DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A..., S.A., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral contra os atos de indeferimento de recursos hierárquicos interpostos do indeferimento de reclamações graciosas oportunamente deduzidas e, consequentemente, contra os atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) relativos períodos de 2010, 2011, 2012, 2015 e 2016 e aos veículos automóveis identificados pelo respetivo número de matrícula em lista e documentos anexos ao pedido (Anexo A), cuja anulação solicita. Como consequência da referida anulação, requer a condenação da Administração Tributária ao reembolso da importância que considera indevidamente paga, no montante global de € 1 472,19, sendo € 1 381,09 de imposto e € 91,10 de juros compensatórios, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios, contados nos termos legais.
2. Como fundamento do pedido, apresentado em 16-03-2019, alega a Requerente, em síntese, que, tendo apresentado reclamações graciosas contra as liquidações de IUC em causa, foram as mesmas indeferidas, total ou parcialmente, igual sorte assistindo aos recursos hierárquicos oportunamente interpostos daquelas decisões (Anexos B a E).
3. As referidas reclamações graciosas, e subsequentes recursos hierárquicos das decisões sobre as mesmas proferidas, fundamentam-se no alegado facto de a Requerente não ser o sujeito passivo da obrigação de IUC referente ao período de tributação e veículos a que respeitam as liquidações ora impugnadas.
4. De acordo, pois, com o alegado pela Requerente, os referidos veículos, embora se encontrassem registados em seu nome à data a que se reportam os factos tributários a que respeitam aquelas liquidações, haviam sido entregues aos respetivos locatários ao abrigo de contratos de locação financeira tendo todos eles adquirido a respetiva propriedade no termo dos contratos mediante o pagamento do correspondente valor residual em momento anterior à data do facto gerador e exigibilidade do tributo em causa (cfr. Anexo A e Docs. 1 a 34).
5. Em resposta ao solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados e, em conformidade, pela absolvição da entidade requerida.
6. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
8. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
9. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 29-05-2019.
10. Regularmente constituído o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
11. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).
12. Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas questões prévias ou exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito, encontrando-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.
13. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.
14. Não se suscitando dúvidas quanto à fixação dos factos devidamente comprovados em face de prova documental e considerando estar em causa exclusivamente matéria de direito, o Tribunal decidiu prescindir da prova testemunhal.
II. Matéria de facto
15. Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, destacam-se os seguintes elementos factuais, que, com base na prova documental junta aos autos, se consideram provados:
15.1. A Requerente é uma instituição de crédito com forte presença no mercado nacional.
15.2. De entre as suas áreas de atividade, assume especial relevância o financiamento ao sector automóvel sendo que uma parte substancial da sua atividade se reconduz à celebração de contratos de locação financeira e ade aluguer de longa duração destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis.
15.3. Para o efeito, a ora Requerente adquire as viaturas indicadas pelos clientes aos respetivos fornecedores procedendo, de seguida, à sua entrega aos locatários.
15.4. Durante o período estipulado no contrato, estes locatários mantêm o gozo temporário do veículo — que permanece propriedade da Requerente —, mediante remuneração a entregar à Requerente sob a forma de rendas; podendo vir a adquirir o veículo, no termo do contrato, mediante o pagamento de um valor residual.
15.5. Os veículos automóveis a que respeitam as liquidações impugnadas, identificados em lista anexa ao pedido de pronúncia arbitral (Anexo A), foram entregues aos respetivos locatários ao abrigo de contratos de locação financeira e de aluguer de longa duração.
15.6. No termo dos respetivos contratos, os locatários adquiriram os veículos mediante pagamento de um valor residual.
15.7. Por esse facto, comprovado documentalmente pela respetiva faturação, os veículos a que as liquidações respeitam já não eram propriedade da Requerente à data da ocorrência do facto gerador e da exigibilidade do tributo em causa (Docs. 18 a 34).
15.8. Relativamente aos veículos automóveis, identificados no referido Anexo A, pelo respetivo número de matrícula, e ao período de tributação de 2010, 2011, 2012, 2015 e 2016, a Administração Tributária (AT) efetuou liquidações oficiosas de IUC, acrescido de juros compensatórios, no montante global de € 1 472,19.
