Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 113/2019-T
Data da decisão: 2019-09-16  IVA  
Valor do pedido: € 45.228,19
Tema: IVA – Isenção dos Centros de Ensino – Art.º 9.º, n.º 9 do CIVA
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa como árbitro singular em 9 de Abril de 2019, profere a seguinte decisão arbitral:

           

I. RELATÓRIO:

 

A... (doravante abreviadamente designada por “Requerente”) associação civil com sede no... —..., ..., ...-... ..., com o número de identificação de pessoa colectiva ... veio, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, com fundamento em a) erro na qualificação do facto tributário, b) violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito e c) ilegalidade da revisão do acto tributário praticado pela Direcção de Finanças de ..., requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL para efeitos de obter a anulação dos actos tributários correspondentes às liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios com os seguintes números e referentes aos seguintes períodos:

- Liquidação n.º 2018 ... referente a IVA do período 201403T, que determina um valor de imposto a pagar no montante de € 13.486,08;

- Liquidação n.º 2018 ... referente a juros compensatórios sobre a liquidação precedente, que determina um valor a pagar no montante de € 2.413,13;

- Liquidação n.º 2018 ... referente a IVA do período 201406T, que determina um valor de imposto a pagar no montante de € 9.942,70;

- Liquidação n.º 2018 ... referente a juros compensatórios sobre a liquidação precedente, que determina um valor a pagar no montante de € 1.676,11;

- Liquidação n.º 2018 ... referente a IVA do período 201409T, que determina um valor de imposto a pagar no montante de € 4.701,90;

- Liquidação n.º 2018 ... referente a juros compensatórios sobre a liquidação precedente, que determina um valor a pagar no montante de € 745,48;

- Liquidação n.º 2018 ... referente a IVA do período 201412T, que determina um valor de imposto a pagar no montante de € 10.677,04;

- Liquidação n.º 2018 ... referente a juros compensatórios sobre a liquidação precedente, que determina um valor a pagar no montante de € 1.585,75.

Tudo no valor total adicional de IVA a pagar no montante de € 38.807,72 e de juros compensatórios no montante de € 6.420,47, num somatório total de € 45.228,19.

Para tanto, invoca que, com base numa informação da Direcção de Serviços do IVA (DSIVA) despachada pelo SEAF em 08/05/2018, foi entendido que o Requerente não se encontra, nem em algum momento se encontrou, isenta em sede de IVA, mas que estava incorrectamente nessa situação de isenta nos termos da alínea 9) do artigo 9.º do Código do IVA. Agora veio a entender a AT que a actividade do requerente não se encontrava isenta de IVA, porque a DSIVA entendeu que o requerente não apresentara qualquer comprovativo ou declaração a emitir pelo Ministério da Educação que lhe permitisse ser considerada como abrangida pela já referida alínea 9) do artigo 9.º do CIVA — o que a Direcção de Finanças de ...considerou anteriormente ser suficiente.

Por isso, pede a procedência do presente pedido formulado e devem ser anuladas a liquidações supra enumeradas, nos termos impugnados, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei e errónea qualificação do facto tributário.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 21-2-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 9-4-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 2-5-2019.

Notificada para responder em 3/5/2019, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada de AT) apresentou resposta em 5-6-2019, na qual refuta os argumentos do requerente, entendendo que o requerente não reúne os requisitos necessários beneficiar da isenção prevista na al. 9) do art. 9.° do CIVA, pois o requerente necessitava de se encontrar reconhecido no âmbito do Sistema Nacional de Educação, ficando, automaticamente, abrangida pela isenção, o que, considerando os elementos apresentados não se verifica, não se verificando igualmente o vício de ilegalidade de dupla inspecção, pois a primeira inspecção foi uma inspecção externa e a que determinou os actos de liquidação ora impugnados foi uma inspecção interna.

Consequentemente, deve ser julgado improcedente por não provado o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.

Por despacho arbitral de 27-6-2019, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18º, do RJAT e facultou-se às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, no prazo simultâneo de 15 (quinze) dias, alegações escritas, de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito.

Mais se decidiu que a decisão final seria proferida no prazo de 30 dias após a apresentação de alegações pela Requerida, ou do termo do respectivo prazo, tendo sido notificado o Requerente para dar oportuno cumprimento ao disposto no artigo 4º-3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, ou seja, pagamento, antes da decisão e pela forma regulamentar, do remanescente da taxa arbitral, o que já fez.

Por requerimento de 10-7-2019, veio o requerente “declarar que prescinde de apresentar alegações escritas, atento o facto de não ter sido produzida prova para além da documental junta aos autos, e de o requerimento inicial já conter o conteúdo argumentativo considerado pertinente. Por tal razão, e com todo o respeito, considera-se reproduzido tudo o que foi alegado no articulado inicial, concluindo-se como aí se concluiu”.

Em 11-7-2019, a requerida veio reafirmar o que já constava da sua resposta concluindo pela improcedência do pedido formulado.

 

II. DESPACHO SANEADOR:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, é o competente, em razão da matéria, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas, não havendo outras excepções ou nulidades de conhecimento oficioso que cumpra conhecer.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

III. FACTOS PROVADOS:

Atentos os documentos juntos pelo requerente e os documentos constantes do processo administrativo, bem como o acordo das partes expresso ou por falta de impugnação, consideram-se provados os seguintes factos:

a) O requerente é uma associação civil sem fins lucrativos que tem por objecto o ensino de línguas estrangeiras, segundo os programas oficiais, visando a formação de especialistas e professores em línguas, no âmbito da formação cultural da população da cidade de ..., seu concelho e área de influência - artigo 2.º dos estatutos, constantes do processo administrativo.

b) No exercício da sua actividade, o requerente tem em funcionamento uma escola de línguas estrangeiras, nomeadamente com cursos de inglês, francês, alemão e espanhol, ministrando aulas a alunos do concelho de ... e limítrofes

c) O requerente também tem cursos para enriquecimento extracurricular ministrados aos alunos do ensino oficial básico e secundário do concelho onde se insere, e é entidade formadora de línguas e literatura estrangeiras.

