DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Augusto Vieira e Dr. Rui Ferreira Rodrigues (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-05-2019, acordam no seguinte:
1. Relatório
A... - SUCURSAL EM PORTUGAL (anteriormente designada B... - SUCURSAL EM PORTUGAL) sucursal portuguesa de uma Société Civile de Placement Immobilier, constituída ao abrigo do direito francês, com o número de pessoa coletiva português ..., e domicílio fiscal na ..., n.º..., ...º andar, ...-... Lisboa, adiante designada por “Requerente”, veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação dos actos de autoliquidação de imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (”IRC") e de derramas relativas ao exercício de 2015, consubstanciadas nas Declarações Modelo 22 de IRC n.º ... (que foi submetida em 31 de maio de 2016 e não foi tratada pela Administração tributária), n.º ... (que foi submetida em 1 de junho de 2016) e n.º ... (que foi submetida em 22 de junho de 2016 e originou a demonstração da liquidação n.º 2016...), bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018... .
A Requerente pede ainda a restituição da quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 20-03-2019.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 10-05-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 29-05-2019.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido e pedindo que seja suspensa a instância para efectuar reenvio prejudicial para o TJUE.
Referiu ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que «o valor, em caso de vencimento de causa, corresponderá ao valor de € 199.617,20 ou seja, a imposto devido pelo lucro apurado no período compreendido entre 01.01.2015 e 30.06.2015 e que, alegadamente, se encontrará excluído de tributação por via da aplicação do Art.º 22.º do EBF».
Por despacho de 08-07-2019 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações, «inclusivamente para as Partes indicarem os termos em que entendem que o eventual pedido de reenvio prejudicial deve ser requerido».
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
A) A Requerente é a sucursal portuguesa da A... (anteriormente designada B...) - um organismo de investimento coletivo imobiliário aberto, constituído em França, sob a forma de Société Civile de Placement Immobilier (”SPCl") para o exercício da actividade de aquisição e gestão de património imobiliário destinado ao arrendamento (documentos 6 a 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
B) A A... é uma sociedade civil de capital variável, que se rege pelos artigos 1832.º e seguintes do Código Civil francês, pelos artigos L.214-86 a L.214-120 e R.214-130 a R.214-160 do Código monetário e financeiro e pelo Regulamento Geral da Autoridade dos Mercados Financeiros (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
C) A Requerente dedica-se ao investimento coletivo em património imobiliário, através da contribuição de vários investidores, de acordo com a política de investimento definida pela respetiva sociedade gestora e em obediência a um princípio de repartição de riscos (Docs. 6 a 9, 10 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
D) A Requerente tem a sua atividade sujeita a autorização do regulador competente, a Authorité des Marchés Financiers (”AMF"), que lhe emitiu o "visto S.P.C.I. n.º...-...”, de 24 de julho de 2012 (Documento n.º 12, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
E) A Requerente é gerida por uma sociedade gestora de fundos de investimento – a C..., matriculada no Registo de Comércio e de Sociedades de Paris sob o n.º..., autorizada e sujeita à supervisão da referida AMF (Documentos 3 a 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
F) A Requerente desempenha o mesmo papel económico que as sociedades de investimento imobiliário de capital variável heterogeridas ("SIICAV"), competindo com elas pela angariação de investimento da mesma natureza e oferecendo aos seus clientes o mesmo tipo de condições de mercado (documentos n.ºs 8 a 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
G) Em 31 de Maio de 2016, a Requerente apresentou a sua primeira declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2015 (a declaração n.º ...), (Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
H) E 01-06-2019, a Requerente apresentou a sua segunda declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2015 (a declaração n.º...), mediante a qual substituiu a declaração originária, apurando o IRC, a derrama estadual e a derrama municipal nos termos gerais aplicáveis à tributação dos sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável em Portugal, sujeitando a tributação todos os rendimentos obtidos neste território (Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
