Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 568/2018-T
Data da decisão: 2019-09-11  IMI  
Valor do pedido: € 4.077,80
Tema: AIMI - Terreno para construção
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I. RELATÓRIO

 

1.            A..., S.A., número de identificação fiscal..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Porto (doravante, a “Requerente”), veio nos termos e para os efeitos dos artigos 2.º, n.º 2, alínea a), 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1 e 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), em conjugação com o artigo 99.º, alínea a) e o artigo 102.º, n.º l, alínea f) e n.º 2, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, “CPPT”), requerer a constituição de tribunal arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, a “Requerida” ou “AT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade do ato de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante, "AIMI") com o n.º 2018..., relativa ao ano de 2018, da qual resulta um montante a pagar de €4.077,80, e, bem assim, que se determine a condenação da Requerida na restituição dessa quantia e respetivos juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

2.            De acordo com os artigos 5.º, n.º 2, alínea a) e 6.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou como árbitro o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

3.            O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 29 de janeiro de 2019, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

 

4.            Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta em 6 de março de 2019.

 

5.            A Requerente alega, em síntese, que:

 

5.1.        Após ter sido notificada do ato de liquidação de AIMI n.º 2018..., no montante total de €4.077,80, com prazo de pagamento no mês de setembro de 2018, pagou a quantia liquidada em 13 de setembro de 2018;

 

5.2.        A liquidação de AIMI reporta-se aos prédios urbanos de que é dona e legítima proprietária sitos na Rua ..., n.º ... e Rua ..., n.ºs ... a ..., descritos na Conservatória de Registo Predial do Porto sob os n.ºs ..., ... e ..., inscritos na competente matriz predial urbana sob os artigos ..., ... e ... da freguesia da ..., concelho do Porto;

 

5.3.        Os prédios identificados correspondem ao Lote l, com a área total de 1215m2, conforme Alvará de Loteamento n.º ALV/.../.../CMP e cert/.../.../CMP, de 10 de julho de 2013;

 

5.4.        O prédio urbano resultante desta operação de loteamento está descrito na Conservatória de Registo Predial do Porto sob o n.º ... e inscrito na competente matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia da ..., concelho do Porto;

 

5.5.        Segundo o respetivo alvará de loteamento é autorizada, nos terrenos em causa, a edificação de imóvel destinado a habitação coletiva com as seguintes características:

 

 

5.6.        Para efeitos de inscrição matricial, em avaliação efetuada ao abrigo das normas pertinentes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante, “Código do IMI”), e com base na capacidade construtiva e configuração predial prevista no predito alvará de loteamento, o valor patrimonial do imóvel foi fixado pela AT em €1.019.450,00;

 

5.7.        O AIMI entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2017, tendo sido introduzido no Código do IMI pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, tendo, em termos práticos, vindo substituir a tributação que até aí vigorava em sede de imposto do selo (doravante, “IS”) sobre prédios de elevado valor (i.e., Valor Patrimonial Tributário igual ou superior a €1.000.000), prevista na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante, “TGIS”);

 

5.8.        Depois de uma série de problemas causados pela interpretação e aplicação da verba 28 da TGIS, pretendeu-se, embora mantendo-se o princípio de uma tributação agravada de patrimónios imobiliários de valor elevado, eliminar algumas controvérsias suscitadas durante a vigência daquela tributação;

 

5.9.        Resulta assim da aplicação conjugada do disposto no artigo 135.º-B com o disposto no artigo 6.º, ambos do Código do IMI, que estão sujeitos a AIMI os prédios urbanos afetos a fins habitacionais e os terrenos para construção, tal como definidos no artigo 6.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código do IMI.

 

5.10.      Da interpretação dos normativos identificados resulta que se deverão entender abrangidos pela exclusão operada pelo n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI também os terrenos para construção cujos valores patrimoniais tributários foram determinados com base nos tipos de coeficiente de localização "comércio", "indústria" e "serviços", no fundo, à semelhança do que acontece com os prédios urbanos comerciais, industriais ou para serviços.

 

5.11.      Como se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 681/2017-T, não será coerente não aplicar o AIMI a edifícios destinados a comércio, indústria ou serviços e aplicá-lo a terrenos que se destinam à sua construção e cujo valor é incorporado no valor dos edifícios.

 

5.12.      Como resulta da fundamentação supra, o artigo 135.º-B do Código do IMI, quando interpretado no sentido de incluir no âmbito de aplicação do AIMI os "terrenos para construção" com fins de comércio, indústria, serviços ou outros - é manifestamente contrário ao princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado.

 

5.13.      O terreno para construção em causa, estando afeto também a comércio e aparcamento, e não sendo exclusivamente habitacional, não corresponde ao conceito legal de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, e, consequentemente, não se encontra subsumido na norma que delimita a incidência real do imposto.

 

5.14.      É manifestamente ilegal o seu enquadramento em sede de AIMI e a consequente liquidação de imposto o que justifica a sua anulação, conforme o artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c), da Lei Geral Tributária (doravante, “LGT”).

