DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
I.1
1. Em 28 de dezembro de 2018 os contribuintes A... e B..., casados no regime da comunhão geral de bens, contribuintes fiscais nºs ... e ..., respetivamente, residentes na Rua ..., n.º..., em ...-... Viseu, requereram, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 28 de dezembro de 2018.
3. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n. º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
4. A AT apresentou a sua resposta em 08 de abril de 2019.
5. Os Requeridos responderam à exceção invocada pela Requerida em 10.04.2019.
6. Na mesma data o Requerente, A..., encetou um procedimento de habilitação de herdeiros por morte da requerida, B... .
7. A Requerida foi notificada do incidente de habilitação e não se opôs.
8. Foram citadas as Sras. C..., D... e E... e não se opuseram à habilitação.
9. Por decisão arbitral de 06.06.2019 A..., C..., D... e E... foram declarados habilitadas em substituição da falecida, B..., para através deles prosseguir a causa.
10. Por despacho de 06.06.2019, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.
11. Notificadas para o efeito, ambas as partes apresentaram alegações (19.06.2019-Requerente- e 02.07.2019- Requerida), tendo a requerida apresentado Réplica às alegações (02.07.2019).
12. Pretendem os Requerentes que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade do ato tributário de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) do ano de 2018, formalizados pelos documentos emitidos com os n.os 2018 ... e 2018 ..., no montante total de 12.722,33€, emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) e condenada a AT ao reembolso integral desta quantia, acrescida de juros indemnizatórios.
I.2.A. Os Requerentes sustentam o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
1. A liquidação de Adicional de IMI refere-se a imóveis de que os Requerentes são usufrutuários.
2. A Requerente B... tinha 80 anos completos e o Requerente A... tinha 86 anos completos.
3. Para efeitos de AIMI, o valor “dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular” é o do usufruto – art. 135º-B, n.º 1, do Código do IMI.
4. O “valor da propriedade, separada do usufruto, uso ou habitação vitalícios, obtém-se deduzindo ao valor da propriedade plena as seguintes percentagens, de harmonia com a idade da pessoa de cuja vida dependa a duração daqueles direitos ou, havendo várias, da mais velha ou da mais nova, consoante eles devam terminar pela morte de qualquer ou da última que sobreviver:
Idade Percentagem a deduzir
Menos de 20 anos 80
Menos de 25 anos 75
Menos de 30 anos 70
Menos de 35 anos 65
Menos de 40 anos 60
Menos de 45 anos 55
Menos de 50 anos 50
Menos de 55 anos 45
Menos de 60 anos 40
Menos de 65 anos 35
Menos de 70 anos 30
Menos de 75 anos 25
Menos de 80 anos 20
Menos de 85 anos 15
85 ou mais anos 10
, nos termos do art. 13º, al. a) do Código do IMT.
5. Assim, o usufruto separado na nua propriedade é determinado nos termos do art. 13º do Código do IMT, e de acordo com a idade dos Requerentes.
6. E mesmo que se entenda não ser de aplicar a norma acima citada, por estar contida no Código do IMT, o que é certo é que o valor do usufruto não é o valor da propriedade plena.
7. Na situação dos Requerentes, o valor patrimonial que cabe a cada um é de 10% de metade do valor dos imóveis relativamente ao Requerente A..., nascido a 10.12.1932, e 15% de metade do valor dos imóveis relativamente à Requerente B..., nascida a 02.01.1939.
8. Assim sendo, assumindo como correta a soma dos valores patrimoniais relativos à propriedade plena dos imóveis de cada um dos Requerente, no ano de 2018, temos que:
a). O valor patrimonial correspondente à propriedade plena dos imóveis de que o
Requerente A... é usufrutuário totaliza a quantia de 1.817.581,81€;
b). O valor patrimonial da propriedade plena dos imóveis de que a Requerente B... é usufrutuária totalizam a quantia de 849.501,81€.
9. Uma vez que o valor do usufruto para o Requerente A... é de 10%, o valor patrimonial de que este é titular é de 181.758,18€, nos termos do art. 13º do Código do IMT, valor que, nos termos do art. 135º-C, n.º 2 do Código do IMI é isento de AIMI.
10. E mesmo que não se queira aplicar ao referido Requerente A..., as regras de valorização do usufruto constantes do Código do IMT, o que é certo é que este Requerente não é titular de valores patrimoniais que foram tributados na sua esfera em sede de AIMI.
11. Relativamente à Requerente B... sucede o mesmo: o valor do usufruto é de 127.425,2715€, ou seja, 15% do valor patrimonial da propriedade dos imóveis que totalizam o valor de 849.501,81€.
12. A consideração de uma base de incidência do AIMI coincidente com o valor da propriedade plena dos imóveis na situação de sujeitos passivos titulares do usufruto está em contradição com a letra e o espírito da lei, sendo ilegal.
13. Considerando a natureza do AIMI como um (i) imposto pessoal e não real, natureza que resulta, desde logo, das normas de incidência dos arts. 135º-A e 135º-B do Código do IMI e como (ii) um imposto sobre a riqueza, natureza que resulta das regras de determinação do valor tributável ínsitas no art. 135º-C do Código do IMI, conclui-se que não está permitido tributar valores patrimoniais que não se encontrem na esfera patrimonial do sujeito passivo.
14. A totalidade do valor patrimonial dos meros usufrutuários é diferente da totalidade dos valores da propriedade plena, de acordo com as regras fixadas na legislação fiscal, assim como na legislação civil.
