DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. No dia 30 de Novembro de 2018, A..., SGPS, S.A., NIPC..., com sede na Rua..., n.º..., ...-... Porto, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de tributações autónomas relativo ao exercício de 2015, na medida correspondente à aplicação do agravamento das taxas em 10 pontos percentuais com respeito a sociedades integrantes do Grupo Fiscal B... que, no exercício em causa, não tiveram prejuízos fiscais, e o acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa que teve por objecto aquele acto, na referida medida, no valor de € 89.861,47.
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que deve ser declarada a ilegalidade parcial do acto de autoliquidação supra identificado, no que concerne à parte do referido acto de autoliquidação de tributações autónomas que reflecte a aplicação do agravamento das taxas em 10 pontos percentuais com respeito a sociedades integrantes do Grupo Fiscal B..., uma vez que o prejuízo fiscal relevante para efeitos de agravamento das taxas de tributação autónoma é o da sociedade sujeita a essas tributações autónomas, e não o do grupo.
3. No dia 03-12-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 23-01-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 12-02-2019.
7. No dia 20-03-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se (por excepção e) por impugnação.
8. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
9. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
10. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, prazo este que foi prorrogado por 2 meses, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- Na autoliquidação de IRC do exercício de 2015 a A... SGPS (o Grupo Fiscal B...) procedeu também à autoliquidação de tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC, num total, em termos finais, de € 571.859,11.
2- Entre as tributações encontravam-se tributações autónomas num total de € 347.027,66, incluindo agravamento de taxa, respeitantes às seguintes sociedades integrantes do seu Grupo Fiscal:
a. C..., Lda. (“C...”), pessoa colectiva n.º...;
b. D..., S.A. (“D...”), pessoa colectiva n.º...;
c. E..., S.A. (“E...”), pessoa colectiva n.º...;
d. F..., S.A. (“F...”), pessoa colectiva n.º...;
e. G..., S.A. (“G...”), pessoa colectiva n.º...;
f. H..., Lda. (“H...”), pessoa colectiva n.º...;
g. I..., S.A. (“I...”), pessoa colectiva n.º ... (anteriormente denominada J..., S.A.).
3- O valor do IRC, incluindo derrama estadual e tributações autónomas, encontra-se pago.
4- As tributações autónomas respeitantes a estas sociedades foram apuradas aplicando-se às despesas e encargos que constituem as suas bases tributáveis as respectivas taxas legalmente previstas, a que se acresceu ainda o agravamento de dez pontos percentuais previsto no artigo 88.º, n.º 14, do CIRC.
5- Nenhuma das referidas sociedades incorreu em prejuízos fiscais em 2015.
6- Sem esse agravamento de taxas em 10 pontos percentuais, as tributações autónomas referidas teriam sido de € 257.166,19, e não de € 347.027,66 (diferença, para mais, de € 89.861,47).
7- O sistema de transmissão electrónica de dados através do qual se processava, em 2016, a entrega da declaração periódica de rendimentos de IRC, encontrava-se parametrizado no sentido de considerar que o agravamento das taxas de tributação autónoma deve ter por referência o resultado fiscal apurado pelo grupo de sociedades sujeito ao RETGS, e não o resultado fiscal apurado individualmente por cada uma das sociedades que o integram, não permitindo a apresentação de declaração nestes últimos termos.
8- A Requerente apresentou, em 7 de Maio de 2018, reclamação graciosa contra a autoliquidação de tributações autónomas do referido exercício de 2015.
9- Até à data da apresentação do pedido arbitral, a Requerente não foi notificada de qualquer decisão da reclamação graciosa.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
A questão a decidir nos presentes autos, reconduz-se a saber se o agravamento de 10% percentuais previstos no art.º 88.º/14 do CIRC/2015, no caso de sociedades integrantes de um grupo sujeito ao Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS) pressupõe a ocorrência de prejuízos fiscais na esfera das sociedades que incorreram nos gastos sujeitos a Tributação autónoma, como sustenta a Requerente, ou na esfera do grupo de sociedades, como sustenta a Requerida.
A problemática subjacente às tributações autónomas, tem sido objecto de acirrado contencioso entre os contribuintes e a Autoridade Tributária, situação a que não será, de todo, estranha a natureza própria, anti-sistémica até, de que aquelas se revestem, no quadro dos impostos sobre o rendimento, onde germinaram.
Relacionadas com a problemática, poderão, por exemplo, ser vistas as decisões dos processos arbitrais n.º 174/2016-T, 122/2016-T, 34/2016-T, 567/2016-T, 60/2017-T, 61/2017-T, 65/2017-T, 99/2017- T, 433/2017-T, 474/2017-T e 45/2018-T, entre muitas outras .
Efectivamente, a discussão que deflagrou com as novas taxas de tributação autónoma introduzidas pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, e incidiu inicialmente sobre a natureza do facto tributário subjacente àquele tipo de tributação, abriu um percurso exploratório profundo sobre a natureza das tributações autónomas e da sua relação com os impostos sobre o rendimento, em especial o IRC, que passou pelas problemáticas da dedutibilidade do valor das tributações autónomas à colecta de IRC, e pela natureza, presuntiva, ou não, das tributações autónomas sobre despesas dedutíveis, bem como, ultimamente, pela problemática da admissibilidade de deduções à colecta de tributações autónomas, nos exercícios anteriores a 2016, sem que até à data tenha havido uma intervenção legislativa definitiva, doutrinalmente sustentada e coerente, no sentido de clarificar o devido enquadramento das tributações em causa no edifício do imposto sobre rendimento de onde emergem, sucedendo-se, antes, intervenções legislativas desconexas e conjunturais, que em nada contribuem, pelo contrário, para a clarificação da natureza e função de tais tributações.
Neste quadro, decisões jurisprudenciais casuísticas, sucedem-se a intervenções legislativas igualmente casuísticas, gerando um quadro de incerteza e instabilidade onde, contribuintes e Autoridade Tributária não têm outra via de procurar o Direito aplicável que não a litigiosidade perpetuada, resvalando para o intérprete judicativo a ingrata tarefa de, no emaranhado normativo gerado, servir a Justiça possível.
Vejamos, então.