 

5.15.      Ainda que os argumentos acima descritos não fossem procedentes, sempre se teria de concluir que o imposto incidiria única e exclusivamente sobre o fim habitacional autorizado ou previsto e nunca sobre a utilização não habitacional, como seja o comércio e o aparcamento.

 

5.16.      O Valor Patrimonial Tributário (doravante, “VPT”) do prédio urbano constante da matriz relevante para efeitos de tributação tem de ser alcançado através da avaliação da parte com efetiva afetação habitacional com exclusão da parte destinada a uso não habitacional.

 

5.17.      No caso concreto, o VPT do imóvel foi fixado pela AT em €1.019.450,00, e incidiu sobre a parte habitacional, mas também sobre a parte destinada a aparcamento, comércio e serviços, pelo que foi subvertida a norma que circunscreve a incidência objetiva do imposto com as inerentes e graves distorções tributárias que resultaram na presente liquidação.

 

5.18.      O ato de liquidação é, portanto, ilegal porquanto se reconduz a uma realidade desconforme com a previsão normativa que sustenta a tributação em sede de AIMI, havendo de ser corrigido de forma a refletir apenas a realidade habitacional. E, por isso, seria sempre forçoso concluir que recaindo a tributação sobre um VPT que engloba tanto a avaliação da parte habitacional como da parte destinada a comércio e aparcamento, a liquidação erra nos pressupostos de facto e de direito e enferma de manifesta ilegalidade, porquanto também sobre a parte não habitacional incidiu o imposto exigido, o que terá de determinar a sua anulação, ainda que parcial.

 

6.            A Requerida sustenta, em síntese, que:

 

6.1.        O AIMI surge como uma tributação especial do património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social.

 

6.2.        O artigo 1.º, n.º 2 do Código do IMI foi alterado pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2018 passando a ter a seguinte redação: “2 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis, deduzido dos encargos de cobrança e da previsão de deduções à coleta de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), constitui receita do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.”.

 

6.3.        No Relatório desse Orçamento refere-se que: “A consignação da tributação progressiva do património imobiliário ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social, ao mesmo tempo que se introduz um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema. (...) 

A tributação progressiva do património imobiliário 

O adicional ao imposto municipal sobre imóveis introduz na tributação do património imobiliário um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados, com uma taxa marginal de 0,3% aplicada aos patrimónios que excedam os 600.000€ por sujeito passivo.

Para evitar o impacto deste imposto na atividade económica, excluem-se da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afetos à atividade turística, permitindo-se ainda às empresas a isenção de prédios afetos à sua atividade produtiva até 600.000€. A possibilidade de dedução do montante de imposto pago à coleta relativa ao rendimento predial constitui adicionalmente um incentivo ao arrendamento e utilização produtiva do património. Este imposto substitui o anterior imposto do selo de 1% sobre o valor do imóvel acima de 1 milhão de euros. Com uma taxa muito inferior (0,3%) é também mais justo por ter em conta o valor global do património imobiliário e não, isoladamente, o valor de cada prédio.”.

 

6.4.        Como se refere no acórdão arbitral n.º 420/2018-T, o “que o legislador pretendeu com o AIMI foi criar mais uma via de subsidiação do sistema de segurança social, que é uma das incumbências constitucionais do Estado, prevista no artigo 63.º, n.º 2, da CRP. (...)

“A essência do princípio da diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social consiste na ampliação das bases de obtenção de recursos financeiros, tendo em vista, designadamente, a redução dos custos não salariais da mão-de-obra (artigo 79.º da Lei n.º 17/2000, artigo 108.º da Lei n.º 32/2002, e artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro), o que pode explicar que não seja aplicada a nova tributação do AIMI às pessoas colectivas detentoras de prédios destinados a actividades comerciais, industriais e serviços, por a detenção de prédios desses tipos por pessoas colectivas estar normalmente associada ao exercício dessas actividades, com o correspondente pagamento de contribuições para Segurança Social, como entidades empregadoras [artigo 92.º, alínea b), da Lei n.º 4/2007, e artigos 3.º, alínea a), e 14.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de Novembro]. 

Desta perspectiva, em que o legislador, carente de financiamento para a Segurança Social, privilegia a veste de cobrador de impostos à preocupação com o equilíbrio da tributação das empresas, poderá vislumbrar-se algum fundamento para distinguir entre a titularidade de património imobiliário por pessoas que, presumivelmente, desenvolverão actividades conexionadas com o financiamento da Segurança Social (que já contribuirão para esse financiamento) e a detenção de imóveis não destinados a essas actividades, cujos titulares, tendencialmente, não estarão associados da mesma forma a esse financiamento, pelo menos com a mesma intensidade. 

Pelo que se referiu, não será completamente desprovida de explicação objectiva e racional a criação de uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social limitada ao património imobiliário que não estará já tendencialmente conexionado com esse financiamento. 

Por outro lado, a criação do AIMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, que visou introduzir na tributação «um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados», compagina-se com o objectivo de a tributação do património dever contribuir para a igualdade entre os cidadãos, afirmado no n.º 3 do artigo 104.º da CRP, pois a progressividade tem como corolário, tendencialmente, impor maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.”.  