I) Neste acto de autoliquidação, a Requerente apurou: (i) matéria coletável não isenta no valor de € 1.507.655,15; (ii) IRC no montante de € 316.007,58; (iii) derrama estadual no valor de € 229,65; e (iv) derrama municipal no montante de € 22.614,83 (quadros 09 e 10 do documento n.º 3);
J) Em 22-06-2016, a Requerente apresentou a sua terceira declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2015 (a declaração n.º...), que substituiu as anteriores, mantendo a sujeição a tributação dos rendimentos obtidos em Portugal, nos termos do regime geral do IRC (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
K) Nesta declaração, a Requerente apurou lucro tributável no montante de € 1.507.655,15, colecta de IRC no montante de € 316.007,58, derrama estadual de € 229,65, e derrama municipal de € 0,00, que deu origem à liquidação n.º 2016 ... de 01-07-2015 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
L) Em 01-07-2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a demonstração de liquidação n.º 2016..., em sintonia com os valores apurados pela Requerente na sua terceira autoliquidação (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
M) A Requerente apurou o lucro tributável de acordo com o regime geral previsto no IRC, mas, entendendo que lhe deve ser aplicado o regime especial consignado no art.º 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), apresentou uma reclamação graciosa da autoliquidação;
N) A reclamação graciosa foi indeferida com os fundamentos que constam do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
III. Alegações
Invoca a Reclamante, resumidamente:
a) Que, é a sucursal portuguesa de um Organismo de Investimento Coletivo (OIC) imobiliário aberto, constituído em França, para o exercício da atividade de aquisição e gestão de património imobiliário destinado ao arrendamento em França e na Zona Euro.
b) Que, se dedica ao investimento coletivo em património imobiliário, tem a sua atividade sujeita à autorização do regulador competente, a Authorité des Marchés e, é gerida por uma sociedade gestora de fundos de investimento – a C... . Como tal, é uma entidade comparável às sociedades de Investimento imobiliário de capital variável heterogeridas (SIICAV) constituídas em Portugal, nos termos previstos na Lei n.º 16/2015, de 24/02.
c) Que, para além da manifesta identidade jurídica, a Reclamante partilha com as SIICAV o mesmo papel económico, competindo com estas pela angariação de investimento da mesma natureza e oferecendo aos seus clientes o mesmo tipo de condições de mercado.
d) Assim, considera que não deveria ter apurado lucro tributável, IRC e derramas, de acordo com o regime geral previsto no IRC, mas sim de acordo com o regime especial previsto no art.º 22.º do EBF o qual considera ser aplicável aos OIC's que se constituam e operem em Portugal, e também, a todas as entidades europeias que, como ela, são jurídica e economicamente equiparáveis a esses organismos, pelo que, os atos tributários padecem de erro.
e) Que, se é certo que interpretado literalmente, o n.º 1 do art.º 22.º do EBF é aplicável aos fundos de investimento e às sociedades de investimento "que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional", certo é também, que este regime tem de se considerar também aplicável a todas as entidades que foram constituídas e operem de acordo com a legislação de outro Estado Membro da EU,
f) sob pena de violação do princípio da não discriminação em função da nacionalidade, da liberdade de circulação de capitais e da liberdade de estabelecimento, princípios estes protegidos pelo direito da União Europeia.
g) Para reforço de tal entendimento, invoca jurisprudência do TJUE, nomeadamente, os acórdãos proferidos nos processos C-107/94 (Asscher), C-118/96 (Safir), C-55/98 (Vestergaard),C-190/12 (Emerging Markets Series of DFA Investement Trust Company, C-338/11 a C-347/11 (Santander Asset Management SGIIC) e C-387/11 (Comissão/Bélgica).
h) Que, o art.º 63.º do TFUE proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados Membros e entre estes e países terceiros e, embora esta norma não defina o conceito de movimento de capitais, tal encontra-se na Diretiva n.º 88/361/CEE, invocando que, o TJUE considera que o disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 65.º do TFUE deve ser objeto de interpretação estrita.
i) Assim, defende que, sendo equiparável às suas congéneres nacionais, quer quanto à sua natureza jurídica quer quanto à sua natureza económica, não existe qualquer justificação atendível para sustentar um tratamento menos favorável, ou seja, para não lhe ser aplicável o regime previsto no art." 22." do EBF.
j) Invocando, ainda, que a AT tem o dever de aplicar as disposições de direito da União, em conformidade com o primado do direito da União, previsto no art.º 8." da CRP.
k) Pelo exposto, solicita a anulação dos mencionados atos tributários de IRC do exercício de 2015, e consequentemente, a restituição do imposto pago em excesso, com as demais consequências.