15.9. Notificada das referidas liquidações a ora Requerente efetuou o pagamento voluntário do imposto (Cf. Docs. 1 a 9).
15.10. Todavia, reagiu contra os referidos atos de liquidação através de reclamações graciosas em que, no essencial, alega não ser o sujeito passivo da obrigação de imposto porquanto, à data da ocorrência do respetivo facto gerador, os veículos a que aqueles respeitam se haviam sido já transmitidos a terceiros por contrato de compra e venda exercido na sequência de contratos de locação financeira.
15.11. As reclamações dos atos de liquidação, conforme decorre dos elementos que integram o presente processo, foram objeto de indeferimento expresso.
15.12. Das referidas decisões foram interpostos recursos hierárquicos, também indeferidos na sua totalidade (Anexos B a E).
16. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.
III. Cumulação de pedidos
17. O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a diversas liquidações de IUC, bem como a diversas decisões proferidas em sede recurso hierárquico de decisões de indeferimento expresso de reclamações graciosas. Todavia, atendendo à identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o tribunal considera que nada obsta, face ao disposto nos artigos 3.º do RJAT e 104.º do CPPT, à cumulação de pedidos.
IV. Matéria de direito
18. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente submete à apreciação deste tribunal a legalidade de atos de indeferimentos expresso de recursos hierárquicos interpostos de decisões de indeferimento de reclamações graciosas (Anexos B a E) e, objeto mediato, a legalidade dos atos de liquidação de IUC, relativos aos períodos de 2010, 2011, 2012, 2015 e 2016 e aos veículos que identifica em relação anexa ao pedido (Anexo A), invocando a circunstância de, à data a que se reportam os factos tributários que as originaram, os mesmos terem sido já objeto de transmissão para terceiros, anteriormente locatários no âmbito de contratos de locação financeira e de aluguer de longa duração, que exerceram o respetivo direito de compra mediante pagamento do valor residual, e, consequentemente, não assumir a qualidade do sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado (Docs. 18 a 34).
19. Está, pois, em causa determinar se a Requerente deve ou não ser considerada sujeito passivo de IUC quanto aos veículos e períodos a que o tributo respeita, devidamente identificados em anexo ao pedido, por, à data da exigibilidade do tributo, se encontrarem já transmitidos a terceiros por contratos de compra e venda, embora permanecessem registados em nome da Requerente.
20. Relativamente a esta matéria, dispõe o artigo 3.º do CIUC, nos seus números 1 e 2, na redação vigente à data dos factos em análise, que:
"1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados
2. São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes co reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força de contrato de locação"
21. Segundo entendimento da Requerida, a referida norma não comporta qualquer presunção legal, considerando que "o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como tais [como proprietários ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas] as pessoas em nome das quais os mesmos [os veículos] se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal.”
22. Por seu lado, sustenta a Requerente que aquela norma consagra uma presunção legal, ilidível nos termos gerais e, em especial, por força do disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária segundo o qual as presunções de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.
23. Esta matéria tem vindo a ser objeto de numerosas decisões no âmbito dos tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, em geral no sentido da procedência dos respetivos pedidos, com o fundamento de que a norma em causa, na redação em vigor à data dos factos a que se reporta o presente pedido, encerra uma presunção legal que admite prova em contrário.
24. Aderindo, pois, à posição acima referida, dispensa-se, por desnecessária e fastidiosa, a reprodução da respetiva fundamentação, porquanto no presente processo nada de novo se adianta nessa matéria.
25. Assim, concluindo-se, na esteira da orientação que invariavelmente vem sendo seguida pela jurisprudência arbitral, que a norma de incidência subjetiva do IUC, na redação então em vigor, consagra uma presunção ilidível, importa analisar-se a documentação oferecida pela Requerente no sentido de se saber se a mesma constitui, ou não, prova bastante para a sua elisão.
26. Como acima referido, em sede de matéria factual, na situação a que se refere o presente pedido, está em causa a tributação, em IUC, de viaturas automóveis que, à data da exigibilidade do tributo, seriam já propriedade de terceiros, por via de contratos de compra e venda celebrados com a Requerente na sequência e no termo de contratos de locação financeira e de aluguer de longa duração.