 

6.5.        O AIMI enquanto tributação especial de património de valor elevado incide “sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular” (artigo 135.º-B, n.º 1 do Código do IMI).

 

6.6.        À semelhança do IMI são sujeitos passivos do AIMI, os proprietários, usufrutuários ou superficiários dos respetivos prédios, independentemente de se tratar de pessoas singulares ou coletivas, equiparando-se a estas "quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pelo cabeça de casal" (artigo 135.º-A, n.ºs 1 e 2 do Código do IMI).

 

6.7.        Na medida em que a modelação do quantitativo a pagar se abstrai da dimensão económica das entidades, designadamente a qualificação como pequena, média ou grande empresa, bem como, por não atingir a totalidade do património líquido das entidades, pode afirmar-se que o AIMI incidente sobre os prédios urbanos de que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários pessoas coletivas e estruturas equiparadas assume a natureza de imposto real (artigo 135.º-A, n.º 2 do Código do IMI).

 

6.8.        Ao contrário do que se visava primacialmente com a verba 28.1 da TGIS, não se pretende onerar a tributação de imóveis de luxo, pois o património imobiliário de valor avultado pode ser constituído por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor.

 

6.9.        Foram expressa e exclusivamente afastados da incidência objetiva do AIMI os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” (artigo 6.º, n.º 1, alíneas b) e d) e n.º 2 do Código do IMI).  

 

6.10.      Assim, estão sujeitos ao AIMI os prédios afetos à ''habitação" e os "terrenos para construção" tal como definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

 

6.11.      A lei clara e inequivocamente estabelece a incidência do imposto sobre os ''terrenos para construção", e isto independentemente da afetação potencial que a estes venha a caber uma vez que não constam da delimitação negativa de incidência.

 

6.12.      Ou seja, o legislador não estabeleceu o afastamento da norma de incidência fiscal dos terrenos para construção por motivos relacionados com a sua afetação potencial.  

 

6.13.      Aliás, no IMI, a jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a entender que “Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não há lugar à consideração dos coeficientes de afectação (ca) e de qualidade e conforto (cq) supra identificados.” (neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 18/11/2009, recurso n.º 765/09; de 20/04/2016, recurso n.º 824/15; acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 09/02/2017, processo n.º 5366/12; de 16/11/2017, processo n.º 907/07.9).

 

6.14.      O facto de a lei remeter, sem mais, para o artigo 6.º do Código do IMI, e por não constar expressamente na norma de delimitação negativa de incidência, conclui-se inequivocamente que a sujeição dos terrenos para construção e dos prédios classificados como habitacionais à norma de incidência do AIMI é efetuada independentemente da sua afetação potencial, bem como da natureza e especificidades do seu titular.

 

6.15.      As opções do legislador foram igualmente balizadas pela necessidade de mitigar o impacto desta tributação sobre o exercício empresarial das atividades económicas em geral, o que veio a acontecer através da exclusão dos prédios urbanos com fins industriais, comerciais e de serviços, e outros.

 

6.16.      Ainda assim, apesar de ter afastado da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros”, o legislador, optou expressamente por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção.

 

6.17.      Assim, os prédios que integram o ativo das empresas classificados como habitacionais ou terrenos para construção não estão incluídos na disposição de delimitação negativa por exclusão do âmbito de aplicação.  

 

6.18.      Ou seja, o legislador não garantiu, nem pretendeu garantir, em todos e quaisquer casos que não fosse atingido “o património imobiliário afeto ao exercício de qualquer atividade económica”.

 

6.19.      Como se refere no acórdão arbitral n.º 420/2018-T, de 05/01/2018: “A redacção do artigo 135.º-B do CIMI que veio a ser aprovada não afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afectos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas colectivas no âmbito da sua atividade económica.”. 

 

6.20.      A preocupação legislativa de “«evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada, em alguma medida, através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento». No entanto, não foi com base na atividade a que estão afectos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redacção que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ao funcionamento das pessoas colectivas. São conceitos distintos a afectação de um imóvel, que pressupõe uma utilização, e o fim a que está destinado, o «destino normal», subjacente às classificações dos imóveis, a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI. Se tivesse sido mantida, na redacção final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afectos ao funcionamento das pessoas colectivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afectação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.”.

 

6.21.      Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afetação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afetos à atividade das pessoas coletivas não relevem para a incidência do AIMI.

 

6.22.      Uma vez que na versão final aprovada e que se encontra em vigor foi expressamente estabelecida a delimitação da incidência e da exclusão de incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do Código do IMI, há, pois, que respeitar a opção do legislador!

 

6.23.      Na falta de outros elementos “o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento.”.

 

6.24.      Acresce ainda que não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil. 

 

6.25.      Assim, não se verifica qualquer ilegalidade na aplicação do AIMI.

 

6.26.      O princípio da igualdade determina que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo, todavia, a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis.

