Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 703/2018-T
Data da decisão: 2019-08-30  IRS  
Valor do pedido: € 138.878,10
Tema: IRS – Mais valias mobiliárias; Participações sociais em entidade não residente.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 28 de Dezembro de 2018, A..., NIF..., com domicílio fiscal na Rua ..., ..., ..., ...-... Cascais, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2017..., praticado por referência ao ano fiscal de 2016, no valor de € 138.878,10, bem como da decisão da reclamação graciosa que teve aquela por objecto.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que o regime previsto no artigo 43.º, n.ºs 3 e 4 do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) é aplicável nas situações em que as mais-valias decorram da alienação de partes de capital social de sociedades que não tenham a sua sede e/ou direcção efectiva em Portugal.

 

3.            No dia 31-12-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 15-02-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 07-03-2019.

 

7.            No dia 08-04-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, as partes abstiveram-se de o fazer.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é reformada, e tem nacionalidade Francesa

2-            No âmbito das actividades económicas prosseguidas anteriormente, a Requerente era detentora de uma parte de capital da sociedade de direito Francês denominada B... SARL.

3-            No ano de 2014 a Requerente decidiu alterar a sua residência para Portugal.

4-            A Requerente registou-se junto da Autoridade Tributária e Aduaneira como residente para efeitos fiscais.

5-            Para efeitos de tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), a Requerente foi enquadrada no regime aplicável aos residentes não habituais.

6-            Em 30 de Junho de 2017 a Requerente entregou a sua declaração de IRS – Modelo 3 referente a 2016, na situação de "solteiro, divorciado ou separado judicialmente", sem dependentes, juntamente com os Anexos J e L.

7-            Na referida declaração de rendimentos, o Requerente – na linha “951” do Subquadro A do Quadro 9.2, do Anexo “J” -, registou uma mais-valia emergente da alienação de participações sociais no valor de € 519.256,80 e encargos no valor de € 3.203,00.

8-            Em Agosto de 2017, a Requerente foi notificada do acto de liquidação n.º 2017..., de 2017-07-29, que constitui o objecto da presente acção arbitral, de que resultou o valor a pagar de € 138.878,10.

9-            Do referido valor, € 138.423,02 correspondem a tributação autónoma, relacionada com a mais-valia realizada.

10-         A Requerente, tempestivamente, apresentou reclamação graciosa tendo por objecto a referida liquidação.

11-         Posteriormente, a Requerente foi notificada do projecto de decisão de indeferimento, tendo, sobre o mesmo, exercido o competente direito de audição.

12-         A Requerente foi notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, proferido pela Senhora Chefe de Divisão, prolatado no uso de poderes subdelegados, datado de 26 de Setembro de 2018.

13-         A empresa B... SARL tinha, por referência ao ano de 2016, sede em França e um total de balanço e de volume de negócios inferior a € 10.000.000,00, e um número de postos de trabalho inferior a 50.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Em concreto, e no que diz respeito ao facto dado como provado no ponto 13, o mesmo tem em conta o teor do documento 6 junto pela Requerente, que não foi impugnado pela Requerida, do qual resulta que em 2016 a sociedade em questão teve um volume de negócios de €4.828.229,19, um balanço de €6.087.916,80 e um total de 5 trabalhadores assalariados (cfr. p. 27).

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

Conforme é consensual entre as partes, a questão que se coloca é a de saber se o regime previsto no artigo 43.º, n.ºs 3 e 4 do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) é ou não aplicável nas situações em que as mais-valias decorram da alienação de partes de capital social de sociedades que não tenham a sua sede e/ou direcção efectiva em Portugal.

                É a seguinte a redacção da norma referida:

“1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes. (...)

3 - O saldo referido no n.º 1, respeitante às operações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50 % do seu valor.

4 - Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.”.

                Por seu lado o art.º 2.º, n.º 2, do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, para o qual a norma do CIRS transcrita remete, dispõe que:

“Na categoria das PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros.”

                Face a esta norma, e aos factos dados como provados, verifica-se que a empresa cujas participações sociais geraram as mais valias tributadas na liquidação objecto da presente acção arbitral se qualifica como pequena empresa.