27. Relativamente à situação referida são apresentadas, como elemento de prova, cópias das faturas que titularam a respetivas transmissões bem como dos contratos de locação financeira e de aluguer de longa duração ao abrigo dos quais se efetuou a venda das viaturas mediante o pagamento de um valor residual.
Da elisão da presunção
28. As presunções de incidência tributária podem ser ilididas através do procedimento contraditório próprio previsto no artigo 64.º do CPPT ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos atos tributários que nelas se baseiem.
29. No presente caso, a Requerente não utilizou aquele procedimento próprio, pelo que o presente pedido de decisão arbitral, na sequência de indeferimento reclamações graciosas e de subsequentes recursos hierárquico, é meio próprio para ilidir a presunção de incidência subjetiva do IUC que suporta as liquidações tributárias cuja anulação constitui objeto do pedido, pois que se trata de matéria que se situa no âmbito da competência material deste tribunal arbitral (artigos 2.º e 4.º do RJAT).
30. Figurando a Requerente no Registo Automóvel como proprietária dos veículos identificados no pedido no período de tributação a que as questionadas liquidações respeitam e alegando a mesma que os mesmos se encontravam já transmitidos a terceiros por contratos de compra e venda, resta avaliar-se a prova apresentada, no sentido de se determinar se é a mesma bastante para ilidir a presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 3.º do mesmo Código.
31. Com vista à elisão da referida presunção, derivada da inscrição do registo automóvel, a Requerente apresenta, em anexo ao presente pedido, cópia das faturas que titularam as transmissões, emitidas em data anterior à da ocorrência do facto tributário e da exigibilidade do imposto bem como dos contratos de locação financeira e de aluguer de longa duração que as precederam.
32. Pronunciando-se sobre a prova documental apresentada, considera a Requerida que, mesmo aceitando-se ser admissível a elisão da presunção, o que somente por mera hipótese académica admite, as faturas “... não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático, pois não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes.”
33. Acresce, ainda, no entender da Requerida, “... as regras do registo automóvel (ainda) não chegaram o ponto de meras faturas poderem substituir o requerimento de registo automóvel, aliás documento aprovado por modelo oficial.”
34. Em abono desta tese, a Requerida refere o processo 63/2014-T do CAAD em que, embora com voto de vencido, o Tribunal Arbitral considerou serem as faturas “documentos particulares, unilaterais e internos, com um valor insuficiente para, a luz do direito probatório material, negar a validade de factos – a propriedade de veículos – sobre os quais existe uma prova legal – uma presunção legal – que isenta a Requerida de qualquer obus probatório, e que não e contrariável através de mera contraprova, que lance dúvida sobre os factos provados pela presunção.”
35. No mesmo sentido da insuficiência das faturas para afastar a presunção constante do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, refere, ainda, a decisão arbitral proferida no processo n.ºs 130/2014-T.
36. Como bem se extrai da posição da Requerida quanto à prova produzida, escorada na fundamentação das citadas decisões jurisprudenciais, seria a mesma insuficiente para ilidir a presunção consagrada na norma de incidência tributária, definida com base na propriedade, tal como consta do registo automóvel.
37. Não sendo, porém, esse o entendimento do tribunal, importa avaliar a prova produzida pela Requerente no sentido de se determinar se é esta bastante para ilidir a presunção derivada do registo que, no plano da incidência subjetiva, é, na redação do artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC em vigor à data dos factos, é acolhida para efeitos deste tributo.
38. Para tanto, importa ter-se presente que, na situação em análise, se está perante contractos de compra e venda que, relativos a coisas móveis e não estando sujeitos a quaisquer formalismos especiais (C. Civil, artigo 219.º), operam a correspondente transferência de direitos reais (C. Civil, artigo 408.º, n.º 1).
39. Tratando-se de contratos que envolvem a transmissão da propriedade de bens móveis mediante o pagamento de um preço, têm aqueles, como efeitos essenciais, entre outros, o de entregar a coisa (C. Civil, artigos 874.º e 879.º).