 

6.27.      Importa salientar que verdadeiramente, os terrenos para construção não são meramente instrumentais ao exercício da atividade económica, ao contrário, integram o próprio núcleo da atividade económica, com valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, i.e., podem ser vendidos, trocados, dados como garantia de obrigações e evidenciam obviamente uma determinada capacidade económica.

 

6.28.      Com efeito, a tributação consubstanciada no AIMI traduz-se numa imposição específica sobre o património (cf. artigo 4.º, n.º 1 da LGT) e não sobre o rendimento.

 

6.29.      Assim, bem se compreende, então, a solução legislativa de sujeitar a tributação todos os sujeitos passivos em atenção à titularidade das situações jurídicas relevantes sobre os prédios urbanos identificados na incidência objetiva, com independência da estruturação jurídica ou económica que possam possuir esses sujeitos passivos.

 

6.30.      Como qualquer imposto sobre o património, o AIMI está dissociado de uma eventual realização de lucro com a venda dos bens imóveis, bem como da existência, ou não, de situação líquida negativa ou positiva, relevando, para a economia do imposto, apenas o valor patrimonial dos terrenos. Quanto aos terrenos para construção, estes não se reconduzem a meros direitos de construção, de coisas futuras, e todos eles são bens autónomos, que, até, pela sua natural escassez, têm sempre valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, i.e., podem ser vendidos, trocados, dados como garantia de obrigações.

 

6.31.      E ainda que os imóveis tributados possam revelar-se instrumentais da atividade económica, os mesmos são idóneos a indicar que aquela pessoa coletiva é titular de bens que, em si mesmos, evidenciam uma específica abastança face aos demais proprietários imobiliários.

 

6.32.      Apenas seria possível entender-se de modo diverso caso a específica qualidade do sujeito passivo e/ou a sua natureza estivesse projetada no critério normativo em sindicância.

 

6.33.      O que não é, de todo, como está bem de ver e de interpretar face à letra da Lei.

 

6.34.      A detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afetação ou não a atividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, obviamente superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista.

 

6.35.      Não se vê que a tributação do património imobiliário da Requerente afronte o princípio da igualdade tributária apenas porque a titularidade de bens imóveis constitui o próprio objeto da sua atividade económica.

 

6.36.      Não se vislumbra que a tributação dos terrenos para construção, com afetação para "comércio e serviços", nos moldes em que se encontra prevista nos artigos 135.º-A e 135.º-B do Código do IMI, colida com o princípio da igualdade, da justiça e da capacidade contributiva. 

 

6.37.      Mesmo os imóveis destinados a comercialização, não deixam de evidenciar, obviamente, a capacidade contributiva do seu titular, capacidade essa que é real, mensurável e inquestionável independentemente do destino que o seu titular lhe queira dar.

 

6.38.      A ideia de que os imóveis para comercialização, não evidenciam manifestações de capacidade contributiva, constitui sem dúvida, um erro de perceção que cumpre desmistificar.

 

6.39.      Quanto à inaplicabilidade do artigo 43.º da LGT, os atos impugnados não enfermam de qualquer vício que determine a sua anulação. 

II. MATÉRIA DE FACTO

 

A.1. Factos dados como provados

 

Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considerada provada a seguinte factualidade: 

7.            Os prédios urbanos sitos na Rua ..., n.º ... e na Rua ..., n.ºs ... a ..., da freguesia da ..., concelho do Porto, foram objeto de uma operação de loteamento, sendo que o prédio urbano resultante desta operação está descrito na Conservatória de Registo Predial do Porto sob o n.º... (cfr. Caderneta Predial Urbana junta ao pedido de pronúncia arbitral). 

8.            No alvará de loteamento foi autorizada a construção de imóvel destinado a habitação nos terrenos para construção em apreço.

9.            Na Caderneta Predial Urbana junta ao pedido de pronúncia arbitral o prédio com o artigo matricial n.º..., descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o registo n.º..., é identificado como sendo um “Terreno para Construção”. 

 

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

A.3. Fundamentação na matéria de facto provada e não provada

 

10.          Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (doravante, “CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT).

 

11.          Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito.

 

12.          Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

III. DO DIREITO

 

Do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis

 

13.          A questão central no presente processo é a possibilidade de terrenos para construção com afetações potenciais não habitacionais serem excluídos do AIMI, nos termos do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI, que se transcreve:

“2 – São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.”.

14.          A referida questão não tem vindo a ser respondida de forma unânime na jurisprudência do CAAD existindo, no essencial, duas posições divergentes:

(a)          Por um lado, a posição de quem defende que os terrenos para construção que se destinem a fins “comerciais, industriais, ou serviços” ou “outros” estão excluídos de tributação em sede de AIMI. Esta posição, também defendida pela Requerente, encontra-se alicerçada, nomeadamente, na unidade do sistema jurídico, exigida pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica. Para os defensores desta tese, a unidade do sistema jurídico conduz a uma interpretação extensiva da exclusão prevista no artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI, permitindo que nesta norma se incluam os terrenos para construção. Assim, para os defensores desta orientação jurisprudencial existe uma inconstitucionalidade material resultante da não sujeição a AIMI dos edifícios destinados a comércio, indústria ou serviços, quando se tributam os terrenos que se destinam à construção de edifícios com esses mesmos fins. A oneração de alguns contribuintes em detrimento de outros constitui, portanto, para os defensores desta tese uma violação do princípio da igualdade;

(b)          Por outro lado, tem igualmente vindo a ser defendido que a norma de sujeição do AIMI é aplicável aos prédios urbanos classificados como “habitacionais” e aos “terrenos para construção”, independentemente da sua afetação potencial. Os defensores desta tese, por seu turno, salientam que a extensão do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI a terrenos para construção não é correta dado que não se verifica uma identidade entre os terrenos para construção e prédios construídos da perspetiva da teleologia da norma de exclusão.