d) A actividade da Associação consiste no ensino de línguas estrangeiras, estando os alunos divididos em várias turmas, de acordo com a língua a ministrar e o nível de ensino. O calendário de aulas da Associação acompanha o calendário escolar, conforme consta do plano de atividade de 2014.

e) A escola orienta as suas aulas de acordo com os programas oficiais, no sentido de preparar os alunos para no final de cada ciclo estarem preparados para realizarem os exames, bem como para os exames realizados por entidades autorizadas a concederem certificações das competências dos alunos, nomeadamente o British Council, Ministério Francês da Educação, Goethe Institut e Instituto Cervantes.

f) Inicialmente, a sede da Associação estava situada na Avenida ... ..., tendo sido alterada em 06-07-2011, passando para o local atual, através de uma alteração aos estatutos deliberada em assembleia geral realizada em 17-03-2011.

g) O requerente iniciou a sua actividade em 26-4-1991, tendo declarado na sua declaração de início de actividade que se encontrava em regime de isenção de IVA do artº. 9º, pelo que não apresentou declarações periódicas.

h) Conforme determinado pela Ordem de Serviço nº 012017..., foi realizada uma inspecção tributária ao requerente, cujo relatório final lhe foi notificado em 24 de Abril de 2018. – provado pelo processo instrutor.

i) Nesse relatório escreveu-se que:

 

1.3.6. Notificação para enquadramento da atividade

Tendo em conta que, conforme anteriormente referido, o contribuinte enquadra a sua atividade nos regimes de isenção em sede de IVA e IRC, foi notificado, em 06-12-2017, na pessoa do seu Presidente (B...— NIF ...) para, no prazo de 10 dias:

“Justificar a não liquidação de IVA nas faturas de prestação de serviços e vendas de bens emitidas no ano de 2014, dado que, nos termos do art. 1.9, n.º 1, al. a) do Código do IVA, aquelas transações são sujeitas a IVA.

Justificar a não sujeição a IRC do resultado apurado no ano de 2014 e, no caso de considerar que o resultado tributável se encontra isento nos termos do ar. 11.º do CIRC, enumerar quais as atividades culturais, desportivas e recreativas exercidas.”

Para além disto, constava da notificação a referência aos artigos 32º., nº. 1 do CIVA e 118º., nº. 5 do CIRC, nos quais consta que, sempre que se verifiquem alterações ao enquadramento dos Sujeitos Passivos estes devem entregar uma declaração de alterações.

Em 19-12-2017, o contribuinte solicitou a prorrogação do prazo de resposta por um período de 30 dias, o que lhe foi concedido e notificado através do ofício ... de 21-12-2017. Assim, o prazo que inicialmente terminava no dia 16 de dezembro de 2017, foi ampliado até ao dia 15 de janeiro de 2018.

Entretanto, em 12-12-2017 o contribuinte tinha remetido uma exposição sobre a sua situação tributária ao Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a qual foi encaminhada para a AT, tendo a Diretora-Geral da AT determinado, em 20-12-2017, que esta exposição fosse remetida aos Subdiretores do IR e do IVA para análise. Não é do nosso conhecimento, até ao momento, qualquer informação sobre a análise efetuada.

Esta exposição do contribuinte não tem qualquer influência sobre os procedimentos desta ação de inspeção, que manteve o seu normal curso.

Em 15-01-2018, o contribuinte solicitou a prorrogação do prazo de resposta por um período de 30 dias, o que lhe foi concedido e notificado através da mensagem ... de 16-01-2018. Assim, o prazo que inicialmente terminava no dia 16 de dezembro de 2017, foi novamente ampliado até ao dia 14 de fevereiro de 2018.

Em 13-02-2018, o contribuinte solicitou nova prorrogação do prazo de resposta por um período de 15 dias, informando que a documentação necessária à resposta “está numa fase de resolução adiantada junto do Ministério da Educação”. Através da mensagem ... de 16-02-2018 foi concedido o prazo adicional solicitado. Assim, o prazo que inicialmente terminava no dia 16 de dezembro de 2017, foi novamente ampliado até ao dia 01 de março de 2018.

Por fim, em 13/03/2018 (entrada GPS 2018 ...) o contribuinte remeteu a estes serviços uma declaração emitida pelo Secretário de Estado da Educação, na qual constava que desde a sua génese, o A... exerce uma atividade enquadrável no disposto no art. 9.º, n.º 9 do CIVA.

Relativamente ao enquadramento da sua atividade em sede de IRC, o contribuinte não se pronunciou.

j) No mesmo relatório e a propósito do enquadramento em sede de IVA, escreveu-se ainda:

1.3.7.3. Enquadramento em sede de IVA

Conforme anteriormente descrito, a atividade do A... consiste no ensino de línguas, ou seja uma atividade prestação de serviços, sendo sujeitas a IVA de acordo com a regra de incidência objetiva prevista no art. 1.º, n.º 1, al. a) do CIVA. Por outro lado, de acordo com a regra de incidência subjetiva do art. 2.º, n.º 1, al. a) do CIVA são sujeitos passivos do imposto as pessoas coletivas que exerçam uma atividade de prestação de serviços. Acessoriamente à atividade de prestação de serviços, pratica transmissões de bens, nomeadamente livros, também elas sujeitas a IVA de acordo com a mesma disposição legal.

Para além deste enquadramento genérico, o Código do IVA prevê, no seu art. 9.º, isenções aplicáveis a casos específicos, sendo que no caso do ensino o n.º 9 daquele artigo prevê que: “As prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento e alimentação, efectuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”. Ou seja, esta isenção está dependente do reconhecimento das atividades exercidas pelo Ministério competente.

Conforme referido no ponto 1.3.6 deste relatório, em 13/03/2018, o contribuinte apresentou uma declaração do Secretário de Estado da Educação, reconhecendo a atividade do A... como enquadrável no regime de isenção de IVA, nos termos do artigo anteriormente referido.