40. No entanto, estando em causa um contrato de compra e venda que tem por objeto um veículo automóvel, em que o registo é obrigatório, o seu cumprimento pontual pressupõe a emissão da declaração de venda necessária à inscrição no registo da corresponde aquisição a favor do comprador, conforme vem sendo entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores. Tal declaração, relevante para efeitos de registo, poderá constituir prova da transação, mas não constitui o único ou exclusivo meio de prova de tal facto.
41. Para efeitos registais, também não é exigível qualquer formalismo especial, bastando a apresentação à entidade competente de requerimento subscrito pelo comprador e confirmado pelo vendedor, que, através de declaração de venda confirma que a propriedade do veículo foi por aquele adquirida por contrato verbal de compra e venda (vd. Regulamento do Registo Automóvel, artigo 25.º, n.º 1, alínea a)).
42. Não obstante serem estas as regras decorrentes das disposições da lei civil, relativas ao informalismo da transmissão de coisas móveis e, sendo o caso, do respetivo registo, não pode deixar de ter-se também presente que, na situação em análise, estamos perante transações comerciais, efetuadas por uma entidade empresarial no âmbito da atividade que constitui seu objeto social.
43. Nesse âmbito, a empresa está vinculada ao cumprimento de normas contabilísticas e fiscais específicas, em que a faturação assume especial relevância.
44. Desde logo, por força de normas fiscais, a entidade transmitente dos bens está obrigada a emitir uma fatura relativamente a cada transmissão de bens qualquer que seja a qualidade do respetivo adquirente (CIVA, artigo 29.º, n.º 1, alínea b).
45. Também de acordo com o disposto em normas tributárias, a fatura deve obedecer a determinada forma, detalhadamente regulada nos artigos 36.º do Código do IVA e artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 198/90, de 19/06.
46. É com base nesse documento emitido pelo fornecedor dos bens que o adquirente, quando se trate de um operador económico - como é o caso da generalidade das situações a que se refere o presente processo - irá deduzir o IVA a que tenha direito (CIVA, artigo 19.º, n.º 2) e contabilizar o gasto da operação (CIRC, artigos 23.º, n.º 6 e 123.º, n.º 2).
47. Por seu lado, é também com base na faturação por si emitida que o fornecedor dos bens deverá contabilizar os respetivos rendimentos, conforme decorre do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 123.º do CIRC.
48. Desde que emitidas na forma legal e constituam elementos de suporte dos lançamentos contabilísticos em contabilidade organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal, os dados que delas constem são abrangidos pela presunção de veracidade a que se refere o artigo 75.º, n.º 1, da LGT.
49. Com efeito, a referida presunção abrange não só os livros e registos contabilísticos, mas também os respetivos documentos justificativos, conforme, de resto, constitui entendimento pacífico da própria administração tributária e da jurisprudência firmada dos tribunais superiores
50. A presunção de veracidade das faturas comerciais emitidas nos termos legais pode, porém, ser afastada sempre que as operações a que se referem não correspondam à realidade, bastando, para tanto, que a Administração Tributária recolha e demonstre indícios fundados desse facto (LGT, artigo 75.º, n.º 2, al. a).
51. No presente caso, a Requerida não impugnou, nem suscita qualquer dúvida quanto às operações tituladas pelas faturas apresentadas pela Requerente, limitando-se a impugnar os próprios documentos apresentados como meios de prova com o fundamento de que “As faturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois tais documentos não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes.”
52. Não se acompanhando tal posição e tendo em atenção a relevância atribuída pela legislação tributária às faturas emitidas, nos termos legais, pelas empresas comerciais no âmbito da sua atividade empresarial e a presunção de veracidade das operações por elas tituladas, não pode deixar de considerar-se que as mesmas constituem, só por si, prova bastante das transmissões invocadas pela Requerente, acompanhando-se, nesta matéria, a jurisprudência arbitral maioritária.
53. Considerando-se, assim, provada documentalmente a transmissão do direito de propriedade dos veículos em causa, há apenas que determinar a data em que, segundo a respetiva fatura, a mesma se terá verificado, atendendo a que a exigibilidade do imposto, relativamente a veículos terrestres novos, ocorre no primeiro dia do período de tributação, que se inicia na data da matrícula, conforme prevê o artigo 6.º, n.º3, do CIUC, sendo esse o momento em que se define a relação jurídica tributária.