15.          Perante as diferentes posições, perfilhamos, genericamente, a segunda, por ser, na opinião deste Tribunal, e como seguidamente se demonstra, a posição mais coerente com a letra e o espírito da lei.

16.          Com efeito, são sujeitos passivos do AIMI as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietárias, usufrutuárias ou superficiárias de prédios urbanos situados em território português (cfr. o artigo 135.º-A, n.º 1 do Código do IMI).

17.          O AIMI incide sobre a soma dos VPTs dos prédios de que sejam titulares as pessoas singulares ou coletivas (cfr. o artigo 135.º-B, n.º 1 do Código do IMI).

18.          No entanto, como referido, encontram-se excluídos do seu âmbito de aplicação os prédios rústicos, os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” tal como definidos no artigo 6.º do Código do IMI e os prédios isentos ou não sujeitos a IMI no ano anterior (cfr. o disposto nos artigos 135.º-B, n.º 2 e 135.º-C, n.º 3, alínea a), ambos do Código do IMI).

19.          A este respeito importa reiterar que a classificação como “comerciais, industriais ou para serviços”, bem como a classificação como “outros” é a que resulta do próprio Código do IMI, em particular, do artigo 6.º deste Código.

20.          Este ponto é de particular relevo, uma vez que a classificação de prédios urbanos resultante do artigo 6.º do Código do IMI prevê expressamente a existência de “terrenos para construção” (artigo 6.º, n.º 1, alínea c)), sendo estes, contudo, deixados de fora do elenco da norma de exclusão prevista no artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI.

21.          Assim, não se faz qualquer referência à afetação futura ou potencial dos terrenos para construção, como fator de relevo na exclusão destes de tributação.

22.          Com efeito, o legislador classificou os prédios urbanos em quatro espécies: (i) habitacionais; (ii) comerciais, industriais ou para serviços; (iii) terrenos para construção; e (iv) outros (cfr. o artigo 6.º, n.º 1 do Código do IMI).

23.          Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2 do Código do IMI os prédios urbanos comerciais, industriais ou para serviços “são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

24.          Já os terrenos para construção consistem nos “terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.” (cfr. artigo 6.º, n.º 3 do Código do IMI).   

25.          Para efeitos de AIMI, são, assim, sujeitos a tributação os prédios urbanos que sejam classificados como habitacionais e terrenos para construção.

26.          Ora, a interpretação das normas, nomeadamente das acima transcritas, deve dispor de um mínimo de correspondência com a letra da lei.

27.          Com efeito, nos termos do artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil aplicável por força do artigo 11.º, n.º 1 da LGT: “[n]ão pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.”.

28.          Consideramos, na verdade, que se o legislador tivesse querido excluir do AIMI os prédios potencialmente ou futuramente aptos a desenvolver uma atividade económica de natureza comercial, industrial, de serviços, teria adotado uma formulação que permitisse atribuir esse alcance à norma.

29.          Desta forma, concluímos que o legislador não quis excluir esses prédios do âmbito de aplicação objetivo do AIMI.

30.          Ou seja, o critério utilizado para circunscrever os prédios excluídos prende-se com as tipologias previstas no artigo 6.º e não com a afetação potencial dos prédios à atividade económica do sujeito passivo.

31.          Em todo o caso, o intérprete deve recorrer a outros elementos de interpretação para além do elemento literal, nomeadamente os elementos histórico e teleológico, pelo que continuaremos a nossa análise.

32.          Ora, o AIMI foi criado pelo artigo 219.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2017, doravante, “OE 2017”), tendo entrado em vigor no dia 1 de janeiro de 2017, e sido aditado ao Código do IMI nos artigos 135.º-A a 135.º-L.

33.          Do Relatório do OE 2017 pode-se retirar que “[o] adicional ao imposto municipal sobre imóveis introduz na tributação do património imobiliário um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados, com uma taxa marginal de 0,3% aplicada aos patrimónios que excedam os 600.000€ por sujeito passivo. Para evitar o impacto deste imposto na atividade económica, excluem-se da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afetos à atividade turística, permitindo-se ainda às empresas a isenção de prédios afetos à sua atividade produtiva até 600.000€. A possibilidade de dedução do montante de imposto pago à coleta relativa ao rendimento predial constitui adicionalmente um incentivo ao arrendamento e utilização produtiva do património. Este imposto substitui o anterior imposto do selo de 1% sobre o valor do imóvel acima de 1 milhão de euros. Com uma taxa muito inferior (0,3%) é também mais justo por ter em conta o valor global do património imobiliário e não, isoladamente o valor de cada prédio.” (Relatório OE 2017 do Ministério das Finanças, pp. 57 e 60) (disponível em https://www.dgo.pt/politicaorcamental/OrcamentodeEstado/2017/Proposta%20do%20Or%C3%A7amento/Documentos%20do%20OE/Rel-2017.pdf) (negrito e sublinhado nossos).