Assim, considera-se correto o enquadramento que o contribuinte tem vindo a dar à sua atividade, não liquidando IVA nas faturas emitidas, nem entregando declarações periódicas de IVA.

k) Este relatório mereceu o parecer do Chefe de Equipa de 19 de Abril de 2018 do seguinte teor:

“A ação inspetiva ao sujeito passivo (s.p.) foi efetuada com o objetivo de verificar o enquadramento legal no tocante à atividade por si exercida, quer em sede de IRC quer em sede de IVA.

Da análise efetuada aos elementos da contabilidade, concluiu-se que embora sendo uma associação de direito privado, exercendo a atividade de prestação de serviços de ensino de línguas, o s.p. deve ser enquadrado como uma entidade que exerce a título principal uma actividade comercial, pelo que o seu lucro tributável é determinado de acordo com o disposto nos artigos 17.º a 52.º do CIRC. Neste sentido, em sede de IRC são propostas as seguintes correções aritméticas (ponto II) do Relatório): Correções à matéria coletável: €58.543,76

O sujeito passivo exerceu o direito de audição, a que alude o art.º 60.º da LGT, invocando argumentos que foram objeto de análise, tendo-se concluído que não lhe assiste razão, conforme consta do ponto IX.2 deste relatório. Neste sentido, as correções propostas são de manter.

Foi emitido o correspondente documento de correção (DCU), levantado o competente Auto de Notícia para penalização das infrações verificadas, bem como, elaborado o documento de fixação.

À consideração Superior

..., 19 de abril de 2018”.

l) O mesmo relatório tem despacho de concordância do Chefe de Divisão de 23/4/2018, do seguinte teor:

“Concordo.

Este relatório conclui o procedimento de inspeção nos termos do artº 62 º do RCIPTA.

O SP exerceu o direito de audição, previsto no artº 60º da LGT e o artº 60º do RCPITA; no ponto IX deste relatório encontra-se efetuada a sua análise, concluindo-se ser de manter as correções constantes no projeto de relatório.

Concordo com a quantificação direta em sede de IRC, conforme ponto III do relatório.

Dê-se andamento ao documento de correção, no docº de fixação e o auto de notícia levantado.

..., 23/04/2018”

m) Com data de … de Março de 2018, consta como emitida pelo sr. Secretário de Estado da Educação, João Miguel Marques da Costa, a seguinte declaração:

“Conforme solicitado, e para efeitos do disposto no número 9 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, se declara, com base na informação recolhida pelos serviços deste Ministério, que o A..., NIPC..., com sede no ..., ..., ..., ..., desenvolve desde a sua génese uma atividade de enriquecimento extra curricular, que funciona nas instalações do Agrupamento de Escolas Dr,  ..., designadamente na Escola Básica e Secundária  ... e na Escola Básica ... .”

n) Foi com fundamento nesta declaração que do Relatório da Inspecção Tributária referido nas als. h) a l) destes factos provados consta que “assim, considera-se correto o enquadramento que o contribuinte tem vindo a dar à sua atividade, não liquidando IVA nas faturas emitidas, nem entregando declarações periódicas de IVA.”

o) Em cumprimento da Ordem de Serviço O12018..., foi realizada nova inspecção tributária ao ora requerente tendo em vista o seu “402-27 Reenquadramento de IVA”, inspecção essa designada de interna, por o lugar do procedimento inspectivo ser o referido no artº. 13º., al. a) do RCPIT.

p) No ponto II.3.5 é indicado o motivo da inspecção:

“Este procedimento de inspeção surge pelo facto do contribuinte encontrar-se erradamente enquadrado no regime de isenção de IVA do art. 9.º do CIVA, desde o seu início de atividade, já que foi este o enquadramento que o contribuinte assinalou na sua declaração de início de atividade, prevista no art. 31.º do CIVA. Conforme vai ser descrito de seguida, este enquadramento está errado, já que a atividade exercida não reúne condições para beneficiar de qualquer isenção.

Tendo sido anteriormente alvo de uma ação de inspeção tributária, a coberto da O12017..., o contribuinte apresentou, em 13/03/2018, uma declaração do Secretário de Estado da Educação (SEE) na qual constava que o A... “desenvolve desde a sua génese uma atividade de enriquecimento extra curricular”.

Entretanto, no decurso daquela ação de inspeção, em 12-12-2017, o contribuinte tinha remetido uma exposição” sobre a sua situação tributária ao Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), a qual foi encaminhada para a AT, tendo a Diretora-Geral da AT determinado, em 20-12-2017, que fosse remetida aos Subdiretores do IR e do IVA para análise.

Apesar de estar pendente um pedido de esclarecimentos ao SEAF, efetuado pelo contribuinte, o relatório final daquela inspeção, foi elaborado com base nos elementos disponíveis à data. Veja-se que a ação de inspeção tinha sido iniciada em 01/06/2017, pelo que o seu prazo máximo de conclusão era em 31/05/2018 (art. 36.º, n.º 3 do RCPITA).

Entretanto, em 08/05/2018 (após a data do relatório final daquela inspeção) o SEAF despachou a informação da DSIVA sobre o enquadramento da atividade do A... em sede de IVA, com o seguinte teor.

“.. Conclusão:

17. Conforme indicado nos pontos anteriores: até à presente data o requerente não juntou aos, autos comprovativo de que nos períodos em que exerceu atividade estivesse integrada no Sistema Nacional de Educação, e/ou, tivesse obtido reconhecimento pelo Ministério da Educação de que o estabelecimento prossegue fins análogos aos integrados no Sistema Nacional de Educação, pelo que não se encontra, nem em momento algum se encontrou, enquadrada em sede de IVA como isenta nos termos da alínea 9) do art.º 9.º do CIVA.

