamento do imposto, na situação do caso, se reveste de especial complexidade, podendo entender-se que a interpretação feita pelo sujeito passivo, quando está em causa a autoliquidação do imposto, apresenta algum grau de plausibilidade. Além de que não se encontra demonstrado um intuito evasivo.”
XII. DECISÃO
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar improcedente o pedido arbitral quanto aos atos tributários de liquidação de IVA [pontos a) a e) do pedido de pronúncia arbitral (PPA)] e
b) Julgar procedente o pedido arbitral na parte referente aos juros compensatórios e anular, consequentemente, os correspondentes atos de liquidação [ponto f) do PPA].
Tudo com as devidas consequências legais.
* * *
XIII. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 534.297,68, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
XIV. CUSTAS
O montante das Custas é fixado em € 8.262,00 e será suportado pelas partes na proporção de 97%, pela Requerente e de 3%, pela Autoridade Tributária e Aduaneira (artigos 12º-2, do RJAT e 4º-4, do RCPAT), considerando os respetivos decaimentos.
• Notifique.
Lisboa, 24 de Outubro de 2019
José Poças Falcão
(árbitro-presidente),
Catarina Belim
(árbitro-adjunto)
António Alberto Franco
(árbitro-adjunto)