34.          A preocupação expressa no Relatório do OE 2017 refere-se a uma “utilização produtiva do património” e não ao seu potencial produtivo.

35.          Parece também resultar do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI uma preocupação extrafiscal que se traduz num “incentivo”, para utilizar as palavras do referido relatório, a uma utilização efetiva e produtiva dos prédios na atividade comercial, industrial ou de serviços.

36.          Assim, pese embora nos termos do artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil a interpretação não se deva cingir única e exclusivamente à letra da lei “mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, a referida norma não concede, assim o entende este Tribunal, uma permissão ao intérprete para retirar sentidos da norma não resultantes da sua letra e não pretendidos pelo legislador, mas antes dissipar alguma imperfeição da letra da lei, adequando-a, nomeadamente, ao pensamento legislativo (cfr. artigo 9.º do Código Civil).

37.          No caso concreto, contudo, cumpre assumir, que o legislador expressou corretamente o seu pensamento nos termos e para os efeitos do artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil.

38.          Desta feita, conclui-se que o terreno para construção detido pela Requerente, ainda que venha a ser parcialmente destinado a atividades comerciais, é sujeito a AIMI não se encontrando excluído da respetiva incidência objetiva do tributo.

39.          Repare-se que, enquanto a exclusão de tributação relativa a prédios construídos e classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” ou como “outros” se traduz num incentivo à construção e exploração efetiva de uma atividade económica, o mesmo não acontece com a exclusão de um terreno para construção que, por si só, não tem associado um incentivo à edificação (podendo mesmo resultar num desincentivo à construção).

40.          Com efeito, os terrenos para construção podem manter este enquadramento, i.e., não ser afetos a atividades materialmente comerciais, industriais, de serviços ou outras, durante um período longo.

41.          Assim – caso o critério não fosse o da sua recondução à categoria de prédio urbano classificado como comercial, industrial, serviços ou outros – o prédio não seria sujeito a tributação sem estar afeto a uma utilização produtiva.

42.          Mais, do ponto de vista jurídico, é possível alterar a afetação de um terreno para construção, o que poderia conduzir a situações de não tributação por força de uma mera afetação potencial, seguida de uma alteração da classificação, sem que esta passasse a ser, obrigatoriamente, reconduzível às categorias de prédios “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros”.