                Desta forma, apenas cumpre apreciar se a norma a circunstância de a empresa em questão ser uma entidade não residente (sem sede ou direcção efectiva em território nacional), contende, ou não, com a aplicação da supra-referida norma do art.º 43.º, n.ºs 3 e 4, do CIRS aplicável.

                A este propósito, argumenta a Requerida que “O Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro aplica-se às sociedades cuja sede ou direção efetiva se situem em Portugal, uma vez que é esse o âmbito de soberania territorial do Estado português, visa, tal como se encontra descrito no preâmbulo do mencionado diploma”.

                Relativamente a esta questão, diga-se, desde logo, que o art.º 43.º, n.ºs 3 e 4, do CIRS aplicável não pressupõe a aplicação do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, mas apenas remete para a definição efectuada por aquele diploma, do que sejam micro e pequenas empresas.

                De resto, se o DL em questão apenas se aplica “às sociedades cuja sede ou direção efetiva se situem em Portugal” tal não ocorrerá pela definição de micro e pequenas empresas ali formulada, mas por força das normas gerais de aplicação das leis, relacionadas com a territorialidade destas, para as quais o art.º 43.º, n.ºs 3 e 4, do CIRS não remete.

                Não está, assim, em causa, “o Estado português, achar-se competente para definir o conceito de micro e de pequenas empresas localizadas fora dos limites da sua jurisdição, e como tal, sujeitos à soberania de outro Estado.”. Com efeito, o Estado português define o que é micro e pequena empresa para si (e deve fazê-lo, como adiante se verá, respeitando as imposições comunitárias a que se vinculou, relativas à liberdade de circulação de capitais), e não o que é micro e pequena empresa para outros Estados.

                Também não está em causa, ao contrário do parece sugerir a Requerida, o reconhecimento de empresas com sede ou direcção efectiva no estrangeiro, nos termos do Decreto-Lei n.º 372/2007, já que, como tem sido reconhecido jurisprudencialmente, a remissão feita pelo CIRS para aquele DL é uma remissão material, não pressupondo que as empresas em questão gozem, formalmente, da qualificação de micro ou pequena empresa, reconhecida nos termos desse mesmo DL .

                Daí que também se tenha por irrelevante o considerando, lavrado pela Requerida de que a sociedade, no caso, geradora de mais valias se situar “fora do âmbito de certificação do IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação”, dado tal certificação ser, nos termos da jurisprudência referida, irrelevante para a operatividade das normas em questão.

                Na sequência, refere ainda a Requerida que “O benefício, concretizado na tributação de apenas 50% do saldo positivo entre as mais e menos valias obtidas com a alienação de partes sociais, previsto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do CIRS, introduzido pela lei 15/2010, de 26 de julho, teve como objetivo beneficiar, incrementar e desenvolver as micro e pequenas empresas portuguesas.”.

                Embora tal possa ser verdade, a questão que se coloca, e se abordará já de seguida, é a de saber se tal discriminação das empresas portuguesas, é, ou não, conforme ao direito comunitário, designadamente no que diz respeito à liberdade de circulação de capitais e qual a repercussão do juízo daí emergente, na interpretação das normas do art.º 43.º, n.ºs 3 e 4, do CIRS.

 

*

                Aqui chegados, a questão fundamental que se coloca é verificar, em primeira linha, se o regime do art.º 43.º, n.ºs 3 e 4, do CIRS discrimina, ou não, entre as mais valias emergentes da alienação de participações sociais em micro e pequenas empresas com sede e direcção efectiva em território nacional, e em micro e pequenas empresas com sede e direcção efectiva fora de território nacional, como pretende a AT.

                Verificado o elemento literal, será inelutável concluir que nenhuma discriminação é consagrada.

                Com efeito, ao contrário, por exemplo, do que acontece com a situação análoga das mais-valias imobiliárias, em que o legislador, no art.º 10.º/5/a) do CIRS, que, à data já referia expressamente a possibilidade de os imóveis aí referidos serem situados “em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu”, e que, até à entrada em vigor do Decreto-Lei 361/2007, de 2 de Novembro, se restringia a imóveis situados “em Território português”, as normas que regulam as mais valias decorrentes da alienação de participações sociais não fazem qualquer menção à localização da entidade cujas participações são geradoras das mais-valias.

                Deste modo, não é possível extrair do texto legislativo qualquer limitação geográfica à localização da sede ou direcção efectiva das entidades cujas participações são geradoras das mais-valias.