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Quando se fala em tributações autónomas, como é o caso, é conveniente desde logo ter presente que está em causa um conjunto de situações díspares, que abrangerão, pelo menos, três tipos distintos, a saber:
o Tributação autónoma de determinados rendimentos (ex.: artigo 72.º do actual CIRS, e, crê-se, a prevista no actual n.º 11 do artigo 88.º do CIRC);
o Tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (ex.: n.ºs 7 e 9 do artigo 88.º do actual CIRC);
o Tributação autónoma de outros encargos independentemente da respectiva dedutibilidade (ex.: números 1 e 2 do artigo 88.º do actual CIRC).
Sob um ponto de vista da funcionalidade/finalidade/fundamento das tributações autónomas sobre gastos (excluindo, portanto a tributação autónoma de rendimentos), têm, também sido surpreendidos vários tipos, como sejam:
o o desincentivar de determinados comportamentos do contribuinte tendentes a estar associados a situações de fraude ou evasão fiscal, como acontece, por exemplo, com as tributações autónomas incidentes sobre despesas não documentadas, ou pagamentos a entidades sujeitas a regimes fiscais privilegiados;
o o combate à erosão da base tributável, como acontece, em geral, com as tributações autónomas incidentes sobre despesas dedutíveis;
o o desincentivar de determinados gastos de causação presumidamente não (integralmente) empresarial, como acontece com as tributações autónomas incidentes sobre gastos com viaturas, ajudas de custo, ou despesas de representação;
o a tributação de distribuição encapotada de rendimentos a terceiros, não tributados na esfera destes (fringe benefits), como acontece com as tributações autónomas incidentes sobre gastos com viaturas, ajudas de custo, ou despesas de representação;
o a penalização pela realização de determinadas despesas, que não afectam a base tributável, nem têm subjacente qualquer distribuição não tributada de rendimentos a terceiros, ou potencial fraudulento ou evasivo, mas que o legislador, porventura, terá considerado luxuosas ou sumptuárias, como acontece com as tributações autónomas sobre determinados pagamentos a gestores, administradores ou gerentes (actual artigo 88.º/13 do CIRC), bem como a tributação autónoma sobre encargos com viaturas na medida em que exceda a taxa normal IRC.
Estes dados tornam-se importantes porquanto, por si mesmos, evidenciam a disparidade e heterogeneidade das situações sujeitas a tributações autónomas, e a inutilidade de, em sede jurisprudencial, sintetizar e procurar uma natureza jurídica própria e unitária, comum a todas as situações.
Deste modo, dever-se-á centrar a discussão na concreta questão colocada pela Requerente e procurar uma resposta, devidamente fundada, para os termos restritos daquilo que está em causa nos autos, que será então saber se face ao CIRC 2015, o que releva para o accionamento do agravamento em 10 pontos percentuais previsto no art.º 88.º/1 daquele Código, no caso da existência de um grupo sujeito ao Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS) era a ocorrência de prejuízos fiscais na esfera das sociedades que incorreram nos gastos sujeitos a tributação autónoma, ou na esfera do grupo de sociedades.
Devidamente equacionada, nestes termos, a questão a solucionar nos autos, cumprirá ainda ter presente que o referente fundamental da resposta a dar àquela, será o formulado no artigo 9.º do Código Civil, segundo o qual deverá ser reconstituído, a partir dos textos, o pensamento legislativo de um presuntivo legislador razoável, que tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Neste quadro, o desiderato da presente decisão será, não o de teorizar sobre a natureza jurídica das tributações autónomas em geral, ou de qualquer dos seus vários tipos, mas antes o de apurar se o pensamento legislativo, com um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, ainda que imperfeitamente expresso, era, à data dos factos tributários em questão nos autos, no sentido de que o que relevava para o accionamento do agravamento em 10 pontos percentuais previsto no art.º 88.º/1 do CIRC, no caso da existência de um grupo sujeito ao Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS) era a ocorrência de prejuízos fiscais na esfera das sociedades que incorreram nos gastos sujeitos a Tributação Autónoma, ou na esfera do grupo de sociedades.
Inútil será, julga-se, procurar uma base conceptualista, assente numa definição dogmática de conceitos monolíticos de IRC e de Tributações Autónomas, retirados de normação estranha à matéria decidenda, professando um “ontologismo escolástico” que procure “deduzir de forma puramente lógica, a partir de conceitos abstractos superiores, outros, cada vez mais concretos e plenos de conteúdo” , metodologicamente ultrapassado.
Almejar-se-á, deste modo, apenas averiguar qual a solução que, face ao direito constituído, devidamente interpretado, se afigura caber ao caso concreto, não se tomando a resposta dada à questão decidenda como uma evidência acabada, exacta e com um grau extremo de rigor e exactidão, mas, meramente, como aquela que, reflexivamente, se apresentou aos seus subscritores como a, juridicamente, melhor .
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É o seguinte o texto da norma do art.º 88.º/14 ora em questão:
“As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC.”
Lido o texto da norma, verifica-se que a mesma refere, expressamente, que o agravamento previsto opera “quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores”.
Deste enunciado, e para o que ao caso importa, resulta que, nos termos do texto legal, o agravamento ali previsto ocorre por referência aos sujeitos passivos, sendo que, da sistemática do art.º 88.º onde a norma em questão se insere resulta que a referência a sujeitos passivos se reporta aos sujeitos que efectuam ou suportam as despesas ou encargos sujeitos a tributação autónoma, como se pode constatar, por exemplo, dos n.º 2 e 3 daquele artigo.
Não obstante, como é sabido, a leitura jurídica, por impositivo legal (e também lógico-racional) não se cinge, nem deve cingir, ao texto das normas enquanto realidade semântico-gramatical, devendo antes colocar-se num plano axiológico-racional, ancorado em todos os elementos da interpretação jurídica.
Daí que, em ordem a obter aquilo que seja a leitura juridicamente mais correcta do texto, seja necessário realizar determinados testes ao nível do edifício sistemático onde a norma interpretanda se enquadra, de modo a validar, face ao mesmo, e à luz dos critérios de racionalidade, congruência e razoabilidade que necessariamente norteiam aquela estrutura normativa, a interpretação literalmente sugerida.
Neste contexto, a natureza das tributações autónomas, como se referiu já, tem sido objecto de ampla discussão na doutrina e jurisprudência recentes.
Uma corrente tem olhado para as mesmas como um imposto sobre a despesa, que tributaria determinados tipos de gastos, de uma forma totalmente desligada do rendimento, em termos de haver mesmo quem sustente que as mesmas constituem um tributo próprio, que apenas casualmente estaria integrado nos códigos do IRS e IRC.
