Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 2/2014-T
Data da decisão: 2014-08-18  Selo  
Valor do pedido: € 24.730,27
Tema: Terrenos para construção - Verba 28 da TGIS
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 2/2014 – T

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A…, Lda. (de ora em diante identificada apenas por Requerente), Pessoa Colectiva nº …, com sede na Rua …, Coimbra, apresentou em 30 de Dezembro de 2013, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante identificado apenas pelas iniciais RJAT).

 

  1. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.

 

  1. Nos termos do nº 1 do artigo 6º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou árbitro singular, considerando-se, na sequência dessa designação e a partir de 4 de Março de 2014, por despacho proferido pelo Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral devida e regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

  1. A Requerente pretende, com a constituição deste Tribunal Arbitral, a declaração de ilegalidade do indeferimento expresso da reclamação graciosa a que se refere o processo nº ..., que foi deduzida contra os actos de liquidação de Imposto do Selo (IS) com os nºs 2012 …, 2012 …, 2012 … e 2012 …, datados de 8.11.2012, para pagar, até 20.12.2012, aquele imposto nos valores de € 6.515,76, € 6.031,04, € 6.031,04 e € 6.152,43 respectivamente, e a consequente anulação destes actos de liquidação.

 

  1. Sustenta a Requerente, em síntese, a sua pretensão, no seguinte:

 

  1. A liquidação de IS é feita ao abrigo do estabelecido no artigo 6º nº 1 da Lei 55-A/2012 e da verba 28 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS) que a referida lei introduziu no ordenamento fiscal português;
  2. De acordo com a referida verba, o IS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com um Valor Patrimonial Tributário (VPT) superior a € 1.000.000,00 e que tenham uma “afectação habitacional”.
  3. Os prédios urbanos sobre os quais recai o IS, são terrenos para construção (4 lotes), pelo que não podem ser qualificados como prédios afectos à habitação;
  4. Não pode colher o argumento da Autoridade Tributária (AT) que esses prédios têm uma afectação habitacional, porque no acto de avaliação foram considerados como tendo essa afectação;
  5. Porque, quando a lei ao falar de “afectação habitacional”, está a considerar a função ou utilização do prédio,
  6. Um lote de terreno para construção não pode, de forma alguma, ser considerado como tendo uma afectação habitacional, porque a sua única afectação é a construção;
  7. Um prédio, mais concretamente um terreno, só pode ter afectação habitacional quando a construção para ele prevista e autorizada estiver concluída e seja afecta a habitação;
  8. Nos termos do Código do IMI, para o qual o Código do IS (CIS) remete, mais concretamente do seu artigo 6º, apenas se consideram prédios habitacionais (ou comerciais ou industriais) os edifícios ou construções para tal licenciados, ou que, na falta de licença tenham como destino normal cada um destes fins;
  9. O legislador, ao qualificar os terrenos para construção numa alínea diferente da dos prédios habitacionais, comerciais ou industriais, faz crer que os quis, de uma forma clara e evidente, distinguir destes.
  10. Assim sendo, os terrenos para construção não cabem na norma de incidência da verba 28 da TGIS, a qual apenas pretende tributar realidades existentes e não virtuais ou ficcionadas, ou seja, tributar prédios que efectivamente existam, estejam edificados e afectos a  habitação.

 

  1. Na sua contestação a Autoridade Tributária e Aduaneira sustenta que os prédios sobre os quais incidiu a tributação têm a natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, fundamentando esta sua posição com os seguintes argumentos:

 