(...)
V. Análise do pedido e parecer
1- A Reclamante, não residente fiscal em Portugal com estabelecimento estável, é sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do artº 2.º do CIRC, incidindo o imposto sobre o lucro imputável ao seu estabelecimento estável (Sucursal) nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 3 e art.º 5.º, ambos do CIRC, o qual é determinado nos termos do disposto no art.º 55.º do CIRC.
Quanto à aplicação à Reclamante dos benefícios previstos nos n.ºs 3 e 6 do art.º 22.º do EBF, no que diz respeito ao apuramento do lucro tributável e isenção das derramas municipal e estadual, cumpre dizer o seguinte.
2- Através do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro de 2015, procedeu-se à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), alterando, com interesse para o caso em apreço, a redação do art.º 22.º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, conforme resulta do n.º 1 do art.º 22.º do EBF, e Circular n.º 6/2015''.
3- Com a nova redação, estabeleceu o legislador, para esses sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos art.ºs 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme resulta do n.º 3 do referido art.º 22.º do EBF e, uma isenção das derramas municipal e estadual, nos termos do n.º 6 da referida norma legal.
4- Regime de tributação este, não aplicável à reclamante - pessoa coletiva de direito francês -, por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do art.º 22.º do EBF, o que é por si contestado no presente pedido, pelas razões que constam já elencadas no ponto III da presente informação.
5- A consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medidas restritivas da mesma, encontra-se consagrada nos art.ºs 63.º e seguintes do TFUE, concretização do art.º 18.º do TFUE, e é aplicável tanto entre Estados-membros como entre Estados-membros e Estados-terceiros, ou seja, que não integram a UE.
6- Não obstante, conforme resulta da al. a) do n.º 1 do art.º 65.º do TFUE, é permitido que os Estados-membros apliquem "(...) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que c seu capital é investido", tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal.
7- Evidenciando-se que, ao contrário do que se verifica com o IVA, não existe no TFUE uma previsão quanto à harmonização de impostos sobre o rendimento ou tributação direta, embora, numa tentativa de aproximação de legislações dos Estados-membros, a mesma encontre alguma expressão, nos art.ºs 114.º e 115.º do referido Tratado.
8- Cumpre referir que, não compete à AT avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, tão-pouco apreciar da sua constitucionalidade, realçando-se que, na senda do entendimento acolhido pela recente jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo atendendo ao disposto nos artigos 266.º da CRP e 55.º da LGT, a Administração Tributária deve atuar em conformidade com a lei, não podendo, por regra, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal, por alegada inconstitucionalidade, a não ser quando o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do artº 281.º da CRP.
9- E, por outro lado, não pode a AT, aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE. quando estas não têm, na sua origem, a apreciação da compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.
10- Sendo que, a jurisprudência trazida à colação pela Reclamante respeita a normas legais de outros ordenamentos jurídicos, não se conhecendo, quaisquer decisões do TJUE que tenham concluído pela desconformidade do art.º 22.º do EBF, na redação dada pelo DL. n.º 7/2015, de 13/01, com o TFUE.
11- Todavia, sempre se dirá que, de acordo com Paula Rosado Pereira, (...) no Caso Schumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (...)" considerando a autora que "A análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, que na perspectiva deste órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação Interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação consagradas no TFUE.
12- Pelo exposto, é de indeferir o presente pedido.
O) Não aplicando o regime especial, a Requerente apurou IRC/derramas no valor total de € 316.237,23 e se tivesse aplicado o regime previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais e o regime transitório consagrado no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, teria apurado uma coleta global de apenas € 199.617,20, todos relativos ao lucro do primeiro semestre de 2015, altura em que o regime especial ainda não era aplicável (acordo das Partes: artigo 23.º das alegações da Requerente e artigo 4.º das alegações da Autoridade Tributária e Aduaneira);
P) Em 19-03-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.