18. Caso futuramente reúna as condições indispensáveis para que a sua atividade preencha a previsão da referida norma, poderá a partir do momento em que reúna tais condições, ser enquadrada na isenção da alínea 9) do art.º 9.º do CIVA, ou na isenção da alínea 10) do mesmo artigo, caso a DGERT a reconheça como entidade certificada na área de formação profissional. Enquanto não reunir tais condições, o seu enquadramento é no regime normal de IVA, sendo as suas operações ativas sujeitas a imposto e dele não isentas. (negritos e sublinhados meus)

Tendo em conta, o teor deste despacho do SEAF e a ambiguidade da declaração do Secretário de Estado da Educação (SEE), a mesma foi remetida por esta Direção de Finanças à DSIVA para o esclarecimento da informação anteriormente prestada.

Em 19/06/2018, foi recebida a informação complementar da DSIVA, incorporando nas suas conclusões a declaração do SEE, com o seguinte teor:

13. … a Declaração só se refere à actividade desenvolvida, sendo completamente omissa no que respeita aos fins da requerente, e à consideração desta como estabelecimento integrado  no Sistema Nacional de Educação, ou reconhecido como tendo fins análogos aos dos estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação.

14. Pelo que, conforme conclusão da informação da DSIVA (pontos 17 e 18), não obstante a junção aos autos da Declaração em causa, a requerente continua a não apresentar qualquer comprovativo de que: "nos períodos em que exerceu atividade estivesse integrada no Sistema Nacional de Educação, e/ou, tivesse obtido reconhecimento pelo Ministério da Educação de que o estabelecimento prossegue fins análogos aos integrados no Sistema Nacional de Educação”.

15. Não se pode concluir, sem mais, que pelo facto da requerente desenvolver "desde a sua génese uma atividade de enriquecimento extra curricular", pratique operações isentas nos termos da alínea 9) do n.º do art.º 9.º do CIVA (como aliás já se esclareceu no ponto 7 da presente informação), porquanto, conforme indica a parte final do ponto III-16 da Informação Vinculativa n.º 11760, de 2017-07-20, da DSIVA, a qual é coerente com o ponto 1-3 do Ofício Circulado n.º 30172, de 2015-07-01,da DSIVA (indicado no ponto 7 do presente parecer): "a isenção não tem aplicação nas operações a montante, ou seja, quando fornecidas por entidades terceiras aos referidos estabelecimentos de ensino”.

16. O que mais uma vez vem salientar a imprescindibilidade de enquadramento da entidade prestadora como fazendo parte Integrante do Sistema Nacional de Educação, ou, entidade que prossiga fins análogos, como elemento indispensável para o enquadramento das operações em sede de IVA, nomeadamente para efeitos de isenção, nos termos da al. 9) do n.º 1 do art.º 9.º do CIVA.

Conclusão

20. Assim, verifica-se que até à presente data a requerente continua a não juntar aos autos comprovativo de que nos períodos em que exerceu atividade estivesse integrada no Sistema Nacional de Educação, ou, de que tivesse obtido reconhecimento pelo Ministério da Educação de que o estabelecimento prossegue fins análogos aos integrados no Sistema Nacional de Educação, pelo que, não obstante a Declaração do SEE, cuja validade e conteúdo não se colocam em causa, confirma-se integralmente todo o conteúdo da informação 1350, de 2018-04-16, sobre a qual recaiu o Despacho do SEAF n.º 157/2018 — XXI.” (negritos e sublinhados meus)

Perante o conteúdo da informação que mereceu despacho do SEAF e dos subsequentes esclarecimentos da DSIVA, conclui-se que a declaração emitida pelo Secretário de Estado da Educação não é suficiente para o A... beneficiar da isenção de IVA prevista na alínea 9) do art. 9.º do CIVA.

Nestes termos, com base no despacho do SEAF, resultante de um pedido do próprio contribuinte, realizado em 12/12/2017, deve ser alterado o enquadramento do contribuinte em sede de IVA e liquidado o IVA que se encontra em falta nos cofres do Estado.

II.3.6. Enquadramento em sede de IVA

Conforme anteriormente descrito, a atividade do A... consiste no ensino de línguas, ou seja, uma atividade de prestação de serviços, sujeita a IVA de acordo com a regra de incidência objetiva prevista no art. 1.º, n.º 1, al. a) do CIVA. Por outro lado, de acordo com a regra de incidência subjetiva do art. 2.º, n.º 1, al. a) do CIVA são sujeitos passivos do imposto as pessoas coletivas que exerçam uma atividade prestação de serviços. Assessoriamente à atividade de prestação de serviços, pratica transmissões de bens, nomeadamente livros, também elas sujeitas a IVA de acordo com a mesma disposição legal.

Para além deste enquadramento genérico, o Código do IVA prevê, no seu art. 9.º, isenções aplicáveis a casos específicos, sendo que no caso do ensino o n.º 9 daquele artigo prevê que: “As prestações de serviços que tenham por objeto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento e alimentação, efetuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”. Ou seja, esta isenção está dependente do reconhecimento das atividades exercidas pelo Ministério competente.

Tendo sido notificado o contribuinte para apresentar este reconhecimento, o mesmo assumiu que o processo de reconhecimento ainda estava a decorrer junto da entidade competente.

Sobre este assunto, veja-se a informação vinculativa n.º 9442 de 2015-10-19 do Subdiretor Geral do IVA, da qual se reproduz o seguinte excerto: “...18. Contudo, se a requerente não se encontrar devidamente reconhecida para o exercício da atividade relacionada com o ensino, as operações efetuadas nesse âmbito não podem, em sede de IVA, ser consideradas isentas, devendo ser aplicada a taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CI VA...”

Em 13/03/2018 (entrada 2018...) o contribuinte remeteu a estes serviços uma declaração emitida pelo SEE, na qual constava que o A... “desenvolve desde a sua génese uma atividade de enriquecimento extracurricular”. Posteriormente, no seguimento de um pedido efetuado pelo contribuinte ao SEAF, a DSIVA veio esclarecer que a referida declaração do SEE, não reúne as condições para aplicação da isenção do art. 9.º al. 9) do CIVA por não referir expressamente que o A... encontra-se integrado no Sistema Nacional de Educação ou presta serviços com fins análogos.