15. O usufruto é essencialmente diferente da propriedade plena. E se não se quiser aplicar à valorização do usufruto as regras que constam da legislação fiscal (art. 13º do Código do IMT), então terão de se convocar as regras da legislação civil (art. 12º da LGT).
16. Nos termos do art. 1305º do Código Civil, “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposições das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”
17. Nos termos do art. 1439º do mesmo Código, “Usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância”.
18. O usufruto é uma realidade e tem um valor diferente da propriedade plena.
19. E se tal diferença não releva para efeito de IMI, já para o AIMI não é assim pois este último está criado como um imposto sobre fortunas que não pode tributar valores que o sujeito passivo não tem.
Mais,
20. A consideração do valor patrimonial tributário dos imóveis sobre os quais incide o IMI não pode ser aplicado ao AIMI porque este tem uma natureza substancialmente diferente daquele (IMI) que é um imposto sobre o património e este (AIMI) é um imposto pessoal.
21. O IMI incide sobre prédios, situação em que os usufrutuários são os sujeitos passivos sobre os quais impende a totalidade do IMI, por consideração ao valor patrimonial integral dos imóveis.
22. Ao invés, o AIMI é um imposto que incide sobre o conjunto de bens do sujeito passivo pelo que só releva o conjunto de valores patrimoniais que efetivamente lhe pertençam, sob pena de perversão do próprio imposto configurado pelo legislador como um imposto sobre fortunas ou riqueza.
23. Uma interpretação no sentido de que o AIMI incide sobre a totalidade do valor patrimonial dos imóveis em relação a usufrutuários que apenas detêm uma percentagem de 10% e de 15% de metade desse valor, em virtude do regime de bens do casamento e do direito de usufruto, afigura-se inconstitucional por violação do princípio da igualdade positivado no art. 104º, n.º 2 da CRP.
24. No caso das heranças indivisas, a AT não coloca em questão que os herdeiros apenas são tributados pela percentagem que lhes cabe nos imóveis. Sendo o AIMI um imposto sobre a riqueza, não se figura possível, sem violação do princípio da igualdade tributar os herdeiros indivisos de acordo com a percentagem ou quota-parte nos bens e não proceder de igual modo com os usufrutuários na medida em que os valores patrimoniais e/ou de riqueza detidos por estes não coincidem com o valor patrimonial da totalidade das propriedades imobiliárias.
25. A própria constituição limita a tributação do património pelo princípio da igualdade, nos termos do princípio ínsito no art. 104º, n.º 3 da CRP: A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.
26. A fixação do valor patrimonial do usufruto de acordo com a regra que consta do art. 13º do Código do IMT é um imperativo legal que resulta da regra interpretativa do art. 8º da LGT, mas também um imperativo da unidade do sistema jurídico –tributário.
27. No caso concreto, o valor patrimonial do usufruto dos Requerentes encontra-se dentro dos limites legais de isenção de adicional de IMI e estes não podem legalmente ser tributados por um valor superior àquele que detêm: o Adicional de IMI, ora impugnado, refere-se ao ano de 2018, sendo que, durante todo esse ano, os ora requerentes, eram apenas usufrutuários dos imóveis e não proprietários dos mesmos.
I.2.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:
1. Os Requerentes vêm suscitar junto do Tribunal Arbitral a legalidade dos atos tributários de liquidação de AIMI, n.ºs 2018... e 2018..., referentes ao ano de 2018.
2. Todavia, os Requerentes ao longo do pedido de pronúncia arbitral pretendem chamar à colação e querer sindicar o entendimento vertido, e bem assim a legalidade, das decisões de indeferimento das reclamações graciosas atinentes ao AIMI de 2017.
3. Logo, subsiste a falta de objeto do presente pedido de pronúncia arbitral relativamente à apreciação do entendimento vertido nas reclamação graciosas atinentes ao AIMI de 2017, porquanto não se subsumem aos atos tributários aqui sob escrutínio e, nesse desiderato, constitui uma exceção peremptória, que se invoca para todos os efeitos legais, nos termos do disposto no n.º 3 do Art.º 577.º do CPC, na redação dada pela Lei 41/2013 de 26 de Junho aplicável ex vi alínea e) do Art.º 2.º do CPPT, a qual dá lugar à absolvição da Requerida do pedido, nos termos e para os efeitos no disposto no n.º 3 do Art.º 576.º do CPC.
4. No que concerne à incidência objetiva, determina-se no Art.º 135.º-A, n.º 1, do CIMI que são sujeitos passivos do AIMI as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território Português.
5. Mais se estabelece no n.º 3 daquele artigo que, a qualidade de sujeito passivo é determinada em conformidade com os critérios estabelecidos no Art.º 8.º CIMI, com as necessárias adaptações, tendo por referência a data de 1 de janeiro do ano a que o AIMI respeita.
6. Por seu turno, presume o disposto no Art.º 8.º do CIMI que “é proprietário, usufrutuário ou superficiário, para efeitos fiscais quem como tal figure ou deva figurar na matriz”.
7. Estipula ainda, o Art.º 135.º-B do CIMI, relativamente à incidência subjetiva, que esse se determina: «1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.»
8. E de acordo com Art.º 135.º-C do CIMI, o valor tributável do AIMI “corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários, reportados a 1 de Janeiro do ano a que respeita o adicional ao imposto sobre imóveis, dos prédios que constam nas matrizes prediais na titularidade do sujeito passivo”, sendo nos termos do Art.º 135.º-G do CIMI, referido que o AIMI é liquidado, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes a 1 de Janeiro a que o mesmo respeita.
9. No campo da tributação patrimonial, a regra da uniformidade é uma igualdade horizontal, ou seja, que todos os que são titulares da mesma forma de riqueza sejam tributados da mesma maneira.