Não obstante, tem obtido acolhimento recorrente na jurisprudência do CAAD , o entendimento de que as tributações autónomas sobre encargos dedutíveis, integram, ainda, o regime dos impostos regulados pelos códigos onde estão previstas, visando, mesmo que de uma forma enrevesada, o rendimento tributado por aqueles.
Com efeito, e como se teve oportunidade de escrever noutra sede , “a complexidade gerada pelas sucessivas alterações na arquitetura do CIRC conduziram (...) a um edifício normativo atípico, no qual se poderá discernir um core correspondente ao que se poderá chamar IRC tout court (ou em sentido estrito), que a Requerente pretende que esgote tudo o que seja designado por IRC, e uma periferia que integra regulamentações “marginais”, subtraídas, em grande parte, à lógica, natureza e princípios do IRC tout court, mas que, não obstante, ainda se situam no “campo gravitacional” daquele.
E é no processo de concretização desta zona de difícil definição que todas as decisões analisadas (...) operam, não podendo as mesmas ser devidamente compreendidas sem que se compreenda também que, de facto, o que todas as decisões em questão estão a fazer é apurar quais as consequências que a “gravitação” em torno do core do IRC aportam para as matérias em cada uma delas abordadas.”.
Nesse sentido, “dentro do quadro hermenêutico acima desenhado, (...) por força da evolução histórica do respetivo regime legal, se constituiu um tipo de IRC que integra um núcleo duro (...) e um grupo de normações adjacente, que comunga de parte da lógica e do regime daquele, mas que em muitos aspectos diverge dos mesmos.”. E, mais adiante, “da consideração do texto legislativo, estaticamente e na sua evolução histórica, resulta que o legislador entendia, e continua a entender, que as tributações autónomas integram o IRC, senão enquanto imposto stricto sensu, pelo menos em termos de fazerem parte do mesmo regime fiscal unitário”.
Isto porque “o regime legal das tributações autónomas em questão nos autos apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC. Ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas do seu principal referente de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é devidamente compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC.”.
Daí que não “se entenda que “a definição de IRC constante dos artigos 1.º e 3.º do CIRC” esteja “realmente ultrapassada por uma nova definição de aplicação transversal/geral”, sendo essa uma postura epistemológica própria de um conceptualismo que, liminarmente, se repudiou.
Pelo contrário: trata-se do reconhecimento daquilo que, face ao quadro legal vigente, se impõe como o mais razoável: o abandono definitivo de qualquer definição de aplicação transversal/geral de IRC, e o reconhecimento do regime deste como uma realidade complexa e multifacetada, irredutível a uma definição daquela índole, que apenas um conceptualismo fundamentalisticamente abstracionista poderá pressupor.”.
Por isso, “Tudo aquilo que se tem vindo a dizer evidencia que a evolução do regime legal do IRC transmutou-o numa realidade complexa e multifacetada, aos mais diversos níveis, que se reflete, na matéria que nos ocupa nestes autos, na tal “natureza dual” de que falava o Prof. Saldanha Sanches na passagem citada no Acórdão 617/2012 do TC.
O reconhecimento desta dualidade de natureza não prejudica, contudo, como se entende estar subjacente quer à citação em causa quer à jurisprudência que a cita, que se considere que o sistema, apesar de dual, seja o mesmo . Dito de outro modo, apenas faz sentido falar-se de um sistema dual, se o sistema em questão, globalmente considerado, for, ainda, o mesmo. Caso contrário falar-se-ia não de um sistema de natureza dual, mas de dois sistemas distintos, o que, por tudo o que se vem dizendo, não será o que ocorre. E, in casu, o sistema será o regime do IRC, que operando ora pelo lucro, ora pelos gastos, visa e prossegue as finalidades próprias daquele imposto, incluindo, evidentemente, a arrecadação de receita para o Estado.”.
Por fim, “Em jeito de conclusão, face a tudo o que se vem de expor, e em favor de um rigor conceptual, dir-se-á ainda que se pende para o entendimento de que as tributações autónomas, tal como existem actualmente, se poderão configurar como um imposto “híbrido” , incidindo sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas colectivas, e não sobre o consumo ou a despesa, pois não apresentarão as principais características desta forma de tributação”.
O quanto vem de se dizer, ecoa, de alguma forma, na jurisprudência que vem sendo produzida pelo Tribunal Constitucional (TC), como acontece com o Acórdão 197/2016, de 13-04-2016 .
Com efeito, reconhecendo o TC que a matéria das tributações autónomas é “regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento”, confirma o mesmo Tribunal que a mesma “é materialmente distinta da tributação em IRC”, e que “estamos (...) perante factos tributários distintos e que são objeto de um tratamento fiscal diferenciado”, indo mesmo ao ponto de afirmar que “o IRC e a tributação autónoma são impostos distintos” e que aquela tributação “nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros”, afirmações que terão de ser lidas, julga-se, cum grano salis, enquadrando-as nas limitações que as contextualizam, reportando-as à existência de uma “base de incidência” consistente em “certas despesas que constituem factos tributários autónomos”, e na “sujeição a taxas específicas”, compreendendo-se assim que a tributação autónoma “nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa” (o que não quererá dizer que seja alheia à tributação de rendimento e lucros em geral), e que a distinção entre a tributação autónoma e o IRC, sendo profunda e vincada, se deve cingir ao necessário para salvaguardar a especificidade daquela ao nível da respectiva teleologia, base de incidência e taxas específicas, sem prejudicar a integração no mesmo edifício normativo.
Efectivamente, crê-se, não estará o TC a defender que a tributação autónoma constitui um imposto sobre a despesa stricto sensu, completamente alheio e distinto do IRC, sob pena de, não só ser desmentido pela sistemática da lei fiscal e, expressamente, pelo próprio legislador , como também de condenar irremediavelmente as tributações autónomas a uma inconstitucionalidade formal, por violação do disposto na al. i) do artigo 165.º, n.º 1 da CRP , na medida em que as leis autorizativas da criação daquelas não licenciaram a criação de um novo imposto sobre a despesa .
Terá presente o TC que a tributação autónoma será, pelo menos, uma tributação compensatória de IRC que, por o ser, é IRC (sem sentido amplo) também.