Assim, apesar do contribuinte ter declarado aquando do início de atividade, em 26-04-1991, que ia praticar operações isentas de IVA, deveria ter procedido à entrega da declaração de alterações prevista no art. 32.º, n.º 1 do CIVA, já que, de acordo com o enquadramento anteriormente apresentado, as suas prestações de serviços e transmissões de bens encontram-se sujeitas IVA, devendo ter liquidado IVA nas faturas emitidas”.

q) Em consequência do constante do ponto II.3.6 do relatório e que ora se deixa transcrito, procedeu-se se “à emissão de um Boletim de Alterações Oficioso (BAO), no sentido de enquadrar o sujeito passivo no regime geral de tributação em IVA, conforme previsto no art. 2.º, n.º 1, al. a) do CIVA, no regime de periodicidade trimestral, conforme disposto no art. 41.º, n.º 1, al b) do CIVA, com efeitos reportados a 01-01-2014”.

r) Face à alteração de enquadramento do Sujeito Passivo em sede de IVA, foi entendido no ponto III.1.1.2 do mesmo relatório que o SP deveria ter liquidado IVA nas suas operações ativas (vendas e prestações de serviços) às taxas previstas no art. 18.º do CIVA, tendo direito à dedução do IVA suportado nas operações passivas, nos termos do art. 19.º do CIVA.

s)Esse apuramento deu origem às liquidações ora impugnadas, apenas quanto à sua legalidade e já não quanto à sua quantificação.

t) Em 12/12/2017, o requerente dirigiu uma exposição ao senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

u) a Direcção de Serviços do IVA emitiu uma informação, sem data, na qual conclui do seguinte modo:

“Conclusão

47. Conforme indicado nos pontos anteriores: até à presente data a requerente não juntou aos autos comprovativo de que nos períodos em que exerceu atividade estivesse integrada no Sistema Nacional de Educação, e/ou, tivesse obtido reconhecimento pelo Ministério da Educação de que o estabelecimento prossegue fins análogos aos integrados no Sistema Nacional de Educação, pelo que não se encontra, nem em momento algum se encontrou, enquadrada em sede de IVA isenta nas termos da alínea 9) do art.º 9.º do CIVA.»

48. Caso futuramente reúna as condições indispensáveis para que a sua atividade preencha a previsão da referida norma, poderá, a partir do momento em que reúna tais condições ser enquadrada na isenção da alínea 9) do art.º 9,º do CIVA, ou na isenção da alínea 10) do mesmo artigo, caso a DGERT a reconheça como entidade certificada na área de formação profissional.

Enquanto não reunir tais condições, o seu enquadramento é no regime normal de IVA, sendo as suas operações ativas sujeitas a imposto e dele não isentas.

49. Do teor da presente informação deve ser dado conhecimento à Direção de Finanças de ... .”

v) A pedido da Direcção de Finanças de ..., a Direcção dos Serviços do IVA emitiu em 4/6/2018, uma informação, onde conclui do modo seguinte:

 

“Conclusão

20. Assim, verifica-se que até à presente data a requerente continua a não juntar aos autos comprovativo de que nos períodos em que exerceu atividade estivesse integrada na Sistema Nacional de Educação, ou, de que tivesse obtido reconhecimento pelo Ministério da Educação de que o estabelecimento prossegue fins análogos aos integrados no Sistema Nacional de Educação, pelo que, não obstante Declaração do SEE, cuja validade e conteúdo não se colocam em causa, confirma-se integralmente todo o conteúdo da informação 1350, de 2018-04-16, sobre a qual recaiu o Despacho do SEAF n.º 157/2018 - XXI,

DSIVA, 2018-06-04

O Técnico

C...

 (Inspetor Tributário Nível I).

x) As liquidações impugnadas tinham como data limite de pagamento o dia 26 de Novembro de 2018.

y) O presente pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 20 de Fevereiro de 2019.

Com interesse para a decisão dos presentes autos, nenhum outro facto se provou.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria de facto provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta ainda que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/131, “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

 

IV.    QUESTÕES A DECIDIR:

 

1. Considerando os factos provados e a matéria de direito constante do pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente são duas as questões a decidir:

- por um lado, saber se o requerente é uma entidade isenta em sede de IVA, com fundamento na alínea 9) do artº. 9º. do CIVA;

- por outro lado, saber se as liquidações efectuadas violam o disposto no artº. 60º. do CPPT, por não ser admissível novo acto inspectivo que venha alterar o decidido e comunicado ao requerente por acto inspectivo anterior.

 

2. O art. 124.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), subsidiariamente aplicável à arbitragem tributária ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT, estabelece, relativamente à ordem do conhecimento dos vícios na sentença, que, “[n]a sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação” (n.º 1 do art. 124.º), sendo que, em cada um dos grupos, a apreciação é feita pela seguinte ordem: “no primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”; “no segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público, ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior” (cfr. als. a) e b) do n.º 2 do art. 124.º).

Dado que os vícios invocados pelo Requerente, a procederem, conduzem, prima facie, à anulação dos atos impugnados, cumpre atender ao disposto na al. b) do n.º 2 do art. 124.º do CPPT, pelo que, caso seja estabelecida pelo impugnante uma relação de subsidiariedade entre os vícios arguidos (vd. o art. 101.º do CPPT que prevê que: “O impugnante pode arguir os vícios do ato impugnado segundo uma relação de subsidiariedade”), deve-se respeitar essa ordem – como se escreveu no acórdão do STA de 18.6.2014, proc. n.º 01942/13, “sempre que o impugnante estabeleça uma ordem de precedência do conhecimento dos vícios geradores de anulabilidade é essa ordem que deve ser seguida pelo juiz, não lhe sendo permitido alterá-la, assim como não lhe é permitido alterar a ordem do conhecimento dos vícios geradores de nulidade ou de inexistência, que se encontra legalmente estabelecida”.