54. Com base nos documentos que integram o presente processo, verifica-se que, à data da exigibilidade do imposto, os veículos aí identificados já não eram propriedade da Requerente em virtude de, por esta, terem sido transmitidos a terceiros.
55. Em face do exposto, conclui-se não haver fundamento legal para os atos de liquidação de IUC e de juros compensatórios relativamente aos veículos e períodos identificados em anexo ao pedido de pronúncia arbitral.
56. Nestes termos, considerando-se ilidida a presunção de propriedade derivada do registo automóvel acolhida no artigo 3.º do CIUC - na redação em vigor à data dos factos a que respeitam as liquidações em causa - deverá proceder-se à anulação das liquidações identificadas em lista anexa ao presente pedido de pronúncia, no montante global de € 1 472,19, com fundamento em ilegalidade e erro nos pressupostos em que se suportam.
Do direito a juros indemnizatórios
57. A par da revogação da decisão de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa e anulação das liquidações, e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas, a Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.
58. Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.
59. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.
60. No presente caso, ainda que se reconheça não ser devido o imposto liquidado à Requerente, por não ser o sujeito passivo da obrigação tributária, determinando-se, em consequência, a anulação das liquidações questionadas, não se lobriga que, na sua origem, se encontre o erro imputável aos serviços, que determina tal direito a favor do contribuinte.
61. Com efeito, ao promover as liquidações de IUC considerando a Requerente como sujeito passivo deste imposto, a Administração Tributária não poderia proceder por forma diversa, limitando-se a dar cumprimento à norma do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, que, como acima abundantemente se referiu, imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.
62. Por outro lado, também como já se concluiu, a referida norma tem a natureza de presunção legal, de que decorre, para a AT, o direito/dever de liquidar o imposto e exigi-lo a essas pessoas, sem necessidade de provar os fatos que a ela conduz, conforme expressamente prevê o n.º 1 do artigo 350.º do C. Civil.
63. Não se mostrando, assim, reunidos os pressupostos em que se suporta o direito a juros indemnizatórios, não pode, pois, nesta vertente, o pedido proceder
64. Todavia, relativamente às liquidações que constituem objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, importa saber se o ato de indeferimento da pretensão da ora Requerente, formulada nas reclamações graciosas oportunamente interpostas, configura, ou não, erro imputável à Administração Tributária para efeitos da exigibilidade de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.
65. Nesta matéria tem-se em atenção a orientação decorrente da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que vai no sentido de reconhecer que uma decisão da Administração Tributária que indefere um pedido de anulação de liquidação reconhecidamente ilegal e consequente restituição de tributo indevidamente cobrado, constitui erro imputável aos serviços.
66. Segundo a mencionada jurisprudência – vertida em douto acórdão de 28 de Outubro de 2009, no proc. 601/09 – são devidos juros indemnizatórios a partir da data do indeferimento da reclamação até à data do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos do artigo 61.º do CPPT.
67. Acompanhando-se a jurisprudência citada, reconhece-se o direito da Requerente a juros indemnizatórias, contados nos termos legais, a partir da data de indeferimento das reclamações graciosas relativas às liquidações que constituem objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.
VI - Decisão
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento dos recursos hierárquicos das decisões de indeferimento das reclamações graciosas oportunamente deduzidas contra as liquidações ora impugnadas;
b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, no que concerne à elisão da presunção de incidência subjetiva do IUC, com a consequente anulação das liquidações de Imposto Único de Circulação, relativamente ao período de tributação e veículos identificados em lista anexa ao presente pedido de pronúncia arbitral;
c) Julgar procedente o pedido no que concerne ao reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios que forem devidos a partir de data do indeferimento das reclamações graciosas contados até à data da restituição à Requerente dos montantes das liquidações anuladas.
d) Condenar a Requerida nas custas do presente processo.
Valor do processo - De harmonia com o disposto no artigo 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1 472,19.
Custas - Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 306,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 9 de Setembro de 2019
O árbitro, Álvaro Caneira,