Não há controvérsia sobre os factos que foram dados como provados.
Não há factos não provados relevantes para decisão da causa.
3. Matéria de direito
O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de Janeiro estabelece o seguinte:
Artigo 22.º
Organismos de Investimento Coletivo
1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.
4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando -se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.
5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.
6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.
7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.
8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.
9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil:
a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil;
b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.
10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.
11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.
12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.
13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.
14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.
15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.
16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.
Nos termos do artigo 7.º daquele Decreto-Lei n.º 7/2015, «as regras previstas no artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, são aplicáveis aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015».
A Requerente é sucursal portuguesa de um organismo de investimento coletivo imobiliário aberto, constituído em França, sob a forma de Société Civile de Placement Immobilier, constituída ao abrigo do direito francês.
A Requerente desempenha o mesmo papel económico que as sociedades de investimento imobiliário de capital variável heterogeridas ("SIICAV"), competindo com elas pela angariação de investimento da mesma natureza e oferecendo aos seus clientes o mesmo tipo de condições de mercado.
As afirmações neste sentido feitas pela Requerente não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e são corroboradas pelos documentos apresentados por aquela.
Examinando a fundamentação da decisão da reclamação graciosa, conclui-se que a única razão pela qual a Autoridade Tributária e Aduaneira a indeferiu é a de que a Requerente, por ser pessoa coletiva de direito francês, não se enquadra no n.º 1 do art.º 22.º do EBF, como se vê pelo seguinte excerto:
Regime de tributação este, não aplicável à reclamante - pessoa coletiva de direito francês -, por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do art.º 22.º do EBF, o que é por si contestado no presente pedido, pelas razões que constam já elencadas no ponto III da presente informação.
Este entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira é confirmado no artigo 11.º das suas alegações.
3.1. Posições das Partes
A Requerente defende seguinte, em suma:
– as autoliquidações contestadas são inválidas porque consubstanciam a aplicação do regime comum de tributação das sucursais de sociedades estrangeiras e não o regime especial aplicável aos fundos de investimento e às sociedades de investimento previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais;
– o regime consagrado naquela norma deve ser objeto de uma interpretação conforme com o direito da União Europeia e considerar-se aplicável, quer aos organismos de investimento coletivo nacionais, quer ainda aos organismos de investimento coletivo (e seus estabelecimentos estáveis) que, como a Requerente, tenham sido constituídos noutros Estados-Membros e sejam jurídica e economicamente equiparáveis aos organismos nacionais;
– se tal interpretação não se julgar possível, o regime geral aplicável à tributação do lucro dos organismos de investimento coletivo (e seus estabelecimentos estáveis) que, como a Requerente, tenham sido constituídos noutros Estados-Membros e sejam jurídica e economicamente equiparáveis aos organismos nacionais é contrário ao Direito da União Europeia e viola o disposto nos artigos 5.º e 55.º da Lei Geral Tributária e nos artigos 13.º, n.º 2 e 103.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa;
– a Autoridade Tributária e Aduaneira não aduziu qualquer argumento material que justifique a evidente discriminação da Requerente relativamente às suas congéneres constituídas em Portugal, limitando-se a sustentar que a procedência do pedido de pronúncia arbitral determina apenas a anulação parcial (e não total) dos atos tributários contestados, a sustentar que não pode anular atos com fundamento na violação da Constituição e do Direito da União Europeia e a pedir que a questão relativa à violação do Direito da União Europeia seja objeto de reenvio ao TJUE;
– continua a entender que os atos contestados são ilegais e devem ser removidos da ordem jurídica;
– todavia, a Requerente não se opõe ao entendimento da Requerida quanto à extensão da anulação e se o Tribunal Arbitral considerar que as autoliquidações aqui em causa são divisíveis, só as deve anular na parte em que espelham a aplicação ilegal do regime no segundo semestre de 2015, pela diferença entre o valor total de IRC e derrama autoliquidados (€ 316.237,23) e o valor que seria apurado se as autoliquidações tivessem sido corretamente efetuadas (€ 199.617,20);
– o regime de direito da União Europeia é suficientemente claro para que o Tribunal Arbitral anule os actos contestados sem reenviar a questão ao TJUE.