No caso presente, nas suas alegações o requerente começa por atacar os actos impugnados com fundamento na errónea qualificação do facto tributário, por entender estar isento de IVA e depois é que analisa a eventual ilegalidade da revisão do acto praticado pela Direcção de Finanças de ..., mas no pedido final inverte essa ordem, ao pedir a anulação dos actos impugnados, pois ao indicar os fundamentos dessa anulação começa por referir o segundo dos fundamentos indicados, nunca estabelecendo entre eles uma qualquer relação de subsidiariedade.

Por isso, vamos começar pelo vício formal - eventual ilegalidade da revisão do acto praticado pela Direcção de Finanças de ...– e depois consideraremos o acto que tem mais a ver com a actividade do ora requerente.

 

3. Conforme consta da alínea j) dos factos provados, relatório da Inspecção Tributária e a propósito do enquadramento do requerente em sede de IVA, escreveu-se que “Conforme referido no ponto 1.3.6 deste relatório, em 13/03/2018, o contribuinte apresentou uma declaração do Secretário de Estado da Educação, reconhecendo a atividade do A... como enquadrável no regime de isenção de IVA, nos termos do artigo anteriormente referido”

Foi com fundamento nesta declaração que do Relatório da Inspecção Tributária referido nas als. h) a l) destes factos provados consta que “assim, considera-se correto o enquadramento que o contribuinte tem vindo a dar à sua atividade, não liquidando IVA nas faturas emitidas, nem entregando declarações periódicas de IVA.”

Este relatório mereceu a concordância do Chefe de Serviço e do Chefe de Divisão, tendo sido notificado ao recorrente em 24 de Abril de 2018.

Posteriormente, a Direcção de Finanças de ..., em cumprimento da Ordem de Serviço O12018..., determinou uma nova inspecção tributária ao ora requerente tendo em vista o seu “402-27 Reenquadramento de IVA”, inspecção essa designada de interna, por o lugar do procedimento inspectivo ser o referido no artº. 13º., al. a) do RCPIT, sendo o motivo dessa inspecção indicado no ponto II.3.5 do relatório notificado ao requerente em 12/9/2018.

Entende o recorrente que com esta segunda acção inspectiva, a AT violou o disposto no artº. 60º. do CPPT, no qual se determina:

Os actos tributários praticados por autoridade fiscal competente em razão da matéria são definitivos quanto à fixação dos direitos dos contribuintes, sem prejuízo da sua eventual revisão ou impugnação nos termos da lei.

Para o recorrente o segundo procedimento inspectivo não é a forma legal de a AT fazer a reversão de decisões anteriores, imputando por isso o vício de violação de lei ao acto da segunda inspecção, ainda que interna, por violar o disposto no citado artº. 60º. do CPPT.

Na verdade, a conclusão do relatório da primeira inspecção ao concluir pela regularidade da isenção do IVA relativamente ao ora recorrente, fixou os respectivos direitos nessa matéria, não tendo por isso dado origem a qualquer liquidação de IVA relativa a 2014.

Porém, o mesmo artº. 60º permite a sua eventual revisão pela autoridade tributária ou impugnação pelo contribuinte, sendo que esta não ocorreria nunca por o acto lhe ser favorável.

                Por sua vez, a AT poderia proceder à revisão da referida decisão, através de um processo de revisão, mas já não por meio de nova acção inspectiva, ainda que de natureza diferente, pois aqueles direitos dos contribuintes estão fixados.

                O processo de revisão vem previsto no artº. 78º. da Lei Geral Tributária, onde se determina o seguinte:

Artigo 78º.

Revisão dos actos tributários

1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2. Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.

3. A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.° 1 do artigo anterior.

4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6. A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7. Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização

                Deste modo, não pode deixar de considerar-se ilegal a alteração da situação do ora recorrente, no que respeita à sua tributação em IVA, com base em novo procedimento inspectivo.

                Porém, como a anulação das liquidações efectuadas com este fundamento e dado que a AT ainda está a tempo de suprir esta incorrecção formal, não é aquela que confere “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” como tal considerados pelo requerente, apesar de poder ser declarada a anulação das liquidações efectuadas e ora impugnadas, com fundamento na violação do artº. 60º. do CPPT, vamos também analisar à luz do referido princípio da tutela eficaz ou mais estável, o invocado vício da errada qualificação do facto tributário.

 

4.1- Deste modo, passamos por necessária à definição dos direitos do recorrente, à análise da questão de saber se o requerente preenche ou não os requisitos para ser a sua actividade considerada isenta de IVA e, em caso afirmativo, desde quando.

Esta questão prende-se com o enquadramento de um conjunto de serviços prestados pelo Requerente e por ele considerados incursos na isenção prevista no número 9, do artigo 9.º do Código do IVA.

Dispõe esta norma legal:

“Estão isentas do imposto:

9) As prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento e alimentação, efectuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes;”.

A norma em questão consagra, explicitamente, um requisito subjectivo, que exige que se trate de “estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”, e um requisito objectivo, que pressupõe que estejam em causa “prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas”.

 

4.2 - Conforme foi dado como provado, o requerente tem por objecto o ensino de línguas estrangeiras, segundo os programas oficiais, visando a formação de especialistas e professores em línguas, no âmbito da formação cultural da população da cidade de ..., seu concelho e área de influência (al. a) dos factos provados).

Para esse efeito e “no exercício da sua actividade, o requerente tem em funcionamento uma escola de línguas estrangeiras, nomeadamente com cursos de inglês, francês, alemão e espanhol, ministrando aulas a alunos do concelho de ... e limítrofes. (al. b) dos factos provados).

Além disso, “o requerente também tem cursos para enriquecimento extracurricular ministrados aos alunos do ensino oficial básico e secundário do concelho onde se insere, e é entidade formadora de línguas e literatura estrangeiras. (al. c) dos factos provados).