  1. Na ausência de qualquer definição de prédio urbano com afectação habitacional em sede de IS, deve, nos termos do artigo 67º nº 2 do CIS, recorrer-se ao CIMI;
  2. A noção de afectação do prédio urbano encontra assento no capítulo referente à avaliação dos imóveis;
  3. Assim, conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas” prevista no artigo 45º nº 2 do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos terrenos para construção, pelo que o coeficiente de afectação fixado no artigo 41º do CIMI é-lhes aplicável.
  4. Para efeitos de determinação do VPT dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada;
  5. Após a avaliação aos quatro artigos urbanos realizada nos termos do artigo 130º, nº 1 al. c) do CIMI, manteve-se a indicação da sua afectação habitacional.
  6. A AT entende que, para efeitos da verba 28 da TGIS, o conceito de prédios com afectação habitacional compreende quer os prédios edificados, quer os terrenos para construção, a começar pelo seu elemento literal, na medida em que o legislador fala em “afectação habitacional” e não em “prédios destinados a habitação”, daí resultando que este conceito mais amplo, significa que aí se pretendem integrar outras realidades para além das do artigo 6º nº 1 al. a) do CIMI.
  7. A legislação aplicável aos terrenos para construção, quer quanto à forma de determinação do seu VPT (onde se deve considerar o valor da área de implantação), quer quanto à atribuição de um alvará de licença para a realização de operações urbanísticas, quer quanto à elaboração de Planos Directores Municipais, permite apurar e determinar a afectação do terreno para construção.

 

  1. No dia 31 de Julho, foi proferido o seguinte despacho:

 

“Uma vez que:

  1. A resolução da causa parece bastar-se com o tratamento de questões de Direito, não se vislumbrando questões prévias a debate;
  2. Dada a clareza dos argumentos apresentados e expostos nas petições apresentadas pelas partes,

O Tribunal entende-se dispensar:

  1. Da realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;
  2. Da apresentação de alegações pelas partes.

 

 

II – FACTOS PROVADOS

 

  1. A Requerente é dona e legitima proprietária de quatro prédios urbanos inscritos, como terrenos para construção, sob os artigos …º, …º, …º e …º, na freguesia de …, concelho e distrito de Coimbra.
  2. Sobre os referidos prédios incidiram os actos de liquidação de Imposto do Selo (IS) com os nºs 2012 …, 2012 …, 2012 … e 2012 …, datados de 8.11.2012, realizados ao abrigo da verba 28 da TGIS, e com os valores de € 6.515,76, € 6.031,04, € 6.031,04 e € 6.152,43.
  3. Desta liquidação, e por não se conformar com as mesmas, deduziu a Requerente, junto do Serviço de Finanças de Coimbra 1, reclamação graciosa que correu os seus termos sob o nº ....
  4. Reclamação esta que foi indeferida por despacho proferido pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra, em 23 de Setembro de 2013.
  5. Em virtude desta decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Requerente solicitou, em 30 de Dezembro de 2013, a constituição deste Tribunal Arbitral, o qual foi formalmente constituído no dia 4 de Março de 2014.
  6. Os factos acima mencionados resultam provados pelos documentos anexados pelas partes, não se tendo provado outros factos considerados relevantes para a decisão objecto do presente processo.

 

Cumpre, agora, apreciar e decidir.

 

 

III – DECISÃO

A questão a analisar pelo Tribunal tem que ver com o enquadramento de terrenos para construção no âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS, de forma a determinar se é ou não devido este imposto.

Como vimos, as liquidações contestadas pela Requerente foram emitidas ao abrigo da norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS, sendo seu entendimento que os terrenos para construção não podem, de forma alguma, ser considerados “prédios com afectação habitacional”, pelo que essas liquidações são manifestamente ilegais.

A Lei 55-A/2012 de 29 de Outubro, introduziu diversas alterações a Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, a que deu a seguinte redacção:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%

8.2 - ………..

O mesmo diploma veio depois, no seu artigo 6º, estabelecer algumas normas transitórias de aplicação onde adoptou, à semelhança do que tinha feito na citada verba 28, o mesmo conceito de prédio com afectação habitacional.

Conceito este que não é utilizado em qualquer outra legislação de natureza tributária, especialmente no CIMI, que, por força de várias normas do CIS é o diploma de aplicação subsidiária relativamente ao tributo previsto na verba 28 da TGIS (confira-se, a este propósito os artigos 2º nº 4, 3º nº 3 u), 5º u), 23º nº 7 e 46º e 67º do CIS).

Efectivamente, e com relevância para a presente decisão atente-se ao disposto nos artigos 2º e 6º do CIMI, onde, por um lado, se define o conceito de prédio (artigo 2º) e se enumeram as espécies de prédios urbanos (artigo 6º):

Artigo 2º

Conceito de prédio

1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.


2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.

Artigo 6º

Espécies de prédios urbanos

1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos. 

4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.