A Autoridade Tributária e Aduaneira mantém, no essencial, o entendimento adoptado na decisão da reclamação graciosa, dizendo o seguinte, em suma:
– não olvida que a consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adopção de medidas restritivas da mesma, consagrada no Art.º 63.º e seguintes do TFUE, é aplicável tanto entre Estados-membros, como entre Estados-membros e Estados-terceiros, ou seja, que não integram a EU, contudo, a alínea a) do n.º 1 do Art.º 65.º do TFUE, permite que os Estados-membros apliquem "(...) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido", tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal;
– a Autoridade Tributária e Aduaneira encontra-se vinculada ao princípio da legalidade, não lhe competindo apreciar a desconformidade ou conformidade das normas internas com as do TFUE, nem apreciar da sua constitucionalidade, por força do preceituado nos artigos 277.º e seguintes da CRP e artigo 6.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro);
– A jurisprudência trazida à colação pela Requerente respeita a normas legais de outros ordenamentos jurídicos, não se conhecendo quaisquer decisões do TJUE que tenham concluído pela desconformidade do Art.º 22.º do EBF, na redação dada pelo DL. n.º 7/2015, de 13/01, com o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia;
– o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (...)" considerando a que em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades de Circulação do TFUE”.
– o regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivos (OIC), estabelecido no Art.º 22. º do EBF, não suscita dúvidas quanto à sua aplicação apenas aos sujeitos passivos que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional;
– está em causa a interpretação de uma norma à luz do entendimento do Direito da União Europeia sobre a qual existem fundadas dúvidas interpretativas, pelo que deve ser efetuado reenvio prejudicial.
3.2. Apreciação da questão
3.2.1. Dever de os Tribunais apreciarem a compatibilidade do Direito Nacional com o Direito da União
Antes de mais, importa esclarecer que, independentemente das competências ou não da Autoridade Tributária e Aduaneira para recusar a aplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade ou em violação do direito da União Europeia, é inquestionável que os Tribunais não têm qualquer dessas limitações.
Na verdade, por força do preceituado no artigo 204.º da CRP, «nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados» e entre as normas constitucionais inclui-se a do artigo 8.º n.º 4, da CRP, que estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
3.2.2. Interpretação do artigo 22.º, n.º 1, do EBF
O artigo 22.º do EBF estabelece um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, pois, nos termos do seu n.º 3, «para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1» e isenção de derramas estadual e municipal (n.º 6).
O n.º 1 do artigo 22.º do EBF estabelece que «são tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional», pelo que exclui do âmbito do regime aí previsto as sociedades como a Requerente, que não foram constituídas de acordo com a legislação nacional, mesmo que operem de acordo com a legislação nacional, como sucede com a Requerente.
A exigência cumulativa de os Organismos de Investimento Coletivo terem sido constituídos e actuarem de acordo com a legislação nacional não dá margem para uma interpretação no sentido sugerido pela Requerente de o regime referido ser aplicável «quer aos organismos de investimento coletivo nacionais, quer ainda aos organismos de investimento coletivo (e seus estabelecimentos estáveis) que, como a REQUERENTE, tenham sido constituídos noutros Estados-Membros e sejam jurídica e economicamente equiparáveis aos organismos nacionais».
Na verdade, os Organismos de Investimento Coletivo constituídos em outros Estados-Membros de acordo com a legislação que nele vigora, como é o caso da Requerente, não foram constituídos de acordo com a legislação nacional.
Assim, não pode ser aceite o entendimento defendido pela Requerente em primeira linha.
3.2.3. Violação do Direito da União
De harmonia com o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
A Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem decidido pacificamente no sentido da primazia do direito internacional convencional sobre o direito interno, como pode ver-se pelos acórdãos de 01-07-2015, proferido no processo n.º 0188/15, 17-06-2015, proferido no processo n.º 0187/15, e de 25-06-2015, proferido no processo n.º 0464/15, em que se entendeu que «nos termos do art. 8.º, n.º 2, da CRP, as normas de convenção internacional, quando regularmente adoptadas pelo Estado Português e publicadas na forma legal, prevalecem sobre o direito interno infraconstitucional, em tudo que seja conflituante com este, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que viole tratado internacional a que Portugal se tenha vinculado", na esteira de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, página 261. ( )
A Requerente defende que a norma do artigo 22.º, n.º 1, do EBF é incompatível com a «proibição de discriminações injustificadas materializada no tratado sobre o funcionamento da União Europeia - liberdade de circulação de capitais e liberdade de estabelecimento».