10. Em suma, os Requerentes pretendem a aplicação por analogia das regras constantes no CIMT ou do Código Civil (CC), para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário e, concomitantemente, para efeitos de tributação em sede de AIMI.
11. Todavia, o entendimento perfilhado pelos Requerentes, para que sejam aplicáveis as regras constantes no CIMT ou do CC, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário e, concomitantemente, para efeitos de tributação em sede de AIMI, bem como a analogia relativamente ao tratamento das heranças indivisas e das uniões de facto, é desde logo contrário à lei e à Constituição da República Portuguesa.
12. Consagra o Art.º 8.º da LGT que, estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, a definição dos crimes fiscais e o regime geral das contra-ordenações.
13. Tal princípio encontra acolhimento no Art.º 103.º da CRP, aquilatando que o princípio da legalidade é o princípio norteador, por excelência, da atividade do Estado, mormente da atividade tributária.
14. Determina o n.º 4 do Art.º 11.º da LGT que as lacunas resultantes de normas tributárias, abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República, não são suscetíveis de interpretação analógica.
15. O ideário argumentativo seguido pelos Requerentes não encontra o mínimo de correspondência com a ratio legis do AIMI, nem com a mens legislatori.
16. Como é sabido, é no texto da lei que deve ser procurada a resposta para qualquer problema; é este o ponto de partida do processo hermenêutico e também um seu limite, na medida em que não é possível considerar aqueles sentidos que não tenham nas palavras da lei qualquer apoio, “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
17. Conforme redunda do n.º 2 do Art.º 9.º do CC “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
18. Recorta-se, assim, que aliando as regras patentes nos n. os 1 e 2 do Art.º 9.º do CC à presunção patente no n.º 3 daquele mesmo artigo (segundo a qual o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados), o legislador fiscal não pretendeu em sede de AIMI, fazer aplicar as regras instituídas no Art.º 13.º do CIMT.
19. Estando a Requerida vinculada ao princípio da legalidade, não pode desaplicar normas em função da sua inconstitucionalidade.
20. Tal competência apenas é assacada aos tribunais.
21. A Requerida não podia/pode recusar a aplicação de uma norma, ou deixar de cumprir a lei, invocando ou questionando a sua constitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme Art.ºs 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e Art.º 55.º da LGT.
22. O entendimento propugnado pelos Requerentes é claramente violador do princípio da legalidade, da certeza e segurança jurídica consignados no Art.º 103.º da CRP.
23. Em momento algum o legislador do AIMI considerou a possibilidade de serem aplicáveis as regras consignadas no Art.º 13.º do CIMT para os usufrutuários e para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário.
24. Não podendo ser imputado aos serviços da Requerida erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido – uma vez que não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu –, não pode senão concluir-se no sentido de que não são devidos juros indemnizatórios, nos termos do Art.º 43.º da LGT.
I.2.C Os Requerentes responderam da seguinte forma à exceção invocada pela Requerida
1. O objeto dos presentes autos é constituído pelas liquidações de AIMI melhor identificadas no requerimento inicial (“r.i.”) e no pedido formulado a este Tribunal, constante de vários pontos do mesmo requerimento (introito, identificação do pedido arbitral e no pedido).
2. Nestes autos não foi formulado o pedido de anulação das decisões das reclamações graciosa do AIMI de 2017.
3. O objeto dos presentes autos é constituído pelo pedido de declaração de ilegalidade e anulação dos atos liquidatários e AIMI de 2018, e o respetivo reembolso acrescido de juros indemnizatórios.
II. SANEAMENTO
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n. º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.
As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
É invocada uma exceção por falta de objeto do pedido de pronúncia arbitral, que cumpre apreciar previamente.
Alega a Requerida que os Requerentes pretendem sindicar as decisões de indiferimento das reclamações graciosas atinentes ao AIMI de 2017, não obstante identificarem os atos de liquidação do AIMI de 2018. Deste modo, entende a Requerida que deve ser reconhecida a exceção perentória e absolvida do pedido (art. 576º, n. º3 do CPC).
Quid Juris?
O objeto do processo é constituído pelo pedido e pela causa de pedir. O pedido traduz o que os Requerentes pretendem e a causa de pedir consiste nos vícios que imputam ao ato impugnado.
O princípio do dispositivo postula que o pedido e a causa de pedir - que identificam e definem a amplitude do objeto do processo - dependem da iniciativa dos Requerentes, que têm o ónus de alegar toda a factualidade de cuja prova seja possível concluir pela existência do direito invocado, de harmonia com o disposto no art.º 5.º, n.º 1, do CPC e art. 10º, n.º2 al. b) do RJAT.
A falta de objeto constitui uma nulidade (art. 186º, n. º2, al. a) do CPC), classificada como exceção dilatória (art. 577º, al. b) do CPC) que conduz à absolvição da instância (art. 576º, n. º2 do CPC) .
Vejamos o caso em apreço. Impõe-se em primeiro lugar analisar o formulário preenchido pelos Requerentes ao dar entrada do seu pedido de constituição do tribunal arbitral. Este é um requerimento eletrónico disponível no sítio do CAAD. A informatização deste pedido permite-nos identificar sem margem para dúvidas os elementos exigidos no art. 10º, n. º2 do RJAT. Um dos elementos é o objeto do pedido. Neste, o imposto identificado foi o IMI, os atos referenciados foram as liquidações n.º nº 2018... de 2018 e nº 2018... de 2018 e o valor indicado foi de €12.722,33
No pedido de constituição do tribunal arbitral, analisando os números e os anos, não há qualquer dúvida que os Requerentes identificam as liquidações de 2018 e não de 2017. Não obstante, o pedido de constituição do tribunal não se confunde com o pedido de pronúncia arbitral, devendo este ser remetido em anexo em documento autónomo ao pedido de constituição do tribunal arbitral (art. 10º, n. º2, al. c) do RJAT).