Por isso, “a actividade da Associação consiste no ensino de línguas estrangeiras, estando os alunos divididos em várias turmas, de acordo com a língua a ministrar e o nível de ensino. O calendário de aulas da Associação acompanha o calendário escolar, conforme consta do plano de atividade de 2014 e orienta as suas aulas de acordo com os programas oficiais, no sentido de preparar os alunos para no final de cada ciclo estarem preparados para realizarem e os exames realizados por entidades autorizadas a concederem certificações às competências dos alunos, nomeadamente o British Council, Ministério Francês da Educação, Goethe Institut e Instituto Cervantes.” (als. d) e e) dos factos provados).

Além disso e com relevância para os presentes autos, também ficou provado que “com data de … de Março de 2018, consta como emitida pelo sr. Secretário de Estado da Educação, João Miguel Marques da Costa, a seguinte declaração:

“Conforme solicitado, e para efeitos do disposto no número 9 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, se declara, com base na informação recolhida pelos serviços deste Ministério, que o A..., NIPC..., com sede no..., ..., desenvolve desde a sua génese uma atividade de enriquecimento extra curricular, que funciona nas instalações do Agrupamento de Escolas ..., designadamente na Escola Básica e Secundária ... e na Escola Básica ... .” (al. m) dos factos provados).

O problema acaba por se resumir ao facto de saber se esta declaração tem a virtualidade de significar um reconhecimento de que o requerente reúne os requisitos para lhe ser reconhecida a isenção prevista no 9 do artigo 9.º do CIVA.

Estamos seguros que o requerente não é um estabelecimento integrado no Sistema Nacional de Educação, podendo apenas ser um estabelecimento reconhecido como tendo fins análogos pelos ministérios competentes, sendo, porém, certo e seguro que se dedica ao ensino de línguas.

E também não há dúvidas de que essa competência de reconhecimento cabe aos titulares dos cargos políticos do Ministério da Educação, podendo ser o sr. Secretário de Estado da Educação, o que a AT também reconhece.

Portanto, o problema resume-se à interpretação da declaração dada como provada no ponto m) dos factos provados.

 

4.3 – Determina o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, em conformidade com o disposto no número 9, do artigo 9.º do Código do IVA, que estão isentas as prestações de serviços que tenham por objeto o ensino, efetuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes.

Esta isenção abrange as “prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento e alimentação …”

A referida isenção tem por base a alínea i), do número 1, do artigo 132.º da Diretiva do IVA, de acordo com a qual os Estado isentam as operações relacionadas com “a educação da infância e da juventude, o ensino escolar ou universitário, a formação ou reciclagem profissional e bem assim as prestações de serviços e as entregas de bens com elas estreitamente relacionadas, efectuadas por organismos de direito público que prossigam o mesmo fim e por outros organismos que o Estado-Membro em causa considere prosseguirem fins análogos”(cfr. ainda alínea i), do artigo 13.º-A da Sexta Directiva).

De acordo ainda com o artigo 134.º da Directiva do IVA “As prestações de serviços e as entregas de bens ficam excluídas do benefício da isenção prevista nas alíneas b), g), h), i), 1), m) e n) do n.°1, nos seguintes casos:

a)      Quando não forem indispensáveis à realização das operações isentas;

b)     Quando se destinarem, essencialmente, a obter para o organismo receitas suplementares mediante a realização de operações efetuadas em concorrência direta com as empresas comerciais sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado.

                Importa ter presente também que os termos utilizados para designar as isenções consagradas no artigo 9.º do Código do IVA são em princípio de interpretação estrita, dado que constituem derrogações ao princípio geral, segundo o qual o IVA é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo (cfr. Acórdão de 11 de Janeiro de 2001, Comissão/França, C-76/99 e Acórdão de 20 de Junho de 2002 Comissão/Alemanha, C-287/00, in http://curia.europa.eu).

Porém, contrariamente “ao que normalmente sucede em matéria de interpretação de normas que contêm as isenções do IVA nas operações internas”, no acórdão de 20 de Junho de 2002 (C-287/00, Comissão/Alemanha, Colect. P. I -5811) o TJUE afirmou a desnecessidade de uma interpretação estrita da isenção que vem actualmente vertida na alínea i) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva do IVA, por considerar que esta isenção tem em vista assegurar um acesso menos dispendioso aos serviços ligados ao ensino”(cfr. LAIRES, Rui – Isenções do IVA nas Actividades Culturais, Educativas, Recreativas, Desportivas e de Assistência Médica ou Social, IDEFF, n.º 14, pág. 176).

O “elemento finalístico tem servido, portanto, para que o TJUE fixe o sentido das normas de isenção de IVA, sempre respeitando os limites impostos pelo seu elemento literal” (VASQUES, Sérgio – O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Lisboa, 2015, pág. 330).

 

4.4 – Definida a actividade do recorrente, nos termos que constam do relatório da Inspecção Tributária de Abril de 2018 e que foi vertido nas alíneas a) a e) dos factos provados, há que verificar se a declaração junta e emitida pelo sr. Secretário de Estado da Educação corresponde ao reconhecimento exigido legalmente para o recorrente poder beneficiar de isenção de IVA.

E não podemos deixar de atentar no facto de, nessa declaração, o referido membro do governo afirmar que a mesma é emitida “para efeitos do disposto no número 9 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado”, o que já significa que a entidade emitente tem consciência que o reconhecimento feito na declaração emitida poderá ter as consequências de isenção de IVA a que se refere aquela norma legal.

Depois temos a parte da declaração, que é um verdadeiro reconhecimento, de que o requerente “desenvolve desde a sua génese uma atividade de enriquecimento extra curricular”.

Para a AT, no primeiro relatório de inspecção esta declaração significava o reconhecimento de que o requerente tinha “fins análogos” e por isso entendeu que o requerente estava isento de IVA, ao contrário do segundo relatório que contém decisão em sentido contrário, dando origem às liquidações ora impugnadas.