                Posto isto, resta aferir se os restantes elementos da interpretação se pode retirar alguma limitação nesse sentido.

                Como aponta a Requerida, o elemento histórico poderá, efectivamente, apontar no sentido de que a aplicação dos n.ºs 3 e 4 do art.º 43.º do CIRS em questão, se restrinja às mais-valias emergentes da alienação de participações em micro e pequenas empresas com sede ou direcção efectiva em território português, tendo em conta que a proposta de lei que originou a norma em causa tem origem no Projecto de Lei n.º 257/XI, cujo preâmbulo o justificava nos seguintes termos: “Finalmente, porque importa nesta ocasião significar a urgência da recuperação financeira das empresas, em particular das pequenas e médias empresas nacionais, muitas delas de matriz familiar, preconiza-se um regime fiscal mais favorável às mais-valias geradas na alienação onerosa de partes sócias, nos termos definidos no artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS” .

                Não obstante, o elemento histórico não é essencial, nem sequer um dos principais elementos da interpretação jurídica, tendo, consabidamente, primazia o elemento racional ou teleológico.

                Assim, no âmbito de tais cânones interpretativos haverá que ponderar a intencionalidade do regime normativo a interpretar, à luz da efectividade do mesmo, no quadro do ordenamento jurídico em geral, onde se insere.

                Ora, sob este ponto de vista, será incontornável que na consagração das soluções jurídicas positivadas, o legislador não poderá deixar de ter tido, no que para o caso interessa, as suas vinculações internacionais, e, em particular, comunitárias, designadamente ao nível da sua obrigação de respeitar e assegurar a liberdade de circulação de capitais.

                A este propósito, o TJUE já definiu sedimentadamente que não é lícito aos Estados Membros, por violadora da liberdade de circulação de capitais, conceder condições mais vantajosas de tributação a rendimentos de capitais emergentes de sociedades com sede ou direcção efectiva nesses mesmos Estados Membros, em relação a rendimentos de capitais emergentes de sociedades com sede ou direcção efectiva noutros Estados Membros .

                É certo que a jurisprudência conhecida do TJUE na matéria se reporta a situações de tributação de dividendos, e não de mais-valias.

                Todavia, como se escreveu, por exemplo, no “Relatório do Anteprojeto da Reforma” do IRC “a realização de mais-valias e a distribuição de dividendos são duas formas alternativas de aportação de valor aos acionistas, sendo concebidas como substitutos próximos, em função da sua inerente substituibilidade relativa. Nestes termos, considera-se que um tratamento fiscal discrepante entre estas duas formas de realização do rendimento é suscetível de influenciar a decisão fundamental de detenção de capital nas empresas, modificando, desta forma, o comportamento “natural” dos agentes económicos, ou, por outras palavras, criando ineficiências.” .

                Daí que, sem dúvidas, se deva considerar análogos, sob o ponto de vista da tributação e da liberdade de circulação de capitais, a distribuição de dividendos e a realização de mais-valias, sendo, por isso, integralmente transponíveis para a tributação destas últimas, as considerações do TJUE relativamente à tributação das primeiras, como, por exemplo, que:

“69 Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as restrições aos movimentos de capitais que envolvem um estabelecimento ou investimentos diretos na aceção do artigo 64.º, n.º 1, TFUE abrangem não só as medidas nacionais que, quando aplicadas a movimentos de capitais com destino a países terceiros ou deles provenientes, restringem o estabelecimento ou os investimentos mas também as que restringem os pagamentos de dividendos deles decorrentes (Acórdão de 24 de novembro de 2016, SECIL, C464/14, EU:C:2016:896, n.º 77 e jurisprudência aí referida).

70      Daqui decorre que uma restrição aos movimentos de capitais, como o tratamento fiscal menos vantajoso dos dividendos de origem estrangeira, é abrangida pelo artigo 64.o°, n.º 1, TFUE, na medida em que incida sobre participações adquiridas com vista a criar ou manter laços económicos duradouros e diretos entre o acionista e a sociedade em causa, permitindo ao acionista participar efetivamente na gestão dessa sociedade ou no seu controlo (Acórdão de 24 de novembro de 2016, SECIL, C464/14, EU:C:2016:896, n.º 78 e jurisprudência aí referida).