No pedido de pronúncia os Requerentes indicam expressamente no introito, na identificação do pedido arbitral e no petitório que solicitam a apreciação da legalidade das liquidações de 2018 nº 2018... e nº 2018... .
A causa de pedir está devidamente identificada nos artigos 28º a 50º do pedido de pronúncia onde é invocada a violação do disposto nos arts. 135ºA, 135ºB, 136ºC do IMI, 104º, n. º2 e 104º, n. º3 da CRP.
Tendo em conta o articulado apresentado afigura-se-nos de excessivo formalismo e mesmo alheado da realidade concluir que, no caso em apreço, existe falta de objeto processual.
O direito à tutela jurisdicional efetiva é um direito fundamental, que deve levar-nos a afastar interpretações meramente ritualistas e formais (art. 20º, n. º1 da CRP). A reforma da justiça administrativa condenou expressamente o excesso de formalismo (art. 7º do CPTA). As normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.
Igual filosofia é seguida pelo CPC “(…) que visa, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, bem como a sanação das irregularidades processuais e dos obstáculos ao normal prosseguimento da instância, tendo em vista o máximo aproveitamento dos actos processuais” In Ac. do TRC de 24.02.2015, proc. n.º 1530/12.7 TBPBL.C1
Face aos elementos constantes nos autos e atrás referidos, afigura-se-nos que os Requerentes identificam de forma explícita e suficiente o pedido e a causa de pedir.
Face ao exposto, nos termos do art. 10º, n. º2, al. b) do RJAT e art. 20º, n. º1 da CRP, por o pedido e a causa de pedir estarem identificados no pedido de pronúncia arbitral, improcede, portanto, a invocada exceção.
O processo é o próprio.
Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.
Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.
III. THEMA DECIDENDUM
A questão central a decidir, tal como colocada pela Requerente, está em saber se o AIMI devido pelos usufrutuários é apurado pela soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios sem qualquer redução decorrente do usufruto.
IV. – MATÉRIA DE FACTO
IV.1. Factos provados
Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:
1. Os contribuintes A... e B... eram casados no regime de comunhão geral de bens.
2. No dia 01.01.2018 o Requerente A... constava nas matrizes prediais como titular de 37 prédios cuja soma dos valores patrimoniais perfaz a quantia de €1.817.581,81.
3. No dia 01.01.2018 a Requerente B... constava nas matrizes prediais como titular de 81 prédios cuja soma dos valores patrimoniais perfaz a quantia de €849.501,81.
4. No dia 01.01.2018 os Requerentes eram usufrutuários dos seguintes prédios:
• Urbano, destinado a habitação, Concelho de Viseu, União das freguesias de ..., inscrito na matriz sob o art. ...;
• Urbano, destinado a habitação, Concelho de Viseu, União das freguesias de ..., inscrito na matriz sob o art. ...;
• Urbano, Concelho de Viseu, União das freguesias de ..., inscrito na matriz sob o art. ...;
• Urbano, destinado a habitação, Concelho de Viseu, União das freguesias de ..., inscrito na matriz sob o art. ..., fração F;
• Urbano, Concelho de Viseu, Freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art. ...;
• Urbano, Concelho de Viseu, Freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art. ...;
• Urbano, Concelho de Viseu, Freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art. ...;
• Urbano, Concelho de Viseu, Freguesia de ...e, inscrito na matriz sob o art. ...;
• Urbano, Concelho de Mangualde, União de Freguesias de ... e ..., inscrito na matriz sob o art. ...;
• Urbano, Concelho de Mangualde, União de Freguesias de ... e ..., inscrito na matriz sob o art. ...;
• Urbano, Concelho de Mangualde, União de Freguesias de ... e ..., inscrito na matriz sob o art. ...;
• Urbano, Concelho de Mangualde, União de Freguesias ..., ... e ..., inscrito na matriz sob o art. ...;
• Urbano, Concelho de Sátão, Freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art. ...;
• Urbano, Concelho de Penalva do Castelo, Freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art. ...;
• Urbano, destinado a habitação, Concelho do Porto, União das freguesias de ... e ..., inscrito na matriz sob o art. ..., fração R;
• Urbano, destinado a habitação, Concelho de Lisboa, Freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art. ..., fração ...;
• Urbano, destinado a uso terciário, Concelho de Lisboa, Freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art. ..., fração ... (metade);
• Urbano, destinado a uso terciário, Concelho de Lisboa, Freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art. ..., fração ... (metade);
• Urbano, destinado a habitação, Concelho de Lisboa, Freguesia ..., inscrito na matriz sob o art. ..., fração ... (metade);
• Urbano, destinado a habitação, Concelho de Lisboa, Freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art. ..., fração ...(metade);
• Urbano, destinado a habitação, Concelho de Lisboa, Freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art. ..., fração ... (metade);
• Urbano, destinado a habitação, Concelho de Lisboa, Freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art. ..., fração ... (metade);
• Urbano, destinado a habitação, Concelho de Lisboa, Freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art. ..., fração ... (metade);
• Urbano, destinado a habitação, Concelho de Lisboa, Freguesia de ... e, inscrito na matriz sob o art. ..., fração ... (metade);
• Urbano, destinado a habitação, Concelho de Lisboa, Freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art. ..., fração ... (metade);
• Urbano, destinado a habitação, Concelho de Lisboa, Freguesia de ..., inscrito na Urbano matriz sob o art. ..., fração ...(metade);
5. No dia 01.01.2018 a Requerente B... era usufrutuária dos seguintes prédios:
• Urbano, Concelho de Lisboa, freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art. ... (3/24)
• Rústico, Concelho de Viseu, freguesia de ..., inscrito sob o art. ... (3/24)
• Rústico, Concelho de Viseu, freguesia de ..., inscrito sob o art. ... (3/24)
• Rústico, Concelho de Viseu, freguesia de ..., inscrito sob o art. ... (3/24)
• Rústico, Concelho de Viseu, freguesia de ..., inscrito sob o art. ... (3/24)
• Rústico, Concelho de Viseu, freguesia de ..., inscrito sob o art. ... (3/24)
• Misto, Concelho de Vidigueira, freguesia de ..., inscrito na matriz rústica sob o art. ... secção ... e na matriz urbana sob o art. ... .