Para a AT o reconhecimento de o requerente “como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”, tem de ser um reconhecimento expresso, o que não pode significar que esse reconhecimento deva conter as palavras exactas da lei, bastando que tal se possa concluir do seu conteúdo de forma clara e segura que corresponde ao seu sentido literal que existe esse reconhecimento.- cfr. artº. 238º. do Código Civil.

Por isso, convém definir se a actividade do recorrente, em si mesma considerada corresponde a qualquer actividade de enriquecimento extracurricular.

Normalmente, a actividade do ensino realiza-se através de planos curriculares, dos respectivos estabelecimentos, procedendo à avaliação dos alunos e conferindo graus académicos. – Cfr. Dec. Lei nº. 55/2018, de 6 de Julho.

Porém, a ora requerente, como resulta dos factos provados nem faz avaliações, nem confere graus académicos, limitando-se a, como vem provado, “orientar as suas aulas de acordo com os programas oficiais, no sentido de preparar os alunos para no final de cada ciclo estarem preparados para realizarem os exames e para serem realizados por entidades autorizadas a concederem certificações das competências dos alunos, nomeadamente o British Council, Ministério Francês da Educação, Goethe Institut e Instituto Cervantes”.

Manifestamente que se trata de ensino, mas ensino extracurricular, por se não inserir em qualquer currículo previamente aprovado, mas visando o enriquecimento dos alunos em matéria de línguas – e só esta actividade está em causa – para que possam obter aprovação no âmbito curricular das escolas públicas ou privadas que frequentam, mas também para que possam obter certificações no âmbito de outras escolas que conferem certificações em matéria de aprendizagem de línguas.

Trata-se portanto de prestações de serviços análogas às que prestam os estabelecimentos de ensino integrantes do Sistema Nacional de Educação, mas que por não conferirem qualquer grau ou qualquer diploma ou certificação, apenas visando a melhor preparação dos alunos para as provas inseridas nos diversos currículos, têm de se considerar como serviços de “enriquecimento extra curricular”.

E esta actividade está conforme aos fins estatutários da associação requerente que é “o ensino de línguas estrangeiras, segundo os programas oficiais”, como consta do facto provado da al. a).

Aliás, que se trata de serviços análogos resulta ainda do facto dado como provado na alínea e), ou seja, que o requerente “orienta as suas aulas de acordo com os programas oficiais”.

Além disso, note-se que é relevante para os presentes autos, o reconhecimento é feito desde o início da actividade do requerente, como se alcança da expressão “desde a sua génese”, o que frisa a ideia de que o reconhecimento se refere à actividade do ora requerente desde que a mesma foi iniciada, abarcando períodos anteriores à data em que foi emitida, nomeadamente o período de 2014, que está em causa nos presentes autos.

Com efeito, não resulta do teor do nº. 9 do artº. 9º. que o reconhecimento tenha de ser anterior ou mesmo contemporâneo do exercício da actividade isenta, podendo, no nosso entender, ser posteriormente, desde que expressamente refira o seu âmbito de reconhecimento, pois, na falta dessa indicação, o reconhecimento valerá apenas para o futuro.

Por fim, não pode deixar de anotar-se que na declaração que emite o sr. Secretário de Estado, se refere que o requerente “funciona nas instalações do Agrupamento de Escolas ..., designadamente na Escola Básica e Secundária ..., na Escola Básica ...”, ou seja, em estabelecimentos de ensino integrados no Sistema Nacional de Educação, portanto exercendo funções análogas às desses estabelecimentos de ensino.

Face ao exposto, entendemos a declaração do sr. Secretário de Estado – pela referência expressa que faz aos objectivos da declaração, pela indicação da actividade concreta do requerente, pelo âmbito temporal a que se refere e pela referência ao local onde ela é exercida - como um reconhecimento de que o requerente tem fins análogos aos estabelecimentos de ensino, conforme o estabelecido na al. 9) do artº. 9º. do CIVA, pelo que goza o requerente do direito à isenção de IVA pela sua actividade, em conformidade com o que consta do relatório da Inspecção Tributária de Abril de 2018, desde o momento em que declarou o seu início de actividade.

 

4.5 Nesta isenção estão abrangidas também as vendas de livros por se tratar da transmissão de bens conexos com essa actividade de ensino.

                Com efeito, o ensino é normalmente suportado em lições e fornecimento de livros que servem de suporte e base de estudo a quem aprende. Por isso, é evidente a conexão da venda dos livros, presumivelmente escolares, pois não existe indicação diversa nos autos, com a actividade de ensino.

                Face ao exposto e porque houve o reconhecimento pela Ministério competente de que o recorrente exerce actividade conforme aos fins estatutários que são análogos aos dos estabelecimentos de ensino, desde o início da sua actividade, tem de proceder a impugnação apresentada pelo requerente e consequentemente devem ser anuladas as liquidações ora impugnadas por errada qualificação do facto tributário, dado que os serviços prestados pelo requerente e os materiais (livros) por ele vendidos, estão isentos de IVA

 

V. DOS JUROS COMPENSATÓRIOS:

 

                Face à procedência do pedido do requerente de anulação das liquidações efectuadas, não são devidos quaisquer juros compensatórios, pois inexistindo a dívida, não existe mora e consequentemente não são devidas indemnizações pelo não pagamento, os juros compensatórios liquidados pela AT.

 

VI - DECISÃO

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar totalmente procedente e provado o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IVA impugnadas, mesmo quanto à liquidação de juros compensatórios, por não serem devidos, declarando-se anuladas essas liquidações e condenando-se a requerida nas custas totais deste processo.

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em euros de € 45.228,19.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 2.142,00, a cargo da Requerida

 

Lisboa, 16 de Setembro de 2019,

 

O Árbitro

José Sampaio e Nora

 

(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT e segundo a antiga ortografia, mantendo-se as citações feitas quando escritas pelos seus autores segundo a nova ortografia).