O próprio STA, discordando, de um ponto de vista de princípio, com a qualificação, reconheceu já também que “o legislador (bem ou mal e, a nosso ver, mal) sempre as considerou como IRC, incluindo o seu regime legal no âmbito do respectivo código (pelo menos desde a referida Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro)” .
Não obstante, e sem prejuízo do que vem de se expor, não se poderá, na apreciação da matéria em causa, desprezar a (enfaticamente afirmada pelo TC) profunda distinção formal e teleológica entre a tributação autónoma em IRC e a tributação geral neste imposto (IRC stricto sensu).
Em suma: já anteriormente se detectou, por um lado, a futilidade de procurar um conceito unitário de IRC que acomode, coerentemente, o regime das tributações autónomas, e que, por outro, a via metodologicamente mais profícua de gerar soluções juridicamente adequadas para a problemática em causa passa por compreender o regime do IRC actual como produto de uma evolução historicamente explicada que conduziu à edificação de uma estrutura de natureza dual ou híbrida, compreendendo um núcleo principal correspondente ao IRC tradicional, e uma parte adjacente, conexionada com aquele e fazendo parte da mesma realidade normativa global, com especificidades próprias das quais resulta um afastamento, em vários e substanciais aspectos, do regime principal, em termos de os princípios e soluções gerais, não obstante, por vezes se aplicarem, por outras vezes serem contraditórios, e como tal, inaplicáveis, com a natureza própria dessa tal “normação adjacente” que se consubstancia nas designadas tributações autónomas.
Sendo que, como é já consabido, essa natureza própria, ou específica, assente numa lógica estranha ao edifício principal do IRC tradicional, se caracterizará, essencialmente, pelas notas sobejamente reconhecidas como próprias às tributações autónomas, designadamente, quer quanto à sua forma de imposição (o carácter instantâneo do respectivo facto tributário e a circunstância de este consistir num gasto), quer quanto à sua ratio anti-sistemática (o facto de algumas das tributações autónomas em IRC terem uma vertente dirigida directamente para o rendimento de pessoas singulares e/ou uma vertente sancionatória, bem como uma finalidade antiabuso).
Como se vem de expor, considera-se que a integração das tributações autónomas no IRC (ou seja, enquanto fazendo materialmente parte do regime jurídico do IRC) apenas é viável num contexto que reconheça naquele um sistema com uma natureza dual, que se poderá por comodidade designar por IRC em sentido amplo, integrando um sistema base correspondente ao IRC tradicional, ou stricto sensu, e um sistema periférico, autónomo, que fazendo ainda parte do mesmo sistema global, tem especificidades funcionais e axiológicas próprias, das quais decorre o afastamento da aplicação das normas próprias daquele sistema base, sempre que tal se justifique à luz da coerência do próprio sistema (das razões que justificam a sua autonomia).
Dito de outro modo, sim, a tributação autónoma é IRC, mas apenas em sentido lato, constituindo um sistema periférico da tributação do rendimento das pessoas colectivas, com teleologia e mecânicas próprias, que justificam, em determinadas situações, a sua autonomia, em relação ao referido sistema de IRC stricto sensu.
Daí que, face ao exposto, se julgue a resposta para a concreta questão que se apresenta a decidir se deva formular e resolver no quadro exposto, ou seja, de um sistema dual, em que às tributações autónomas se aplicarão, ou não, a regras do IRC em geral (IRC stricto sensu), conforme tal seja convocado pelas estrutura normativa (forma) e finalidades (substância) próprias daquelas.
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Antes de prosseguir, cumprirá deixar claro que não terá cabimento no caso, a consideração preliminar da Requerida, segundo a qual a Requerente pretenderia “que “faça sol na eira e chuva no nabal”.”, ou seja, “beneficiar dos benefícios que perpassam no REGTS. rejeitando os eventuais efeitos prejudiciais que dele possam brotar”.
Efectivamente, o sentido da resposta a dar à questão que ora cumpre dirimir, seja qual for o seu sentido, não será, em abstracto, favorável ou desfavorável quer aos interesses dos contribuintes, quer aos interesses da Administração Tributária.
Com efeito, quer se conclua que o que releva para a aplicação do n.º 14 do art.º 88.º sob interpretação, nos casos de grupos de sociedades, é a verificação ou ausência de prejuízo fiscal na esfera das sociedades individuais, ou do grupo de sociedades, poderão decorrer situações de maior ou menor tributação, em ambas as hipóteses.
Assim, e por exemplo, se é certo que caso se conclua que o que releva para a norma em causa é o prejuízo fiscal do grupo, e não das sociedades individualmente consideradas, poderão ocorrer situações num grupo fiscal deficitário, em que determinadas sociedades individuais que não tenham prejuízo fiscal vêm as tributações autónomas em que incorreram agravadas em dez ponto percentuais, menos certo não é que nessa mesma hipótese, no caso de o grupo fiscal ser lucrativo, as sociedades individuais que tenham prejuízo fiscal não verão as tributações autónomas em que incorreram ser objecto desse agravamento.
Por outro lado, na hipótese contrária, ou seja, de se considerar que o que releva é o prejuízo fiscal individual de cada sociedade do grupo, e não deste como um todo, haverá situações em que a agravação da tributação autónoma não ocorrerá, no caso de o grupo ser lucrativo, mas outras se verificarão em que aquele agravamento operará, em casos que se se entendesse que o relevante era o resultado fiscal do grupo de sociedades, isso não ocorreria.
Daí que, como se referiu, nenhuma das soluções possíveis para a questão decidenda seja inerentemente favorável, por princípio, para qualquer das partes na relação jurídica tributária.
Posto isto, cumpre então verificar qual, face à estrutura e materialidade jurídica próprias das tributações autónomas, globalmente consideradas, se deverá ter como mais conforme à unidade e coerência do sistema jurídico, em termos de se poder afirmar que terá sido essa a intencionalidade própria do presuntivo legislador razoável.
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Um dos pontos que haverá desde logo que considerar é que, como a própria Requerida tem notado em sede arbitral, onde se tem discutido a dedutibilidade, nos termos do art.º 90.º do CIRC, nas redacções anteriores a 2016, de determinados encargos à colecta de tributações autónomas, se é verdade que a liquidação daquelas e do IRC stricto sensu convergem no mesmo mecanismo, não se deverá ter por menos certo que a montante existem diferenças materiais profundas na fonte das respectivas obrigações tributárias.