6. O Requerente A... foi notificado do ato tributário de liquidação de AIMI n.º 2018..., datado de 30.06.2018, relativo ao ano 2018, com referência aos prédios urbanos destinados a habitação, detidos pelo mesmo como usufrutuário, no valor de €10.975,82.
7. A Requerente B... foi notificada do ato tributário de liquidação de AIMI n.º 2018 ..., datado de 30.06.2018, relativo ao ano 2018, com referência aos prédios urbanos destinados a habitação, detidos pela mesma, como usufrutuária, no valor de 1.746,51.
8. A Requerente B... procedeu ao pagamento da liquidação de AIMI de 2018 no dia 14.09.2018.
9. O Requerente A... procedeu ao pagamento da liquidação de AIMI de 2018 no dia 19.09.2018.
IV.2. Factos não provados
Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram considerados provados.
IV.3. Motivação da matéria de facto
Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
Os factos que constam dos números 1 a 9 são dados como assentes pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 25 do pedido de constituição do Tribunal) e pela posição assumida pelas partes.
V. O Direito
V1. Erro nos pressupostos de direito
Os Requerentes começam por invocar a ilegalidade da liquidação adicional do IMI porque, no seu entender, o legislador na parte final do art. 135ºB do CIMI ao referir-se ao conceito de “titular” pretendeu delimitar o valor tributável em sede de AIMI em função do título de propriedade. Entendem os Requerentes que, neste caso, o valor tributável do usufruto deve ser apurado através do previsto no art. 13º, n. º1, al. a) do CIMT.
Mais alegam os Requerentes que é contrário à natureza do imposto tributar valores patrimoniais que não estão na esfera patrimonial dos sujeitos passivos. Por fim, nesta parte, asseveram os Requerentes que sendo o usufruto uma realidade distinta da propriedade plena, tal como resulta do Código Civil (doravante C.C.), deve essa realidade ter efeitos em sede de AIMI.
O adicional do IMI foi criado pelo Lei do Orçamento de Estado para 2017 (Lei n. º42/2016 de 28 de dezembro), e entrou em vigor no dia 01.01.2017. A Lei n.º 42/2016 de 28 de dezembro aditou ao CIMI o capítulo XV composto pelos artigos 135ºA a 135ºK.
Este tributo foi criado por razões financeiras e por razões de natureza axiológica. Por um lado, o legislador pretendeu aumentar as receitas fiscais em virtude do programa de resgate financeiro vivido desde 2011 e por isso a receita do AIMI está consignada ao financiamento da Segurança Social (art. 1º, n. º2 do CIMI). Por outro lado, num contexto de crise, em cumprimento do previsto no art. 103º, n.º 1 e 104º, n. º3 da CRP, o legislador pretendeu fazer incidir um maior esforço fiscal sobre os cidadãos que revelam índices de riqueza mais elevados.
O art. 135ºA do CIMI estatui o seguinte:
1 - São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português.
(…)
Tendo em conta a norma citada os Requerentes, pessoas singulares e usufrutuários de prédios são sujeitos passivos do AIMI.
Nos termos do art. 135ºB do CIMI:
1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.
(…)
Tendo em conta a factualidade dada como provada, os Requerentes são titulares, como usufrutuários, de prédios urbanos.
O conceito de titular não se circunscreve ao direito real de propriedade, mas deve incluir os direitos reais indicados pelo legislador no âmbito da incidência subjetiva – proprietários, usufrutuários e superficiários. Não poderia ser de outra forma. Outra interpretação que não esta conduziria a resultados incoerentes e manifestamente contra legem.
O art. 135ºC, n. º1 do CIMI estatui o seguinte:
1 - O valor tributável corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários, reportados a 1 de janeiro do ano a que respeita o adicional ao imposto municipal sobre imóveis, dos prédios que constam nas matrizes prediais na titularidade do sujeito passivo.
Da leitura do supracitado artigo, resulta que, em regra, o AIMI incide sobre a soma agregada do VPT dos prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção de que um sujeito passivo seja titular, num determinado ano fiscal, quer seja titular do direito de propriedade, quer seja titular do direito de usufruto.
A norma legal é inequívoca quanto às regras para apurar o valor tributável e nela não previu qualquer regra diferente para os usufrutuários.