43.          Como decorre do acórdão arbitral proferido no processo n.º 654/2017-T, de 03/09/2018, “[n]ão se contestando que sob o ponto de vista de política fiscal a solução pudesse ter sido diferente, e ressalvado o muito respeito por outras opiniões, julga-se que a exclusão de tributação da totalidade ou parte dos “terrenos para construção” não foi a solução adoptada, já que o n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI apenas prevê a exclusão de tributação relativamente ao AIMI dos prédios urbanos classificados “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”, precisamente nos termos das alíneas b) e d), do n.º 1 do artigo 6.º, o que conduz, inevitavelmente, à tributação dos prédios previstos nas duas restantes alíneas desse mesmo artigo 6.º do CIMI, ou seja, prédios urbanos, classificados como “habitacionais” (al. a)) ou como “terrenos para construção” (al. c)). Abrangidos pela tributação em causa, nos termos da letra da lei, estão todos os prédios urbanos classificados como “habitacionais” e todos os prédios urbanos classificados como “terrenos para construção”, e não apenas alguns deles, sendo que caso o legislador, na sua norma de exclusão de tributação, pretendesse excluir uma parte dos prédios referidos nas alíneas a) e c), do nº. 1 do artº. 6º. do CIMI, teria tido todas as possibilidades de o fazer. Do mesmo, poderia o legislador ter alterado as espécies de prédios urbanos previstas no artigo 6.º do CIMI, por exemplo, sub-dividindo os terrenos para construção consoante os fins a que os mesmos se destinassem, o que não aconteceu. Relativamente à possibilidade de interpretação extensiva da exclusão consagrada no referido n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, em ordem a abranger os terrenos para construção não destinados a habitação – solução adoptada nas decisões que acolheram pretensões semelhantes à da Requerente, ora em apreço – julga-se, sempre ressalvado o respeito devido a outros entendimentos, que não será de acolher. Assim, e desde logo, crê-se que não se verifica a identidade de situações à luz dos critérios juridicamente relevantes, necessária a operar a referida extensão da cláusula de exclusão da sujeição objectiva, ou seja, não se afigura que os terrenos para construção se encontrem numa situação idêntica à dos prédios construídos, do ponto de vista da teleologia daquela cláusula de exclusão. De um ponto de vista teleológico, tal cláusula terá subjacente, em primeira linha, o propósito de onerar com o AIMI os prédios afectos, ou susceptíveis de afectação imediata, a processos produtivos, não se revestindo os terrenos para construção, de tais características, dado que enquanto um prédio construído estará, ou será susceptível de ser imediatamente, afectado a processos produtivos, os terrenos para construção não se encontram em tal situação. (…) Efectivamente, os prédios já construídos possuem uma realidade material correspondente à tipologia que lhes cabe. Ou seja, a um prédio construído e licenciado para, ou que tenha como destino normal, o comércio, a indústria ou serviços, corresponderá a uma realidade material adequada tais finalidades e, para o que interessa, objectivamente distinta de um prédio construído e licenciado, ou com destino normal, para habitação. Os terrenos para construção, por seu lado, distinguem-se dos restantes terrenos num plano meramente jurídico, ou seja, em função de uma actuação de um ente público (concessão de licença ou autorização, admissão de comunicação prévia ou emissão de informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção – cfr. art.º 6.º/3 e 37.º/3 do CIMI) ou dos proprietários (declaração de finalidade no título aquisitivo; cfr. art.º 6.º/3 do CIMI), às quais a Lei atribui determinados efeitos jurídicos. Deste modo, em função da apontada diferenciação material, a alteração da afectação de um terreno para construção, do ponto de vista das notas relevantes para a problemática em causa, poderá ser simples, bastando, por exemplo, uma mera declaração no título aquisitivo, a apresentação e admissão de uma comunicação prévia, ou a apresentação e aprovação de um pedido de informação prévia. Já a alteração da finalidade de um edifício construído, de habitação para comércio/indústria/serviços, ou vice-versa, implicará, sob um ponto de vista da normalidade, a realização de obras mais ou menos profundas (e necessários licenciamentos). Acresce ainda que um prédio construído tem incorporado um valor significativo correspondente à construção, que, mesmo nos casos em que não esteja concretamente afectado à utilização intendida, constituirá um incentivo natural à sua exploração económica uma vez que, sempre de um ponto de vista da normalidade, um imóvel construído não só não gerará rendimentos, como se desvalorizará (em função da sua degradação) pela sua não utilização. Já um terreno para construção, não só não incorpora, de per si, qualquer incentivo natural para a sua edificação e subsequente afectação a uma actividade produtiva, como, também de um ponto de vista de normalidade, poderá ocorrer precisamente o contrário, ou seja, em função de determinadas condições de mercado que criem expectativas de ganhos meramente especulativos, poderão existir incentivos para os respectivos proprietários manterem a sua condição de terrenos não edificados.” (Cfr. Acórdão arbitral do CAAD proferido no processo n.º 654/2017-T, de 03/09/2018) (negritos e sublinhados nossos).   

44.          No mesmo sentido, veja-se – a título exemplificativo – os acórdãos arbitrais do CAAD proferidos nos processos n.ºs 664/2017-T, de 26/06/2018; 667/2017-T, de 05/09/2018; e 676/2017-T, de 16/07/2018.   

45.          Sem prejuízo de se considerar que a tributação de apenas algum património (no caso concreto o património imobiliário) - contrariamente à tributação do património global - coloca o princípio da capacidade contributiva em tensão, não parece a este Tribunal que a tributação de prédios para construção seja o elemento determinante para considerar a existência de uma inconstitucionalidade,

46.          Já que, para efeitos de aplicação do princípio da igualdade, os terrenos para construção com afetação potencial de comércio, indústria e serviços não se assemelham aos prédios construídos já afetos a esses fins.

47.          Em suma, o princípio da igualdade implica, por um lado, que sejam tratados de forma igual todos aqueles que se encontrem em situação igual e, por outro, recebam um tratamento diferente os que se encontrem em situação desigual. Contudo, no caso em apreço, prédios “comerciais, industriais ou para serviços” não parecem estar numa situação comparável com “terrenos para construção”.

48.          Mas mais, parece existir um objetivo extrafiscal de incentivo à atividade produtiva, pelo que um juízo de inconstitucionalidade deveria assentar na desproporcionalidade da medida, o que não parece verificar-se nos termos já explicados supra.

49.          Ainda, conforme resulta do Acórdão n.º 299/2019, do Plenário do Tribunal Constitucional, de 21 de maio de 2019, “o âmbito de incidência do AIMI, mesmo que norteada por uma ótica pessoal, não pode deixar de se reconhecer que os terrenos para construção são bem distintos dos prédios urbanos já construídos e afetos a uma finalidade específica por via de licenciamento ou utilização normal. Na verdade, e assentando, como se viu, a razão da não tributação dos prédios urbanos, comerciais, industriais, para serviços ou outros no propósito de promover o bom funcionamento das atividades económicas – o que implica a criação de estímulos à reafectação de recursos a fins produtivos, de forma a incrementar o crescimento económico -, os terrenos para construção apenas podem contribuir para esse desiderato em potência, num futuro hipotético e condicional,  pois mesmo que se tenha formado um direito a construir, nada impede a mudança de vontade do seu titular relativamente ao destino a dar ao prédio. Para além de que o que releva para efeitos da tributação anual em AIMI é o valor patrimonial tributário do prédio existente e constante da matriz, pois não se pode tributar uma capacidade contributiva futura e eventual, mas apenas a capacidade contributiva atual e efetiva. Os terrenos para construção constituem um ativo económico com valor patrimonial, em si mesmo revelador de capacidade contributiva do seu titular, estando, por isso, constitucionalmente legitimada a sua inclusão no acervo patrimonial globalmente sujeito a AIMI, independentemente do que neles venha a ser efetivamente implantado.”.