Como sintetizou a Requerida em diversos processos arbitrais que correram no CAAD, “a integração das tributações autónomas, no CIRC (e no Código do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respectivas colectas, por força de obedecerem a regras diferentes. E isso, pois, num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.º do CIRC à matéria colectável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias colectáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88.º do CIRC.”.
Este entendimento, de resto, já teve algum acolhimento jurisprudencial, tendo-se considerado ser a “tributação autónoma apurada de forma independente do I.R.C. que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.” .
Daí que, desde logo, se tenha por acertado que a colecta de tributações autónomas e de IRC stricto sensu, não obstante convergirem na liquidação e pagamento, sejam autonomizáveis, realçando-se, para o que importa, que a última assenta na existência de lucro tributável, que pressupõe, enquanto a primeira abstrai da existência de tal lucro, não só impondo-se quando o mesmo não existe, como agravando-se, face aos prejuízos fiscais, nos termos que ora se discutem.
Esta disparidade genética aponta, desde logo, para a ausência de qualquer óbice sistemático à solução indiciada pela letra do preceito aqui sob interpretação, na medida em que tal solução restringe a relevância da existência de um grupo de sociedades para efeitos de IRC stricto sensu, abstraindo daquele para efeitos de tributação autónoma.
A própria Requerida, nos presentes autos, reconhece que “a “autonomia” que dá nome às taxas de tributação autónoma prende-se com os factos sobre os quais aquelas incidem e às especificidades no seu apuramento.”.
Ora, precisamente, o agravamento das tributações em dez pontos percentuais imposto pelo art.º 88.º/14 do CIRC ora em causa, é uma especificidade do apuramento das tributações autónomas (e já não das “restantes parcelas do IRC a autoliquidar e a pagar pelo contribuinte”), pelo que, na perpectiva da própria Requerida, não haverá qualquer óbice à individualização dos lucros tributáveis e prejuízos fiscais das sociedades individuais, para efeitos de tributação autónoma.
Isto mesmo, de resto, é corroborado pelo REGTS, conforme decorre do art.º 70.º do CIRC aplicável, que dispõe que o lucro tributável (factor do cômputo do IRC stricto sensu) “do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo”.
Esta norma, abona assim mais um subsídio à tarefa interpretativa em curso, ao esclarecer, contundentemente, que as sociedade individuais têm, à luz do CIRC, lucros tributáveis e, sobretudo, prejuízos fiscais próprios, o que, no mínimo, retira qualquer validade à pretensão de sustentar que a referência a “prejuízo fiscal” no nº 14 do art.º 88.º sob interpretação, implica necessariamente que esta norma se esteja a referir ao prejuízo fiscal do grupo.
Por outro lado, a própria indicação de que é o “lucro tributável” do grupo – não se fazendo qualquer referência ao “prejuízo fiscal” do grupo – que é computado, indiciará, também, que na lógica de tributação do RETGS, relevará especialmente o primeiro, de onde decorre, para o que ora importa, que nessa mesma lógica o “prejuízo fiscal” não terá estado na mente do legislador como assumindo especial relevância na óptica do regime (REGTS) em questão.
Consequentemente, essa mesma referência unicamente ao cômputo do “lucro tributável”, e não ao “prejuízo fiscal”, indicia que tal regime tem em vista operar ao nível do cômputo do IRC stricto sensu, que requer o primeiro, e não já, necessariamente, das tributações autónomas, que abstraem do mesmo.
Adicionalmente, o art.º 52.º do mesmo CIRC, denota concludentemente que o cômputo do lucro tributável e dos prejuízos fiscais atinentes às sociedades integrantes de um grupo sujeito ao RETGS mantém relevância no quadro do IRC.
O que se vem de dizer é igualmente confirmado pelo teor do art.º 105.º/4 do mesmo CIRC aplicável, que dispõe que, para efeitos do cálculo do pagamento adicional por conta, é devido pagamento adicional por conta por cada uma das sociedades do grupo, e não pelo grupo no seu todo, solução que tem como consequência que, mesmo num grupo deficitário, as sociedades lucrativas terão a obrigação de proceder ao referido pagamento.
No mesmo sentido, o dispõe o art.º 87.º-A/3 do mesmo CIRC, que “Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.”.
Também aqui se verifica a atribuição de relevância ao lucro tributável apurado individualmente por cada sociedade integrante de um grupo sujeito ao RETGS, em detrimento do lucro tributável do grupo, computado nos termos do art.º 70.º do CIRC.
Estas realidades, infirmam, salvo melhor opinião, outro grande pilar da argumentação da Requerida na presente acção arbitral, que é o de que as sociedades integrantes de um grupo fiscal “se apresentam à tributação como se de uma singela entidade económica se tratasse”, que “Por meio da neutralidade, nos termos do disposto no artigo 70.º do CIRC, aquilo que é objecto de tributação é a situação global unitária do grupo, dada a possibilidade de fazer diluir nos lucros tributáveis apurados numas sociedades, os prejuízos fiscais gerados na esfera de outras, todas integrantes do grupo.”, e que “Apesar de composto por sociedades com personalidade jurídica, o grupo assume-se como uma “massa homogénea” para efeitos, entre outros, de tributação em sede de IRC, passando a relevar a tal realidade económica, a par da revelação de uma capacidade contributiva única, indo, assim, de encontro a que o resultado fiscal do grupo resulte na soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais das sociedades que o compõem.”.
Efectivamente, se assim fosse, o único lucro tributável que relevaria em sede do cálculo do pagamento adicional por conta e da derrama devida, seria o lucro tributável do grupo, e não o lucro tributável individual de cada sociedade, como se verifica.
Ao não ser esse o caso, fica demonstrado, crê-se, que o próprio lucro tributável (e, por maioria de razão, prejuízo fiscal) individual de cada sociedade de grupo de sociedades pode relevar em sede de IRC, sem que daí resulte, necessariamente, qualquer entorse ao regime do RETGS, sendo que, em todo o caso, a aceitar-se a tese da Requerida de que aquele regime implica que as sociedades integrantes de um grupo fiscal “se apresentam à tributação como se de uma singela entidade económica se tratasse”, sempre faria mais sentido que se reportasse ao lucro tributável do grupo (e não das sociedades individuais) quer o pagamento especial por conta quer a derrama, uma vez que aqueles têm por base o lucro tributável e é aí, como se viu, face ao art.º 70.º do CIRC, que se situa o cerne do RETGS, do que o agravamento das tributações autónomas, que, como igualmente se referiu já, não se fundam na existência de lucro tributável no exercício em que se tornam devidas.