Face ao exposto, no que diz respeito às normas hermenêuticas devemos recorrer, por remissão do art. 11º, n. º1 da LGT, ao previsto no Código Civil. O art. 9º, n. º1 do C.C. estabelece o seguinte:
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
Assim a letra assume-se, naturalmente, como o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja, não poder “ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espirito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”” Também como refere OLIVEIRA ASCENSÃO, “a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito”
Aplicando o exposto ao caso em análise, importa considerar o elemento literal. A letra da lei indica sem margem para dúvidas que o valor tributável do AIMI é apurado pela soma dos valores patrimoniais tributários, independentemente de se tratar do proprietário, usufrutuário ou superficiário.
Nos termos do art. 9º, n. º3 do C.C. o intérprete deve presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada.
É verdade que do ponto de vista civil os conceitos de propriedade ou de usufruto são distintos. Mutatis mutandis, o conceito de transmissão do ponto de vista civil (art. 1305º do C.C.) também é distinto do conceito de transmissão para efeitos tributários (art. 2º, n. º2 e n. º3do CIMT). Neste caso o legislador fiscal equiparou para efeitos tributários uma série de atos ou contratos (ex: promessas de aquisição e de alienação de bens imóveis, logo que verificada a tradição; arrendamentos de longo prazo; celebração de contrato promessa de aquisição e alienação de bens imóveis onde esteja incluída uma cláusula de cedência da posição contratual; procurações irrevogáveis que confiram poderes de alienação de imóveis) ao conceito de transmissão. Para efeitos tributários. “(…) o conceito de transmissão no CIMT acolhe, essencialmente, os factos tributários que evidenciam um resultado económico de efeito equivalente à transmissão onerosa de bens imóveis.”
O legislador não está impedido, dentro dos limites constitucionais, de estabelecer estas distinções entre a lei civil e a lei fiscal.
A tributação em sede de AIMI do titulares do direito de usufruto sobre prédios e a determinação do valor tributável cabe integralmente no plano da discricionariedade normativo-constitutiva do legislador, sendo explicada por razões localizadas no plano das situações de facto que acabam por se revestir de um significado económico equivalente, como ocorre no caso em julgamento como mais à frente veremos, ou então que permitiriam com maior ou menor facilidade, se não fossem tributados, uma evasão ilegítima ao pagamento do imposto.
No AIMI tal “(…) como no IMI, tributa-se os beneficiários da utilidade económica resultante da existência dos prédios, como recursos geradores de riqueza dado que é esta última que constitui a teleologia do imposto” . Pela mesma razão os proprietários, em sede de AIMI, estão fora do âmbito de incidência subjetiva dos prédios onerados com usufruto.
O legislador no caso em apreço não previu qualquer regra diferente de apuramento do valor tributável caso exista uma situação de usufruto.
Destarte, não se afigura que existam os erros nos pressupostos de direito invocados pela Requerente.
Os Requerentes apelam à aplicação do disposto no art. 13º do CIMT para apuramento do valor tributável do direito de usufruto sobre os prédios em sede de AIMI.
Sucede que, neste caso, não se nos afigura existir qualquer lacuna no CIMI que justifique o recurso à aplicação das regras prevista no CIMT. Ainda que assim não fosse, a integração analógica está expressamente vedada pelo art. 11º, n. º4 da LGT
Em conclusão, recorrendo às regras interpretativas consagradas no art. 9º, n. º1, n. º2 e n. º3 do CC, ao abrigo do art. 135º C, n. º1 do CIMI, no que respeita ao AIMI o valor tributável corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios que constem na titularidade do sujeito passivo, mesmo que na qualidade de usufrutuário.
Deste modo, decide-se pela inexistência dos vícios invocados, nesta parte, pelos Requerentes.
V2. Inconstitucionalidades
Os Requerentes invocam a inconstitucionalidade do art. 135ºC, n. º1, interpretado no sentido expresso atrás, no que diz respeito à violação do princípio da igualdade (art. 104º, n. º2 e n. º3 da CRP).
Incumbe aos Tribunais proceder ao controlo difuso e concreto da constitucionalidade das normas em todas as situações em que não houver, como neste caso não existe, declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória e geral das citadas normas do AIMI.
Importa então analisar cada uma das normas constitucionais invocadas pela Requerente de forma distinta.
Começando pelo princípio da igualdade, os Requerentes alegam a violação do princípio da igualdade (art. 104º. n. º2 da CRP) por entenderem que por serem usufrutuários não revelam a mesma capacidade contributiva dos proprietários dos prédios.
O princípio da igualdade tributária não se encontra expressamente consagrado na atual Constituição, decorrendo do princípio geral da igualdade previsto no seu artigo 13.º da CRP.
Segundo o Tribunal Constitucional (Acórdãos nº 232/2003, 96/2005, 99/2010, 255/2012 e 294/2014 TC) e a doutrina , o princípio da igualdade abrange no seu conteúdo, fundamentalmente, duas vertentes: a) proibição de discriminação; b) obrigação de diferenciação.
A proibição de discriminação impõe a igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais, de modo a vedar qualquer discriminação intolerável. Implica, portanto, um sentido negativo (não introduzir desigualdades no que deve ser igual nem igualdade no que deve ser desigual) e um sentido positivo (tratar igualmente o que deve ser igual e impedir que outrem trate desigualmente o que deve ser igual).
A proibição de discriminação impõe a igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais, de modo a vedar qualquer discriminação intolerável. Implica, portanto, por um lado, uma exigência de tratamento igual de contribuintes nas mesmas circunstâncias e por outro lado uma exigência de tratamento diferenciado de contribuintes em circunstâncias diferentes.
No caso em apreço os titulares do direito de usufruto de prédios e os titulares do direito de propriedade de prédios são realidades fáticas distintas que justificam tratamento diferente?