O artigo 63.º n.º 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) estabelece a regra de que «são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros».
O artigo 49.º do TFUE estabelece o princípio de que «são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro. Esta proibição abrangerá igualmente as restrições à constituição de agências, sucursais ou filiais pelos nacionais de um Estado-Membro estabelecidos no território de outro Estado-Membro».
Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).
Quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem equacionar a colocação da questão da ao TJUE através de reenvio prejudicial.
No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81.
Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º14).
3.2.3.1. Violação da proibição de restrições à circulação de capitais (artigo 63.º do TFUE)
Afigura-se que há jurisprudência do TJUE que esclarece a aplicação do artigo 63.º do TFUE.
Refere-se no acórdão do TJUE de 10-04-2014, proferido no processo n.º C-190/12:
38 Importa recordar, antes de mais, que, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C 338/11 a C 347/11, n.º 14 e jurisprudência referida).
39 A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado Membro de investirem noutros Estados (acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C-101/05, Colet., p. I-11531, n.º 40; de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C-436/08 e C-437/08, Colet., p. I-305, n.º 50; e Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.º 15).
40 No caso vertente, a isenção fiscal prevista pela legislação fiscal nacional em causa no processo principal era concedida unicamente aos fundos de investimento que exerciam a sua atividade em conformidade com a Lei sobre os fundos de investimento.
41 Resulta igualmente da decisão de reenvio que, nos termos da legislação nacional em causa no processo principal, os fundos de investimento só beneficiam da isenção na condição de a sua sede se situar em território polaco. Por conseguinte, os dividendos pagos a fundos de investimento não residentes não podiam beneficiar, apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos, da isenção da retenção na fonte, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação.
42 Ora, uma tal diferença de tratamento fiscal dos dividendos entre os fundos de investimento residentes e os fundos de investimento não residentes é suscetível de dissuadir, por um lado, os fundos de investimento estabelecidos num país terceiro de adquirirem participações em sociedades estabelecidas na Polónia e, por outro, os investidores que residem nesse Estado Membro de adquirirem participações em fundos de investimento não residentes (v., neste sentido, acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.º 17).
43 Daqui resulta que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE.
Afigura-se ser claro que à situação que se depara nestes autos se aplica, por paridade ou mesmo maioria de razão, esta jurisprudência do TJUE, pois, à face do artigo 22.º, n.º 1, do EBF, o benefício fiscal não se aplica à Requerente exclusivamente por a sua constituição não ter sido feita segundo a legislação nacional.
Na verdade, as sociedades constituídas noutro Estado Membro serão tendencialmente não residentes em Portugal (como sucede no caso em apreço), pelo que este artigo 22.º, n.º 1, impondo-lhes um regime de tributação consideravelmente mais gravoso do que o aplicável às sociedades constituídas segundo a legislação nacional, tem potencialidade para «dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro», desde logo porque tem de enfrentar a concorrência das de sociedades que usufruem do benefício fiscal, ficam em melhores condições para comercialização os seus produtos de investimento.
É certo que, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, «a alínea a) do n. 1 do Art.º 65.º do TFUE, permite que os Estados-membros apliquem "(...) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido", tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal».
Mas, como se refere no n.º 3 deste artigo 65.º, «as medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º».
Neste caso, está-se perante uma discriminação arbitrária, pois não se vislumbra qualquer fundamento para a fazer, como ressalta da decisão da reclamação graciosa e da posição assumida no presente processo pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em que não é aventada qualquer justificação para a diferença de tratamento.
Por outro lado, se é certo que, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, «o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (...)", também o é que no caso presente, actuando a Requerente segundo a legislação nacional, encontra-se, quanto à sua actividade geradora de tributação em IRC, em situação idêntica à das sociedades constituídas segundo o direito nacional.