 

Fácil é, pois, constatar que, como já se referiu supra, o conceito de “prédio com afectação habitacional” não é utilizado pelo legislador no CIMI.

De uma interpretação literal da norma constante da verba 28.1 da TGIS leva conclui-se que a intenção do legislador foi a de incluir no seu âmbito de aplicação os prédios urbanos que tenham uma afectação habitacional. Partindo desta intenção, deve-se apurar quando é que um prédio está afecto a um fim habitacional, designadamente se é quando lhe é fixado esse destino num qualquer acto de licenciamento ou com semelhante natureza, ou se é apenas quando a atribuição desse destino é efectivamente concretizada.

A redacção da verba 28.1 permite concluir, de forma clara, que a intenção do legislador foi a de considerar necessária uma afectação efectiva e não apenas o licenciamento de edifícios ou construções com essa finalidade ou, na falta dessa licença, aqueles que tenham como destino normal esse fim. Se o legislador, na verba 28.1 se bastasse com estes factos teria utilizado a expressão “prédios habitacionais” constante do artigo 6º do CIMI, e não a expressão “prédios com afectação habitacional”.

Do exposto conclui-se, pois, que prédio com “afectação habitacional” não é apenas um prédio licenciado para habitação ou destinado a esse fim, mas sim “algo mais que isso”, ou seja, terá que ser um prédio com efectiva afectação a esse fim habitacional.

Tendo que ser, dessa forma, algo de efectivamente edificado.

Ora, os terrenos para construção, não tendo ainda qualquer edificação, conforme resulta evidente da definição dada no artigo 6º do CIMI (“….terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, ….”), não preenchem, por si só, qualquer condição para poderem sequer ser considerados como prédios habitacionais, logo, por maioria de razão, “prédios com afectação habitacional”.

Deve, assim, entender-se que a norma da verba 28.1 só estará preenchida, quando a afectação habitacional estiver efectivamente concretizada.

Desta forma, não nos parece possível acompanhar a tese defendida pela Requerida (AT), sendo de acolher, pois, a tese suportada pela Requerente de que não pode ser atribuída afectação habitacional aos terrenos para construção ainda que possam ter como destino provável (mas não exclusivo) a construção de habitação.

Diga-se ainda que a recente alteração introduzida pelo legislador, com a Lei do Orçamento de Estado para 2014 (artigo 193º da Lei nº 83-C/2013) na redacção da verba 28.1 da TGIS (veio sujeitar ao imposto “os terrenos cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação”), contribui para reforçar, de forma inequívoca, este entendimento, pois esta alteração não tem a natureza de norma interpretativa.

Aliás, as decisões tomadas pelos Tribunais Arbitrais no CAAD têm decidido, igualmente, neste sentido (conferir, entre outras, decisões dos Processos nºs 48/2013-T, 53/2013-T, 215/2013-T ou 310/2013-T), tal como algumas recentes decisões do STA que também trataram esta matéria (conferir, entre outros, o Acórdão nº 187/13 ou o Acórdão nº 272/14 deste Tribunal Superior).

Considera, assim, este Tribunal que as liquidações contestadas estão feridas de ilegalidade, na medida em que incidem sobre prédios inscritos como terrenos para construção, conceito este em que, pelas razões que foram sendo expostas, não está incluído no conceito de “prédios com afectação habitacional” previsto na verba 28.1 da TGIS.

 

 

  1. CONCLUSÃO

 

Face ao exposto, decide-se pela procedência do pedido de anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e, consequentemente dos actos de liquidação de Imposto do Selo efectuada pela Autoridade Tributária, condenando-se a autoridade tributária e aduaneira a restituir à Requerente o valor de € 24.730,27 (vinte e quatro mil setecentos e trinta euros e vinte e sete cêntimos) acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data em que realizou o pagamento desta quantia e a data de emissão da correspondente nota de crédito a favor da Requerente.

 

 

Custas calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de custas dos processos de arbitragem tributária em função do valor do pedido, a cabo da Requerida, e que fixo em € 1530,00 (mil quinhentos e trinta euros)

 

Notifique-se

 

Lisboa, 18 de Agosto de 2014

 

O ÁRBITRO

 

 

João Marques Pinto

 

 

 

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.