Não obsta ao que vem de se referir, a eventual circunstância – que, a benefício de raciocínio se pode ter por adquirida – de a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que introduziu a redacção transcrita do art.º 87.º-A/3 do CIRC ter caracter inovatório, desde logo porquanto o cômputo da derrama assenta no lucro tributável (esse sim determinado, no âmbito do RETGS nos termos do art.º 70.º do CIRC).
Por fim, e ainda no que respeita à regulamentação própria dos grupos de sociedades para efeitos de IRC, é de mencionar o art.º 115.º do Código desse imposto aplicável, que dispõe que
“Quando seja aplicável o disposto no artigo 69.º, o pagamento do IRC incumbe à sociedade dominante, sendo qualquer das outras sociedades do grupo solidariamente responsável pelo pagamento daquele imposto, sem prejuízo do direito de regresso pela parte do imposto que a cada uma delas efetivamente respeite.”, evidenciando assim, uma vez mais, a existência e a relevância do lucro tributável (e consequentemente do prejuízo fiscal) das sociedades individuais do grupo.
De resto, ao contrário do que a Requerida pretende, a responsabilização e a solidariedade grupal não apagam a individualidade dos membros do grupo, antes a reforçam, por ser um pressuposto daquela.
Daí que não se possa ratificar a conclusão da Requerida, segundo a qual “todos os sinais emanados pelo CIRC, no que respeita ao REGTS, são no sentido de que os grupos de sociedades, no que toca à tributação, à autoliquidação e pagamento de imposto em sede de IRC, se concretizem como se se tratasse de uma só entidade jurídica, encabeçada pela sociedade dominante (sociedade-mãe), que, nos termos do artigo 70.º, concatenado com os artigos 104.º, 115.º e 120, n.º 6, todos do CIRC, é aquela que, por meio de um acto optativo (artigo 69.º, n.º 1 do CIRC) se apresenta à tributação, reportável ao imposto devido pelas sociedades que integram o perímetro do grupo.”.
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Sob um outro ponto de vista, conforme acima se expôs já, no conjunto das tributações autónomas, ainda que restrito às que integram o regime do IRC em sentido amplo, convergem várias situações de origem e teleologia díspares.
Assim, sinteticamente e a título de exemplo, encontram-se tributações autónomas que visam, isolada ou concomitantemente, desincentivar determinados comportamentos economicamente desvaliosos (ex.: remunerações excessivas a gestores), tributar os chamados fringe benefits (ajudas de custo; despesas com viaturas), mitigar a repercussão fiscal de despesas de empresarialidade integral duvidosa (idem), desincentivar comportamentos com elevado potencial de fraude (pagamentos a entidades sujeitas a regime fiscal claramente mais favorável) ou penalizar comportamentos que fomentam a chamada economia paralela (tributação das despesas confidenciais), ou que são tidos pelo legislador como sumptuários.
Daí que, desde logo, desfaleça um outro argumento utilizado pela Requerida na presente acção arbitral, relacionada com a alegação de “que as tributações autónomas incidem (quase na íntegra) sobre encargos dedutíveis em sede de IRC” e de que “que a base de incidência das tributações autónomas será (quase na íntegra) - e mesmo numa lógica de grupo fiscal -, as despesas/gastos que concorrem para o apuramento do lucro tributável ou do prejuízo fiscal das sociedades dominadas, e que, de igual modo são sujeitas às taxas de tributações autónomas.”.
É que, compulsado o art.º 88.º do CIRC aplicável, constata-se uma tendência que se tem agravado até à data, no sentido de serem cada vez menos as tributações autónomas materialmente incidentes sobre encargos dedutíveis.
Assim, para lá das tributações autónomas a que se referem os n.ºs 1, 2 e 8 daquele art.º 88.º, todas as tributações autónomas cuja taxa excede a taxa normal de IRC se traduzem na anulação prática daquela dedutibilidade, equivalendo, por isso, a uma indedutibilidade agravada por uma tributação autónoma equivalente à diferença entre a taxa nominal desta e a taxa normal de IRC.
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Um outro argumento esgrimido pela Requerida, insusceptível também de proceder, é o de que “as tributações assumem uma clara natureza anti abuso, uma vez que com elas se pretende prevenir uma utilização abusiva de determinadas despesas e distribuição de dividendos e em fraude às normas que visam atingir o rendimento real dos sujeitos passivos.”.
Sem prejuízo do quanto se disse, concretamente a respeito dos diversos tipos de tributação autónoma e da existência de vários tipos com teleologias diversas, resulta claro que a finalidade antiabuso que subjaza a algumas daquelas será melhor servida pelo entendimento de que o n.º 14 do art.º 88.º do CIRC, ora em apreço, se reporta aos prejuízos fiscais individuais das sociedades integrantes de grupos sujeitos ao RETGS, e não ao eventual prejuízo do grupo.
Efectivamente, e aceitando-se que, como parece abonar a Requerida, que aquela norma incorpora um juízo acrescido de censurabilidade à realização de determinadas despesas ou gastos, por sujeitos passivos que apresentem prejuízos fiscais, não se pode deixar de notar que a solução para a questão decidenda sustentada nos autos pela Requerida é substancialmente mais dada a abusos que a solução oposta, sustentada pela Requerente.
Repristinando aqui o quanto foi previamente dito relativamente à circunstância de, em abstracto, e numa perspectiva de normalidade, nenhuma das soluções possíveis ser, a priori, mais favorável ou danosa para qualquer das partes na relação jurídica tributária, o certo é que uma perspectiva de abuso será favorecida pela solução que entenda que a referência a “prejuízo fiscal” no n,º 14 do art.º 88.º do CIRC aplicável se reporta ao prejuízo fiscal do grupo.
Com efeito, nesse quadro, sociedades deficitárias que integrem grupos lucrativos poderão incorrer em encargos sujeitos a tributação autónoma sem sofrer a agravação prevista no art.º 88.º/14 em questão, esquivando, assim, a “censura” que é dispensada por aquela norma aos restantes contribuintes.