Comecemos por analisar a natureza do AIMI.
Recorrendo à classificação de impostos pessoais e reais, aqueles, por definição, têm em conta a situação pessoal do seu sujeito passivo, por oposição aos impostos reais, que são aplicáveis a todos os sujeitos passivos de igual modo, independentemente da sua situação pessoal.
O IMI é um imposto real, uma vez que incide sobre o VPT dos prédios, variando as taxas aplicáveis em função do tipo e estado de prédio.
O AIMI é um imposto pessoal porque:
a) tem em consideração todo o património imobiliário de sujeito passivo, ao invés de incidir imóvel a imóvel;
b) a sua incidência tributária varia em função da situação pessoal do seu titular, i.e., em função do seu titular ser pessoa coletiva ou singular, casada ou solteira, residente em território sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável;
c) no caso das pessoas singulares, é progressivo, desde logo, ao estabelecer a dedução de € 600.000,00 gera uma não tributação de sujeitos passivos que tenham património imobiliário com Valor Patrimonial Tributário inferior a esse montante, mas também por prever taxas progressivas, de 0,7% até €1.000.000,00 e de 1% para valores patrimoniais tributários superiores a esse montante.
O AIMI é um imposto pessoal sobre a riqueza. Sendo um imposto pessoal, aquilo que releva é a situação pessoal do titular do direito sobre o prédio e não do prédio, nem dos ónus ou natureza dos direitos que possam incidir sobre este. Cabe assim analisar a situação pessoal dos sujeitos passivos titulares do direito de usufruto sobre os prédios, na perspetiva da utilidade que retiram da constituição desse direito.
A utilidade do direito de usufruto está intimamente ligada ao que está positivado na Lei. O usufruto é legalmente definido como um direito de gozo pleno, temporário, de coisa ou direito alheio, “ius in re aliena” (art.º 1439º, do C.C.). Desta definição decorrem para o usufruto duas características essenciais: a plenitude do gozo e a sua limitação temporal. Trata-se, portanto, de um direito real de gozo pleno e temporário de coisa ou direito alheios, mas em que o seu titular não pode alterar a forma ou a substância. Medida em que, excluído o direito de o usufrutuário dispor da coisa, o usufruto aproxima-se do direito de propriedade, embora não seja um direito exclusivo .
Havendo usufruto, a utilidade que resulta da existência do prédio não é usufruída pelo seu proprietário, mas sim pelo titular do direito de usufruto. Neste caso justifica-se que seja o beneficiário do gozo efetivo e pleno do prédio o sujeito passivo e não o proprietário, uma vez que este não beneficia da existência do prédio .
Sempre que um imóvel está onerado com um usufruto ou direito de superfície, o conteúdo do direito do proprietário torna-se bastante reduzido, sendo essa a razão que terá levado o legislador a exigir do usufrutuário ou do superficiário o AIMI.
Importa aditar que o AIMI apenas será devido pelo usufrutuário ou pelo superficiário após o início da constituição da obra ou do termo da plantação, respetivamente, tal como estabelece o número 2, do artigo 8.º do CIMI, aplicável ex vi número 3, do artigo 135.º-A do CIMI, o que bem se compreende. De facto, só a partir da construção da obra ou do termo da plantação é que o usufrutuário e o superficiário, respetivamente, passam a ser titulares das utilidades económicas dos imóveis
No AIMI, são sujeitos passivos aqueles que manifestam riqueza oriunda do património imobiliário, ao serem titulares das utilidades económicas de prédios urbanos habitacionais ou de terrenos para construção, na qualidade de proprietários, usufrutuários ou de superficiários.
Neste caso, o facto de serem sujeitos passivos de AIMI, o proprietário, ou o usufrutuário ou o superficiário, prende-se com a necessidade de tributar quem manifesta capacidade contributiva.
Uma vez que o AIMI é um imposto pessoal e uma vez que os proprietários (sem usufruto constituído) e os usufrutuários dos prédios retiram a mesma utilidade pela sua existência, não se nos afigura que estas duas situações justifiquem um tratamento fiscal diferenciado.
Porquanto, por se tratarem de situações fácticas semelhantes não se nos afigura violado o princípio da igualdade em sentido positivo. Pela mesma razão nada justifica o tratamento diferenciado, o princípio da igualdade em sentido negativo veda que sejam tratadas de forma distinta.
Entendem os Requerentes que a detenção destes imóveis, como usufrutuários, revela um indício mais reduzido da sua capacidade contributiva, sendo por isso violado o princípio da capacidade contributiva (art. 104º, n. º2 da CRP) por comparação com os proprietários de imóveis sem a constituição do direito de usufruto.
O princípio da capacidade contributiva é um corolário do princípio da igualdade (art. 13º da CRP), o qual está também refletido no art. 104º, n. º3 da CRP, aplicável à tributação do património.
Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva tem ínsita sobretudo “a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva.
Quem revelar maior capacidade contributiva deve pagar mais e quem revelar menor capacidade contributiva deve pagar menos. A capacidade contributiva revela-se através do rendimento, do património e do consumo.
O princípio da capacidade contributiva funciona simultaneamente, a dois níveis: a) contribuintes com capacidades contributivas idênticas devem pagar o mesmo imposto, sendo esta a designada igualdade horizontal;
b) contribuintes com diferentes capacidades contributivas devem pagar imposto na proporção da diferença, designando-se por igualdade vertical.
A tributação do património tem respaldo constitucional no art. 104º, n. º3, devendo contribuir para a igualdade dos cidadãos. A AIMI é um imposto geral sobre o património imobiliário das pessoas singulares.