Como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 08-02-2017, proferido no processo n.º 0678/16, «para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral», se «aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação».
Neste caso, não há qualquer norma da Convenção entre Portugal e a França para Evitar a Dupla Tributação e Estabelecer Regras de Assistência Administrativa Recíproca em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 105/71, de 26 de Março, que permita neutralizar a maior tributação da Requerente em relação às sociedades constituídas segundo a legislação nacional, o que, aliás, nem sequer é aventado pelas Partes.
Pelo exposto, afigura-se ser claro e resulta de precedentes na jurisprudência europeia a interpretação dos artigos 63.º e 65.º do TFUE, pelo que não se justifica o reenvio prejudicial sobre esta questão.
De harmonia com o exposto, declara-se ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia.
Assim, tem de se concluir que a autoliquidação e a decisão da reclamação graciosa que a confirmou, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Como resulta do preceituado no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 7/2011, de 13 de Janeiro, o regime que introduziu no artigo 22.º do EBF apenas produz os seus efeitos a partir de 1 de julho de 2015.
Assim, apenas à parte da liquidação que tem por base rendimentos auferidos a partir desta data se verifica a ilegalidade, pelo que a autoliquidação apenas deve ser anulada na parte respectiva, que se quantifica, em sintonia com o acordo das Partes referido na alínea O) da matéria de facto fixada, em € 116.620,03 (tributação total de € 316.237,23 menos o imposto devido pelo lucro apurado no período compreendido entre 01-01-2015 e 30-06-2015, no valor de € 199,617,20).
3.2.4. Questões de conhecimento prejudicado
Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício que assegura estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil o conhecimento das restantes questões colocadas, de harmonia com o disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
4. Restituição das quantias pagas e juros indemnizatórios
A Requerente pagou imposto em excesso, como se infere da Demonstração de Liquidação que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, em que se apurou valor a reembolsar.
A Requerente pede a restituição do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.
Como resulta do exposto, apenas quanto ao valor de € 116.620,03, respeitante ao imposto relativo ao lucro do segundo semestre de 2015, se justifica a anulação.
No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, na sequência da ilegalidade da autoliquidação e da decisão da reclamação graciosa na parte relativa ao imposto respeitante ao segundo semestre de 2015, no valor de € 116.620,03, há lugar a reembolso desta quantia, como consequência da anulação parcial da liquidação, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
(...)
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
Esta alínea d) foi aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, e, nos termos do seu artigo 3.º, «a redação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica-se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011».
Neste caso, independentemente de a ilegalidade ser ou não imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira, há direito da Requerente a juros indemnizatórios nos termos desta alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.
Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 3, alínea d), e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde a data de 01-07-2016, em que se considera que ocorreu o pagamento indevido (data da liquidação que apurou valor a reembolsar, que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral),
até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
5. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Indeferir o requerimento de reenvio prejudicial;
b) Declarar ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia;
c) Julgar parcialmente procedente o pedido de anulação da autoliquidação e da decisão da reclamação graciosa, na parte relativa ao IRC referente ao segundo trimestre de 2015, no valor de € 116.620,03;
d) Anular a autoliquidação e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa na parte respeitante ao IRC referente ao segundo trimestre de 2015;
e) Julgar parcialmente procedente o pedido de restituição de quantia paga, quanto ao valor de € 116.620,03;
f) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão;
g) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte restante, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 316.237,23.
Na determinação do valor da causa, atendeu-se «ao momento em que a ação é proposta», nos termos do artigo 299.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.508,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
A Requerente no pedido de pronúncia arbitral pediu a anulação total da autoliquidação e da decisão da reclamação graciosa, no valor de € 316.237,23, e a procedência limita-se ao valor de € 116.620,03.
Pelo exposto, quanto ao valor da causa, a Requerente obtém vencimento quanto a 36,88%.
Nestes termos fixa-se a repartição da responsabilidade por custas em 63,12% para a Requerente e 36,88% para a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 19-09-2019
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Augusto Vieira)
(Rui Ferreira Rodrigues)