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Por fim, e de um ponto de vista sistemicamente mais geral, dever-se-á também atentar no regime do artigo 12.º do CIRC aplicável, que prescreve, no que para o caso releva, que:
“As sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas.”.
Sendo certo que, as sociedades fiscalmente transparentes são uma situação atípica em sede de IRC, na medida em que são sociedades justamente não sujeitas a IRC sobre o lucro/rendimento, mas sujeitas a IRC em sede de tributações autónomas, serve, não obstante, a norma em questão para evidenciar que nenhum óbice de princípio existe a que a tributação sobre o lucro/rendimento se situe em determinada esfera (no caso das sociedades transparentes, os sócios, no caso do RETGS, o grupo) e que a tributação autónoma se situe noutra (no caso das sociedades transparentes, as próprias, no caso do RETGS, as sociedades individuais)
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Pergunta ainda a Requerida, na sua Resposta, o seguinte:
- “Será legalmente aceite que qualquer das sociedades dominadas que apure prejuízo fiscal se exima no pagamento da obrigação tributária (quando individualmente demandada), invocando que a responsabilidade do pagamento da obrigação deve ser assacada às sociedades dominadas que apuraram lucro tributável?”; e
- “Será legalmente aceite que qualquer das sociedades dominadas que apure lucro tributável se exima no pagamento da obrigação tributária (quando individualmente demandada), invocando que o agravamento de 10% das taxas de tributações autónomas (valor integrante do imposto a entregar nos cofres do Estado) é imputável àquelas sociedades dominadas que apuraram prejuízos e a quem, por isso, a responsabilidade do pagamento da obrigação lhes deve ser assacada?”
Relativamente à primeira questão, será óbvio que, face ao disposto no art.º 115.º do CIRC, a resposta deverá ser negativa. Todavia, quer a questão quer a resposta, não têm qualquer relação ou implicação com a questão sub iudice, já que a circunstância de uma sociedade integrante de um grupo sujeito ao RETGS não poder eximir-se à solidariedade imposta pela norma referida, nada diz sobre se uma sociedade que integre um grupo do mesmo tipo, e que individualmente apresente lucro tributável, deva ver a sua tributação autónoma agravada, nos termos do art.º 88.º/14, por o grupo que integra apresentar prejuízo fiscal (admitindo que legalmente existe prejuízo fiscal de um grupo sujeito a RETGS).
Por outro lado, não se pode deixar de notar que a previsão de direito de regresso prevista no mesmo art.º 115.º, acima referido, indica uma preocupação de que, no âmbito do RETGS, a tributação se repercuta em termos consentâneos com a capacidade contributiva individual de cada sociedade, conferindo portanto relevância a esta, o que se apresenta alinhado com o entendimento de que o art.º 88.º/14 se reportaria à capacidade individual de cada sociedade.
No que diz respeito à segunda pergunta, a mesma encerra, no que diz respeito à discussão em curso, uma falácia, que consiste em que essa mesma pergunta tem pressuposta a solução que a mesma pretende demonstrar.
Com efeito, será evidente que se do regime legal vigente resultar que uma sociedade que apresente lucro tributável integrante de um grupo sujeito ao RETGS que apresente prejuízos fiscais, vê a sua tributação autónoma agravada em dez pontos percentuais, não poderá a primeira eximir-se à sua obrigação solidária, consagrada no art.º 115.º do CIRC.
Todavia, se do mesmo regime legal vigente resultar que uma sociedade que apresente lucro tributável integrante de um grupo sujeito ao RETGS que apresente prejuízos fiscais, não vê a sua tributação autónoma agravada em dez pontos percentuais, a questão formulada pela AT carece de sentido.
Mesmo interpretando a questão em causa como, nesta última hipótese, se reportando ao agravamento da tributação autónoma relativa às sociedades do mesmo grupo que tenham apresentado prejuízo fiscal, e vejam, por isso, aquela agravada, naturalmente que nenhuma sociedade do grupo, incluindo as que apresentem lucro tributável, pode eximir-se à sua responsabilidade solidária, mas daí não decorre, tal como da primeira questão apreciada, nenhum contributo para a solução do problema ora em causa, notando-se, tal como a propósito daquela primeira questão, que através do direito de regresso salvaguardado, sempre poderão as sociedade responsabilizadas solidariamente, rectificar a correspondência da tributação com as capacidades contributivas individuais de cada membro do grupo.
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Aqui chegados, cumpre fazer uma breve menção à norma do art.º 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que atribui natureza interpretativa ao artigo 133.º do mesmo diploma, na parte em que vem fixar o sentido do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, nos termos do n.º 20 desse artigo.
Esta norma, conforme indica a Requerente, foi julgada, no referido segmento, inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 395/2017, de 12 de Julho de 2017 .
Daí que, atenta a inconstitucionalidade da norma em questão, declarada pelo Tribunal Constitucional, e pelos fundamentos constantes do Acórdão desse mesmo Tribunal supra-referido, não poderá aplicar-se o artigo 133.º do mesmo diploma, na parte em que vem fixar o sentido do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, nos termos do n.º 20 desse artigo.
Note-se ainda que, conforme preambularmente referido, está em causa na presente decisão arbitral determinar o sentido normativo do preceito do art.º 88.º/14 do CIRC/2015, à luz do artigo 9.º do Código Civil, segundo o qual deverá ser reconstituído, a partir dos textos, o pensamento legislativo de um presuntivo legislador razoável, que tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Ora, tendo o legislador, a partir da referida Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, determinado, no n.º 20 do art.º 88.º do CIRC, que “Para efeitos do disposto no n.º 14, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades estabelecido no artigo 69.º, é considerado o prejuízo fiscal apurado nos termos do artigo 70.º”, poder-se-ia dizer que está esclarecido qual o entendimento de um legislador razoável.
Todavia, tal raciocínio será falacioso, na medida em que, desde logo, o que se pretende apurar é a solução que um legislador razoável teria consagrado no art.º 88.º/14, na ausência do n.º 20 que veio a ser aditado àquele artigo, e depois porquanto embora se deva presumir que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, essa presunção pode ser infirmada, sobretudo quando a expressão do pensamento do legislador nos textos legislativos, compreendida nos termos mais adequados, for incompatível com a solução mais acertada.