71      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que o facto de a legislação nacional que restringe os movimentos de capitais que implicam investimentos diretos poder ser aplicada a outras situações não é suscetível de obstar à aplicabilidade do artigo 64.º, n.º 1, TFUE, nas circunstâncias que prevê (Acórdão de 15 de fevereiro de 2017, X, C317/15, EU:C:2017:119, n.º 21)..

                Ora, sendo a solução, ora propugnada pela Requerida, de restringir o regime dos n.ºs 3 e 4 do art.º 43.º do CIRS aplicável às mais valias geradas por micro e pequenas empresas com sede ou direcção efectiva em território nacional directamente contrária à liberdade de circulação de capitais, tal como cristalinamente definida pelo TJUE, na medida em que restringiria injustificadamente o investimento em micro e pequenas empresas com sede ou direcção efectiva noutros Estados Membros (no caso, na França), não se poderá, à luz dos elementos racionais e teleológico da interpretação, considerar que o legislador pretendeu consagrar uma solução tal flagrantemente violadora dos seus compromissos comunitários.

                De resto, e voltando ao regime da tributação em IRS das mais valias imobiliárias, não se poderá deixar de notar que terá sido a necessidade de respeitar os referidos compromissos que conduziu a que o legislador tivesse alterado a previsão do art.º 10.º/5/a) do CIRS, através do Decreto-Lei 361/2007, de 2 de Novembro, para passar a referir expressamente a possibilidade de os imóveis aí referidos serem situados “em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu”, substituindo a previsão anterior que restringia o regime em questão a imóveis situados “em Território português”.

                Deste modo, tendo em conta que a letra dos n.ºs 3 e 4 do art.º 43.º do CIRS, não resulta que tal regime seja aplicável unicamente às mais valias geradas por micro e pequenas empresas com sede ou direcção efectiva em território nacional, e que uma interpretação dos mesmos normativos nesse sentido seria contrária aos elementos racional e teleológico da interpretação, por conduzirem a uma solução contrária ao imperativo de assegurar o princípio comunitário de liberdade de circulação de capitais, o que não deverá ser tido por pretendido por um legislador razoável, julga-se que o referido regime não permite distinguir entre mais valias geradas por micro e pequenas empresas com sede ou direcção efectiva em território nacional e mais valias geradas por micro e pequenas empresas com sede ou direcção efectiva noutro Estado Membro.

                Ao entender de outra forma, a liquidação objecto da presente acção arbitral incorreu em erro de direito, devendo ser anulada, procedendo nessa medida, o pedido arbitral formulado.

                No entanto, conforme resulta do pedido arbitral formulado, a Requerente pretende a anulação total da liquidação em crise, que procede à tributação a 100% das mais valias por si realizadas, e não a 50%, conforme impõem as referidas normas dos n.ºs 3 e 4 do art.º 43.º do CIRS aplicável.

                Ora, conforme tem entendido reiteradamente o STA :

“I - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.

II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.”

                Ora, no caso e como se disse, o que se verifica é que o acto tributário objecto da presente acção arbitral considerou sujeito a tributação 100% da mais valia realizada pela Requerente, e não 50%, conforme impõem as referidas normas dos n.ºs 3 e 4 do art.º 43.º do CIRS aplicável.

                Desse modo, a anulação de tal acto deve apenas ser parcial, restringindo-se ao valor de imposto liquidado em excesso, anulando-se, correspondente e consequentemente a decisão da reclamação graciosa, que teve o acto de liquidação sub iudice como objecto.

 

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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta a liquidação parcialmente anulada é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que a emitiu sem o necessário suporte legal.

Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força do acto parcialmente anulado e, ainda, a ser indemnizada do pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2017..., praticado por referência ao ano fiscal de 2016, na parte em que sujeita a tributação mais de 50% do valor das mais valias declaradas pela Requerente, decorrentes da alienação da sua participação social na sociedade de direito francês B... SARL, bem como, na mesma medida, a decisão da reclamação graciosa, que teve aquele como objecto;

b)           Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima determinados;

c)            Condenar as partes nas custas do processo, fixando-se o montante de € 1.530,00 a cargo da Requerente, e de € 1.530,00 a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 138.878,10, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Agosto de 2019

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Rita Guerra Alves)

 

O Árbitro Vogal

(Paulo Lourenço)