50.          Refere ainda o referido Acórdão, que “é claro que, obedecendo a teleologia da norma do n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI ao desiderato de não onerar excessivamente os ativos imobiliários com função intermediária no seio de organização empresarial do sujeito passivo, quanto aos terrenos para construção esse nexo funcional não se encontra ainda estabelecido com suficiente garantia, uma vez que o seu titular não está em absoluto impedido de alterar a finalidade projetada, de modo a destinar à construção de prédios para habitação terrenos inicialmente licenciados para construção com outras destinações. Já no caso dos prédios edificados, com fins de comércio, indústria, serviços ou outros, mesmo que não se possa excluir a possibilidade de vir a existir desconformidade entre a utilização normal e a materializada, mormente nos casos em que não haja licenciamento, ou outra intervenção constitutiva de direitos dos poderes públicos, assume o legislador que a probabilidade de um tal desvio é escassa e, nessa medida, que o risco se mostra insuficiente para colocar em crise a conformação do imposto. Uma tal avaliação empírica, que não se evidencia desrazoável, situa-se na margem de liberdade de conformação do legislador democrático, não cabendo ao Tribunal proceder ao seu escrutínio no âmbito do controlo da igualdade, na sua vertente negativa, aqui convocada.

Assim sendo, nem o termo eleito para comparar as situações jurídico-subjetivas – a utilização potencial dos prédios urbanos – comporta relevo no núcleo problemático em equação, nem os titulares das duas tipologias de prédios urbanos postas em confronto – terrenos para construção com fins de comércio, indústria, serviços ou afins, por um lado, e prédios construídos classificados, de acordo com o artigo 6.º do Código de IMI, como «comerciais, industriais ou para serviços» ou «outros», por outro - estão em posição equiparável, de acordo com o facto tributário e a estrutura de incidência objetiva do AIMI, pelo que não se encontra, também neste ponto, fundamento para suportar um juízo de inconstitucionalidade da norma questionada, na específica hipótese em apreciação.»”.

51.          Por outro lado, relativamente à verba 28.1 da TGIS - que impunha uma tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação autorizada ou prevista, fosse para habitação nos termos do disposto no Código do IMI, cujo VPT fosse igual ou superior a € 1.000.000,00 – cabe-nos referir, em primeiro lugar, que a redação do artigo 135.º-B do Código do IMI não coincide com a redação da referida verba.

52.          Repare-se que a verba 28.1 da TGIS estabelecia o seguinte: “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:  

28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %” (negrito e sublinhado nossos).

53.          Uma vez que a norma em causa no presente acórdão arbitral não dispõe do mesmo conteúdo que a norma prevista na anterior verba 28.1 a jurisprudência sobre esta não pode ser totalmente transposta para o caso em apreço.

54.          As diferenças interpretativas entre as duas normas são, aliás, facilmente compreensíveis e, ademais, justificam a interpretação que ora se defende.

55.          Com efeito, o legislador, no contexto da verba 28.1 da TGIS, refere-se expressamente a uma utilização previsível (“edificação, autorizada ou prevista”), enquanto que na norma constante do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, não se faz qualquer referência a uma afetação potencial, mas sim à classificação efetuada nos termos do artigo 6.º do mesmo Código.

56.          Ou seja, quando o legislador pretendeu conferir um tratamento diferenciado aos prédios para construção, consoante a sua afetação potencial fê-lo com clareza.

57.          Por último, refere ainda a Requerente que o VPT do prédio deve ser alcançado através da avaliação da parte com efetiva afetação habitacional com exclusão da parte destinada a uso não habitacional.

58.          Ora, tendo-se concluído que o AIMI não distingue a afetação potencial dos prédios, o imposto deverá incidir sobre a totalidade do VPT, não se considerando, desta forma, a liquidação (parcialmente) ilegal.

 

B.1. Dos juros indemnizatórios

 

59.          A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela Requerida, bem como de pagamento de juros indemnizatórios.

60.          Não sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, não se pode concluir pela existência de pagamentos indevidos e, consequentemente, não se justifica a anulação das liquidações nem o pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

 

IV. DA DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de AIMI n.º 2018..., relativa ao ano de 2018, no montante de €4.077,80 e, em consequência, condenar a Requerente nas custas do processo.

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

 

Fixa-se o valor do processo em €4.077,80, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 11 de setembro de 2019

 

 

O Árbitro,

 

(Leonardo Marques dos Santos)