Daí que, sem prejuízo de soluções legislativas subsequentemente implementadas poderem ter algum valor interpretativo relativamente a normas vigentes antes da entrada em vigor de tais soluções, não poderá, em qualquer caso, ser-lhes atribuído um valor decisivo, sob pena de transformar todas as leis novas em leis interpretativas.
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Deste modo, como se escreveu no Acórdão proferido no processo arbitral n.º 239/2014T, do CAAD :
“Da anterior constatação de que as tributações autónomas são tributação em IRC não decorre necessariamente que elas sejam relevantes no âmbito do regime especial de tributação de grupos de sociedades, pois este regime não constitui uma forma geral de tributação em sede de IRC.
Na verdade, como resulta do disposto no artigo 69.º, n.º 1, do CIRC, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, a especialidade daquele regime reporta-se à «determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo».
Embora esta fórmula «determinação da matéria colectável» seja abstractamente abrangente de todos os tipos de matéria colectável sobre que incide o IRC, o artigo 70.º do mesmo Código, relativo à «determinação do lucro tributável do grupo», concretiza que «relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo».
Assim, resulta claramente deste artigo 70.º do CIRC que a aplicabilidade do regime especial de tributação de grupos de sociedades restringe-se à determinação do lucro tributável e dos prejuízos fiscais. Por outro lado, mesmo quando é aplicável este regime especial, não deixa de ser dada relevância autónoma aos prejuízos fiscais de cada uma das sociedades do grupo, como mostra o artigo 71.º do mesmo Código, ao estabelecer várias regras que constituem o «regime específico de dedução de prejuízos fiscais».
Ora, apesar de as tributações autónomas em IRC serem consideradas IRC, é manifesto que a sua base de incidência não é o lucro tributável.
Por isso, tem de se concluir que não há base legal para estender à incidência e determinação das taxas das tributações autónomas o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, que se limita à determinação do lucro tributável e dos prejuízos fiscais dos grupos de sociedades para efeito de tributação em IRC, na parte em que incide directamente sobre o rendimento.
Assim, o agravamento das taxas das tributações autónomas previsto no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC ocorre apenas quando a sociedade integrante do grupo em relação à qual se verifica o facto tributário que é fundamento das tributações autónomas apresentou prejuízo fiscal no período de tributação a que esses factos respeitem.”.
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Por fim, e no que diz respeito ao Acórdão n.º 197/2016 do Tribunal Constitucional, crê-se, salvo melhor opinião, que o mesmo não contém matéria decisiva para a solução da questão que, in casu, se apresenta a resolver.
Com efeito, ali não foi apreciada aquela questão, sendo que, o que emerge da fundamentação do acórdão em apreço é a ligação da censurabilidade agravada subjacente ao art.º 88.º/14 do CIRC ao sujeito passivo que realiza as despesas, o que, como se referiu já, corrobora o entendimento de que o que relevaria para a operatividade de tal agravação seria o prejuízo fiscal individual da sociedade que incorreu no gasto tributado autonomamente, e não o do grupo, já que, neste caso – correspondente à solução actualmente positivada – estará o sujeito passivo que incorreu no gasto a ser agravadamente censurado por comportamentos (geração de prejuízo fiscal) de terceiros.
Também no que diz respeito ao Acórdão n.º 395/2017, também do Tribunal Constitucional, já citado, na parte em que se pronuncia no sentido de “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, interpretada no sentido de que o agravamento de dez pontos percentuais se aplica no caso de sociedades sujeitas ao RETGS, em que a sociedade tributada não apresente prejuízo fiscal no período a que as tributações respeitem, mas o apresente o grupo de sociedades que a mesma integra.”, se julga que não só não impõe a solução que veio a ser consagrada legalmente a partir de 2016, relativamente aos exercícios anteriores, como que, da fundamentação exarada, se poderá extrair o contrário.
Efectivamente, se o juízo de constitucionalidade se funda, essencialmente, na constatação de que “a sujeição ao regime alegadamente discriminatório não resulta de qualquer imposição do legislador, mas da escolha livre dos destinatários”, esta escolha só se poderá considerar efectivamente livre, a partir do momento em que o legislador deixou claro que, no caso do RETGS, é o prejuízo fiscal do grupo, e não da empresa que incorre no gasto tributado autonomamente, que releva para a agravação prevista no n.º 14 do art.º 88.º do CIRC, tanto mais que, previamente à intervenção legislativa corporizada no n.º 20 daquele artigo, a solução interpretativamente mais adequada, como se viu previamente, seria a de que era o prejuízo fiscal da sociedade que incorria nos gastos tributados autonomamente, que relevava.
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Deste modo, e face a todo o exposto, deverá concluir que o acto tributário objecto da presente acção enferma de errada aplicação do direito, devendo, nessa medida, proceder o pedido arbitral.
Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso, o erro que afecta as liquidações parcialmente anuladas deverá julgar-se imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Com efeito, conforme resulta dos factos dados como provados, o sistema de transmissão electrónica de dados através do qual se processava, em 2016, a entrega da declaração periódica de rendimentos de IRC, encontrava-se parametrizado no sentido de considerar que o agravamento das taxas de tributação autónoma devia ter por referência o resultado fiscal apurado pelo grupo de sociedades sujeito ao RETGS, e não o resultado fiscal apurado individualmente por cada uma das sociedades que o integram, não permitindo a apresentação de declaração nestes últimos termos.
Deste modo, não podendo a Requerente apresentar, noutros termos, a sua declaração de imposto, por facto imputável à AT, deve o erro verificado ser considerado como da responsabilidade desta.
Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força do acto parcialmente anulado e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Anular parcialmente o acto de autoliquidação de tributações autónomas relativo ao exercício de 2015, na medida correspondente à aplicação do agravamento das taxas em 10 pontos percentuais com respeito a sociedades integrantes do Grupo Fiscal B... que, no exercício em causa, não tiveram prejuízos fiscais, e o acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa que teve por objecto aquele primeiro acto, na referida medida, no valor de € 89.861,47;
b) Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima definidos;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 89.861,47, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se, incluindo ao Ministério Público, atenta a desaplicação da norma do art.º 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que atribui natureza interpretativa ao artigo 133.º do mesmo diploma, na parte em que vem fixar o sentido do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, nos termos do n.º 20 desse artigo.
Lisboa, 23 de Setembro de 2019
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Henrique Fernando Rodrigues)
O Árbitro Vogal
(Jorge Bacelar Gouveia)