Ora, no que diz respeito às pessoas singulares, são tributados todos os valores patrimoniais dos prédios sujeitos, com uma dedução de base de €600.000,00. Esta dedução visa tributar apenas aqueles que sejam titulares de riqueza imobiliária com valores mais elevados. Assim são tributados aqueles que revelem capacidade contributiva.
A tributação do rendimento das pessoas singulares não afasta a tributação do sobre o seu património imobiliário. O AIMI incide sobre o valor patrimonial tributários dos prédios de que o sujeito passivo é titular e não sobre seu rendimento, não existindo, por esta via, uma oneração adicional do seu rendimento tributável.
Como sublinha SÉRGIO VASQUES, «[Q]uando se tributa a substância do património não se está a tributar o rendimento pela segunda vez, está-se a tributar algo diferente»
Da CRP não decorre qualquer exigência de discriminação positiva dos titulares do direito de usufruto.
No caso em apreço (AIMI) a capacidade contributiva revela-se pela capacidade de gozo do património do sujeito passivo. Uma vez que os usufrutuários têm uma capacidade de gozo plena sobre os imóveis dos quais são titulares afigura-se-nos que, por isso, revelam capacidade contributiva que justifica a sua tributação.
O património imobiliário de que os sujeitos passivos são usufrutuários é revelador da sua capacidade contributiva. Destarte, o art. 135ºC, n. º1 do CIMI não é contrário ao princípio da capacidade contributiva.
Por fim, os Requerentes alegam a violação do princípio da igualdade (art. 104º, n. º3 da CRP) porque os herdeiros de heranças indivisas são tributados em sede de AIMI de acordo com a percentagem ou quota parte do seu direito sobre os bens e o mesmo não sucede no caso dos usufrutuários.
A herança indivisa constitui uma universalidade relativamente à qual não houve ainda partilha de bens (art. 2119° do CC), estamos em presença de um património autónomo partilhado, em regime de comunhão (e não em compropriedade), pelos co-herdeiros, os quais não detêm qualquer direito próprio sobre cada bem individualizado que compõe a herança indivisa, sendo apenas seus titulares em comunhão . Na expressão do acórdão do STJ, de 21.04.2009, proc. n.º09A0635 «“(…) Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito “a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed, pág. 347-348, e Vol. VI, pág. 160, Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 2ª ed, pág. 90-92, 99 e 126; Revista dos Tribunais, nº 84, pág. 196, nº 87, pág. 126 e nº 88, pág. 95)". Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança. (…) A partilha “converte os vários direitos a uma simples quota (indeterminada) de um todo (determinado) em direito exclusivo de uma parcela determinada do todo” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. VI, págs. 195 -196 e 203).»
Com a abertura da sucessão, e após a aceitação da herança, o herdeiro adquire o direito ao seu quinhão hereditário ou quota-parte ideal da herança global, mas não adquire o direito real sobre os concretos bens que dela fazem parte, nem sequer sobre uma quota-parte em cada um deles (arts. 2031°, 2032° e 2050º do CC), pelo que qualquer herdeiro pode transmitir o seu direito à herança ou ao quinhão hereditário, como um todo, a título gratuito ou oneroso, mas não pode transmitir individualmente qualquer fração dos bens que fazem parte da herança (art. 2126° do CC) . Antes da partilha os bens da herança (indivisa) podem ser alienados em comum por todos os herdeiros.
Os herdeiros de uma herança não possuem qualquer capacidade de gozo plena sobre qualquer bem específico da herança, sendo por isso uma realidade distinta dos usufrutuários que, por oposição, possuem uma capacidade plena de gozo sobre um bem específico.
No caso das heranças indivisas o regime regra é o da tributação na esfera jurídica da própria herança indivisa, sendo ela o sujeito passivo da herança (art. 135ºA, n. º2 do CIMI). A tributação na esfera jurídica dos herdeiros ocorre por opção, devendo ser imputado o valor tributável global dos respetivos prédios que integram o património da herança indivisa a cada um dos herdeiros em função das suas quotas hereditárias (art. 135º E do CIMI).
O sujeito passivo, herança indivisa, constitui um património autónomo, do qual vários herdeiros são titulares. Tal como já se referiu atrás, estes não têm uma capacidade de gozo plena sobre qualquer bem da herança nem sobre a herança, porque, nesta parte, depende da sua quota hereditária.
A tributação das heranças indivisas e dos usufrutuários são realidades fáticas e jurídicas distintas. Porquanto, não se nos afigura que o seu tratamento fiscal distinto possa configurar uma violação do princípio da igualdade em sentido positivo.
Sendo situações fáticas distintas o princípio da igualdade em sentido negativo veda que sejam tratadas de forma igual.
Deste modo, sendo realidades fácticas distintas o seu tratamento distinto não se nos afigura arbitrário, não sendo assim o art. 135ºC do IMI contrário ao princípio da igualdade.
V.3 Juros indemnizatórios
A apreciação da condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios fica prejudicada pela solução atrás alcançada.
Mantendo-se o ato tributário sindicado, em consequência, o pedido de juros indemnizatórios deverá também ser julgado improcedente.
III. DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:
a) Julgar improcedente a arguida exceção de falta de objeto do pedido de pronúncia arbitral;
b) Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) com o n.º 2018 ... e 2018 ...;
c) Manter integralmente os atos tributários objeto deste processo;
d) Condenar os Requerentes no pagamento das custas do processo, nos termos infra.
Fixa-se o valor do processo em €12.722,33 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 02 de setembro de 2019
O Árbitro
(André Festas da Silva)